02 𝖽𝖾 𝖺𝖻𝗋𝗂𝗅 𝖽𝖾 2012

HANNAH DIXON.

Fazem dois dias desde que o pior aconteceu, desde que pessoas foram mortas da forma mais cruel possível e meu marido foi levado, sem a oportunidade de uma despedida. Dois dias que choro incansavelmente e sou atormentada por pesadelos horripilantes todas as vezes que consigo pregar os olhos, o que não é muito. Estou um caco, destruída por completo, mas ainda preciso cuidar de Maggie e nossos bebês. Mesmo com a ajuda de Jesus e Sasha as coisas ainda têm sido exaustivas.

— Você deveria ir descansar, Hannah, eu cuido das coisas enquanto isso. – Sasha comenta, nunca a vi ser tão simpática comigo antes. Parece ser a mais forte entre nós mas sabemos que está tão devastada quanto. — Deixa comigo, nada vai entrar por essa porta.

Estamos em Hiltop e Maggie segue inconsciente desde que chegamos até aqui, dois dias atrás. Dividimos um trailer cujo os cômodos adicionais são grande o suficiente para acomodar todos nós com conforto e privacidade, eu teria adorado tudo isso  em outras circunstâncias.

Jesus adentrou o trailer antes que eu pudesse respondê-la com uma boa desculpa. Ele trazia junto a ele marmitas de isopor que exalava um cheiro delicioso pelo ambiente, cheiro esse que despertou um apetite adormecido.

— Oi, quem tá com fome? – Indagou em entusiasmo, erguendo as sacolas com marmitas e algo que ainda não consegui reconhecer. Veio até o sofá, entregando uma sacola para mim e levando a outra para a Williams. — Carne de veado feita no leite de coco, brócolis para as grávidas, uma deliciosa salada de tomates e o famoso suco verde da Senhora Mackenzie, da cozinha.

— Cassie parece ter gostado do cheiro, se agitou em um nível novo demais para mim. – Falo ao abrir a marmita, inalando o cheiro delicioso que vinha dali. Sinto o movimento preguiçoso de minha filha em meu ventre, o que me leva a acreditar que ela gostaria de uma deliciosa refeição agora. — Parece poder perfurar minha barriga a qualquer momento.

Rovia sorriu para mim antes de se sentar no puff verde musgo perto da mesa de centro. Me sinto sortuda por tê-lo conosco e ainda por cima ser tão preocupado comigo e minha filha. Jesus vem até nós pelo menos cinco vezes ao dia apenas para checar se estamos dormindo ou acordadas, acomodadas o suficiente ou ainda com algo faltando.

— Sinal de que é uma menininha saudável, eu disse à você. – Ele responde, Jesus está se tornando um grande amigo para nós e parece gostar da idéia de ter bebês correndo pela comunidade em um futuro breve. — Parece estar cansada, você dormiu bem essa noite?

— E como poderia? Giulia acorda aos gritos todas as vezes que dorme e se nega a ficar sozinha. – Suspiro em desânimo, o famoso vazio se alojando em meu peito como um incômodo vivido do que presenciamos. — Não sei mais o que posso fazer por ela, está transtornada.

— Perderam três pessoas muito importantes, Hannah, é comum que ela apresente esse tipo de comportamento. Dê um tempo para que possa se recuperar, o importante é que estão sempre lá quando a menina precisa.

Sei que ele tem razão, entendo que as perdas recentes e a maneira como suas vidas foram roubadas foi cruel e torturante demais para uma criança assistir. Não sou capaz de lidar com o luto de Giulia quando também estou soterrada em baixo de escombros de uma amizade tão linda e perfeita que agora já não existe mais. Como um dejavu não desejado, sou obrigada a reviver todo o inferno que foi o dia trinta e um de março de 2012.

Era início de tarde quando Daryl e o pessoal chegou, haviam saído apenas ele, Rosita e Denise mas Abraham e Eugene voltaram com eles. Eu notei que Eugene estava sendo carregado, mas que não havia nenhuma Denise com eles. Me apressei indo para a porta da enfermaria enquanto pedia para as garotas me ajudarem com tudo o que eu iria precisar.

