𝑪𝑨𝑷𝑰́𝑻𝑼𝑳𝑶 𝑵𝑶𝑽𝑬🌛
Liam Dunbar
— Deus... eu sei que já faz um tempo que eu não peço nada, mas... aconteceu uma coisa, uma coisa que não deveria ter acontecido. Eu posso ter perdido um amigo, um amigo muito especial, mas nós fizemos uma coisa errada e eu não sei como consertar... eu só... queria pedir para o senhor não ficar bravo com a gente, eu prometo que as coisas vão se resolver, mas para isso eu preciso que o senhor me ajude... e tenha compaixão. Amém.
Eu não dormi nada bem essa noite, mesmo estando na minha casa e no conforto do meu quarto, foi difícil pregar os olhos durante a noite. Sempre que eu fechava meus olhos, a imagem do Theo perto de mim passava em minha mente, eu sentia seus lábios se encostando nos meus novamente, sentia o seu toque em minhas mãos.
Eu não conseguia parar de pensar nele, não conseguia parar de pensar no quão errado era isso. Mas se é tão errado, por que a sensação de ter beijado ele foi tão boa? Os lábios de Theo tão macios... o meu peito dói só de pensar nisso de novo.
A minha intenção era fazer com que essas férias me ajudassem a esquecer tudo o que aconteceu, esquecer o Theo e todos os momentos que tivemos juntos. Mas é só o meu primeiro dia em casa e eu já pensei nele durante a noite inteira, isso vai ser muito difícil.
Estou no restaurante da minha mãe agora, a minha casa fica ao fundo do restaurante, meu pai construiu o restaurante quando eu ainda era bem pequeno, então deu para a minha mãe cuidar de todo o negócio enquanto ele passava todas as receitas do seu país, a minha mãe cozinha tudo muito bem.
— Filho, você pode varrer a calçada para mim? — minha mãe se aproximou com uma vassoura nas mãos — Tudo bem, querido?
— Sim, mãe — peguei a vassoura.
— Está tão abatido, está tudo bem?
— Eu estou bem, só não dormi muito bem durante a noite, acabei me acostumando a dormir na escola.
Eu precisei mentir, não posso dizer o verdadeiro motivo para a minha mãe.
— Descanse um pouco mais tarde, querido — ela deu um beijo em minha bochecha e eu assenti.
O restaurante está aberto, não tem muitos clientes nesse horário, eles costumam vir mais na hora do almoço, nesse horário sempre é bastante movimentado.
Fui para frente do restaurante e comecei a varrer a calçada, está bem suja, as pessoas não respeitam o local e vivem jogando lixo no chão, isso é muito desrespeitoso.
— Com licença...
Olhei para trás e havia uma garota olhando para mim, o que me chamou atenção nela eram os seus cabelos ruivos, seus olhos eram verdes e ela vestia um vestido colorido. Ela é bonita.
— Sim...?
— Você sabe onde fica o condomínio Sant'Ana?
Ela parece ter a minha idade, será que ela é nova aqui?
— Fica no final dessa rua, virando à esquerda — digo.
— Ah, muito obrigada! Eu cheguei na cidade hoje e minha mãe me passou esse endereço, mas eu não sabia se estava indo na direção certa — ela disse.
— Você está no caminho certo, apenas ande mais um pouco — digo.
Ela abre um sorriso simpático para mim.
— Você trabalha no restaurante? — ela apontou para a placa.
— Sim, é da minha mãe.
— Comida brasileira? Hum... vou vir aqui com a minha mãe experimentar.
— Serão muito bem vindas.
— Eu sou Lydia, como você se chama?
— Liam.
Ela estendeu a mão para mim e nos cumprimentamos.
— Foi um prazer conhecer você, Liam. Eu tenho que ir agora, mas nos encontramos por aí — ela disse.
— Claro, volte quando quiser — digo.
— Até breve.
— Até breve.
Lydia se afastou e seguiu seu caminho.
Ela é bem bonita, eu nunca tinha visto uma garota com um cabelo assim dessa cor pessoalmente.
— Venha, me ajude com as sacolas — o meu pai chegou de repente, segurando várias sacolas nas mãos.
— Mas eu estou varrendo.
— Anda logo, moleque.
Me apressei em ir pegar algumas sacolas em suas mãos e ele entrou na frente e eu o segui. As sacolas estão pesadas, o que será que ele comprou?
— Mulher! Mulher, venha ver — ele disse mais alto, colocando as sacolas em cima da bancada e eu fiz o mesmo.
— O que é isso? — minha mãe veio dos fundos do restaurante.
— Olha o tanto de peixe que eu pesquei com o Jorge! Tem tilápia, pirarucu, piramutaba...
— O que...? — eu murmurei baixo, abrindo as sacolas.
