27

23 de novembro de 2010

𝙃𝙖𝙣𝙣𝙖𝙝 𝙂𝙧𝙞𝙢𝙚𝙨

A noite foi longa e torturante para todos, mas ainda mais para a pobre Carol, que não pregou o olho nem por um segundo. Nos levantamos assim que o sol raiou, todos prontos para ir em busca da garota de cabelos claros.

— Hannah, eu acho que T-dog está com febre — a voz de Dale me alerta

Saio do carro com meu gatinho nos braços, o deixando com Daryl no meio do caminho.

— eu não quero o seu gato — ele resmunga

— segure ele, eu não vou demorar.

Subo as escadinhas do trailer, o homem estava sentado ao redor da pequena mesa na cozinha inprovisada do automóvel. Toco sua pele com cuidado, a alteração em sua temperatura era notável a olho nu.

— Dale, me empresta uma tesoura, um kit de primeiros-socorros e uma caneta, ou qualquer coisa que risque a pele.

O velinho andou de um lado ao outro, mas logo me entregou tudo o que eu pedi, colocando tudo sobre a mesa amadeirada.

— para que precisa de uma caneta?

Uso a tesoura para cortar o curativo, visualizando melhor o ferimento. Ele não sangra, o local estava esbranquiçado, mas com uma pequena mancha vermelha na ponta do corte aberto.

— é uma infecção. Vou circular, se ultrapassar o círculo em poucas horas significa que ela está crescendo e vamos precisar entrar logo em ação.

Abro a caixa, vendo álcool 70, curativos e alguns anti-inflamatórios, me fazendo dar um grande suspiro em alívio.

— temos apenas duas cápsulas de anti-inflamatórios, mas deve dar para o gasto — o entrego a cartela quase vazia — tome, engula logo, vou fazer outro curativo.

Tiro meu foco do que acontece ao meu redor para focar unicamente no corte de Theo. Repito o mesmo processo de ontem, mas com álcool 70 desta vez, podendo limpar melhor o ferimento. T-dog deu um grito abafado por uma camiseta e eu cobri o ferimento uma segunda vez.

— mais tarde eu olho outra vez, espero que essa pintinha vermelha não passe disso.

Dou as costas para os dois homens, encontrando Daryl parado na porta.

— a quanto tempo está ai? — ele me entrega meu gatinho

— acho que seria uma ótima médica — diz dando as costas

Junto as sobrancelhas com um sorriso pequeno sendo esboçado no rosto.

— obrigada, eu acho.

Sigo Daryl até o grupo de pessoas que se formava na beira da rodovia, estavam decidindo quem iria e quem ficava, a maioria já havia se oferecido, inclusive Lori e Lara.

— Hannah, você vai querer ir? — Rick pergunta

O grupo me encara por alguns segundos, parecendo notar a minha presença entre eles. Forço um sorriso e nego com um aceno de cabeça.

— T-dog precisa de mim aqui e as crianças não deixariam o pobre Dale em paz nem por um só segundo. Eu fico melhor aqui.

— mãe, eu quero ir — Carl diz, puxa a barra da camiseta da mãe — por favor, vai

— é melhor não, filho. A floresta é perigosa.

—vocês estarão lá, tem muita gente. Não estou seguro com o papai e o Shane?

Eles se entreolham, decidindo quem diria não ao garoto, mas a resposta deles é totalmente diferente do que eu esperava.

— tudo bem, você venceu — Rick diz — mas vai ter que obedecer a sua mãe.

— se o Carl vai eu também quero ir — a coreana diz parando na frente do irmão mais velho.

— nem vem, Giulia. Vai ficar aqui com a Hannah, longe da floresta e perto do trailer, em segurança.

A garota cruza os braços e bate o pé contra o chão, fazendo birra.

— a Lori e o Rick vão levar o Carl, por que eu não posso ir?

— porque eu não sou eles — responde — além do mais, uma criança com a gente na floresta já é perigo demais. Prefiro você aqui, na estrada e com a Hannah.

Giulia vem até mim, os olhinhos brilhando como de um gatinho fofo, querendo a minha ajuda para anular a decisão do irmão.

— tia — ela pede, a voz manhosa e os braços ainda cruzados em frente ao corpo

— se o Glenn decidiu?

