75| 𝐃𝐈𝐀 𝐃𝐀 𝐂𝐀𝐂̧𝐀.

07 𝖽𝖾 𝗆𝖺𝗋𝖼𝗁 𝖽𝖾 2012

HANNAH DIXON.

É difícil, foi difícil entrar naquela casa, olhar nos olhos de um amigo e dizer a ele que sua namorada está morta. Leonardo estava arrasado, se trancou no quarto e não saiu por nada, nem mesmo para visitar o amigo na enfermaria. Me sentei na varanda de minha casa, onde haviam duas cadeiras de balanço e uma mesinha de centro muito bonita. Merle veio para cá, estamos em silêncio desde que chegou, soube do meu episódio na enfermaria e quis verificar se eu estava bem pessoalmente.

Sentir o medo de perder meu bebê foi uma dor terrível, eu quase tive a certeza de que havia o perdido e aquilo era tenebroso de tão profundo que era minha dor. Meu cunhado me olhou outra vez enquanto eu seguia com meus olhos no movimento daquela rua, ainda calada. Sei que Daryl deixou o irmão de olho em mim enquanto estivesse afastando aquele bando, era óbvio que deixaria.

— Você tem certeza de que está bem, Hannah? – Questionou baixinho, hesitante. — Não sente nada?

— Eu quis tirar o bebê quando descobri sobre a gravidez, nem iria contar ao Daryl porque pensei que ele seria contra. – Disse em uma voz calma, a mão pousada sobre a barriga lisa. Respirei profundamente, virando meu rosto para ele. — Pensar em perdê-lo hoje foi quase que insuportável. Há semanas atrás eu daria tudo para tirá-lo e hoje eu quase morri quando pensei que tivesse o perdido. Por quê?

Merle sorriu para mim de uma forma doce, sem malícia ou ironia, apenas feliz.

— Porque agora você sabe que o ama. – Ele me diz, tão sereno que até parece ser experiente com isso, como se fosse um grande pai de família. — Amava antes também, só não sabia ainda. Crianças mudam a gente, sabe disso mais do que todos porque seus sobrinhos te salvaram. Camila me salvou também, Giulia me salvou e eu daria tudo por elas. Você é mãe agora, Hannah, é óbvio que iria se desesperar com um sangramento, mesmo que ele não viesse de onde pensava vir.

Suspirei pesadamente agora, mas tranquila por saber que está tudo bem com minha gravidez. No entanto, me pergunto se este medo será constante em minha vida, se eu não terei paz nem mesmo enquanto gero um filho meu. Eu teria de lutar por meu filho ainda o tendo em minha barriga? Doce mundo cruel, não dando paz à uma pobre gravidinha.

Mas ouvir Merle falar sobre seu amor com minhas meninas me deixou feliz, principalmente por saber que é verdade. Ele mudou por essas garotas, e por Lara também. Agora é um marido bom, um padrasto ótimo e um amigo incrível, tudo o que nunca foi. Eu amo o novo Merle em quem ele se tornou. 

— Você vai ser um tio muito bom, Merle. Eu fico feliz em saber que meus filhos terão alguém tão bom como você para os assistir crescendo e os ensinando coisas que eu provavelmente não irei aprovar.

— Serei seu carma, o tio favorito desse garoto, e se for uma garotinha então eu ensino a ela como bater em meninos. – Ele diz, muito animado. Ri daquilo, ri porque nunca imaginei que eu e ele estaríamos sentados em cadeiras de balanço enquanto falávamos sobre crianças. — Eu o amarei com todo meu coração, tanto quanto amo Camila e Giulia. Estará segura enquanto eu estiver por perto, Hannah, jamais deixarei que algo te aconteça se eu puder impedir.

Não mentem quando dizem que este mundo muda pessoas, ele muda mesmo. Alguns se tornam malvados e é contra eles que lutamos quando somos atacados, outros se adaptam para poder sobreviver. E tem o Merle, que aprendeu a amar durante o fim do mundo e adotou crianças que não eram suas, mas que agora ele ama como se fossem.

[. . .]

Soube que todos os outros voltaram da missão, mas Glenn e Nicholas ficaram para queimar algo como distração e nunca voltaram, nem mesmo queimaram nada. Daryl seguiu com Abraham e Sasha, guiando a horda para longe de todos nós e a comunidade. Muita coisa me deixa nervosa nesse fim de tarde, principalmente após esse ataque repentino que sofremos mais cedo, mas nunca imaginaria que ainda podia piorar, e muito.

