𝐂𝐡𝐚𝐩𝐭𝐞𝐫 : 𝟎𝟖

. . .

Acho que preciso de uma bebida.

Pensei que quando Satoru dizia isso ele estava apenas sendo dramático e querendo uma desculpa qualquer para conseguir furtar uma boa garrafa do depósito, mas a minha situação atual gritava exatamente o contrário. Eu realmente precisava de algum escape decente que não fosse a música no momento.

O imprevisto com [Nome] foi no mínimo estranho, e na melhor das hipóteses seria apenas uma fatídica coincidência, mas não havia como garantir absolutamente nada com as poucas informações que existiam por enquanto. 

Era por esse motivo que não gostava de me envolver com pessoas e principalmente mulheres, as consequências eram sempre imprevisíveis. Além de tudo, ainda tinha os problemas da banda. Minha última discussão com Sukuna não havia sido nada agradável, e não tínhamos nos falado direito desde então a não ser por olhares mortais e silenciosos. 

Não sabia como ele havia aceitado vir com a gente tão facilmente quando era abertamente contra a ideia, mas não estaria reclamando da presença de mais um instrumento para aumentar a nossa harmonia, logo concordei que ele também participasse da apresentação mesmo não sendo o estilo dele.

─ Conseguiu terminar por aí? ─ Satoru perguntou, me fazendo voltar a atenção para os cabos na minha mão.

─ Sim, só vou ligar a minha guitarra agora e estaremos prontos.

Ele soltou um suspiro dramaticamente alto, tirando os óculos do rosto para colocá-los na gola da camiseta e posicionando as mãos na cintura enquanto observava o que a gente tinha acabado de fazer. A bateria dele, o microfone de Shoko e os ampliadores estavam no lugar certo e todos os equipamentos estavam devidamente preparados.

─ Esse trabalho era para ser do Nanami, figuras famosas não deviam trabalhar ─ ele resmungou, imitando uma voz arrogante.

─ A gente teve muita sorte de ter um show como nos velhos tempos, e você ainda quer exigir? ─ olhei para ele incrédulo, mas sabia que ele estava apenas brincando ─ Você reclama demais, sabia?

─ Eu sei, pode-se dizer que é o meu charme ─ ele sorriu, jogando os braços relaxados novamente e se virando para pegar suas baquetas.

Apenas balancei a cabeça e usei esse tempo para fazer o que eu havia dito, ainda com os cabos na mão. Ao alcançar minha guitarra, capturei a figura [Nome] de relance no canto da sala exatamente onde a deixei. Seus olhos pareciam vidrados na minha direção, mas não como se estivessem me admirando. Ela parecia quase nervosa.

Seu semblante me fez franzir o cenho e me sentir culpado em partes. Eu deveria estar a ajudando agora e dando algum tipo de suporte para explicações, porque sabia exatamente como era a sensação de ser um espectador de um assassinato pela primeira vez, sabia bem até demais.

Pensei seriamente em demorar um pouco mais para começar o show só para poder confortá-la, mas então senti uma forte pressão nas minhas costas e percebi o que estava acontecendo somente quando meu corpo começou a cair em direção ao chão pela minha falta de equilíbrio. E mesmo que eu fosse capaz de me manter firme de última hora, meu pé ainda pousou de mal jeito e me fez soltar um baixo grunhido de dor.

Houve uma pequena comoção assim que algumas pessoas que estavam por perto perceberam a minha queda, mas não me importei com nada disso enquanto a dor latejante no meu tornozelo se tornava acentuada demais para que eu pudesse deixar passar. Já tinha enfrentado experiências ruins, mas pequenas lesões realmente doíam para caralho.

Olhei instintivamente para Satoru, esperando um apoio dele para me levantar e dar suporte quando me apoiei sobre as mãos e me ajoelhei, mas sua atenção estava no ponto em um dos cantos da parede ao longe e sua expressão era a de um homem revoltado e surpreso ao mesmo tempo.

Como suspeitava, ele apenas me ignorou e aproveitou que tudo havia parado para pular fora do palco e correr em direção ao que quer que fosse o foco de seus pensamentos naquele instante.

Então, sem muitas opções, meus olhos mudaram de direção para quem estava atrás de mim a poucos segundos. Os orbes profundamente vermelhos que me encaravam continham um brilho perigoso, e Sukuna apenas continuava parado ali como se estivesse analisando seu dano.

─ Você é maluco, porra? ─ bradei, mal conseguindo conter a urgente vontade de cortar na garganta dele.

─ Não me leve a mal, eu esperava fazer pior. Mas parece que você é tão resistente quanto parece, então meus parabéns ─ ele zombou, mas não existia nenhum sorriso em seu rosto, nem mesmo um de seus maldosos ─ Só é uma pena que o show não pode continuar agora.

