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28 de novembro de 2010

Hannah Isabel

O silêncio se manteve no momento em que Carol correu para longe e Beth foi tirada das garras afiadas da mãe zumbificada. Dor, era só o que eu sentia. Como se meu peito fosse apertar tanto ao ponto de se quebrar. Bom, talvez isso seja possível.

Sophia era apenas uma garotinha inoscente, tinha toda uma vida pela frente, uma jornada que com certeza deveria vencer. Como o mundo pode ser tão cruel com criançinhas desta idade? São apenas crianças. Ela estava morta agora, ou há muito tempo atrás. Todos estes dias em que rezavam por ela, procurando por toda a floresta, estava morta. Deve ter morrido no mesmo dia em que chegamos nesta fazenda.

Giulia e eu continuávamos no chão, encolhidas enquanto a movimentação não era mais tão presente, assim como minha cunhada e meu sobrinho. Eu sentia seu corpo pequeno tremer, amedrontada. Abalada. Ai meu Deus, Giulia viu a amiguinha zumbificada, e também viu quando Rick disparou uma bala em seu cérebro e o corpo morto se chocou contra o chão.

Ela havia presenciado tudo.

— Gi...– foi tudo o que meus lábios ainda trêmulos se permitiram dizer, em choque com a situação. — Gi, não olha. É menos doloroso se não olhar – digo, a mesma frase que um dia alguém me sussurrou.

Um suspiro pesado ecoou meus ouvidos. Sei que isso é totalmente mentira, uma ilusão para amenizar a dor do luto de uma criança. Ou uma mentira na qual um adulto queira tanto acreditar. E eu queria acreditar. Talvez, se eu não olhar o cadáver quase em decomposição da garotinha que um dia tomei conta, não doa tanto.

A menina se levanta em um ato rápido, andando em passos rápidos até o cadáver de Sophia. Me obrigo a ir atrás, pois mesmo sabendo que meu irmão não costuma errar tiros, não quero pagar 'pra ver se irá acontecer o mesmo incidente que houve com Beth Greene. A garota se desperou ao ver a mãe e nem se certificaram se os tiros haviam mesmo atingido seu cérebro, fazendo a zumbi a atacar.

Giulia petrificou o momento em que encontrou o que não deveria. Ela encara a coisa que um dia foi Sophia, sua melhor amiga de apocalipse, e pareceu querer se abaixar, mas hesitou. Giulia hesitou se aproximar mais, porque estava com medo. Mas mesmo assim, ela se atreveu a abaixar e reivindicar a pulseira prata dos pulsos esbranquiçados da menina.

— querida, o que está fazendo? Não pode pegar, a mãe quem deve a ter presenteado.

— não foi – ela respondeu, como se estivesse na ponta da lingua. Em um tom indiferente — nós encontramos perdido na pedreira. Ela me disse que eu poderia ficar caso algo acontecesse. Estava no testamento.

Eu não soube o que dizer. Engasguei minhas palavras porque queria rir, mas nada saiu. Giulia e Sophia tinham mesmo um testamento para caso algo de ruim acontecesse? O que me leva a pensar, elas realmente temiam pela morte. Crianças fazendo testamentos no fim do mundo é algo engraçado demais, mas não tinha graça.

— se pretende usar isso nós vamos ter que deixar de molho no álcool e depois no sabão. – eu intervi, antes que a garotinha prendesse a pulseira no pulso — higienizar sempre em primeiro lugar, você sabe.

Ela afirma, entregando a correntinha em minha mão. Lhe dou um sorriso pequeno, cheio de dor e tristeza. Giulia voltou a se abaixar ao lado da garotinha zumbificada, tocando seu rosto com a ponta dos dedos. Ela deu um suspiro pesado, se rendendo e sentando ao lado de Sophia, pousando a palma da mão nas bochechas sem cor da garotinha.

