0.6 | 𝗔𝗝𝗨𝗗𝗔𝗡𝗗𝗢 𝗨𝗠 𝗔𝗠𝗜𝗚𝗢
2° Temporada
𝖬𝖠𝖳𝖠𝖣𝖮 𝖠𝖫𝖦𝖴𝖤́𝖬
Warnings:Angústia,sangue e hematomas,menções de morte.
— Para onde eu viro agora? — Maevie perguntou enquanto dirigia, seus olhos alternando entre a estrada e o menino que estava no banco do passageiro.
Spencer, com uma expressão concentrada, olhou rapidamente para o mapa mental que tinha traçado em sua mente. — Esquerda — respondeu, apontando pela janela enquanto a estrada de terra se estendia diante deles.
Maevie assentiu e girou o volante para a esquerda, mantendo o pé firme no acelerador enquanto a estrada se transformava em uma trilha estreita e cheia de buracos. O motor do carro zumbia, e cada solavanco fazia os ocupantes se moverem de leve nos assentos.
— Como você aprendeu a dirigir? — A voz curiosa de Sophia quebrou o silêncio que pairava no ar. Ela estava sentada no banco de trás, seus olhos grandes focados em Spencer, quase como se estivesse esperando que ele revelasse algum segredo incrível.
Spencer deu de ombros, como se não fosse nada demais. — Jogando videogame.
Sophia inclinou a cabeça, surpresa e impressionada ao mesmo tempo. — Sério? — Seus olhos se arregalaram, e ela sorriu de forma genuína quando ele confirmou com um aceno. — Que legal!
Maevie riu baixinho. A ideia de alguém aprendendo habilidades tão práticas com videogames sempre a fazia sorrir. “Quem diria que os jogos serviriam de algo tão útil”, pensou, embora tivesse uma leve preocupação em deixar um adolescente "aprendiz de videogame" dar conselhos sobre direção em um apocalipse.
Não demorou mais que dez minutos até que o carro desacelerasse, finalmente parando em frente a uma porteira de madeira. A porteira, pintada de branco desbotado pelo tempo, estava entreaberta. Maevie se preparava para acelerar e entrar, quando Spencer gritou, erguendo uma das mãos para impedi-la.
— Espera! — Sua voz soou aguda, carregada de preocupação. Seu rosto estava tenso, e uma sombra de confusão passava por seus olhos castanhos. — Tenho certeza de que fechei essa porteira antes de sair.
Maevie sentiu um arrepio de alerta percorrer sua espinha. Ela imediatamente puxou o freio de mão, a tensão tomando conta de seu corpo. Seus olhos escanearam o ambiente ao redor, as árvores altas que cercavam a área, as folhas sussurrando com o vento fraco. Algo parecia errado, mas ela não queria alarmar as crianças.
— Tem certeza, Spencer? — Sua voz estava firme, mas suave, tentando manter o menino calmo enquanto avaliava a situação.
Spencer balançou a cabeça com convicção, seus lábios formando uma linha fina. — Claro que tenho! — Ele bateu levemente na própria testa com a mão aberta. — Tenho memória fotográfica.
Maevie suspirou, seu cérebro já processando as possíveis explicações. — Bom... temos duas opções — começou ela, suas palavras saindo devagar, como se estivesse pensando em voz alta. — A primeira é que você talvez não tenha fechado o portão direito... — Ela fez uma pausa, avaliando a reação dele. — A segunda... é que alguém entrou.
O silêncio que se seguiu era palpável. Sophia, no banco de trás, parecia segurar a respiração, esperando pela próxima palavra de Maevie. Os olhos de Spencer estavam fixos na porteira, sua mente obviamente trabalhando tão rápido quanto a dela.
Maevie apertou os lábios por um momento, seus olhos nunca deixando a estrada à frente, onde o portão aberto parecia uma entrada convidativa para algo mais sombrio. — Mas eu vou apostar que é a primeira opção — murmurou, tentando manter o tom leve, embora seus instintos gritassem para ela estar alerta.
Spencer, porém, era mais perspicaz do que a maioria das crianças de sua idade. Ele estreitou os olhos para Maevie, como se tentasse ver através de seu otimismo improvisado. — Você está apenas tentando pensar positivo, não está?