─ Você só consegue me vencer quando estou distraído, hein? ─ continuei o enfrentando, meu sangue fervendo com todas as sensações dos acontecimentos se misturando ─ Está satisfeito? Você queria revidar a bela surra que levou antes, é isso?

─ Você acha que eu ficaria satisfeito com um pequeno empurrão? Isso foi só um aviso, não é como se eu não conseguisse identificar falhas em uma defesa ─ ele se agachou na beirada do palco para evidenciar a sua posição acima da minha, abaixando a voz para um tom de ameaça ─ Eu sei exatamente como te machucar de verdade, Suguru.

O arrepio mortal que percorreu meu corpo foi inevitável e fiquei em silêncio imediatamente. Eu sabia que ele me conhecia, mas a maneira como sussurrou meu verdadeiro nome parecia mais do que apenas uma ameaça direta a mim. 

E naquele exato momento de reflexão, percebi [Nome] abrindo passagem e caminhando apressadamente para me alcançar com Shoko ao seu encalço.

─ Você está bem? ─ ela tentou se aproximar para me averiguar, mas recuei no mesmo instante. Eu não precisava tirar ainda mais sua paz.

Não tinha certeza se alguém foi capaz de ouvir nossa conversa e não queria terminá-la ainda, mas não parei Sukuna quando ele finalmente me entregou um sorriso sombrio e se levantou para descer do palco pela pequena escada ao lado. 

Ninguém se atreveria a fazer nada com ele ou puni-lo por alguma coisa, e ele sabia disso pela tranquilidade que passou pelas pessoas que somente conseguiam o olhar com suspeita e indignação.

─ Estou ótimo, não se preocupe ─ respondi, levantando a cabeça e me endireitando melhor para não parecer afetado. A verdade é que a dor me incomodava mais do que eu esperava, e tive que me conter de fazer uma careta.

[Nome] permaneceu quieta, mas eu sabia com toda a certeza pelo seu julgamento que ela não estava convencida, pois nem mesmo eu me sentia confiante o suficiente para confirmar o que saiu da minha boca.

─ Então pise forte no chão ─ ela me desafiou, seu olhar penetrando no meu como se soubesse de cada segredo obscuro que eu guardava.

─ Eu já estou pisando ─ declarei com o mesmo desafio, mas na realidade meu peso não estava cem por cento apoiado nisso mesmo que estivesse de fato no chão.

─ Pisa no chão ─ ela insistiu com mais firmeza, franzindo o cenho diante da minha teimosia.

─ Não consigo ─ murmurei baixo, imitando seu tom com desconforto enquanto desviava o olhar. Como ela conseguia me fazer sentir como apenas um garotinho sendo confrontado pela mãe? Era inconveniente.

─ Foi o que pensei.

─ Eu posso fazer o básico para diminuir a dor, mas vamos ter que te levar para o hospital para conferir ─ Shoko disse em seguida, mas não prestei atenção nela quando tudo o que podia ver era o estresse de [Nome] atingir novos níveis em sua expressão.

Eu não podia fazer mais nada e também não poderia manter uma falsa postura durona para dificultar a vida delas. Apesar do hospital ser o último lugar que eu gostaria de estar essa noite, eu mal conseguia andar sem a ajuda de um maldito apoio e não tinha tanta escolha para me opor a ideia diante do meu estado, então tive apenas que aceitar meu destino.

{ . . . }

Agora eu havia finalmente entedido porque continuava a seguindo e tentando me aproximar mesmo que tivesse coisas mais interessantes a fazer, apesar de ter inventado desculpas idiotas como sinceridade para me sentir melhor antes. 

[Nome] me lembrava muito de alguém que conheci a anos assim como suspeitei na primeira vez que a vi, e sua falta de interesse em mim me deixou realmente curioso, mas tentei ignorar esse fato por um tempo porque ela também tinha as suas semelhanças com a minha mãe.

Talvez tenha sido no nosso primeiro dia que essa estranha sensação se fez presente, mas isso me fez querer entender melhor de onde surgiu. 

Minha mãe adorava ler livros igual a ela e tinha uma personalidade e uma maneira de lidar com problemas bem parecida, então provavelmente [Nome] era só uma solução temporária para o buraco que eu estava tentando preencher para as duas pessoas que não consegui salvar.

Ela não era especial, era apenas mais uma garota qualquer que deu o azar de se encontrar comigo na minha situação de vulnerabilidade. Mas agora era também a garota a qual tive a oportunidade de presenciar uma situação de vulnerabilidade, e eu não poderia ignorar isso.