— eu falei para ficar comigo, Soph's. Deveria ter me escutado aquele dia, sua teimosa. – ela murmurou, a voz embargada carregava dor e sofrimento. A garota fungou, engolindo a grande vontade eminente que tinha de chorar — está tudo bem agora, Soph's. Você pode ir, eu cuido da sua mamãe.

[....]

A dor da perda estava presente em cada canto daquela fazenda. Os Greene choravam por seus entes perdidos e nós pela garotinha que todos amavam. Não vi Carol desde o ocorrido, mas sei que Daryl não a deixou sozinha desde então. Quase uma sombra.

Covas foram cavadas e um funeral foi organizado. Nos reunimos de baixo de algumas árvores, assistindo aos Greene contar sobre suas memórias com os falecidos e como eles eram incríveis. Era notável que aquilo foi um choque e tanto para eles, ainda mais por finalmente se darem conta de que zumbis são apenas zumbis e não pessoas doentes. Mas, o que mais doeu foi o discurso de Maggie sobre seu irmão.

Me imaginei em seu lugar ao ouvir cada palavra citada por aquela mulher. Perder um irmão não é algo fácil, eu sei disso. Por mais que eu fosse uma criança quando Jeffrey partiu, aquilo ainda doeu. E foi como se estivessem arrancando um pedaço de meu peito, assim como quando pensamos que Rick havia morrido. Essa merda dói pra caralho.

Estava ao lado de Carol, segurando seus ombros enquanto suas lágrimas silenciosas desciam e seus olhos estavam fincados na cova fechada em nossa frente. Foi quando perguntaram se alguém gostaria de dizer alguma coisa, e Giulia deu um passo a frente ao ser apoiada pelo irmão mais velho.

— Sophia foi a única melhor amiga que eu já fiz, e ela foi a única garota que acertou a minha originalidade de primeira. Ela me contou que gostava de aprender sobre países e seus costumes, foi assim que reconheceu meus traços coreanos, por estudar coisas que normalmente as crianças detestam. Mas Sophia não era uma criança comum, ela era guerreira, corajosa e eu tenho certeza de que não se foi sem antes de tentar nos encontrar. – a garotinha diz, rodando um anel de plástico no dedo anelas enquanto encarava a cova da amiguinha — Soph's uma vez me disse que a vida nos faz sofrer para que sejamos fortes em um futuro breve, que as nossas lutas valeriam a pena algum dia e seríamos felizes. Muito felizes....não se preocupe, soso, Carl e eu prometemos que a sua luta valerá a pena. E que seu nome não será esquecido, como você temia na nossa conversa no CDC.

O silêncio foi tudo o que ouvimos. A garotinha enxugou a única lágrima que percorria seu rosto, se juntando ao irmão novamente, sendo recebida por um abraço apertado. Giulia não costuma demonstrar os sentimentos, esconde sua dor como aprendeu na própria família. Mas desta vez ela chorou. Hoje ela se permitiu sentir.

Já perdemos pessoas antes, amigos que fizemos em um mundo hostil. Eu perdi Amy, uma garota que via tudo com bons olhos e era apaixonada em literatura. Perdemos nossos amigos, que não sabemos se sobrevireram ou não as bombas jogadas na cidade. Jim, Jacqui e todos os outros que morreram no ataque ao acampamento. Sentimos todas essas dores, mas não tivemos tempo suficiente para parar, chorar e lamentar por suas mortes. Com Sophia é diferente. A maioria aqui a conheceu, uma doce garotinha que corria para lá e para cá na companhia dos amiguinhos, que não desgrudava da mãe por muito tempo e que amava a vida. Essa menina merecia mais tempo na terra, uma vida feliz e cheia de amor. Ela merecia mais e não recebeu nada. Sophia merecia o mundo.

Ela era brilhante, um docinho em meio à tanto caos. Sophia manteve o sorriso no rosto nos piores momentos da vida apenas para que a mãe não precisasse se preocupar com maid alguma coisa. E agora estamos aqui, a enterrando. Jogando terra nos seus sonhos, há sete palmos abaixo do gramado verde.