— Coloquem ele na maca! – Eu ordenei para Abraham e Daryl. Foram delicados e nervosos ao fazer o que pedi. Havia sangue em suas roupas e o Porter tinha uma bala alojada em seu ombro. — O que aconteceu lá fora é cadê a Denise?

Houve um silêncio ensurdecedor enquanto eu cortava a camiseta de Eugene fora. Lágrimas escorriam por seus rostos e logo desceram pelo meu também, afinal Denise estava morta. Funguei em uma tentativa de conter o choro, pegando soro e uma pinça.

— Segure-o ou ele vai se mexer e eu irei machucá-lo. Os estilhaços ainda estão aí dentro.

Denise faria isso por mim se estivesse aqui, mas ela não está. Eu cuidei de tudo com a ajuda de Annie e deixei meu paciente descansar na companhia de Rosita, pensei que poderia lamentar minha perda agora mas assim que o corpo de Denise foi enterrado uma discussão foi iniciada no portão da comunidade. Era meu marido indo vingar sua morte. Ele não me comunicou sobre isso, sequer disse adeus caso não voltasse, apenas subiu na moto e foi embora.

Glenn estava lá, nossos amigos também. Michonne tomou a iniciativa ao ocupar uma Van e meu melhor amigo veio até mim a fim de me tranquilizar.

— Eu vou trazer ele de volta, tudo bem? – Me disse, deixou um beijo em minha testa antes de finalmente entrar no carro junto aos outros. — Fique calma, Isa, e cuide das meninas enquanto eu estiver fora.

— Tomem cuidado, por favor! – Pedi com o peito apertado. Tinha um mal pressentimento sobre isso, como se algo tenebroso pudesse acontecer a qualquer momento. No instante em que a Van ultrapassou o portão e sumiu de meu campo de visão eu soube que estaríamos em um grande problema.

O dia se arrastava, nenhuma notícia do grupo que partiu atrás de Daryl e isso me deixava aflita, nervosa. Andava de um lado para o outro na varanda da casa de Lara, estava tão nervosa sobre isso que Merle partiu em busca do irmão para me tranquilizar. Parecia que meu peito explodiria a qualquer momento, como se estivéssemos em apuros ou algo de muito ruim estivesse acontecendo neste momento.

Vi quando Enid correu em nossa direção, tão preocupada que parecia ter visto um fantasma. Sen fôlego, ela se abaixa em minha frente para recuperar a respiração falha.

— É a Maggie, eu não sei o que aconteceu mas ela não para de gritar. Eu acho que tem algo de errado com o bebê.

Suas palavras foram o combustível que eu precisava para correr até ela. A casa de Maggie ficava há quatro ruas de onde estávamos, cinco ruas até a enfermaria. Gritei para que Annie buscasse minhas coisas em casa enquanto me apressei para a Rhee e seu bebê. Giulia estava lá, tão apavorada quanto a cunhada, segurando sua mão enquanto acariciava seu cabelo.

— Tia Hannah, finalmente! – Ela grita em desespero. — Eu não sei o que fazer, ajuda ela, por favor.

— O quê aconteceu, sabe me dizer? – Questionei com pressa, subindo a camiseta de Maggie para liberar a barriga. — Maggie, oi, consegue me dizer onde dói?

Ela se revira no sofá, segurou a barriga com desespero. Maggie suava tanto que parecia estar em uma sauna, essa mulher iria enlouquecer de tanta dor se não fizéssemos algo.

— o bebê, há algo de errado com o bebê. – Suas palavras saíram dificutosas e falhas, mas acima de tudo, apavoradas.

Busquei pelo aparelho que permite ouvir os batimentos cardíacos do feto, o único preparo obstétrico que temos na comunidade, é deslizei o objeto redondo por sua barriga em busca dos batimentos do pequeno bebê. Ao ouvir o som de seu coraçãozinho Maggie pareceu mais calma, pelo menos Sabíamos que ainda havia uma vida ali dentro.