Rick se aproximou da comunidade correndo, tendo uma horda de zumbis logo atrás de si. Corria desesperado enquanto gritava para que abrissem os portões, louco para sobreviver. Mal pude ver aquela cena de tão rápida, mas Michone abriu rapidamente junto à Rosita, paradas ali enquanto se preparavam para um possível ataque. Meu irmão atravessa os portões e ele logo é fechado, deixando centenas de zumbis ao redor de nossos muros.

— Aí meu Deus, o que aconteceu com você? – Indaguei de uma vez, notando seu sangramento contínuo. — Onde está o Daryl?

— Seguiu o plano com Abraham e Sasha, eu fiquei para alcançar o grupo que se desprendeu da horda quando a buzina soou, mas algumas pessoas me encontraram... eu os matei, mas estraguei o trailer. – Contou, estava ofegante enquanto uma multidão nos cercava. — Não tive escolha, fiquei sem saída.

Enrolei minha bandana em sua mão enquanto isso, ele já havia perdido muito sangue e estava pálido. Rick precisou correr muito para chegar até aqui com vida, no mínimo está desidratado depois dessa maratona.

— Vamos precisar de vigilância redobrada, eu quero pessoas armadas aos quatro cantos desses muros. – Ele ordenou, tendo a confirmação de Deanna em imediato. Vi Clara pegar seu filho e o abraçar, em segundos os Monroe e seu amigo, Andy, se reúnem ao nosso redor. — Daryl e os outros irão aparecer e atrair eles para longe, nós só precisamos esperar até que eles voltem.

— Glenn e Nicholas também não voltaram, Rick. – Lara o conta, o fazendo suspirar. — E tivemos muitas mortes por aqui hoje, as pessoas já estão traumatizadas o suficiente para que esses muros resolvam cair.

— Quantas mortes?

— Contamos vinte e quatro corpos nas ruas, mas ainda não separaram vítimas de assassinos. – Peter conta, o filho choraminga por algo. — Querida, o leve para casa, descansem pelo resto da tarde.

Clara afirmou, saindo com a criança de um ano e meio nos braços. O menino estava cansado e o som alto o irritava, logo seu choro deixaria os zumbis agitados demais para que todos nós continuasse vivos. Também nos afastamos dos muros conforme a conversa, indo pela rua principal.

— Claire e Jeremy foram umas das vítimas feitas hoje, mas Denise conseguiu salvá-lo. Claire, infelizmente, não teve a mesma sorte e pediu para que eu atirasse nela. – O contei, seus olhos quase saltaram de seu rosto ao ouvir sobre o ataque ao sobrinho, mas se suavizaram no instante em que soube da verdade. — Encontrei com as crianças agora pouco, estão todas bem e em segurança na casa da Maggie.

Rick me deu uma olhada rápida, notando que eu estava mancando de um lado da perna e um corte superficial em meu rosto, decorrente ao Machado que quase decepou minha cabeça.

— Teve uma luta, Hannah? – Ele me questionou, seu tom preocupado e autoritário predominante na voz utilizada. — Está louca? Tem noção do que isso poderia causar em seu estado?

— Com certeza, ela tem.

— Estou bem, irmão, é só um corte. – Respondi agarrada a Lara, que me deu um meio olhar. — Juro que estou, foi apenas um episódio de preocupação e desespero.

Eu não me importava com o segredo sobre minha gravidez a essa altura, tantas pessoas já a descobriram contra minha vontade que nem mesmo me esforço para escondê-la. Mas eram Andy e Peter conosco, não são completos idiotas, apenas metade.

— Espere, do que estão falando?

— Por que Hannah não poderia lutar? Qual seria o estado dela? – O negro questiona, tão perdidos quanto zumbis no oceano. — Eu mesmo a vi matar um deles em frente a enfermaria, se saiu muito bem. 

Nos entreolhamos hesitantes, mas não havia mais para onde correr. Dei um suspiro curto, buscando a coragem o carisma necessário para dizer isso em voz alta para alguém de fora da nossa família.

— Estou grávida! – Minha voz saiu hesitante, mas animada. Os olhos de Peter se arregalam enquanto Andy não nos permite ler sua reação neste momento. Moretti abaixou sua cabeça por alguns segundos enquanto eu voltei a falar. — Minha coxa sangrou hoje e pensei ter perdido, mas era apenas um corte causado pela maluca com quem lutei. 

Peter sorriu para mim em alegria enquanto seu amigo continuou em silêncio, o que eu agradeci porque não preciso que ele opine sobre nada em minha vida. 