[....]

O grito alto de Maggie chamando por ajuda nos assusta. Deixei meu gatinho para trás, correndo até a casa Greene, assim como a maioria de nosso grupo. Passei pelos corredores, subindo as escadas e adentrando o quarto de Beth. Maggie me olhou desesperada, agarrando minha mão.

— ela não responde, não pisca, não se mexe. Por favor, a ajude.

Franzi o olhar. Beth estava aconchegada em sua cama, de8baixo de cobertas quentinhas, encolhida. A garota realmente não demonstrava nenhuma expressão facial, muito menos dizia algo para alguém. Nem mesmo a própria irmã. Suspiro, me abaixando ao lado da adolescente em minha frente.

— onde está o seu pai? Eu acho que ela possa estar passando por um estresse pós-traumático.

Maggie suspirou. Então eu forcei um sorriso para a garota deitada na cama.

— oi, Beth. Vou precisar que siga meu dedo indicador direito, tudo bem? Você pode fazer isso para mim? – ela não respondeu, como imaginado. Levanto o dedo indicador até a altura de seus olhos, o movendo lentamente para o lado enquanto a garota acompanhava meus movimentos. — muito bem. Obrigada.

Suspirei, voltando o olhar para a mulher parada ali. Os outros já haviam conseguido nos alcançar e também nos assistiam. Patrícia estava ali, segurando os ombros de Maggie. Triste.

— vou precisar ouvir o coração dela e medir a pressão sanguínea. E também de um pouco de espaço, se não se incomodarem.

Patrícia rapidamente correu até o quarto enquanto Lori levava os outros para fora. Maggie parecia tensa, preocupada com muitad coisas ao mesmo tempo.

— papai saiu – ela diz, depois de alguns segundos de silêncio. A garota suspirou pesado. — provavelmente foi até o bar que sempre frequentou antes de se casar com a nova esposa. Ele estava sóbrio há dezessete anos.

— são informações difíceis para se assimilar sem álcool. – respondi, tentando não detonar o homem que salvou a vida do meu sobrinho. — o processo do luto pode ser doloroso. E em um mundo como este, com certeza deixa tudo ainda pior.

— abandonar a filha mais nova em estado crítico para se embebedar, quando compartilham da mesma dor, me parece egoísmo.

Deixo escapar um riso anasalado, e antes que eu possa lhe dizer alguma coisa, Patrícia adentra o quarto com os aparelhos que eu precisava. Lhe dei um sorriso agradecido, prendendo o medidor de pressão no braço branco de Beth Greene.

— eu perdi meu pai quando tinha dezessete anos. Ele foi baleado em uma operação policial. Não morava mais com ele e minha mãe, não me aguentaram por tanto tempo. Mas quando o departamento de polícia ligou para o meu irmão e nos disse que ele estava no hospital, eu me desesperei. – contava, manuseando o aparelho manual — me lembro que ele conseguiu ficar acordado por dez minutos antes de desmaiar e nunca mais acordar. Segundo o parceiro dele, suas últimas palavras foram "diga a eles que eu os amo".

— sem querer ofender, mas já ofendendo – a morena diz — o seu pai parece ter sido um bom pai. O que isso tem a ver com a gente?

Dei um riso fraco, terminando de medir a pressão de Beth.

— papai era ótimo, na minha vez de ser filha. Mas mamãe sempre foi um pouco mais difícil de lidar, então quando ela não compareceu ao enterro do próprio marido, nós a entendemos. Pensávamos que ela precisava de um tempo sozinha para assimilar e digerir os acontecimentos daquela semana, então a fornecemos espaço. Mas na semana seguinte eu a fui visitar e não havia nada além de uma casa vazia e um cachorro com fome. A minha mãe fugiu e deixou os três filhos para trás, tudo para não ter que lidar com as nossas dores. E não, ela nunca mais voltou e provavelmente deve ter sido morta pelo vírus logo no início. Mas o seu pai? Ele ama vocês, cuidou de vocês, e ele vai voltar para casa.