— Está mais acelerado que o normal, mas ainda há batimentos. – Suspirei ao me levantar, retirando o aparelho. — Não possuo preparo algum para cuidar dela e o bebê aqui, era Denise quem estudava obstetrícia. Meu trabalho é limitado em apenas salvar pessoas fora do útero materno.

Rick adentrou a casa com o rosto assustado, mas se tranquilizou ao me ver ali. Me afastei imediatamente, indo em sua direção para uma séria conversa.

— Precisamos levá-la ao Dr. Carson agora mesmo ou então não perdemos apenas o bebê, mas ela também. Sabe se Glenn já voltou? Ela vai precisar do marido agora.

Ele pôs suas mãos na cintura após limpar a barba rala.

— Não podemos sair agora, há um risco muito grande de toparmos com um grupo de Salvadores ou da comunidade sofrer um ataque em nossa ausência. – Ele diz, mas Peter chegou logo depois e com o amigo, Andy. — Carol foi embora, Morgan está atrás dela agora. Encontramos uma caminhonete cheia de homens mortos, eram Salvadores e Carol matou todos eles sozinha. Eles estavam vindo pra cá, Hannah, algo muito ruim vai acontecer.

— É a vida de um bebê em risco, Rick, e a de Maggie também. Ou você acha que no momento em que aquele feto começar a morrer ela também não vai piorar? As súplicas de agora não são nem a ponta do icebarg. – Ele parou outra vez, trocou olhares com os outros dois que ainda estavam em silêncio, então eu usei minha arma mais letal. — E se fosse eu e minha filha ali? Se meu marido estivesse fora e confiasse nossas vidas a você na ausência dele.

— Sua vida foi confiada em mim desde que nasceu, Hannah.

— Justo, então isso significa que você enfrentaria tudo para salvar a mim e sua sobrinha, não é? – Ele engole em seco, o peguei aqui. — Hershel confiou a segurança de Maggie em você muito antes de morrer, está na hora de honrar a sua palavra e salvar o neto dele.

Não houve hesitação, sequer um segundo para pensar. Rick agiu depressa.

— Eu vou mandar preparar um trailer agora mesmo.

— Certo, e eu vou checar aa guarda dos muros e redobrar a segurança da comunidade. – Peter anuncia antes de sair. — Essa mulher é boa em convencer alguém, não é? Pobre Daryl.

Sorri antes de voltar para Maggie. Abaixei ao seu lado e segurei sua mão, retirando os cabelos curtinhos de sua testa. Ela havia feito um corte novo e só tive tempo de reparar agora, neste momento. Era lindo, realçava a beleza e o formato do rosto.

— Nós vamos para Hiltop, levar você para um exame completo e descobrir o que há de errado, tudo bem? – ela respira ofegante, limpei o suor em seu queixo. — Vai ficar tudo bem, nós já mandamos alguém buscar o Glenn. Gostei do novo visual, é autêntico.

— Obrigada! – Sua voz saiu baixa, quase um sussurro.

[. . .]

Pegamos a estrada, mas os Salvadores pareciam estar em nossa cola a todo momento. Eu olhei nos olhos deles, os vi chutar um cara na estrada  e proferirem ameaças de morte a ninguém em específico. Novamente o sentimento de que algo ruim estava prestes a acontecer me invade, mas precisava mostrar que tudo ficaria bem para Maggie.

— Eu ouvi disparos. – Sua voz cansada ressoa pelo cômodo pequeno, Giulia não soltou a mão da cunhada em momento algum.

— Eram os Salvadores, mas Rick já cuidou disso para nós. – Giulia a tranquilizou com um sorriso. — Estamos perto agora, Abraham nos disse que devemos chegar em menos de duas horas se formos rápido o suficiente.