— Mas esses peixes não são do Brasil, homem? — ela perguntou.
— São, claro, o Jorge trouxe alguns do Brasil e os outros nós pescamos.
— Como eu vou preparar esse monte de peixe sozinha?
— Eu não sei, mas daqui a pouco o almoço chega e os clientes também, então seja rápida.
— Eu te ajudo, mãe — digo.
— Tire eles da sacola e coloque dentro da pia, por favor — ela falou.
Comecei a fazer o que ele mandou, abandonando totalmente a minha antiga tarefa de varrer a calçada.
— Você deveria ir pescar comigo algum dia desses — disse meu pai.
— Eu? — Olhei para ele.
— Sim. Você ficaria forte se começasse a fazer esse tipo de esforço. Sabia que as garotas gostam de garotos fortes?
Até parece que eu vou ficar forte pescando.
— Semana que vem nós vamos de novo, quer ir?
— Não sei, eu te aviso depois — digo.
— Você tem sorte que eu sou um bom pai, na minha época o meu pai não me daria nem escolha — ele disse — não pegue o peixe desse jeito, mulher, vai acabar estragando ele.
Por que ao invés de ficar dando ordens, ele não ajuda?
— Eu vou tirar um cochilo, sejam rápidos aí, não deixem os clientes esperando no almoço — meu pai falou, em seguida saiu da área do restaurante e entrou para casa.
Eu e minha mãe levamos tudo para a cozinha e comecei a ajudá-la a limpar o peixe. Minha mãe costumava ter uma ajudante no restaurante, ela ajudava na cozinha e servia as mesas, mas ela precisou se afastar do trabalho porque ficou grávida e precisava cuidar de sua saúde, então minha mãe ficou cuidando da cozinha sozinha e meu pai ajuda a servir de vez em quando, eu ajudaria a minha mãe se eu não passasse tanto tempo na escola.
— Mãe, como foi que a senhora conheceu o pai? — perguntei, ela estava assim como eu, limpando esses peixes fedorentos.
— Acho que eu nunca te contei a história, mas não é nada muito diferente. Nossa família se conhecia, então eles decidiram que nós nos casaríamos...
— Mas vocês não se apaixonaram primeiro?
— Isso era o certo a se fazer, o amor vem com o tempo.
Isso não parece nada romântico.
— E vocês se amam? — perguntei, ela riu.
— Amor na nossa idade? O importante é estarmos juntos, o importante é que tivemos você.
As vezes eu penso em como as coisas seriam se fosse apenas eu e minha mãe, talvez fossem melhores, nós nem precisando do meu pai.
— Mas amor é importante para um casamento, não é?
— Nem sempre, meu bem.
Às vezes eu penso que o meu significado de amor é diferente do que as outras pessoas dizem. Eu enxergo isso de uma maneira diferente, certo ou errado, meu modo ainda é melhor do que o dos outros.
...⏳...
Isso é uma droga.
A culpa é toda dele por eu não conseguir tirá-lo da minha cabeça.
Eu trabalhei bastante junto a minha mãe, nós trabalhamos no horário do almoço e teve bastante clientes no restaurante, fizemos muita comida e servimos várias mesas, tudo foi bem cansativo e agora eu me sinto ainda mais cansado.
Eu passei muito tempo com a mente ocupada enquanto trabalhava, mas agora que tudo está mais silencioso, fica difícil não pensar em coisas.
Fica difícil não pensar nele.
Não pensar no Theo.
O horário de almoço passou, com isso os clientes também foram embora. A minha mãe está lá dentro com o meu pai contando o dinheiro e eu fiquei no restaurante para arrumar tudo. Ainda não anoiteceu, mas vamos fechar hoje mais cedo porque começou a chover e não há mais ninguém na rua.
Eu estava limpando o lugar, mas precisei me sentar um pouco porque me sinto muito cansado, eu mal dormi durante a noite, também não almocei hoje e me sinto fraco.
Eu andei pensando.
Será que eu sou como o Corey?
Eu beijei um garoto, então isso significa que eu sou gay?
O Theo me beijou primeiro, será que ele estava mentindo para mim esse tempo todo?
Tenho tantas dúvidas sem resposta.
Eu queria conversar com Theo, mas eu não sei se eu conseguiria vê-lo em minha frente agora, é tão estranho. Esse sentimento dentro de mim, essa angústia, eu não sei como resolver.
Eu não sei de nada, não sei o que está acontecendo.
Eu deveria ir até a igreja me confessar.
Mas e se o padre pensar que eu sou um pecador?
— Liam?
Olhei na direção que a voz veio e me assustei ao ver Corey.
Eu estou perdido em meus pensamentos há tanto tempo que nem reparei que a chuva já havia passado.