Um silêncio predominou o local. Beth parecia me escutar bem, mas os olhos estavam fincados na parede branca, ou nos pôsteres de bandas juvenis que estavam grudados a ela. E pela primeira vez em muito tempo, eu falei sobre a minha mãe para alguém. É um assunto com grande impacto na minha vida e não é, nem de longe, algo que eu goste de comentar. Para a maioria das pessoas que conheci na faculdade a minha mãe está morta há quase dez anos. Talvez ela realmente esteja e nós apenas não descobrimos. De qualquer forma, não importa, não faria diferença alguma em nossas vidas.

— a pressão está um pouco baixa e os batimentos regulados. Fique de olho nela por enquanto, ela deve voltar a reagir em algumas horas.

Virei as costas, pronta para sair do quarto quando Maggie me agarrou pelo pulso, fazendo com que eu parasse e levantasse o olhar para ela. A Greene me deu um sorriso pequeno, mas sincero.

— obrigada por isso, Hannah. Glenn tinha razão, você é mesmo uma mulher incrível.

Meu sorriso surgiu sem esforço algum. Sei que Maggie não vai muito com a minha cara, e que acha que pode haver algo entre mim e Glenn. Deus sabe o quanto eu não me esforcei para que ela pensasse o contrário, mas parece que ele mesmo esclareceu as coisas entre eles.

— fico feliz que ele finalmente tenha encontrado uma garota legal.

Maggie me deu um sorriso tímido, soltando meu pulso. Glenn está feliz, está sorrindo, Maggie fez isso acontecer. E eu sou extremamente feliz por ele e sua paixão por ela. Se Glenn está contente, eu também estou.

Segui caminho para fora da casa, a varanda. Rick, Glenn e Shane conversavam na sala, bolando um plano para trazer Hershel de volta à fazenda. O homem não conseguiu lidar com o fardo de ver a esposa, filho e os vizinhos zumbificados sendo "mortos brutalmente" e decidiu ir tomar algumas doses no bar da cidade.

Não posso culpá-lo, se eu pudesse também teria ido. Pensando bem, ele deveria ter me chamado para ir junto, eu seria uma boa companhia. Me escorei no parapeito da varanda, finalmente podendo respirar tranquila.

Provavelmente irão enviar um grupo até a cidade para buscar Hershel no bar, e eu não fico nada feliz em saber que meus amigos irão se arriscar tanto por ai. Não me leve a mal, Hershel é um cara legal e salvou meu sobrinho da morte, mas foi ele quem quis ir encher a cara e não precisou de ninguém para chegar até lá.

— está pensando em quê? – a voz de Rick me tirou de meu desvaneio. Ele sorri fraco, escorando o corpo no parapeito, ao meu lado. — deve ser em algo que não se orgulha.

Suspirei. Rick não dirigiu a palavra a mim ou minha irmã desde quando descobriu sobre a gravidez e traição de Lori.

— irmão, me desculpe por ter escondido algo importante.

— está tudo bem, Hannah. – ele me interrompe, impedindo que eu continue — não estou bravo com vocês duas, entendo que não cabia a nenhuma de vocês me contar o que estava acontecendo entre Shane e Lori.

— somos irmãos, Rick. Eu deveria ter contado a você, era a coisa certa a se fazer.

— sabemos que você não contaria nem se eu te implorasse de joelhos, Isabel. – correto. Dou risada e ele também. — são amigas, ela criou você, deve lealdade a ela.

— também me criou, Rick. Foi você quem me acolheu quando nossos pais me deram as costas, mas era um assunto delicado demais para ser contado por mim. E cá entre nós, sabemos o quanto eu odeio confusões familiares.

Ele sorriu para mim, tranquilo. Rick parecia calmo, realmente dizia a verdade e eu me sinto muito aliviada por não ser odiada por meu irmão mais velho.