A mulher sorriu para a garota, fechando os olhos outra vez. A dor provavelmente diminuiu e ela está um pouco mais calma agora, mas sua aparência cansada e a demora para um atendimento médico me deixava preocupada demais com o estado do bebê.

Horas se passavam e os Salvadores continuavam bloqueando as estradas, não importa qual pegassemos eles já estariam lá nos esperando. Foi quando Eugene teve a brilhante ideia de nos deixar seguir caminho pela mata e continuar o trajeto com o trailer para tirar o foco de nós. Péssima decisão.

Rick, Abraham e Aaron carregaram a maca de Maggie floresta a dentro enquanto o restante limpava o caminho. Minha barriga estava aparente agora e pesava ainda mais, o que dificultava a correria que eu precisava fazer, mas Carl esteve lá por mim e me ajudou quando necessitei. Ele acertou dois zumbis em meu lugar e me impediu de cair, me dando um sorriso pequeno ao ajudar.

De repente o som de passos na floresta me assombra, trazendo medo e um arrepio chato na espinha. Seus assobios ecoavam ao nosso redor, nos encurralando a beira de uma estrada deserta quando os faróis se ascendem e nos impossibilita de continuar. Havíamos sido pagos pelo inimigo. Estávamos cercados, não havia para onde correr. Os salvadores nos emboscaram, tramaram contra nós e caímos feito patos. Os faróis fortes foram ascesos, quase nos cegando em meio a escuridão. Haviam vários deles, estavam armados e tinham o nosso trailer. Também tinham o pobre Eugene.

— Oh, finalmente. Bem-vindos aí lugar onde estavam indo! – Um salvador da estrada diz, seus braços abertos e um sorriso nojento nos lábios. Armas apontavam para nossas cabeças de todos os lados e isso me deixava amedrontada. — Coloquem eles de joelhos.

Sua ordem soou grave, como um comandante do mal. Um garoto adolescente puxou meu antebraço e ameaçou me jogar ao chão mas pareceu notar minha barriga rechonchuda. Ele sorriu e chamou a atenção do chefe, como uma piada.

— Simon, olha isso. – Ele diz em um riso de escárnio, o homem se virou para nós com um semblante sério. — Essa está grávida.

O cara riu em seu tom monótono e bafo de merda, como alguém que não escova os dentes há muito tempo. Sua mão suja e fedida tocou meu rosto com delicadeza, mas os dedos eram ásperos demais e aquilo tudo me incomodava.

— Adoro os hormônios de uma grávida, faz tempo que não mato uma. – ele rosna feito animal me causando calafrios, mas não era tola o bastante para demonstrar meus sentimentos naquele momento.

Meu olhar percorreu por todo o lugar ao ouvir os palavrões de Giulia. Um homem a arrastava pelo pulso, pouco se importando se estaria ou não ralando seus joelhos. Carl também foi pego, mas ele não relutou tanto quanto a amiga.

— Ei, imbecil! – Uma voz feminina adolescente chamou alto, se aproximou em passos rápidos e se infiltrou entre mim e o homem, dando um tapa estalado na mão do homem. — Deixe-a em paz, continue seu trabalho!

Eu queria poder dizer que não conhecia aquela garota, que nunca havia visto ela antes e muito menos que já tivemos um carinho uma pela outra, mas seria mentira. Hadassa Stacy Smith estava parada em minha frente e eu paralisei, apertei os olhos o máximo que pude quando ela mesma me posicionou em meu devido lugar e olhou em meus olhos. Hadassa encarou minha barriga, olhando outra vez com9 se enxergasse minha alma.

— Pedi aos céus que não fossem vocês, mas o destino é traiçoeiro demais para nos dar algo bom nesse mundo hostil. – Suas palavras saíram em um sussurro baixo e melancólico.

Ela se afastou e um eco pairou em minha mente. Olhei em volta, estava entre Giulia e Maggie e me vi agradecendo por isso, pois poderia monitorar minha amiga enquanto continuassem com essa noite de horror. Maggie suava muito e ainda estava com muita febre. As dores abdominais se tornavam cada vez mais intensas e a minha preocupação com o bebê dela crescia a cada segundo. Se não chegarmos logo em Hiltop, ela poderá perder o filho. E para piorar a situação, estamos presos no meio do nada com inimigos que querem nossas cabeças em estacas.