— Que incrível, Hannah, meus parabéns! – disse ele, veio até mim para um abraço e recebeu um. — Filhos são sempre uma dádiva, você verá. 

Eu sorri em resposta, contente por uma reação tão positiva vindo de alguém tão especial quanto ele. Andy pareceu finalmente prestar atenção em nós outra vez e sorriu para mim, mas não veio para perto.

— Meus parabéns, Han, você merece! – É tudo o que me diz, a voz soando firme. Sorri de volta, incapaz de responder quando ele usou um apelido antigo de nosso antigo relacionamento fracassado.

Para evitar passar mais tempo naquele clima estranho sugeri que Rick me acompanhasse até a enfermaria para suturar seu corte nada bonito. Nos despedimos dos outros e seguimos para meu local de trabalho apenas meus irmãos e eu. Os grunidos constantes tão perto dos muros me lembrava a prisão e nossas cercas, sinto saudades de nosso antigo lar tanto quanto sinto da fazenda e o acampamento em Atlanta. Sinto ainda mais saudade daqueles que deixamos para trás. 

Empurrei a porta da frente e me espanto ao me deparar com Denise sentada no chão gelado e seu livro de anatomia de Grey parar em meus pés após ela o ter chutado. Franzi as sobrancelhas ao entrar, o chutando de volta para ela. Denise estava cuidando de Scott e seu tiro na perna que não estava nada bem. 

— O que é isso? Por que está desistindo e não me chamou para ajudar? – Indaguei, a estendi a mão para que levantasse. — Qual o problema? 

Ela suspira em derrota e constrangimento, afinal era mais velha e deveria ser mais experiente de que uma estudante.

— É a perna, a vermelhidão não para de crescer ao redor do ferimento. Eu não sei mais o que fazer, Hannah.

Também não sabia, mas tive um mentor excepcional na medicina que me ensinou tudo o que aprendeu ao longo da vida. Fui até a bandeja e a entreguei uma seringa com agulha, a instruindo cada passo do que deveria ser feito.

— Precisa sugar a inflamação para fora, vai aliviar a pressão do ferimento quase que imediatamente. – Lhe disse, observando-a fazer tudo muito bem e com um sorriso no rosto, me senti orgulhosa por ter a oportunidade de ensinar algo que aprendi para alguém tão capacitada quanto eu. Os bipes da maquina se regulam e seu sorriso aumenta. — Viu só? Scott agora está mais tranquilo e com menos dor. Meus parabéns, doutora.

A risada nervosa da mulher ecoa a sala enquanto meus irmãos me olhavam com sorrisos em seus rostos. Eu era mesmo uma médica de verdade agora, qualificada para salvar vidas de pessoas e até ensinar coisas novas aos outros. Acho que cresci.

                                                                                                                                                             08 de Março de 2012

Não consegui dormir direito à noite com o medo constante de ser devorada durante o sono e acampei na porta do quarto de Annie até agora de manhã, quando ela acordou  me percebeu ali, sentada em uma poltrona que arrastei para o corredor. Ela enruga a testa, me olhando desconfiada.

— O que está fazendo com isso no corredor, Hannah? – questionou com a voz sonolenta e os olhos baixos. — Não dormiu nessa coisa, dormiu? 

Minha garota é uma menina aplicada e muito, mais muito preocupada. Annie sabe sobre a gravidez, vejo em seus olhos que sim, ela sabe de tudo, mas se nunca me questionou é porque entende que eu não desejo me abrir sobre isso por agora.

— Sim e não. Sim, eu estou sentada aqui desde ontem, e não, eu não dormi nessa coisa nem em lugar algum. Fiquei a noite toda de olho, porque estava preocupada e queria estar alerta caso os zumbis derrubasse os muros durante a madrugada.

— É 'pra isso que temos gente nossa nos muros, para avisar caso isso aconteça. – ela tenta argumentar, mas sabe que nunca ganharia contra mim. Seu suspiro ecoa o corredor e ela relaxa os ombros. — Tudo bem, vamos descer e tomar café.

A calmaria lá fora é algo que me assusta, porque não sei o que acontecem além de minha porta da frente. Descemos as escadas juntas e Annie bateu na porta do quarto de Jeremy, que fica no corredor que vai para a cozinha. O trouxemos para casa ontem á noite, não há perigo em estar em casa quando sua tia é a medica. Jeremy nos permite entrar, e quando a porta é aberta podemos vê-lo sentado na beira de sua cama.