─ Como você está? ─ perguntei para quebrar o silêncio instalado, percebendo seu ombro ficar tenso com o som da minha voz.

Depois daquele evento, eu não consegui dar a devida atenção a ela, mas agora que o meu único objeto de foco era a recuperação do meu tornozelo e a presença dela, eu entendia e enxergava com clareza a luta interna que ela estava tentando evitar que era semelhante à minha.

A forma como seus olhos percorriam as páginas do livro em sua mão me fascinava e me fez chegar à conclusão da origem das minhas desculpas, como das outras vezes em que a assisti.

Em todos aqueles momentos em que tive a oportunidade de estar no mesmo lugar que ela, estive a encarando sem ser capaz de piscar como se estivesse perdido. O que eu estava procurando, afinal?

─ Você realmente tem bom gosto para livros, não é? É por isso que estava indo na minha biblioteca? Se estava com vergonha de procurar nas prateleiras, poderia apenas ter me pedido algumas novas indicações e não inventado a desculpa que estava de olho em mim ─ ela me ignorou, passando as folhas rapidamente como se não estivesse tão concentrada.

Assim que chegamos na minha casa a algumas horas atrás depois de uma longa análise médica no hospital e uma conclusão de que havia sido algo simples e de fácil recuperação, ela se esgueirou para explorar a casa e voltou para a sala para ler um livro que deve ter encontrado nas minhas coisas antigas. 

Shoko nos trouxe até aqui e levou minhas irmãs para dormir na casa dela por essa noite depois que expliquei o que realmente tinha acontecido, e não tive notícias de Satoru ou de Sukuna quando saí do hospital.

Não queria julgá-la por ter feito isso no final, porque talvez estivesse tentando me evitar ou evitar o que quer que estivesse passando em sua cabeça agora, mas estar na companhia de uma mulher que insistia em ficar em silêncio quando existia uma aura pesada de palavras não ditas no ar era mais desconfortável que a dor que senti.

─ [Nome]...

─ Eu te sugiro se preocupar mais consigo mesmo e com esse seu pé aí, não me parece muito confortável nem para ficar de repouso.

─ Talvez isso dure só umas duas semanas ou menos, eu ficarei bem ─ inclinei as costas no sofá e movi levemente minha perna para que meu pé se encaixasse melhor na almofada, satisfeito por ela ter ao menos me respondido uma vez.

─ Fico feliz que tenha sido apenas uma torção, poderia ter sido mais trágico.

─ Você estava preocupada? A expressão no seu rosto me deixou curioso.

Ela fechou o livro com força e se inclinou na poltrona ao meu lado para me dar uma encarada mortal, uma semelhante a que ele estava me dando na hora da queda.

─ Claro que eu estava, Geto! Eu tive uma parcela de culpa nisso, queria ter tido tempo para te avisar do empurrão.

Soltei uma respiração pesada que estive segurando e joguei a cabeça para trás no recosto do sofá para olhar para o teto, não me sentindo nada impressionado. Ela veio me dizendo isso o tempo inteiro desde o caminho para cá e tive que convencê-la de que a culpa na verdade era minha por estar tão distraído. Meu irmão tinha razão, eu estava ficando enferrujado.

─ Sabe, você pode me chamar pelo meu nome verdadeiro quando estiver comigo. Não precisa usar meu sobrenome assim, eu já te disse isso ─ resmunguei, tomando um tempo para recuperar antes de endireitar a cabeça e a examinar novamente ─ Mas estou falando sério, como você está?

─ Como eu estou? ─ ela repetiu baixo, suas defesas finalmente caindo com um suspiro lento e derrotado ─ Eu não sei. Não sei o que sentir no momento, e não tenho nada contra você, mas também não tenho nada a favor. Estou agradecida por ter atendido minha ligação, mas eu ainda quero explicações.

─ Eu não posso te dar explicações agora, mas não precisa me agradecer pela ligação. Eu te prometi isso quando entreguei o cartão, e sempre cumpro minha palavra.

─ Você... conhecia aqueles homens? ─ ela questionou hesitante e balancei a cabeça em negação, entendendo suas suspeitas.

─ Foi uma surpresa para mim também, não pensei que veria uma situação como aquela novamente durante o resto da minha vida.

─ Novamente, hein? ─ ela disse devagar e estreitou os olhos, quase me condenando com a minha própria declaração ─ Quem é você de verdade no fim das contas, e por que eu?

─ Não pense tanto sobre isso, considere eu e toda essa bagunça como um triste acidente que logo não passará de uma memória ruim. Você ficará segura.