A voz do Salvador ecoa pelo local junto a fumaça que faz ao falar algo.

— Tragam os outros.

Meu coração se aperta ao perceber que todos que saíram antes de nós também foram pegos, incluindo Merle. Meu marido me olhou em espanto, querendo correr até mim e perguntar se estava tudo bem mas foi impedido e arremessado ao chão.

O homem, que pelo pouco que pude ouvir, se chama Simon, deu três batidas na porta do automóvel e tudo se tornou silencioso, nada além do barulho do vento contra nossos ouvidos. A porta foi aberta, ouvimos o ranger da macaneta como um aviso. Seu pior pesadelo está prestes a ser iniciado. Homem alto, calça jeans, jaqueta de couro preta, bandana vermelha no pescoço e um taco de basebol apoiado em seu ombro.

Eu já sabia quem era, não precisa olhar para seu rosto ou ouvir sua voz para perceber que aquele homem é Negan Smith, o pai da Camilla. Por um segundo agradeci por minha irmã não estar aqui agora, por ter preferido ficar e proteger sua filha dos inimigos que ela não faz ideia de quem comanda.

— Já estão se borrando? Deveriam. – Até sua voz mudou, isso me dá medo. Pouso minha mão na barriga, que justo hoje está marcando mais do que deveria. Seus olhos percorrem por todos nós até me encontrar ali, no meio deles. — Oh, eu estava torcendo para que não fosse você a Grimes que tanto me deu prejuízo nesse último mês.

Sua voz soou tão calma quanto antigamente, mas isso não me confortou. Negan se aproximou com um sorriso cheio de dentes que quase me faz recuar, mas me mantive firme em meu posto de rendição. Talvez pudesse notar minha agitação pela respiração rápida, mas não por outro motivo. Seu sorriso aumentou ao avistar minha barriga de grávida, ousando tocá-la.

— FIQUE LONGE DELA! – A voz de Daryl ressoa pelo local, me espantando por um momento. Negan olhou em sua direção, outro cara já havia o posicionado novamente. — Não encosta nela.

— E você é o pai, eu presumo. – Ele conclui, indo para o meio novamente. Parou em frente ao meu irmão, sorrindo feito um babaca egocêntrico. — E você deve ser o Rick que tanto ouvi falar. É, acho que já vi alguma foto sua. Devo dizer que parece bem mais amedrontador com o uniforme de polícia, Rick.

Daryl e Merle parecem já ter entendido o que estava acontecendo. Negan não parava de sorrir, um sorriso mórbido e cheio de más intenções.

— Bem, não é porque são da família que vou livrar vocês dessa grande merda. Vocês cometeram erros, mataram muitos dos meus homens e isso eu não vou admitir, nem mesmo da família da minha filha. – Ele para, pareceu finalmente ter lembrado de algo. Hadassa estava em seu encalço, seguindo cada passo dado pelo pai. — Por que minha amada Lara não está aqui, ela ficou em Alexandria com a pequena Cams?

Foi como se Merle estivesse se remoendo por dentro, porque ele realmente estava. Negan se aproximou outra vez ao esperar por uma resposta de ninguém em específico, ele só queria que alguém respondesse.

— Não vamos lavar roupa suja na frente da galera, pai. – Hadassa resmunga atrás do homem. Pude vê-la sussurrar outra coisa e se afastar em seguida.

Então o espetáculo sangrento se inicia. Negan estava decidido a matar um de nós hoje e seu taco de basebol nomeado em uma homenagem estranha a esposa morta era quem iria determinar nosso futuro. O uni-duni não pareceu ser o suficiente para nós deixar aflitos, também quis fazer um mamãe mandou. A cada vez que o taco se movia em frente aos rostos daqueles que amo era como uma pancada forte no coração.