— Ainda bem que chegaram, eu estava prestes a mijar nas calças agora. – Ele resmungou, parecendo um idoso mau humorado. Quis rir, mas lembrei que sou a responsável aqui, figura de autoridade. 

— Por mim, você mija até na cama, porque eu, Annabeth Burnett, jamais me submeteria a um papel tão humilhante como esse. 

Ele rola os olhos, dando língua para a garota. A porta da frente é aberta, e um Leo totalmente cansado e depressivo adentrou minha casa, tenho certeza de que não pegou no sono nem por um segundo durante a noite, seus olhos estão fundos e avermelhados.

— Bom dia, família. Ouvi que o machão precisa que alguém segure e balance pra ele. – Diz ele, deixou um beijo no cabelo da garota e bagunçou meus fios já bagunçados. Ok, ter homens em casa está começando a ficar esquisito.

— Prefiro que mantenham essa linguagem entre vocês, isso é embaraçoso demais para mim assimilar. 

Um riso confortável invadiu meu corredor e um sentimento de calmaria pairou sobre a casa, porque o mundo pode estar em pedaços lá fora, mas aqui dentro somos felizes. 

[. . .]

Os zumbis estavam agitados, meus enjoos também não estava facilitando meu dia no trabalho, tive medo de vomitar em cima da ferida de Scott quando fui limpá-la essa manhã, foi o que me fez dar um tempo na enfermaria e encontrar meus irmãos na guarda do portão. Estou preocupada com meu marido, já deveriam ter voltado para casa, e não sou muito racional quando estou com medo de que ele esteja morto agora. 

— Relaxa, é o Daryl, o cara é o melhor que a gente tem. – Foi o que me disseram, e eu acreditei. 

Não me atentei aos acontecimentos do dia, mas fiquei sabendo que Spencer tentou pular os muros e quase virou petisco de zumbi, ou algo parecido. Os balões verdes voaram no céu e um grito de Maggie ecoou a comunidade. Era o Glenn. A vontade repentina chegou e abaixo a cabeça para jogar fora todo meu almoço, e de alguma maneira o som de madeiras sendo quebradas me assustou, mas não atraiu minha atenção.

A voz de desespero de meu irmão ecoa meu ouvido, me mandando correr, e a torre caiu sobre nosso muro, o derrubando. Meus olhos se arregalam em um espanto absurdo e alguém que não consegui reconhecer me agarra pelo braço, nos puxando para longe. Os zumbis entravam com rapidez, deixando tudo ainda mais aterrorizante.

— Por aqui! – Ordenou ele, sem me dar a chance de raciocinar ou se quer discordar do rumo que tomamos, que era o completo oposto de pra onde Rick e os outros corriam.  — Hannah, por aqui.

Oh, droga! Andy Moretti está me arrastando para longe dos zumbis, e eu não faço ideia de para onde estamos indo. Dobramos uma rua, mas os zumbis já haviam a invadido. Andy volta  a me arrastar, esbarrando contra corpos podres e desviando de suas mordidas nojentas. O cheiro me deixava enojada, repugnante.

— Espere, para onde estamos indo? Rick foi para lá. – Protestei. Não me leve a mal, estou grata por meu ex estar salvando nossas vidas agora, mas ainda quero ficar com meu irmão. E sei que se Andy não tivesse sido mais rápido, Rick teria me alcançado logo em seguida. Ele não me deixaria para trás, sabia que eu segui um caminho diferente. Outro zumbi bloqueia nosso caminho, mas Andy o acerta com apenas um disparo. — Andy, pare, nós vamos morrer desse jeito.

— Vamos morrer se ficarmos parados, princesa. – Realmente não entendo como ele ainda pode me chamar assim, sempre chamou. Ele segurou em minha mão, me arrastando por uma rua deserta. — Venha, minha casa é logo ali.

— Não! Eu preciso chegar até em casa, Jeremy e Annie estão sozinhos lá agora, precisam de mim. – Tento me soltar, talvez as ruas até em casa ainda não estivessem bloqueadas. — Andy, por favor, ele precisa de cuidados. Mal pode se levantar sem ajuda.

— Hannah, mesmo que seus olhos pidões me conquistasse,a rua que leva até sua casa já está infestada. – Ele responde, ganhando tempo enquanto matamos podres. Me deu um breve olhar, suspirando. — Clara me disse que seus garotos são inteligentes, eles vão aguentar por um tempo. Entramos, bolamos um plano e então vamos para a sua casa, tudo bem?