Corey estava na frente do restaurante olhando para mim com um semblante confuso.
— Corey? O que faz aqui? — eu me levantei.
— Eu moro bem ali — ele apontou para o outro lado da rua — o que faz aí?
— Eu moro aqui, e também é o restaurante da minha mãe.
— Que mundo pequeno — Corey riu.
Que coincidência o Corey estar aqui logo agora...
Será que Deus está tentando me ajudar?
Eu pedi ajuda a ele hoje cedo, será que a ajuda finalmente veio?
O Corey sabe muito mais sobre isso do que eu, talvez ele possa me ajudar.
— Corey, eu preciso da sua ajuda — digo, eu acho que pareci um pouco desesperado. Eu realmente estou.
— O que aconteceu?
Eu tenho que confiar nele agora.
— Nós podemos conversar na sua casa?
...⏳...
— Eu não acredito, vocês se beijaram! — Corey falou super animado.
— Fala baixo!
— Desculpe, mas isso é demais.
Eu vim até a casa do Corey, ele concordou em conversar comigo e eu deixei o restaurante para vir até aqui. Ele me trouxe para o quarto dele, apenas sua mãe está em casa e Corey me apresentou a ela como namorado da amiga dele, eu não entendi, mas preferi não perguntar porque ela nos olhou de um jeito estranho.
O quarto do Corey é legal, ele tem uma decoração diferente, ele é cheio de posters e tem uma bandeira colorida enorme no chão do quarto, eu elogiei pensando ser um tapete, mas ele me corrigiu dizendo que era uma bandeira.
Estamos sentados na cama do Corey, eu contei tudo a ele, tudo mesmo. Desde os meus pensamentos estranhos até o beijo em um garoto.
Ele me ouviu atentamente, até me ofereceu lencinhos quando eu chorei.
— Corey, isso significa que eu sou igual a você?
— Não necessariamente — ele disse.
— Como assim?
— Olha, garotos gostar de garotos, não significa obrigatoriamente que eles são gays.
— O que é então?
— Um pecador assanhado que vai direto para o inferno.
Corey disse e eu arregalei meus olhos para ele.
— Minha nossa senhora!
— É brincadeira, Liam — Corey começou a rir e eu senti um pouco de alívio — você está muito tenso, relaxa.
— É impossível relaxar em uma situação como essa. Você já está acostumado, mas eu não!
— Você está nos comparando, então já está considerando a ideia de ser gay. Já é um começo.
— Não é nada disso, Corey.
Ele está me deixando ainda mais confuso.
— Desculpa, desculpa. Vamos falar sério agora, tá bom? Eu só queria melhorar o clima, mas estou vendo que não deu certo.
Não mesmo.
— Você já gostou de alguma garota? — ele perguntou.
— Eu acho que não.
— Você já se atraiu fisicamente por alguma garota?
— Como assim?
— Como eu posso te explicar isso? — ele pareceu pensar um pouco — por exemplo, você já viu uma garota nua e gostou do que viu?
Eu senti o meu rosto esquentar.
Eu e o Corey mal nos conhecemos e já estamos falando sobre isso.
Mas fui eu que procurei ele primeiro.
— Eu... acho que sim.
— O que você sentiu?
— Eu tenho mesmo que falar?
— Eu só estou tentando ajudar — Corey disse — só tem nós dois aqui, e acredite, essa conversa nunca sairá daqui.
— Uma vez na minha antiga escola... um dos meus colegas de dormitório saiu escondido para namorar, ele foi para o banheiro e a namorada dele entrou escondido. Eu ouvi um barulho e eu fui ver o que era, então, sabe... eles estavam fazendo sexo e eu vi os dois sem roupa.
— Uau, continua — Corey estava atento.
— Eu achei o corpo dela muito bonito e também...
— O que?
— Também achei o corpo do garoto bem bonito.
— Eu amei essa dualidade — Corey parecia muito animado — olha, eu vou fazer umas perguntas e você me responde sinceramente, tá bom?
— Tá bom.
— Imagine que tem uma garota em sua frente, e ela está prestes a te beijar. O que você sente?
Eu...
Me sinto um pouco nervoso com isso.
— Eu acho que eu ficaria nervoso.
— Mas é um sentimento bom ou ruim?
— É bom... eu acho.
— Tá bom, e se fosse um garoto?
— O Theo? — perguntei.
— Pensou logo no Theo, safado? Tá bom, pode ser ele.
— Eu também me sinto nervoso.
— Vamos esquecer o nervosismo, qual sentimento vem depois desse?
Olhei para as minhas mãos.
— Eu gosto... mas...
— Não! Sem "mas". Você gosta? Quando pensa no Theo te beijando?
— Eu... sim.
— E se fosse uma garota?
— Eu... também gosto.