Eu sabia que ele não iria me matar, mas não tinha certeza quanto ao Rick e os outros. Ele parecia determinado demais para estar blefando sobre o assassinato de um de nós essa noite, mas eu gostaria mesmo que fosse tudo um grande blefe idiota e que tudo ficaria bem porque um dia fomos família. O taco parou em frente ao rosto de Abraham.

— Vocês podem chorar, gritar e espernear, mas não podem se levantar. Se alguém der uma de machão arranquem o outro olho do garoto e enfiem na boca do pai dele.

O taco acertou sua cabeça fortemente, tão forte que o sangue espirrou no rosto de Michonne. Aperto os olhos, me forçando a não assistir aquela cena grotesca. Pude ouvir o grito estridente de Sasha sendo acompanhado pelo choro incessante de Rosita. Alcancei a mão de Giulia, a apertando em um ato de consolo enquanto meu choro também ecoava aquela estrada.

Me obriguei a abrir os olhos, vendo a grande poça de sangue que se formava ao redor da cabeça deformada do pobre Ford. O barulho do taco coberto por arames acertando seu crânio e o sangue sendo espirrado me causava ânsia. Rosita encarava o corpo morto do ex namorado ali, jogado ao seu lado.

O homem finalmente parou de golpea-lo ao se dar conta que não restava mais o que acertar ali. Ele sorriu, admirando o que acabou de acontecer como se fosse uma grande obra de arte. Levantou o taco, observando Rosita em lágrimas e a maneira como ela não conseguia de maneira alguma encarar o cadáver ou sua cabeça estourada.

— oh, vocês eram um casal? Eu sinto muito por ter assistido a este grande show, querida.  – ele falou, aproximando o taco encharcado ao rosto branco de minha amiga, até que a sujou com o sangue de Abraham — veja, sinta o cheiro de seu sangue.

E em um ato rápido, Daryl se levantou e o golpeou com um soco no rosto, me assustando e derrubando Negan aos meus pés. Gritei o nome de meu marido quando capangas o agarraram, e tudo o que ele pôde me dar foi um olhar preocupado antes de ser colocado de volta ao seu lugar. Então Negan se levantou, ainda mais sorridente e com a mão no queixo, onde foi acertado.

— seu cachorrinho é valente, Hannah. Da próxima vez que nos encontramos vamos combinar de colocá-lo em uma coleira, tudo bem? – ele provocou, rindo. — eu avisei, nada de bancar o herói. Tudo o que precisavam fazer era ficar quietinhos em seus cantos, assistindo ao grande espetáculo. Mas não. O marido da Hannah quis mostrar seus dotes no Boxe. E eu cumpro com a minha palavra, pessoal. Então, sem exceção.

Quando me dei conta, Glenn estava no chão. Um grito escapou por minha garganta, um grito tão alto e doloroso quanto o de Giulia e Maggie ao meu lado. Meus batimentos disparam. Então ele se levantou, um rombo na cabeça e o olho esquerdo saltando para fora enquanto  risada de Negan ecoava a estrada.

— Cacete! Você é Durão, eu te bati tão forte que seu olho saltou 'pra fora. Olha isso, pessoal! – Ele se vangloriou, como se estivesse fazendo uma maldita obra de arte.

Mas Glenn ainda estava consciente, os seus olhos ensanguentados fixos em Maggie enquanto tentava formular sua última frase. Meu coração se tornou pesado, me dando conta do que realmente estava acontecendo ali naquele momento. Glenn estava morrendo, alguém estava matando ele na minha frente e eu era impossibilitada de o ajudar.

— Maggie, eu. . . – talvez tenha se engasgado com o sangue, o cuspindo fora enquanto nosso choro se intensificou. — Vou te encontrar.

Foi ali que meu coração se estilhaçou em milhões de pedaços, onde jamais poderiam ser catados. E em poucos segundos depois ele estava no chão outra vez. Giulia se agitou ao meu lado, tentando correr até o irmão e impedir sua morte precoce. Eu a agarrei com o que restou de minhas forças, a prendendo a mim enquanto reconheci um rosto entre a multidão.

