cap. seis

— Então, como você veio parar aqui? — Peter perguntou, pela milésima vez naquele dia.
A curiosidade dele parecia não ter limites desde que Nox havia revelado partes de seu passado. Cada dia trazia uma nova pergunta, e ele parecia determinado a juntar as peças do quebra-cabeça que era sua amiga.
Nox parou o que estava fazendo, colocando a xícara de café que segurava sobre a mesa, e o encarou com um olhar misto de cansaço e paciência.
— Eu realmente não sei, Peter. — Ela suspirou, cruzando os braços. — Me lembro de morrer... e, em seguida, de acordar em um beco escuro aqui em Nova York.
Peter arregalou os olhos, inclinando-se ligeiramente para frente, como se pudesse absorver cada detalhe.
— Espera, espera... morrer? Como assim? — Ele gesticulou, quase derrubando a própria xícara.
Nox sorriu de canto, sem humor, como se aquele detalhe não fosse grande coisa.
— Lembra que eu disse que houve uma guerra? — começou, olhando para ele. — Bem, ela chegou ao fim para mim quando... bom, quando eu fui atingida. Não sei exatamente o que aconteceu depois. Só me lembro de escuridão... e, então, o cheiro de lixo de um beco em Nova York.
Peter piscou algumas vezes, processando as palavras. Ele se mexeu na cadeira, parecendo lutar contra o impulso de perguntar algo imediatamente.
— E como você soube que não era a sua Nova York? — Ele perguntou, mais calmo agora, mas ainda intrigado.
Nox desviou o olhar para a janela, observando a silhueta dos prédios que pontilhavam o horizonte.
— Os prédios. — Ela divagou, sua voz ganhando um tom quase melancólico. — Eles são diferentes.
— Diferentes como?
Ela deu de ombros, sua expressão se suavizando.
— Em Asgard, tudo é... majestoso, quase como se tivesse sido moldado por mãos divinas. Cada detalhe é único, cada curva parece carregada de história. Aqui, é tudo mais pragmático, mais... humano. Não é ruim, só... diferente.
Peter assentiu, tentando imaginar a cidade dela com base na descrição.
— Deve ter sido um choque acordar aqui.
— Foi. — Nox admitiu, voltando o olhar para ele. — Tudo parecia tão... estranho. Até a forma como o ar se movia era diferente.
— E ninguém... percebeu você ali? — Ele perguntou, franzindo o cenho.
— Não. — Ela deu uma risadinha curta, mas sem humor. — Acho que estou destinada a passar despercebida.
Peter balançou a cabeça, discordando.
— Não mesmo. Você pode até ter vindo de outro mundo, mas aqui... você não é invisível.
Nox o observou, surpresa pela intensidade das palavras dele. Por um momento, ela se perguntou se Peter sabia o impacto que tinha quando dizia coisas assim.
— Obrigada, Peter. — Ela disse, um sorriso sincero surgindo.
Ele apenas sorriu de volta, dando de ombros.
— Você é incrível, Nox. É claro que alguém como você chamaria atenção, mesmo em um lugar como este.
Ela riu, balançando a cabeça, mas sem negar. Peter tinha um jeito de transformar conversas simples em algo mais profundo, e, de alguma forma, isso fazia ela se sentir mais conectada a ele.
[...]
A semana começou com uma quietude incomum. Peter, sempre tão presente com sua enxurrada de perguntas e curiosidade contagiante, estava ocupado. Ele havia mencionado algo sobre um trabalho científico que estava desenvolvendo com um amigo de seu falecido pai. As palavras foram ditas com entusiasmo, mas também com um tom de melancolia que Nox reconhecia bem.
E assim, pela primeira vez em meses, Nox ficou sozinha.
Os dias se arrastaram em um silêncio que ela não sabia se amava ou odiava. A solidão era algo que conhecia bem, mas que, ultimamente, parecia mais como uma lembrança distante do que uma realidade. Agora, ela estava de volta, enchendo cada canto do pequeno apartamento que Nox chamava de lar.
Na primeira manhã, Nox decidiu caminhar pela cidade. Nova York era um lugar que nunca parava, e, mesmo em sua constante agitação, oferecia momentos de introspecção para quem os procurasse.
Ela caminhou sem rumo, as mãos enterradas nos bolsos do casaco enquanto o vento frio cortava seu rosto. As ruas estavam cheias de pessoas indo e vindo, cada uma com sua própria história, seus próprios problemas. Nox se perguntou quantos deles carregavam segredos tão profundos quanto os dela.
Sua primeira parada foi em um parque. Sentada em um banco, observou crianças brincando, pessoas correndo e casais passeando de mãos dadas. A visão trouxe um calor inesperado ao seu peito, um lembrete de que, mesmo com tudo o que havia perdido, havia algo belo no simples ato de estar vivo.
Ao anoitecer, Nox voltou ao apartamento. Acendeu uma pequena vela na janela e ficou olhando para a cidade iluminada. As luzes de Nova York eram fascinantes, quase como as estrelas de Asgard, embora faltasse a elas a magia que ela tanto amava.
No dia seguinte, decidiu explorar a biblioteca pública. Havia algo reconfortante no cheiro de livros antigos, no som suave das páginas sendo viradas. Ela passou horas lá, perdida em histórias de mundos que, por mais fantásticos que fossem, nunca se comparavam à realidade que ela havia vivido.
Entre um livro e outro, encontrou um pequeno caderno de capa dura abandonado em uma das mesas. Sem pensar muito, levou-o para casa. Talvez fosse a hora de começar a registrar suas memórias. Não que ela esperasse esquecer, mas algo dentro dela dizia que sua história precisava ser contada, mesmo que fosse apenas para si mesma.
No final da semana, a solidão começou a pesar. Ela se viu olhando para o telefone com frequência, pensando em mandar uma mensagem para Peter, mas sempre desistia. Ele tinha seus próprios compromissos, suas próprias responsabilidades, e Nox não queria ser um peso.
Na noite de sexta-feira, a campainha do apartamento tocou. Surpresa, Nox abriu a porta e encontrou uma pequena caixa deixada no chão. Dentro, havia um bilhete:
"Ninguém deveria passar tanto tempo sozinha. Espero que isso ajude. — P."
Na caixa, havia uma planta pequena, com folhas verdes brilhantes e um vaso decorado com pequenos desenhos de estrelas.
Nox sorriu, segurando a planta nas mãos. Peter, mesmo ausente, ainda sabia como fazê-la se sentir menos só.
Colocando o vaso no parapeito da janela, ela olhou para a cidade mais uma vez.
— Talvez a solidão não seja tão ruim assim. — murmurou para si mesma.
E, pela primeira vez na semana, Nox sentiu que talvez, apenas talvez, estivesse começando a encontrar um equilíbrio entre a companhia dos outros e os momentos consigo mesma.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top