O Corey está me olhando de um jeito estranho.
Será que isso está errado? Eu deveria escolher um, certo?
Eu estou errado? Eu estou quebrado?
— Você já ouviu falar em bissexualidade?
— Bi o que? — eu franzi a testa.
— Bissexualidade. Uma pessoa bi pode ser romanticamente ou sexualmente atraídas pelo gênero masculino e feminino.
— Eu não sei se eu entendi — digo.
— Vou tentar explicar melhor, vou te usar como exemplo, tá bom?
— Tá bom.
— Você gostou do corpo daquela garota, se atraiu com aquilo, né?
— Sim...
— E gostou quando o bonitão te beijou?
— Que bonitão?
— O Theo!
— Ah, sim...
— Você gosta dos dois, então isso talvez possa significar que você seja bi.
— Bi?
— Bi!
— Isso é bom?
— Eu não sei, gatinho, me diga você.
— Não é pecado? — eu perguntei.
— Só porque as pessoas não entendem, elas querem dizer que é pecado, mas Deus não vai nos mandar para o inferno por gostarmos do mesmo gênero que o nosso, ou gostamos de dois gêneros. Para mim, essas pessoas que nos julgam dizendo que vamos para o inferno, são elas que vão ter esse destino por nos fazerem tão mal. Eu sei que é errado eu dizer isso, até porque Deus é o único que pode nos condenar, e se nós formos pessoas boas aqui na terra não há o que temer, não há nada de errado em amar.
— Eu acho que entrou um cisco no meu olho — digo, sentindo meus olhos lacrimejando.
— Pode chorar, pode chorar — Corey se aproximou para acariciar minhas costas e me ofereceu mais um lencinho.
Isso faz tanto sentido, tudo isso que ele me disse. Mas eu não posso negar que eu ainda tenho medo, ainda estou um pouco assustado.
— Você acha que o Theo é como eu? — perguntei.
— Eu não sei, gatinho. É ele quem deve te dizer isso. Mas olha, você não precisa se rotular assim da noite pro dia, eu demorei para entender que eu gostava de homens, cada um tem o seu próprio tempo e só você pode dizer se você é realmente bi.
— Tudo bem... você pode não me chamar de gatinho?
— Ai, desculpa.
— Corey, como você soube que você era gay e não bi?
— Uma menina gostava de mim, por pura pressão eu tentei fazer sexo com ela, mas quando ela tirou a roupa eu fuji — Corey disse e começou a rir. É difícil não rir com ele falando desse jeito — mas depois eu conheci um menino, rolou um clima e nós ficamos juntos por uma noite, mas foi a melhor noite da minha vida. Eu neguei por muito tempo, também tinha medo como você, mas eu apenas aceitei.
— Como você consegue lidar com as pessoas?
— Não é fácil, não é nem um pouquinho fácil, mas eu não acho justo continuar me escondendo, eu quero poder ser eu mesmo, que se foda a sociedade, eu sou gay e me orgulho disso.
— Isso é muito bonito, Corey. Muito bonito.
— Eu sei.
Ouço um barulho na rua. É chuva, está chovendo de novo.
— Está chovendo de novo? Meu Deus, eu tenho que voltar para casa!
Me levantei em um pulo.
— Mas está chovendo.
— Eu deixei o restaurante sozinho, meu pai vai me matar!
— Espera a chuva passar primeiro, não é bom sair assim.
— É aqui do lado, eu nem vou me molhar muito — digo.
Mesmo insistindo para que eu esperasse a chuva passar, consegui convencer Corey de abrir a porta para mim e ele me levou para fora.
— Volte depressa!
— Tá bom, conversamos depois!
Eu corri pela rua, sentindo os pingos frios da chuva molhar meu corpo. Já faz tanto tempo que eu não pego chuva, isso é muito ruim, da última vez eu acabei ficando gripado.
Por sorte, a casa de Corey fica bem perto da minha, o que me surpreende nunca termos nos visto por aqui antes. Entrei na minha rua, a chuva está forte e por causa disso eu já estou com a roupa toda molhada, eu vou levar uma baita bronca por isso.
Eu finalmente cheguei, vi que o restaurante continuou aberto, o que significa que meus pais não descobriram que eu saí escondido, isso é bom. Eu estava prestes a entrar, quando ouvi alguém chamar o meu nome.
— Liam...
Olhei para trás, Theo estava ali no meio da chuva todo molhado, ele estava com uma mochila e uma aparência de quem havia chorado. O que é isso...? Tem um ferimento em sua cabeça e está sangrando.
Meu Deus, o Theo está sangrando.
— Theo, o que aconteceu? — eu corri até ele, tentando entender o que estava acontecendo.
— Liam, eu preciso de ajuda... eu preciso de você.
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