— NÃO. POR FAVOR, NÃO. EU VOU EM SEU LUGAR, PARE. POR FAVOR, NÃO MATE O MEU IRMÃO. – Giulia gritava, recebi o auxílio de Carl em nossa missao de tentar mpedir que a garota fosse até ele, sendo assistidos por Hadassa e Lisa Rhee. Ela estava lá,  via sua filha implorar por misericórdia e o filho sendo morto mas não expressava reação diante tal crueldade. — NÃO O MATE. GLENN, POR FAVOR.

Mas suas palavras surtiram efeito sobre mim, eram como adagas em meu peito. Eu via, via como Negan o golpeava várias e várias vezes, não consegui parar de olhar. Tentei fechar os olhos como fiz enquanto ele matava Abraham mas não funcionou. Os meus olhos não se fechavam, eu não queria fechar. Então eu assisti, assisti o assassinato do meu melhor amigo.

Ali, o vendo morrer, nossas memórias vieram feito raio, como se fosse eu morrendo em seu lugar. Meu peito doia, pesava, apertava. Eu estava ali mas era como se não estivesse. O tempo começou a ficar lento, os gritos abafados, longe. Eu não os ouvia, mas conseguia enxergá-los. Eu via como Maggie chorava compulsivamente, como Giulia lutava contra os braços de Carl a segurando, Rick com o olhar longe, evitando chorar. Eu vi suas mãos tendo um espasmo, sua cabeça já não existia mais, era apenas massa incefálica por todos os lados.

O choro se intensificou, e foi ali que me dei conta do que estava acontecendo. Glenn está morto, ele se foi e eu estou sozinha agora. Meu melhor amigo morreu. Outro grito, e mais outro. Negan atingiu a poça de sangue com seu taco, acertando uma grande quantidade em meu rosto. Ele parou quando se deu conta do que fez, esperando por uma reação. A roda se calou, esperando pelo mesmo que ele.

Fechei os olhos por segundos, levando as mãos até meu rosto encharcado, pedindo por favor que não fosse o que eu pensava que seria, que Negan não tivesse feito aquilo. Meus dedos foram molhados pelo líquido em meu rosto e abri os olhos, os encarando. Vermelho escarlate, era sangue puro. O sangue do meu melhor amigo estava em mim, eu estava coberta por ele. Os lábios tremeram, assim como as mãos. A primeira lágrima rolou.

— Hannah – ouvi Daryl chamar, mas parecia tão longe. — Hannah, amor.

O choro se intensifica, como a tremedeira em minhas mãos. E quando pensam que não se pode piorar, eu grito. Um doloroso, raivoso e estridente grito que fez meu irmão apertar os olhos e os Smith darem passos para trás. E ele não parou, não mesmo. Ficou mais alto, como se eu fosse uma criança birrenta no supermercado e tivessem acabado de me negar o meu doce favorito.

— DEUS! Essa garota tem pulmão – o ouvi gritar entre risadas — me desculpe, doce Hannah. Eu realmente não quis a atingir com isso. Está mais do que claro que eram próximos. – ele falou, mas isso não me impediu de continuar. Então ele bufou — Hadassa, cale a boca dela.

[. . .]

Não me lembro como, mas me apagaram. Acordo tonta, zonza. A visão era turva e eu não escutava tão bem. Talvez tenham me feito cheirar alguma substância em um pano branco. O primeiro rosto que consegui visualizar foi o de Giulia, que me acolhia em seu colo. Ela me deu um sorriso melancólico, tirando o cabelo de meu rosto.

— hey, que bom que acordou. – sussurrou.

Levei minha mão até a cabeça, sentindo a dor ali. Então me lembrei. Me levantei rapidamente, passando a mão em meu rosto outra vez procurando pelo sangue. Olhei em volta e me dei conta de que não foi um pesadelo, era tudo real.