— está decidido — ela responde com a voz arrastada, pegando o gatinho de meus braços — tudo bem.

Giulia sai andando em direção o trailer de Dale, o adentrando. Lara coloca a filha no chão, a deixando caminhar até mim com suas perninhas curtas.

— tudo bem em ficar com ela, não é? Eu posso ficar aqui se quiser ir no meu lugar — ela diz tudo rapidamente

— tudo bem, Lara. Você pode ir — lhe dou um pequeno sorriso — tragam ela de volta.

Antes que Lara possa me responder, meu sobrinho mais velho se intrusa entre nós duas, agarrando minha cintura sem aviso nenhum, me dando um abraço apertado.

— papai disse para dar tchau a você — levanta a cabeça, me olhando com sua carinha sapeca — não saia daqui, tia, a gente volta antes do anoitecer, prometo.

Lhe dou um sorriso sincero e um beijo no topo da cabeça, bagunçando seus fios castanhos.

— tome cuidado, o favorito — lhe dou uma piscadela, ele sorri contente — não demore, a tia Hannah fica triste sem o bebê dela.

— prefiro quando me chama de o primeiro e o favorito, é mais bonito e menos vergonhoso. — ele diz desfazendo o abraço — tchau, tia Hannah.

— tchau, bebê — ele faz uma careta, me fazendo rir. Pego Camilla dos braços da mãe — você não vai ficar igual a ele, não é Camilinha?

Ela nega com um aceno de cabeça repetidamente, nos fazendo dar risada. Lara e Carl se afastam, dando espaço para Glenn se aproximar, estava tenso, percebo isso de longe.

— vocês vão encontrar ela — falo, ele dá um sorriso fraco, me dando um abraço curto — tome cuidado por ai, Rhee.

— não faça nenhuma idiotice até eu voltar — ele diz, lhe dou um sorriso aberto, soltando uma risada nasal.

— e como eu poderia? Está levando toda a burrice com você.

Glenn dá um sorriso de canto, ele enfia a mão em seu bolso da calça, me entregando um pano branco como se estivesse traficando armas, porque realmente estava.

— sei que tem a sua, mas fica como reserva — diz — eu achei em um dos carros, está carregada e em perfeitas condições. Quero voltar e te encontrar bem aqui, Isabel Grimes.

— os Grimes não morrem, Glenn — ele rola os olhos — estarei segura, você sabe disso.

— sei, mas sou feito de medo, você sabe disso.

— ei chinês — Daryl chamou — você vem ou não?

Daryl não estava tão longe, estava junto ao resto do grupo, que aguardava para adentrar a floresta juntos, em busca de Sophia. Glenn se despede, indo em direção ao grupo enquanto eu caminho para o trailer.

Observo eles descendo a descida íngreme que leva para a floresta um por um, deixando Daryl por último. Ele acena para mim com sua cara de sério de sempre.

— se cuida ai, loirinha — diz antes de sumir.

(...)

Camilla e Giulia brincam no interior do trailer com Bart enquanto Dale concerta seu motor, T-dog reclama da vida e eu fico de guarda em cima do trailer, observando todo o movimento enquanto jogamos conversa fora para ajudar a passar o tempo.

— como conheceu o Daryl, Hannah banana? — o velinho pergunta

— frequentavamos o mesmo bar — digo enquanto olho o binóculo — ele me ouviu falar sobre o enorme chifre que ganhei por um pouco mais de quarenta minutos, então viramos amigos.

— e nunca passaram disso? — abaixo o binóculo — me avise se eu estiver sendo inconveniente, por favor.

Dou uma risada nasal, negando aquela possibilidade.

— namoramos por três anos, mas ele nunca conheceu a minha família, ou a minha família nunca o conheceu.

— e por que não? — T-dog questionou, ganhando um leve tapa de Dale

— ele achava que algo poderia dar errado entre nossas famílias — dou de ombros — Merle é alguém difícil de lhe dar. Tipo, ele é bem difícil mesmo, beirando o impossível.

— acredite, nós sabemos — ele murmura

— Rick é do mesmo jeito. Sabem o que acontece quando pessoas iguais se esbarram?

— algo ruim, eu presumo.

— sim. E além do mais, morávamos em uma cidade pequena, eles sabiam quem eram, se conheciam, não eram completos estranhos.