Maevie bufou baixinho, um meio sorriso surgindo em seu rosto. O garoto era como uma pequena versão dela mesma, e isso a fez rir, mesmo que a situação não fosse nada engraçada. — Droga... — pensou ela consigo mesma. — um mini-Maevie.
𝖬𝖨𝖭𝖴𝖳𝖮𝖲 𝖠𝖭𝖳𝖤𝖲,𝖭𝖠 𝖤𝖲𝖳𝖱𝖠𝖣𝖠...
— Sou Spencer... Spencer Higgins. — O menino respondeu, com um certo desconcerto na voz, mas havia uma educação em seu tom que surpreendia para alguém tão jovem. Seus olhos piscavam entre o receio e a curiosidade enquanto observava Maevie e Sophia.
Maevie, sempre disposta a descontrair as situações tensas, sorriu levemente antes de perguntar, em um tom brincalhão: — Diga-me, Spencer Higgins, o que um menininho está fazendo dirigindo um carro por aí?
Spencer suspirou, parecendo relaxar um pouco, como se sentisse que poderia confiar naquela mulher de cabelos ruivos alaranjados como o sol de fim de tarde. — Estou procurando meus pais. — Sua voz era firme, mas havia um toque de tristeza escondido ali. — Eles disseram que viriam para a rodovia, mas não voltaram ainda. Eu estava ficando preocupado, então... peguei o carro e resolvi ir atrás deles.
Maevie arqueou uma sobrancelha, surpresa pela audácia do garoto, mas ao mesmo tempo, não podia deixar de admirar sua coragem. — O que você fez foi muito imprudente — comentou ela, sua voz suave, mas firme. — Mas, sabe, te entendo... se fosse com meus pais, eu provavelmente faria a mesma coisa. — Havia uma empatia sincera no tom dela, que fez o garoto esboçar um pequeno sorriso.
O breve momento de ligação entre eles foi interrompido quando Spencer olhou para Maevie com uma curiosidade renovada. — E o que vocês duas fazem sozinhas em uma estrada engarrafada? — Ele perguntou, o tom sugerindo que ele também estava tentando juntar as peças da situação.
Sophia, que até então permanecia um pouco atrás de Maevie, finalmente saiu da sombra protetora da mulher e respondeu com a mesma curiosidade infantil de Spencer: — Não estamos sozinhas.
Spencer franziu o cenho, olhando ao redor. Ele gesticulou para os carros abandonados ao redor. — Ah, não? Porque só vejo vocês duas... e um monte de carros velhos.
Maevie soltou uma risada suave, sacudindo a cabeça. — Nosso grupo está mais à frente — mentiu ela de maneira calculada, sem parecer suspeita. — Só viemos explorar um pouco. — Claro, ela sabia que não era a história completa, mas Spencer não precisava de todos os detalhes. Era melhor manter o garoto calmo e com a mente focada.
Spencer ficou em silêncio por um momento, observando Maevie com aqueles olhos que pareciam muito mais velhos do que a idade sugeria. Após uma breve pausa, ele deu de ombros, mas havia um peso em suas palavras quando murmurou: — Eu só espero que meus pais não estejam muito longe...
Maevie sentiu uma tensão silenciosa subir por sua espinha. A verdade era que, no mundo em que viviam agora, cada decisão e cada passo poderia significar a diferença entre a vida e a morte. Ela sabia que, apesar de tentar tranquilizar o menino, o desconhecido sempre trazia uma carga pesada. Inspirando fundo, Maevie colocou a mão suavemente no ombro de Spencer, dando-lhe um aperto leve e reconfortante.
— Tenho certeza de que eles estão bem, Spencer — ela disse, tentando manter o tom o mais calmo possível, embora sua mente estivesse em mil direções. Em seguida, ela olhou para Sophia, que rapidamente entendeu o que Maevie estava tentando fazer.
— Sim! — disse Sophia, com uma tentativa de ser animada e reconfortante. — Eles podem ter pegado um atalho, sabe? Às vezes, quando a estrada está bloqueada, a gente faz isso — completou, tentando soar otimista, apesar de seu próprio nervosismo.
Maevie assentiu, apreciando o esforço de Sophia. — Exatamente. Que tal eu e a Sophia te levarmos de volta para casa? Assim, você pode se encontrar com eles em segurança, e depois voltamos para a estrada.