— Eu limpei o sangue em você – a voz feminina diz. A procurei, encontrando escorada na traseira de uma van preta. Hadassa veio em nossa direção outra vez. — desculpe pelo dramim que te fiz cheirar, não foi nada pessoal. Mas você precisava se acalmar de alguma forma.

Me arrastei para trás conforme a garota se aproximava, até topar os sapatos de alguém e Giulia me puxar de volta para perto de si, como se ela fosse a adulta aqui. Acontece que os sapatos que encontrei pertenciam a matriarca Rhee, que ainda não expressava reação alguma.

— Afastem-se dela, vadias! – Sua voz soou firme e assustadora. Estava com raiva, principalmente da mãe, seu olhar desafiador focado exclusivamente nela deixava claro que apesar da pouca idade ao ter fugido, ainda se lembrava.

Hadassa sorriu, igualzinha ao pai. Aquilo me causou embrulho. Meus olhos encontram o corpo morto de Glenn, mas meu bebê pareceu saber de minha dor e deu seu primeiro chute. Uma poça de lágrimas se formou em meus olhos prontas para cair quando ela chuta outra vez, desta vez bem na palma de minha mão.

— Eu me lembro dele em suas histórias. – a garota diz, atraindo minha atenção. Ela chutou uma pequena pedrinha, como se a culpa lhe conssumisse por inteiro. — Sinto muito por ter perdido o seu Patrick estrela, Hannah.

Engoli meu choro, assim como a vontade de matar uma criança que eu vi crescer. Hadassa não teve nada a ver com isso. Não foi ela quem acertou meus amigos centenas de vezes até sobrar apenas massa incefálica e sangue por toda a parte mas seu jeito de falar e se mover me fazia lembrar de Negan.

— Eu não o perdi, seu pai o matou, é diferente. – A olhei nos olhos pela primeira vez depois de anos, ela se parecia tanto com Lucille. — Lembra de quando contratei uma garota de oito anos 'pra bater na menina que batia em você, de como eu manipulei a vida da mãe dela e enfrentei a diretora 'pra defender você?

Ela deu um riso nostálgico. — Sim, eu lembro. Você é uma mulher muito vingativa, Hannah, eu não duvido que tente algo contra nós pelo que aconteceu aqui.

Meu sorriso, por outro lado e mesmo molhado por lágrimas, era de pura dor. Minhas memórias afetivas com Glenn inundaram meus pensamentos em uma cascata de risos que nunca mais serão vividos. No entanto, apesar de toda minha dor, eu sabia que não deixaria as coisas como estão. Eu iria vingar a morte de Glenn Rhee.

— Eu não vou matar você, Hadassa, mas ligação sanguínea nenhuma irá me impedir de esquartejar o seu pai e o jogar na sarjeta. Ninguém nunca escapou da ira de um Grimes, deveria saber muito bem disso.

Ela parecia tão tranquila, mas sua aparência cansada e os olhos fundos deixava claro que Hadassa Stacy estava mais do que farta de tudo que vivia. Seu sorriso fraco e os olhos atentos a tudo, como uma verdadeira chefe de uma quadrilha infernal.

— Estou contando com isso, na verdade.

Não sabia como as coisas funcionariam a partir daquele momento, mas eu estava ciente de todos os riscos e iria assumí-los se fosse para vingar meu melhor amigo. E a primeira a morrer seria sua mãe, a grande vadia que assistiu a morte do filho em silêncio e não fez nada para impedir. Eu ia acabar com todos aqueles Salvadores, só não sabia que Giulia tinha o mesmo pensamento.

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001: Primeiro de tudo, um minuto de silêncio por nossos amigos mortos aqui.

002:  Eu não gostaria de matar o Glenn, mas planejei todo o trajeto da Giulia a partir desse acontecimento. Não havia outra opção, eu não fazia ideia de como continuar com o Glenn sendo que a maior raiva nutrida pelo Negan vem por ele ter matado o Glenn.

Beijos da Malu!💋