— tem certeza de que está tudo bem? Porque eu me sinto suja por ter omitido algo para você e me ofereceria para lavar o seu carro toda semana se não estivéssemos em um apocalipse zumbi.

Rick deu uma risada genuína, me trazendo a certeza de que estava tudo bem entre nós dois. Não costumamos brigar entre irmãos desde que nos tornamos todos adultos, ou desde a fuga de mamãe. Sempre conseguimos contornar a situação antes dela se tornar crítica demais ou um de nós falar ou fazer algo idiota.

— é, acho que desta vez não vou poder me aproveitar da situação. – ele respondeu, bem humorado. Tocou meu ombro suavemente — Glenn e eu vamos até a cidade, pode ficar de olho em tudo por mim?

— você quer dizer no nosso amigo lunático, sua esposa grávida, a atiradora profissional, as crianças sapecas, nossa irmã nada normal e nossos amigos em luto?

— sei que irá dar conta, principalmente porque estou deixando seu namorado para te ajudar.  – ele respondeu, como quem não quer nada. — e já que tocamos neste assunto, não pense que vai escapar de uma conversa comigo sobre sua vida amorosa. Eu ainda sou o seu irmão mais velho.

Dou risada, inclinando o corpo para trás. Rick também riu, mas eu sei que ele estava falando sério. Meu irmão é muito protetor para não querer ter essa conversa, mesmo eu afirmando que não tenho nada além de sexo casual com o meu ex namorado super gostoso.

— você conta piadas hilarias, Ricardinho. – respondi, descendo as escadinhas da varanda. — não tem que sair agora?

— claro, mas eu volto em poucas horas e podemos continuar de onde paramos.

Lara entrou em nossa frente, nos olhando desconfiada. Ela analisou meu sorriso, o olhar franzido sobre mim e Rick, se questionando de algo.

— ah, nós estamos nos falando outra vez? – perguntou, inclinando o corpo para trás, formando um sorriso. — e dando risadas. Que maravilha.

— Hannah e eu estamos nos falando. Eu ainda não me acertei com você, espere até que nossa conversa aconteça. – Rick respondeu, irônico. Lara deu risada, dando de ombros. — onde está indo?

— ajudar a Maggie e Patrícia. Elas não parecem bem e eu estou com tempo livre – deu de ombros, subindo a varanda. — ah, Hannah, a Camilla é sua hoje.

E sumiu, deixando a responsabilidade da filha sobre as costas da irmã mais nova. Hannah olhou indignada para o Grimes mais velho, que deu uma boa risada com aquilo. A loira negou em um aceno, passando as mãos pelos cabelos.

[.....]

Rick e Glenn não voltavam, o caos na casa Greene se mantia, Beth teve uma falha tentativa de suicídio, Lori e Andrea brigando, crianças transtornadas. Eu acabava de enfaixar o pulso recém cortado de Beth, que seguia calada, séria.

— foi um corte bem feio. – a irmã mais velha comentou, em uma tentativa fracassada de iniciar um diálogo. — vai ficar uma cicatriz maneira.

— eu não tenho cinco anos, Maggie.  – Beth proferiu, ríspida.

Mas age como uma.

Tudo bem, pessoas depressivas não são amigáveis e agem por impulso. Eu só preciso manter a calma e tentar fazê-la ficar quieta, sem mais cortes. Me mantive em silêncio, apenas finalizando o curativo.

— eu sei, e isso torna tudo ainda pior. – a irmã a respondeu, usando um tom mais firme. Maggie estava chateada, magoada e em luto, mas se mantia forte por Beth. Como uma boa irmã mais velha. Mas a função do irmão mais velho é manter os irmãos em segurança, e também fazê-los ver as coisas da maneira correta. — olha em volta, Beth. Olhe quem nos restou, onde estamos, o que aconteceu hoje. O papai fugiu, você tentou suicídio, nossas mães estão mortas e o Shawn também está. – aumentou a voz, se alterando. — o que você quer? Que eu fique sozinha na droga deste mundo? Que eu perca toda a minha família da noite para o dia e viva os restos dos meus dias em dor e tristeza? Que eu afunde em um mar de vazio e dor? Atormentada pelos fantasmas do passado para todo o sempre, até o momento em que a porra de um zumbi resolva arrancar a minha pele?