Spencer hesitou, olhando para o horizonte como se ainda pudesse decidir seguir sozinho. — Eu posso ir dirigindo sozinho. Não quero incomodar vocês — murmurou, tentando soar independente, mas havia uma vulnerabilidade em sua voz.
Maevie sorriu com ternura, balançando a cabeça. — Isso está fora de cogitação, certo, Sophia? — Ela lançou um olhar para a menina ao seu lado.
— Com certeza! — concordou Sophia, acenando com convicção. — Vamos te deixar em segurança com seus pais e depois voltamos para encontrar o nosso grupo.
— Tudo bem... mas vocês voltam de carro, certo? Não quero que vocês andem por aí à noite. É perigoso — disse Spencer, agora adotando um tom protetor, como se estivesse assumindo a responsabilidade de cuidar delas também, apesar da pouca idade.
— Você é um fofo — Maevie disse com um sorriso sincero, tocada pela preocupação do menino. — Agora, por que não pula para o banco do passageiro? Quanto mais rápido formos, mais rápido você verá seus pais.
Spencer, finalmente se rendendo, deu um pequeno sorriso e correu animado para o banco do passageiro. Enquanto ele se ajeitava, Maevie aproveitou o momento para conversar com Sophia.
— Está tudo bem para você se formos deixá-lo primeiro? Se preferir, eu posso levá-la até sua mãe e depois volto para levá-lo aos pais dele.
Sophia sorriu de volta, já mais madura e compreensiva do que sua idade sugeria. — Tudo bem. Ele precisa ver os pais dele logo. Eu ainda tenho você, e ele está sem ninguém agora.
O coração de Maevie se aqueceu diante da resposta. Ela sorriu com orgulho, passando a mão gentilmente pelos cabelos da menina. — Você é incrível, sabia disso? — disse, com um olhar carinhoso. — Agora vamos, entre no banco de trás. Vamos levar Spencer para casa e depois encontrar o nosso grupo.
Sophia acenou, entrando no carro e se ajeitando enquanto Maevie tomava o volante novamente. Spencer estava ao lado, mais relaxado, enquanto Maevie girava a chave e o motor roncava para a próxima etapa de sua jornada.
𝖭𝖠 𝖥𝖠𝖹𝖤𝖭𝖣𝖠
Maevie ajustou o cinto de segurança, ouvindo o som do clique que quebrou o silêncio dentro do carro. As crianças olharam imediatamente para ela, com expressões de curiosidade e incerteza.
— O que você tá fazendo? — Spencer perguntou, a testa franzida em uma mistura de surpresa e preocupação.
Maevie virou-se para eles, seus olhos azulados firmes, mas gentis. — Vou dar uma olhada lá fora. Vocês ficam dentro do carro, e quero que travem as portas, ok?
— Mas... — Spencer começou a argumentar, mas Maevie interrompeu rapidamente, seu tom suave, porém determinado.
— Sem "mas". Eu já me decidi — disse ela, virando-se para Sophia com um olhar sério. — Assim que eu sair, travem as portas. Só abram quando eu bater no vidro, entendido? Não importa o que aconteça ou que som vocês ouçam. Fiquem aqui, seguros. Eu sei me cuidar.
Os dois pareciam meio reticentes, mas acabaram concordando com um aceno. Maevie ergueu uma sobrancelha, como se estivesse esperando uma confirmação mais firme.
— Sim, Tia Evie — disse Sophia, o medo estampado nos olhos, mas a voz decidida.
— Entendido, Maevie — respondeu Spencer, com um tom sério, mais firme do que o usual.
— Isso aí. — Maevie pegou o machado no chão do carro, segurando-o com firmeza. Estava pronta para sair quando Spencer a surpreendeu, tocando em seu braço.
— Espera! — ele exclamou, e se inclinou para abrir o porta-luvas. Com um movimento ágil, retirou uma pistola preta, aparentemente deixada ali pelo pai, e a entregou para Maevie. — Meu pai deixou isso aqui... só por precaução. Achei que você devia usar.
Maevie olhou para ele por um instante, avaliando a situação, mas acabou pegando a arma. Ela sentiu o peso do metal frio em sua mão e o colocou no bolso enquanto prendia o machado no cinto, onde estaria ao alcance.
