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22 de novembro de 2010

𝙃𝙖𝙣𝙣𝙖𝙝 𝙂𝙧𝙞𝙢𝙚𝙨

Eu não me importei com nada e nem ninguém ao meu redor  a partir do momento em que ouvi que meu sobrinho havia sido baleado. Meu único pensamento naquele momento era que, se ainda existisse um Deus, ele deixasse minha pobre e doce criança comigo.

não me dei ao trabalho de se despedir de ninguém, apenas mandei as crianças para o carro e peguei meu gatinho que ainda perambulava pelo trailer do bom velinho, Dale, sem se importar com quem estava deixando no local.

— não pensa que vai dirigir, não é? — Lara diz ao me ver puxar a porta do carro — você vai no passageiro, está alterada demais para dirigir um carro.

— estou bem, Lara. Apenas entre no carro para que possamos chegar na tal fazenda o quanto antes.

Lara me lança o seu mais poderoso olhar, me fazendo bufar e dar a volta, desistindo da ideia de dirigir. As vezes eu odeio ser a irmã mais nova.

(...)

O caminho foi percorrido em silêncio, apenas um pequeno diálogo entre as duas crianças no banco de trás e Giulia me questionando se iria perder o melhor amigo também.

— o que acha que aconteceu com os nossos amigos de King County? — Lara pergunta após minutos de silêncio — quer dizer, sabemos que eles não morreram no bombardeio, não sabemos?

Se tem algo que me intriga é a sobrevivência dos meus amigos ao apocalipse. Não tivemos nenhuma notícia sobre eles, a única coisa que sabemos foi que os Monroe saíram da cidade a tempo, rumo a outro estado.

— Clara e Peter devem ter voltado para Virgínia. Se o governo deu mais sorte do que nós, eles devem estar em segurança agora.

— tá, mas e o Teddy, Andy?

— espero que tenham conseguido sobreviver, assim como nós.

Apesar de odiar o Andy, meu ex-ex namorado, desejar sua morte para o novo mundo parece algo super errado a se fazer. Eu vi como acontece, como aquelas coisas rasgam sua pele enquanto você sente toda aquela dor e agoniza até a morte. É crueldade demais para qualquer pessoa.

O carro que Glenn dirigia parou, pude vê-lo descer do carro e abrir o portão da fazenda, logo voltando e adentrando o terreno da família Greene, assim como nós. Lara para e eu me ofereço para fechar o portão, descendo do carro e sentindo o vento fresco bater contra meu rosto, me causando arrepios.

Os dois carros são estacionados em frente a casa de dois andares, amadeirada e na cor branca, uma bela casa de fazenda.

— Giulia, não desgruda — sussurro segurando sua mão

A garotinha afirma, apertando mais a minha mão. Ao meu lado estava Lara com a filha nos braços, que acabou dormindo durante o caminho até aqui.

— o que fazemos agora? Batemos e esperamos alguém abrir a porta? — Glenn pergunta em um sussurro enquanto subimos os pequenos degraus da varanda

— é o mais sensato a se fazer, não é? — sussurro de volta

— fecharam o portão por onde passaram? — a voz feminina perguntou

Meus olhos buscavam de onde veio a voz, até encontrar uma bela moça sentada em uma cadeira branca, agarrada as próprias pernas. Tinha o cabelo curto, a pele branca e vestia uma camiseta e uma calça jeans.

— Hannah fechou — ele diz após longos segundos encarando a mulher

— oi, eu sou a Hannah, essa é a minha irmã, Lara — falo, atraindo sua atenção para mim — somos irmãs do Rick, tias do Carl. Pode nos levar até eles? Tipo, agora?

A garota, aparentemente alguns anos mais nova do que eu, se levanta após um suspiro curto, abrindo a porta da casa, nos dando espaço para adentrar sua moradia.

— primeira porta a direita — indica o corredor — posso ajudar em mais alguma coisa?

— na verdade sim — sorrio sem graça — T-dog tem um corte infeccionado, ele delirou hoje cedo e estava ardendo em febre no caminho. Eu não tinha o suficiente para tratar, se pudessem o ajudar ficaríamos muito agradecidos.

— o corte foi causado por andarilhos?

— porta de carro — Glenn responde — foi por uma porta de carro.

A mulher – que até então não sabemos o nome – encarava Glenn, e o coreano ficava mais nervoso a cada segundo que se passava, me fazendo soltar um riso anasalado discreto.

