cap.um
Nox andou pelas ruas de Nova York com frio e fome. O vento cortava como navalhas pela jaqueta fina que mal conseguia aquecer seu corpo magro. Os sapatos, velhos e desgastados, deixavam entrar a umidade da calçada molhada pela chuva recente. Apesar de todo o movimento da cidade, ela se sentia sozinha no meio da multidão.
O clima da cidade era complicado de lidar. Alguns momentos esfriava a ponto de fazer seu rosto doer, e em outros momentos fazia tanto calor que ela podia sentir o suor escorrer por sua pele, misturando-se à sujeira acumulada de dias. Mas o pior não era o clima. Era viver nas ruas infestadas de ratos, lixo podre e sem tomar um banho decente há semanas.
Ela apertou o passo ao passar por um beco estreito. O cheiro ali era quase insuportável, uma mistura de urina, comida apodrecida e algo que ela preferia não identificar. Nox evitava olhar para os cantos, onde as sombras ocultavam figuras que pareciam mais perigosas do que qualquer outra coisa que ela já tivesse enfrentado.
Ao virar a esquina, avistou uma padaria com a vitrine iluminada. O cheiro de pão fresco e café quente era tentador. Por um momento, ela ficou parada na calçada, encarando os pães dourados e os doces cuidadosamente dispostos. Seu estômago roncou alto, mas ela sabia que não tinha um centavo no bolso.
Suspirando, Nox continuou andando. Não havia tempo para sonhar com coisas que não podia ter. O frio a lembrou de sua prioridade: encontrar um lugar para passar a noite. Com sorte, talvez algum abrigo estivesse aberto, mas ela sabia que as vagas eram poucas e disputadas. Ainda assim, não podia desistir.
-- Ei, moça! - Uma voz grave chamou sua atenção. Ela se virou rapidamente, em alerta. Um homem de barba grisalha e olhos cansados estava parado ao lado de um carrinho de cachorro-quente. -- Quer comer alguma coisa? Parece que você precisa mais do que eu.
Nox hesitou. Era raro encontrar gentileza nas ruas de Nova York, e ela aprendeu a desconfiar de estranhos. Mas a fome era maior do que a desconfiança. Com um nó na garganta, ela assentiu.
O homem preparou um cachorro-quente simples e o entregou a ela com um sorriso amigável. -- -- Aqui. Sem custo. Apenas cuide de si mesma, ok?
Ela pegou o lanche com mãos trêmulas.
-- Obrigada, - murmurou, sentindo os olhos marejarem. Devorou a comida em poucos minutos, sentindo a energia voltar ao seu corpo cansado. Era um pequeno gesto, mas significava tudo para ela naquele momento.
Com o estômago menos vazio, Nox voltou a caminhar pelas ruas da cidade. Cada esquina parecia carregar uma história diferente, um desafio à espera. Mas, por hoje, ela tinha pelo menos uma fagulha de esperança para continuar lutando. Talvez, apenas talvez, o dia seguinte fosse um pouco melhor.
[...]
Ben Parker era um homem de bom coração. Os mais próximos costumavam dizer que Ben tinha dois corações: um para ele e outro para as pessoas ao seu redor. Sua gentileza era tão natural quanto o ar que ele respirava, e sua esposa May o admirava profundamente por isso.
Nox nunca imaginou que vasculhar o lixeiro de uma casa poderia levá-la a conhecer uma das pessoas mais gentis de toda Nova York.
— Com licença, mocinha — a voz fez Nox parar de vasculhar o lixeiro.
Olhando por cima do ombro, ela encarou um senhor de óculos com um olhar compreensivo.
— Eu não estou roubando nada — ela se defendeu apressadamente.
— Eu não vim lhe acusar — ele respondeu calmamente, segurando uma sacola de pães em mãos. — Olhe, minha esposa e eu estamos sozinhos esta tarde. Deseja tomar um banho e comer um ensopado com pão?
A proposta foi tão tentadora que Nox não poderia negar, e ela não negou.
Tomar um banho foi a melhor coisa que Nox fez em meses. Toda a sujeira escorreu de seu corpo, deixando-a mais leve. Ao pegar a toalha, sentiu a textura macia da mesma. Era tão bom finalmente usar roupas limpas, mesmo que fossem o dobro de seu tamanho e masculinas. Enquanto se olhava no pequeno espelho do banheiro, uma fagulha de dignidade parecia renascer dentro dela.
Descer as escadas de uma casa estranha era desconfortável, mas o cheiro de comida fez seu estômago reclamar instantaneamente. Ela caminhou até a cozinha, onde viu o casal já sentado à mesa. A cena parecia tirada de um sonho distante: uma mesa simples, pratos servidos, e rostos amigáveis que a recebiam sem julgamento.
— Venha, querida — a amável May sorriu para Nox, acenando para que ela se aproximasse.
— Vocês são muito gentis — murmurou, com a voz embargada pela emoção. — Obrigada. — Ela sabia que seria eternamente grata ao casal.
— Sente-se, coma algo — Ben Parker sorriu calorosamente, apontando para o prato à sua frente.
Ele não costumava levar pessoas estranhas para dentro de casa, mas algo tocou seu coração ao ver a jovem vasculhando seu lixo. Ben sabia que havia feito a coisa certa, e ao olhar para May, viu que ela compartilhava do mesmo sentimento.
Nox comeu como se fosse sua última refeição em vida, e talvez pudesse ser. Enquanto mastigava o ensopado quente e macio, pensamentos sobre sua própria situação inundavam sua mente. Ela estava em um universo paralelo, um lugar que não pertencia à sua realidade, sentada à mesa de dois bons senhores, comendo de sua comida e vestindo suas roupas. Tudo isso parecia irônico, quase cruel, e pensar no passado era algo que fazia constantemente.
— Não sou daqui — Nox respondeu, interrompendo o silêncio após uma pergunta de Ben Parker. — Eu vim de longe... tentar a vida. Mas a vida é pesada, sabe?
— Eu sei — Ben respondeu, segurando a mão da esposa sob a mesa. — A vida pode ser dura às vezes.
May olhou para Nox com ternura. — Mas não precisa ser enfrentada sozinha. Você é bem-vinda aqui sempre que precisar.
Aquelas palavras aqueceram o coração de Nox de uma forma que ela não sentia há muito tempo. Mesmo em um mundo tão impiedoso, parecia haver espaço para um pouco de bondade.
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