Antes de sair, lançou um último olhar para as crianças. Sophia a observava com seus olhos castanhos-esverdeados arregalados, claramente assustada, mas tentando disfarçar.
— Tenha cuidado, Tia Evie — sussurrou Sophia. Maevie deu um sorriso encorajador, tentando tranquilizá-la. — Eu sempre tenho, lembra?
Com um último olhar de despedida, ela abriu a porta, sentindo o ar frio do lado de fora. Assim que saiu, ouviu o som das travas das portas sendo acionadas, e viu as duas cabeças curiosas e preocupadas espiando pela janela enquanto ela fechava a porta do carro.
A loira morango segurou a pistola firme, sentindo o cabo da arma em suas mãos enquanto avançava com passos silenciosos.
—
Cada passo de Maevie sobre os degraus de madeira era um desafio contra o silêncio. O piso rangia sob seus pés, um ruído áspero que parecia preencher o vazio da noite ao redor. Com o coração acelerado, ela subiu as escadas que levavam à varanda da casa. Tentava ao máximo não fazer barulho, mas cada estalo parecia alto demais, como se pudesse alertar qualquer ameaça escondida ali dentro.
Quando chegou à porta, percebeu que estava entreaberta. Segurou a arma com firmeza, posicionando-a à sua frente, pronta para reagir a qualquer sinal de perigo. Ela respirou fundo, tentando acalmar os nervos, e deu mais alguns passos até a janela lateral. Ali, por uma brecha entre as cortinas empoeiradas, ela espiou o que havia no interior.
A visão fez seu estômago revirar: os móveis estavam revirados e havia manchas de sangue nos tapetes e nas paredes. Ela desviou o olhar da janela, sacudindo a cabeça para se livrar da imagem perturbadora e se concentrou em seu objetivo: descobrir o que havia acontecido com os pais que Spencer tanto esperava encontrar.
Voltou para a porta e a empurrou suavemente com o pé, segurando a respiração enquanto a madeira cedia sem um ruído. Ela agradeceu mentalmente por isso. Assim que entrou, uma onda gélida de adrenalina percorreu seu corpo, e o que viu ali a deixou apavorada.
Os móveis estavam em completa desordem, e o cheiro de sangue era forte no ar. Maevie avançou lentamente, seus olhos percorrendo o local em busca de qualquer sinal de vida. Foi então que os viu: dois corpos caídos no chão, um homem e uma mulher cobertos de sangue e hematomas. A angústia de Maevie se intensificou. O casal estava imóvel, e ela temia que talvez fosse tarde demais para ajudá-los.
Com passos cuidadosos, ela se aproximou dos corpos, engolindo em seco. Uma voz em sua mente insistia que talvez ainda houvesse esperança, que ela precisava agir rápido. Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, sentiu um movimento atrás de si. Uma sombra se aproximou sem que ela percebesse.
Antes que pudesse reagir, algo cortou o ar, e uma dor lancinante atravessou sua bochecha. O corte foi rápido, uma linha ardente que logo começou a sangrar. Maevie se virou, surpresa, e viu um homem encapuzado com uma faca ensanguentada. Ele a encarava com olhos frios e sem expressão, prontos para atacar novamente.
Maevie agiu por instinto e apertou o gatilho, mas o disparo foi de raspão, mal arranhando o ombro do homem. Ele avançou sobre ela com força, e a arma escapou de sua mão, caindo no chão com um som seco. Agora ela estava desarmada, e a única coisa que a separava da morte era sua própria resistência.
Eles se engajaram em uma luta corporal brutal. O homem atacou com a faca novamente, e Maevie esquivou-se o máximo que pôde, usando toda sua força para afastá-lo. A dor em sua bochecha latejava, mas ela não podia perder o foco. Usando o peso de seu corpo, empurrou-o contra uma parede, tentando desequilibrá-lo.
O invasor retaliou com um soco que a fez cambalear para trás, mas Maevie recuperou o equilíbrio a tempo. Viu que a faca havia caído no chão entre eles. Antes que ele pudesse pegá-la, ela se jogou sobre ele, os dois caindo no chão em uma luta desesperada. Maevie conseguiu dar-lhe uma joelhada no abdômen, o que o fez soltar um grunhido de dor.