Com dor no coração,  aceitei. Não havia como passar por aquela multidão de corpos podres em segurança, pelo menos não sozinha. E, fala sério, o cara era policial, um ótimo policial, é a pessoa perfeita para me levar até as crianças.  Podemos lidar com o passado por algumas horas. Não podemos? Espero que a resposta seja sim.

[. . .]

Cá estou eu, na sala de estar de um cara que até o mês passado eu nem mesmo lembrava da existência. Andy se mantém afastado, receoso e cheio de cautela ao se comunicar comigo. Preciso admitir, a casa é muito organizada e está um brinco de tão limpa, as decorações são agradáveis de se observar. Me esgueirava na beirada da janela, assistindo os podres tomarem nossa cidade para si cada vez mais enquanto a preocupação com as crianças em casa se estendia.

Andy é prestativo, mas um tanto idiota, ao vir até mim com dois copos de café quente. Neguei de imediato, voltando a atenção para a rua enquanto ele pousou o segundo copo sobre a cômoda vazia ao nosso lado.

— Ah, grávidas não podem tomar cafeína. – Recordou, sorrindo em timidez. — Desculpe, eu não quis...

— Não, tudo bem. – Forcei um sorriso minimalista. — Também costumo esquecer que não posso ingerir cafeína, é por isso que esconderam o pó de café lá em casa. – Rimos juntos, o que de certa forma foi bastante estranho.

Houve uma pequena brecha para o silêncio e ele se alastrou por toda sala, apenas os grunhidos ao lado de fora da casa eram ouvidos. Levo a mão para a barriga, um instinto que desenvolvi sem perceber, e acariciei sobre o tecido da camiseta. O suspiro de Andy quebra o silêncio, seguido por sua voz grave e suave ao mesmo tempo.

— E então, como anda o casamento? – Ele pergunta, parecendo um tanto receoso. — Muitos preparativos para a chegada do bebê?

— Ainda faltam sete meses, temos muito tempo para nos preparar. Mas estamos ansiosos, estou preparando Denise para fazer o parto. – Disparo a falar, conversas sobre a gravidez sempre me empolga, esse é o poder que meu filho, ou filha, tem sobre min. — Annie encontrou latas de tinta clara no sótão e estamos pensando em pintar o quarto do bebê no próximo mês, ou quando Daryl tiver tempo.

Seu sorriso torto não me abala, mas Andy não parecia mais tão empolgado na conversa como antes, quando me perguntou.

— Desculpe, estou falando demais outra vez, não é?

— Não é isso, eu posso lidar com sua tagarelagem por um dia inteiro se quiser. – Soou tão doce que me amarga, repugna. Me sinto orgulhosa, pois houve uma época em que eu teria me derretido por inteira diante suas palavras. — Mas não me é agradável escutar que um homem que não sou eu é quem vai pintar o quarto do seu bebê. Melhor, é depressivo assistir você iniciando uma família que não é minha também.  – Seu riso sem graça me traz escárnio. Esse homem é completamente louco. — Desculpe, é que eu pensei mesmo que seríamos nós dois, um casal de filhos e um cachorro.

— Andy...

— Tudo bem, eu entendo. As circunstâncias da vida nos separou, e você encontrou o seu alguém, mas o meu alguém sempre foi você, Hannah. – Ele desabafa, melancólico e um tanto quanto... sincero.

Mas meu riso de escárnio veio logo em seguida, assim como as sobrancelhas arqueadas. Um dos motivos pelo qual eu odiava encontrar com esse cara quando visitava King County é porque ele se recusa a lembrar de seu tremendo erro que levou o fim de nossa relação. Para ele, acabamos por um acaso do destino. Ao menos é o que prefere acreditar.

— Terminamos porque te peguei na cama com outra, Andy! Não se lembra? Rick bateu na sua porta aquele mesmo dia e quebrou seu nariz, por isso ele é torto. Não foram as circunstâncias, foi você. – Fui obrigada a recordar, rindo em silêncio. — E eu não guardo rancor por isso, até porque se não estivesse triste e aos prantos em um bar por sua causa, Daryl não teria me encontrado. Com ele é diferente, tudo é intenso e avassalador, não há como comparar. Ele é o amor da minha vida, o pai do meu filho e também o cara mais lindo que já vi na vida. Não sou o seu alguém, Andy, eu sou a esposa de Daryl Dixon.