Beth ficou em silêncio, mas uma lágrima escorregou por sua bochecha e os lábios estavam trêmulos. Finalizei o curativo, dando a última volta da gaze e sorrindo docemente para as duas, levando a maleta de primeiros-socorros junto a mim quando me levantei do puff azul.

— eu já acabei aqui, viu dar privacidade para suas conversas.

Dei as costas para as irmãs Greene, fechando a porta ao sair. Beth está abalada com as mortes de seus familiares, precisa de um choque de realidade para entender a grávida da nossa situação e se dar conta de que suicídio não é uma opção aqui. Assim que ultapassei a porta da frente, meu sobrinho veio correndo até mim, agarrando minha cintura.

— hey, mini Grimes – chamei, o abraçando com o braço livre. Shane vinha logo atrás, não tinha uma feição muito boa, o que me fez o olhar preocupado. — aconteceu alguma coisa?

Carl, que tinha afundado o rosto em meu abdômen, me encara preocupado, os olhinhos fundos olhando diretamente aos meus.

— a mamãe sumiu.

Ah, Lori. Dei um suspiro pesado, pois sabia que ela provavelmente foi atrás do marido na cidade. Lori estava preocupada com Rick e por ele não ter voltado até o fim da tarde, quando ele prometeu estar de volta. Tentamos tranquilizar seus pensamentos, mas aparentemente não deu certo.

— o seu carro sumiu. – Shane diz ao se aproximar, bufando. Seus olhos carregavam preocupação e receio. — e, Hannah? A irmã do Glenn também não está no acampamento.

Meus olhos quase saltaram de meu rosto. A preocupação com Lori foi totalmente substituída por Giulia. É uma garota, uma garota que já teve traumas demais em um só dia. Encarei Carl, que confirmou as palavras de Shane.

— ela me falou que estava lendo um livro no trailer do Dale. Tem certeza de que ela não está lá dentro?

— procuramos em todos os lugares, Hannah. Nenhum sinal de Lori ou Giulia. E o Daryl me disse que a Lori tinha pedido para ele ir até a cidade em busca do Rick, e quando ela saiu, a Giulia subiu para pedir que ele fosse atrás do irmão. Ela pode ter entrado escondida ou convencido a Lori de levá-la junto com ela. E vamos combinar, aquela garota consegue convencer qualquer um.

Aperto os olhos, dando um suspiro cansado. Lara vinha de outra direção, correndo até nós em uma alta velocidade. Curvou o tronco, apoiando as mãos em seus joelhos.

— oi, encontraram alguma coisa?

— não, mas eu estou saindo agora. – Shane respondeu, me dando um olhar rápido — Hannah, você fica aqui para caso voltarem, e também porque é a única médica que temos.

— de jeito nenhum. A sobrinha é minha, é minha responsabilidade tomar conta dela. Lara, as crianças são suas agora.

Não esperei por uma resposta, apenas apressei meus passos em direção ao carro de Shane, que não estava tão longe. Ninguém recrutou, por saberem que eu não mudaria de ideia em hipótese alguma. Lori e Giulia me devem boas explicações para toda essa palhaçada.

[....]

Evitei qualquer tipo de conversa paralela com Shane, porque ainda estou nutrindo uma raiva para poder explodir com Lori. O que ela tinha na cabeça quando decidiu levar Giulia com ela até a cidade? Ela tem um filho da mesma idade e aposto que não iria querer levá-lo nem se ele implorasse muito.

Toda a minha raiva se esvaiu quando avistamos meu carro capotado na estrada. Meus olhos se arregalaram e Shane acelerou, parando o carro bem ao lado do meu. Bati a porta, correndo para Lori, que tinha o braço jogado para o lado de fora da janela. Me abaixei ali, com os joelhos tocando o asfalto quente para checar sua pulsação. Estava viva.