Ela aproveitou a brecha e, num movimento rápido, agarrou a faca caída. Com a adrenalina dominando seu corpo, cravou a lâmina no lado do pescoço do homem, sentindo o impacto atravessar sua mão. Ele soltou um grito abafado, seus olhos arregalados de dor e surpresa, até que a vida começou a se esvair lentamente de seus olhos.
Maevie se afastou, ofegante, e viu o corpo do invasor desabar no chão. O silêncio pesado da casa a envolveu, trazendo de volta o cheiro metálico do sangue e a visão caótica ao seu redor. Ela respirava com dificuldade, ainda em choque pelo que acabara de acontecer. A realidade começava a se instalar.
Ela havia matado alguém.
Mas não havia tempo para lidar com isso agora. Ainda havia o casal no chão, e ela não sabia se ainda estavam vivos. Ignorando o tremor em suas mãos, Maevie se aproximou dos corpos e se agachou ao lado deles, sua mente focada em verificar sinais de vida.
—
Maevie ficou paralisada ao lado dos corpos, seu coração martelando com uma mistura de culpa e impotência. Observava o casal estendido no chão, sem vida, como se o peso de tudo o que acabara de acontecer estivesse apenas começando a se manifestar. Cada detalhe parecia gravado em sua mente: os hematomas, o sangue seco nos rostos e o silêncio aterrador que agora tomava conta da casa.
A lâmina em sua mão tremia levemente, e ela sentia o corte em sua própria bochecha, ardendo como um lembrete de que tinha acabado de lutar, de que alguém tinha caído sob sua mão. Mesmo que fosse em legítima defesa, era impossível afastar o sentimento avassalador de que havia cruzado mais uma linha. Esse não era o tipo de luta que a deixava mais forte; era uma marca que se somava a tantas outras, um peso que seria difícil de carregar.
Ela respirou fundo, tentando afastar o tremor em suas mãos, mas as lágrimas ameaçavam escapar de seus olhos. Fechou-os por um instante, lutando contra a maré de emoções que queria transbordar. Sabia que não podia ceder ao desespero ali, naquela casa de morte e destruição.Precisava manter a compostura, se não por ela, pelo menino que esperava no carro.
Quando ergueu os olhos novamente, sentiu o peso da responsabilidade que a aguardava. Como contaria a Spencer que seus pais estavam mortos? A pergunta queimava em sua mente, cruel e persistente. Havia a possibilidade de mentir, de suavizar a realidade de alguma forma, mas no fundo, Maevie sabia que ele merecia a verdade. Mesmo que a dor fosse insuportável, a verdade ainda era menos traiçoeira do que uma mentira. Uma mentira deixaria marcas ainda mais profundas, uma desconfiança que ela jamais conseguiria remediar.
Maevie respirou fundo mais uma vez, tentando encontrar as palavras certas, ainda que soubesse que elas provavelmente não existiam. "Isso vai destruí-lo," pensou. "Mas eu não posso fugir disso." Enxugou as lágrimas com a manga da jaqueta, reunindo a coragem que restava para encarar Spencer com dignidade, com honestidade.
Afinal, ela era a única pessoa que ele tinha naquele momento.
—
Depois de lavar as mãos na torneira enferrujada ao lado da casa, Maevie respirou fundo, tentando se recompor. Cada passo em direção ao carro parecia um esforço maior do que o anterior. A queda durante a luta reabriu o corte em sua costela, e agora a dor latejante em seu lado esquerdo pulsava a cada movimento, irradiando pelo corpo. Mas era o peso emocional que mais a debilitava, não o físico. Chegando ao carro, Maevie bateu suavemente na janela, o som fazendo as crianças, que estavam abraçadas no banco de trás, virarem assustadas. Quando viram o rosto dela, um misto de alívio e tristeza transpareceu. Eles haviam escutado o tiro e, pela expressão de Maevie, sabiam que a situação não terminara bem. Spencer abriu a porta de repente e jogou-se contra ela em um abraço apertado, como se temesse que ela desaparecesse. Sophia logo se juntou a ele, abraçando-a pelo outro lado, e os dois apertaram Maevie como se buscassem segurança naquele contato. Ela passou as mãos pelos cabelos de ambos, tentando ignorar a dor cortante em seu rosto e o cansaço que agora parecia se intensificar.
Está tudo bem... eu estou bem murmurou ela, tentando confortá-los enquanto uma pontada de tristeza escondida surgia em sua voz.