Pelo menos nisso eu conseguia ter alguma veracidade, já que eu não planejava continuar tentando me aproximar dela de agora em diante. A invasão de sua casa hoje só confirmou as suspeitas que eu tinha desde o início, e descobrir minha identidade não era nada demais comparado ao resto. 

Tentei colocar medo nela apenas para mantê-la afastada, mas sem querer acabei me envolvendo mais do que gostaria. Talvez eu pudesse deixar alguém vigiando-a de longe por precaução para que nada de errado acontecesse de novo, mas eu não me envolveria diretamente mais. 

Eu não deveria continuar, mas não conseguia negar a estranha paz que ela ainda me transmitia mesmo nesse instante. Eu estava sendo egoísta?

Ela torceu o nariz e desviou o olhar para a parede, como se estivesse pensando em algo muito importante, e eu quase conseguia ver as engrenagens funcionando lentamente em sua cabeça para formular um desfecho.

─ Posso te perguntar mais uma coisa?

─ Vá em frente.

─ Por que você continua me chamando de princesa? Bom, foram umas duas ou três vezes? Você não parece o tipo de cara que usa apelidos para impressionar.

A pergunta repentina me pegou de surpresa e fiquei paralisado por um momento enquanto pensava em como poderia respondê-la, pois eu não esperava por essa. Ela tinha razão. "Princesa" não era como um homem chamaria uma desconhecida sem intenções românticas e aquilo com certeza não era uma tentativa de flerte barata, mas...

─ Não sei, acho que é porque você não quis me dizer o seu nome no começo que nem... ─ me interrompi no exato instante que percebi que estava prestes a me perder ainda mais na minha ideia e balancei a cabeça para tentar voltar ao o foco principal ─ Você apenas me lembra uma pessoa.

─ O quê? ─ consegui ouvir a compreensível descrença em sua voz, e soltei um pequeno suspiro antes de continuar.

─ Quero dizer, uma das minhas irmãs mais novas. Ela gostava de ser chamada assim quando nossa mãe terminava de ler histórias de fantasia antes de dormir, então eu sempre usava esse termo com ela mais como uma forma de zombaria. Não é nenhuma intimidade, acho que apenas minha maneira de comunicação quando estou frustrado.

Mesmo que estivesse confiante de que não havia nenhum tipo de ligação como imaginei, eu não poderia simplesmente contar a verdade para ela. O que eu diria? Que estava vendo um reflexo de um passado perdido nela? Seria o ápice da idiotice, e até para mim parecia inacreditável.

[Nome] reprimiu uma risada de escárnio, mas pareceu se satisfazer por enquanto. Eu não tentaria me explicar mais do que isso, então não me importava no que ela acreditava.

─ Você é um péssimo mentiroso, e essa é a pior justificativa que já ouvi na vida.

─ Eu sei que é estranho, tudo bem? Me desculpe, eu vou parar.

─ Eu não me importo, faça o que quiser ─ ela deu de ombros, voltando a se recostar confortavelmente na poltrona para abrir o livro na página que ela havia marcado antes.

Esse possivelmente era a oportunidade para que eu me despedisse dela apropriadamente, já que ela ficaria aqui apenas essa noite enquanto aqueles corpos ainda não haviam sido descartados em sua casa. A gente não precisava mais se relacionar em nenhum sentido depois disso.

Ela sabia da identidade que poderia arruinar a minha carreira se fosse revelado para os canais certos e eu havia salvado a vida dela, então era como se estivéssemos quites agora, sem nenhuma das partes tendo uma real obrigação com a outra e nenhum perigo existente de sermos prejudicados.

Alguns minutos de silêncio se passaram e aquele mesmo cenário incômodo retornou em um nível muito pior para mim, me obrigando a me afundar ainda mais no sofá e procurar pelo meu celular no bolso para fazer qualquer coisa que não fosse lidar com o constrangimento até que o som melódico da campainha reverberou pela sala.

Eu estava esperando alguma visita a esse horário? Shoko não deu sinais de que voltaria tão cedo e Satoru com certeza já havia se perdido pela cidade, então essa interrupção era inesperada. Sem qualquer aviso, a porta da frente se abriu antes que algum de nós fossemos atender, e arregalei os olhos no mesmo instante.

O mesmo cabelo, as mesmas feições, as mesmas características físicas gerais. O pacote completo para provar que não existia nenhum engano entre nós. 

Meu coração acelerou de uma maneira que achei que não fosse mais possível, e todos os músculos do meu corpo ficaram tensos quando endireitei a postura em um rápido reflexo. Observei a figura atravessar a porta e analisar [Nome] com um olhar afiado primeiro para depois direcionar a atenção para mim com um maldito sorriso. Desgraçado arrogante.

─ Boa noite, irmão. 

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