Ele abre a boca, pronto para dizer algo, mas um disparo ecoou por toda a cidade. Trocamos olhares assustados, receosos e preocupados. O sol já havia sumido há muitas horas e a movimentação dos zumbis mudou de lenta para regular. Algo estava os atraindo. Muitas brechas surgiam por entre eles, nos dando uma chance perfeita para sair daqui. Bato em seu braço, caminhando até a porta enquanto chequei minha munição.

— É hora de caçar, Moretti.

Sai da casa, me infiltrando por entre zumbis aqui e outros ali, cortando caminho até minha casa. Tudo o que queria era chegar lá e encontrar os garotos bem, seguros de baixo de uma coberta enquanto tomavam chocolate quente, com sorte Giulia também estaria lá e talvez até o Carl. Não, ele não está . Carl não está na minha casa, porque estou vendo seu pai carregá-lo às pressas para a enfermaria.

São tantas coisas para se assimilar. A carreira que dei de onde estávamos até a casa 74, os zumbis que driblei para chegar até aqui, o rombo que estou vendo no olho esquerdo de meu sobrinho, as lágrimas borrando minha visão, Camila implorando para que salvem seu primo. É um caos. Rick voltou para fora, não faço ideia do que está fazendo, não mesmo, não porque estou em choque, paralisada desde que entrei e vi o estado de Carl. Petrificada no canto da sala.

Não conseguia agir, se quer pensar em algo que não seja Carl morrendo com um tiro no olho. Quem atirou nele? Foi intencional ou um acidente? O que aconteceu? Eram perguntas que se repetiam em minha cabeça embaralhada. Mas eu via um rosto familiar ali, eu via Lara ali e acho que ela também me viu. Minha irmã correu em minha direção, agarrou os meus braços, me verificou por inteira e então me abraçou.

— Céus, como eu estava preocupada com você. – Ouço sua voz abafada dizer, não demorou para que percebesse meu estado. Estalou os dedos em frente aos meus olhos. — Hannah, olhe para mim, querida. Está tudo bem, ele vai ficar bem, você vai ver. Denise, acho que Hannah está tendo um episódio.

— Ela só está paralisada pelo medo, tente chamar a atenção dela. – Mas nada que minha irmã tenha me dito me ajudou, então ela mesma decidiu tentar, mesmo que estivesse ocupada salvando a vida de Carl. — Hannah, eu acabo de estancar o sangramento. Vou retirar o projétil agora, tudo bem? Seu menino vai sobreviver, está tudo bem.

Meus olhos se voltam para Carl na maca e Denise ao seu lado, o salvando. Um suspiro escapa por minha garganta, me dando um enorme alívio ao poder respirar novamente.

— Ele vai sobreviver? – A pergunta saiu baixa e receosa.

— O Carl? Vai sim, mas eu não sei se o seu irmão vai aguentar por muito tempo, pelo menos não enquanto estiver lá fora sozinho.

Ao me virar para a janela vejo que Rick desconta sua ira nos zumbis, mas logo deixa de estar sozinho. Lara e eu fomos ajudá-lo, em silêncio matamos zumbis e mais zumbis, até que moradores surgiam das cinzas e se juntavam a nós. Andy, Aaron, Peter e o irmão, nossos amigos. Nunca pensei que me sentiria tão viva por estar matando essas coisas, mas me sinto. Lutar por esse lugar, mesmo que meu Machado fique preso em crânios vez ou outra e eu precise de ajuda para tê-lo de volta, é algo mágico. Estamos protegendo o que é nosso, o que um dia será de nossos filhos.

Machadada na cabeça, esforço para recuperar, outro zumbi no chão, é o que fazemos por minutos incontáveis. Meus braços estão doloridos, os pés eu quase não sinto, cabeça prestes à explodir. E falando em explosão, alguém teve a bombástica ideia de atear fogo no lago, o que de certa forma afasta os zumbis.

— É o Daryl! – Sorri, alternando o olhar entre meus irmãos e Carol, que estava muito atenta aos meus movimentos como se fosse uma mãe coruja.

— É, é o Daryl. – Rick responde, me dando um pequeno sorriso de canto antes de atingir outro crânio podre. — Eu disse que ele ia voltar para te salvar, ele sempre volta.

Ele sempre volta. Queria poder correr daqui até onde meu marido está, abraçá-lo e dizer o quanto eu o amo, mas mesmo que sua ideia brilhante tenha atraído muitos dos zumbis, uma parte permaneceu conosco e precisamos nos livrar deles antes. Nós conseguimos, salvamos nossa cidade.

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Beijos da malu!!!💋🫶

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