Sophia apertou o rosto contra a barriga dela, a voz abafada pelo abraço. medo... — Ficamos com tanto.
Spencer levantou os olhos, um brilho de apreensão e maturidade dolorosa neles. — Escutamos o barulho do tiro ele disse, sua voz embargada, mas firme. O que aconteceu?
Maevie sentiu o peso da responsabilidade apertar seu peito ainda mais. Uma tristeza gelada tomou conta dela, e por um momento, ela desviou o olhar para o céu escuro, onde as estrelas cintilavam de forma fria e distante. Os pontos de luz pareciam impassíveis, indiferentes à dor que ela carregava e ao destino trágico dos pais de Spencer.
— Alguém... invadiu a casa — começou, sua voz vacilando ao tentar manter a calma. — Eu... tive que atirar quando ele tentou me atacar...
Spencer a encarou, seus olhos refletindo uma maturidade dolorosa demais para uma criança. Ele deu um passo para trás, os lábios entreabertos em um murmúrio desesperado.—Meus pais? Eles estavam lá dentro? — O menino engoliu em seco ao encontrar o olhar dela, que carregava uma expressão de dor e condolência impossível de disfarçar. — Ele os matou, não foi?
Maevie tentou engolir o choro que subia pela garganta, cada palavra entalada em sua voz. Em toda sua vida, ela já havia dado notícias dolorosas para outras pessoas, mas nunca, nunca havia precisado dizer isso a uma criança. A cena à sua frente, de um menino tão novo e já carregando um fardo tão pesado, a fez lembrar de si mesma, dos momentos em que também teve de enfrentar a perda precoce e injusta.
— Spencer... — tentou, mas as palavras sumiram, o nó na garganta sufocando qualquer tentativa de consolo.
Ele a interrompeu com uma certeza amarga. — Já vi esse olhar antes — murmurou ele, num tom quieto, como se falasse para si mesmo. — Você... você acabou com o sofrimento deles?
Maevie encarou o menino, e naquele instante, sentiu que não havia como esconder nada dele. Ele era jovem, mas o mundo em que viviam havia forjado nele uma coragem e uma compreensão precoce demais.
— Sim — respondeu finalmente, com um fio de voz. Era tudo o que conseguia dizer, mas naquele simples "sim" ela pôs toda sua dor e empatia
.Para sua surpresa, Spencer a abraçou novamente, apertando-a com força, e com uma voz baixa, quase sussurrada, ele disse: — Obrigado.
Aquela única palavra reverberou dentro dela, trazendo à tona a dor e a exaustão que ela tentava suprimir. Ela passou a mão pelos cabelos de Spencer, abraçando-o de volta enquanto lágrimas quentes ameaçavam cair. Sabia que as cicatrizes daquele dia ficariam marcadas para sempre em ambos, mas, por enquanto, naquele abraço, encontraram algum tipo de consolo, um fio de humanidade no meio do caos e da perda.
—
Spencer caminhava com passos firmes, seus olhos determinados e a postura séria enquanto guiava Maevie e Sophia para uma pequena construção afastada da casa principal. Era uma espécie de depósito, com paredes de madeira desgastada e telhado inclinado, quase imperceptível à primeira vista. Ele parou diante da porta enferrujada e se virou para Maevie, os olhos dele carregando uma tristeza contida.
— Meus pais guardavam aqui todos os nossos mantimentos — explicou, a voz baixa mas decidida. — Eles tinham medo que alguém invadisse para roubar, então esconderam tudo aqui, longe da casa.
Depois de se abraçarem por longos minutos, Spencer havia revelado a Maevie que sabia exatamente onde ficava o esconderijo secreto dos pais. Disse que estava disposto a compartilhar o que encontrassem com o grupo dela, como forma de agradecimento por ajudá-lo a encontrar seus pais, mesmo que eles não estivessem mais com ele.
Spencer girou a maçaneta com cuidado, o metal chiando e resistindo um pouco antes de ceder. Sophia, ao lado de Maevie, apontava uma lanterna que iluminava o interior escuro e empoeirado do depósito. Quando a porta finalmente se abriu, eles foram recebidos pelo cheiro forte de madeira envelhecida e mofo. Maevie sentiu a tensão no ar ao olhar ao redor, as prateleiras vazias e cobertas de poeira onde imaginou que estariam os mantimentos. Ela franziu a testa, surpresa com o espaço vazio.