Meua olhos encontraram Giulia, encolhida do outro lado, sentadinha enquanto abraçava as próprias pernas. Suspirei aliviada, sorrindo tranquila.

— oi, meu amor. – as palavras saíram em um sussurro fraco, acompanhadas por gotas de lágrimas. — graças a Deus.

Me levanto, deixando que Shane tire Lori dali, indo para o outro lado. Forcei a porta, mas não queria abrir. Puxei com mais força, a abrindo com tudo, me fazendo perder o equilíbrio por um momento. Giulia tinha um corte pequeno na boca, as mãos e joelhos estavam ralados e os olhos vermelhos. Me abaixei, alcançando sua mão gelada.

Giulia me olhou, reconhecendo quem a chamava. Sussurrou meu nome, agarrando meu pescoço em um ato rápido.

— tudo bem, amor. Tia Hannah veio buscar você.

Giulia tremia, suava frio. A agarrei, nos levantando com ela em meu colo, feito um bebêzinho. Meus olhos pousaram sobre Shane, que conseguiu sim acordar a mulher de seu desmaio. Para a sorte de minha cunhada gestante, ela não sofreu nem um arranhado se quer. Lori se levanta, me olhando espantada.

— Hannah, eu...

— eu quero a porra do meu carro com as rodas no asfalto, agora. – as palavras saíram feito raio, não dando oportunidade para que continuasse com seu teatrinho. Meus olhos exalavam raiva, ódio e preocupação.

Shane me olhou por um instante antes de abrir a porta de seu carro para deixar sua donzela em perigo sentada no estofado macio. Um riso anasalado ecoou a estrada, totalmente irônico. Ele voltou, se esforçando para empurrar meu carro de volta à sua posição certa.

Giulia soltou um gemido doloroso, me fazendo agarrá-la com mais delicadeza. Sussurrei palavras padrões para ela, coisas que todos dizem em situações como esta, enquanto a embalava para os lados.

— eu sinto muito, de verdade. – Lori continuou, adquirindo minha total atenção. — ela está bem? Porque eu não vou me perdoar se não estiver.

— Lori, me faça o favor de não dirigir a palavra à mim pelas próximas vinte e quatro horas. É capaz de fazer isso? Por favor, cale a boca.

[....]

Voltamos para a fazenda, em carros diferentes. Limpei todos os ferimentos da criança que agora dormia tranquila no banco de trás do carro. Carl descobriu sobre a gravidez da mãe e está radiante com a ideia de ter um novo irmãozinho, o que por um certo momento me deixou alegre.

O dia amanheceu e ninguém havia voltado, até o momento em que o carro do meu irmão estacionou no campo, em frente à casa principal. Desceu Hershel, desceu Rick e desceu Glenn, todos cansados e diferentes, como se tivessem matado alguém.

Giulia soltou minha mão, correndo para abraçar o irmão. Ele a pegou nos braços com dificuldade, beijando seu rosto logo em seguida. Minha atenção foi roubada após Shane questionar quem era o garoto amordaçado e amarrado dentro do carro. E a partir dali, um novo problema surgiu.
















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001: há muitas coisas sobre o passado de alguns personagens que eu ainda não revelei, muitos traumas. Eu vou soltando os traumas de infância da Hannah aos poucos, mas não comentei ainda como Giulia acabou indo morar com o irmão. E sim, isso é um trauma.

002: eu odeio toda a fase Randall, então vou resumir tudo em um só capítulo para que a escrita não fique ruim e a leitura não fique chata. A parte boa é que, finalmente estamos chegando na terceira temporada, palco de terror dos nossos queridos e amados protagonistas.

003: e por fim, perdão por ter sumido por tanto tempo. Fiquei sem inspiração para continuar e escrevia um pouquinho por dia, até que faltei na escola e resolvi terminar o capítulo.

4450 palavras.


Tenham uma boa leitura!!!♡

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