— Patrícia pode cuidar disso, ela está na cozinha. Tragam as crianças e o gatinho, não vai ser legal se elas verem o garoto naquela cama — ela comenta.

Lara entrega a filha nos braços de Glenn, a deitando em seu ombro, deixando a garotinha confortável para um bom sono. Giulia solta a minha mão, me olhando nos olhos com os olhinhos brilhando enquanto tem meu gatinho nos braços.

— tia, eu quero ver o Carl — pede chorosa

— eu sei, amor. Mas o Carl não 'tá legal agora, ele precisa descansar. Pode seguir a... — a olho, esperando que ela diga seu nome

— Maggie.

— Maggie — repito e dou sorriso pequeno, voltando meu olhar para a garotinha parada em minha frente — pode seguir a Maggie  até a cozinha e ficar com o seu irmão? Eu prometo que não vou demorar.

A garotinha funga e afirma com um aceno de cabeça, Maggie estende a mão para ela, que não hesita em pegar, saindo dali.

Respiro fundo e encaro o corredor em nossa frente, logo seguindo as instruções que Maggie nos deu para chegar até meu sobrinho.

Lara segura minha mão e dá batidas fracas na porta, atraindo a atenção de todos dentro daquele quarto. Lori e Rick estavam ao lado da cama e um senhor estava do outro lado. Os olhos ameaçam lacrimejar ao ver o pequeno corpinho de Carl naquela cama enorme, estava sem camisa e um curativo um pouco abaixo do peito.

Lori se levanta rapidamente, vindo em nossa direção com os olhos molhados, me abraçando enquanto Lara passou direto, indo até Rick.

— como é que ele 'tá? — pergunto ao finalizar o abraço, os lábios tremendo levemente, assim como o resto do corpo.

— estável, mas não por muito tempo — o velinho diz.

— retiraram a bala? Ela não atravessou? — pergunto rápido, o homem em minha frente encara Rick por alguns segundos.

— Hannah é estudante do último ano de medicina, já atuava na área em uma clínica em Atlanta — ele conta — é minha irmã.

O homem dá um suspiro pesado, tirando o estetoscópio de seu pescoço, o colocando sobre a cômoda no canto do quarto.

— o cervo desacelerou a bala, isso o deixou vivo, mas em compensação ela se partiu em sete pedaços. O garoto está tendo convulsões, é impossível retirar todos os estilhaços com ele acordado, preciso de um sedativo.

— onde vamos conseguir um sedativo?

— Shane e Ottis já foram em busca de um — Rick diz, ganhando minha atenção — eles já deviam ter voltado.

— o tempo está correndo, se eles não voltarem logo, eu terei de operá-lo assim mesmo.

Franzo o cenho, o encarando.

— se ele se mexer durante a cirurgia...

— eu sei, mas precisamos arriscar. É isso ou o garoto morre.

— morrer? — os três questionam em uníssono

Aperto os olhos com força, tentando não surtar com aquilo. O peito aperta só de pensar nessa possibilidade, eu não sei o que faria se perdesse o meu garotinho, também não estou afim de descobrir.

— ele está perdendo muito sangue, quanto mais demoramos aqui, mais os estilhaços adentram o corpo de Carl. Se chegarem até o coração, ele morre.

— quanto tempo nós temos? — Lori questiona

— pelo andar da carruagem? Muito pouco.

Entender de medicina em momentos como esses te faz uma pessoa louca. Eu sei o que acontece se Shane demorar com o sedativo, também sei o que acontece se o Carl se mexer durante a cirurgia, sei o que acontece se não houver uma cirurgia.

Me aproximo da cama, sentando na poltrona onde Rick antes sentava. Seguro suas mãozinhas pálidas, as acariciando delicadamente enquanto sinto a lágrima descer por minha bochecha.

— vai ficar tudo bem, a tia Hannah está aqui. — sussurro baixinho — titia chegou, bebê.

Me lembro de quando quebrei o braço ao cair da escada por estar correndo com o Carl – eu tinha dezoito anos – o garoto ficou tão preocupado que não saiu do meu lado nem por um só segundo, afirmando que iria ficar tudo bem.

Eu amo o meu sobrinho, o amo mais do que qualquer outra coisa, o amo tanto que as vezes chega a doer. Por favor, criatura divina que nos abandonou a um mês, não abandone o meu bebê também, ele merece viver.

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