— Acho que alguém já roubou tudo daqui — disse Sophia, desapontada, enquanto varria o ambiente com a lanterna, sem sinal de alimentos ou suprimentos.
Spencer riu, balançando a cabeça. — Sua boba, eles estão escondidos. — Com um gesto determinado, ele se ajoelhou e afastou um tapete velho e empoeirado que cobria o chão, revelando um alçapão.
Maevie ergueu as sobrancelhas, impressionada. — Não esperava por essa — murmurou, inclinando-se para ver o que havia lá embaixo.
Spencer abriu o alçapão com cuidado, o rangido metálico ressoando pela pequena construção. — Cuidado onde pisam — advertiu ele. — Os degraus estão um pouco velhos.
Sem esperar, o menino começou a descer as escadas precárias, os degraus rangendo sob seus pés. Sophia olhou para Maevie, aguardando instruções.
Maevie assentiu com um pequeno sorriso. — Pode ir. Eu fecho a porta e vou logo atrás.
Assim que Maevie desceu, ela parou por um momento, os olhos ajustando-se à luz suave que vinha da lanterna de Sophia. Em meio ao brilho, Maevie avistou pilhas organizadas de mantimentos enlatados, caixas de água e até armas de alto calibre cuidadosamente empilhadas. Era um estoque impressionante e parecia ter sido preparado para durar bastante tempo.
Spencer olhou para elas com um olhar sério, a voz carregando uma maturidade inesperada. — Isso tudo pode ficar com vocês. — Ele suspirou, como se pesasse cada palavra. — Mas… eu preciso que você me leve para um lugar antes.
Maevie o observou atentamente, uma expressão de surpresa e curiosidade estampada em seu rosto. Ele não queria partir com eles? Parecia ter algo mais que o prendia ali, algo que ela ainda não compreendia completamente.
— Para onde você quer ir? — ela perguntou, a voz suave, tentando entender o que ele tinha em mente.
Spencer respirou fundo antes de responder, sua voz resoluta. — Preciso que me leve até a fazenda Greene.
— Preciso ver se tem mais alguém lá… se a fazenda ainda é segura — completou ele, a voz firme, mas com uma pontada de esperança que ele tentava esconder.
Maevie respirou fundo, sentindo o peso da responsabilidade. Ela havia prometido ajudar, mas agora percebia que estava envolvida em algo que ia além do simples resgate.Mas ao olhar para Spencer e para Sophia, que segurava a lanterna como se fosse a única coisa que a mantivesse firme, ela sabia que não havia como recuar.
— Tudo bem — disse Maevie finalmente, seu tom firme, mas gentil. — Vamos até a fazenda Greene.
🥀 ✽+ 000 +✽ • Cheguei, cheguei chegando!
🥀 ✽+ 001 +✽ • Um desabafo sobre esse capítulo: ele não saiu nada como eu esperava! Tinha planejado escrever de um jeito, mas na hora de colocar no papel, acabou saindo tudo diferente. Um exemplo disso é a Maevie não ter usado o machado na luta – finjam que nem viram esse pequeno furo de roteiro.
🥀 ✽+ 002 +✽ • E sobre a reação do Spencer à morte dos pais: ele é uma criança superdotada, então a mente dele funciona de um jeito muito avançado para a idade. Agora, vocês podem estar se perguntando: "Mas isso não justifica ele não chorar pela morte dos pais, né?" Calma, calma! Tudo tem uma explicação, e isso será melhor abordado nos próximos capítulos.
🥀 ✽+ 003 +✽ • Nossa querida ruivinha está enfrentando seu segundo "trauma", e isso vai mexer com o psicológico dela de um jeito que nem ela espera.
🥀 ✽+ 004 +✽ • Ah, e sim, no próximo capítulo elas finalmente chegam na fazenda Greene! Spoiler: a Maevie vai ajudar o Hershel a fazer a cirurgia no Carl.
🥀 ✽+ 005 +✽ • Espero que vocês tenham gostado deste capítulo! Não se esqueçam de votar e comentar!
🥀 ✽+ 006 +✽ • Até o próximo capítulo, sobreviventes. Se protejam e fiquem a salvo.
🥀 ✽+ 007 +✽ • Think I need someone older
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