— então eles fingiam não se conhecer?

Penso por um segundo, analisando o que Theodore acabou de dizer. Daryl e Rick eram conhecidos, mas nunca o levei em um almoço em família, até porque ele nunca aceitou ir a um comigo. Daryl pensava muito sobre nós, achava que eu era muita areia para a sua "caminhonete enferrujada", como ele mesmo me dizia, pensava que era inferior ao resto da minha família e que eles seriam completos idiotas que só queriam ver a felicidade da irmã mais nova.

— foram apresentados, apertaram as mãos, mas não se conheciam de verdade. Os Dixon são pessoas difíceis de lhe dar, e eu me acostumei com isso.

— se acostumou com o gênio forte dos irmãos Dixon?

— Merle não é tão mau. Ele é um pouco maluco, antiquado, tem um vocabulário um tanto quanto peculiar, uma personalidade forte e não possue bons modos, mas é um docinho.

Eles me olham desconfiados, como se eu estivesse falando em outro idioma. Solto uma risada nasal e nego, percebendo que aqui apenas eu conhecia este Merle.

— desculpe por te contrariar, Hannah. Mas, estamos falando da mesma pessoa? — o moreno questiona — o Merle que conhecemos é um grosseiro, brigão e babaca, com todo o respeito, mas aquele cara é um verdadeiro bundão.

— o Merle que eu conheço me comprava chocolate na lojinha da esquina, fazia meu prato favorito no almoço de domingo e pedia para eu ligar avisando que tinha chegado bem quando saia tarde da casa deles. Ele é difícil, eu sei que é, mas para mim e para o Daryl  ele é um baita homem fodão que fez o possível e o impossível para nos ajudar quando precisamos. Definitivamente, não falamos do mesmo Merle.

Ouvir falarem mal do Merle e ficar calada não é muito bem o meu forte, ainda mais quando são pessoas que não o conhecem a fundo que estão falando. Eu conheço o Merle, sei que ele é irritante e as vezes dá uma puta vontade de socar a cara dele até deixar um olho roxo, mas não é só esse lado que eu conheço. Conheci o lado humano do Merle, a prova de que Merle Dixon tinha coração, não posso deixar que falem tão mal dele sendo que só conhecem seu lado babaca.

— tia Hannah, estamos com fome — Giulia fala de dentro do trailer, quebrando o clima chato que ficou

— pode deixar, eu faço algo para as meninas comerem — o velinho diz, saindo de cena.

(...)

T-dog teve um pequeno delírio por conta da alta febre que estava sentindo, consegui fazer com que a febre abaixasse um pouco, nos trazendo um alívio momentâneo.

Pela posição do sol, deve ser umas quatro da tarde, ou mais, não aprendi direito essas coisas. Estou sentada nas escadinhas do trailer, finalizando a leitura de um livro que Dale me emprestou mais cedo. O disparo abafado que escutamos mata a dentro nos deixa atentos.

— isso foi um disparo? — me levanto rapidamente

— foi longe, talvez tenham sido eles.

— por que eles disparariam uma arma? Não é perigoso?

Sinto um aperto forte no coração, me fazendo derrubar o livro no chão, causando um calafrio horrível pelo corpo inteiro e uma leve fraqueza nas pernas, trazendo uma sensação ruim junto a ele, como se algo tivesse acontecido. Dale me segura pelo braço, evitando que eu colida contra o asfalto.

— Hannah, santo Deus — ele diz assustado, me sentando nas escadas outra vez — Giulia, me traz um copo com água, rápido.

A garota corre pelo trailer, não consigo me focar a isso. Carl vem a mente, retornando a sensação ruim outra vez, acompanhada por mais calafrios.

— Carl — sussurro agoniada — aconteceu algo com o Carl.

— o Carl está bem, Hannah. Ele está com o grupo, está tudo bem — T-dog diz — não aconteceu nada com ele.

Dale me entrega o copo com água, obrigando-me a tomar um gole.

— beba a água, menina, você está mais branca que o normal. — ele manda

O obedeci, bebendo alguns goles da água e logo entregando o copo a Gigi, que estava sentado ao meu lado, me observando com o olhar confuso.

— tia, você está bem?

Me viro para ela, forçando um sorriso pequeno, disfarçando a sensação ruim que ainda estava em mim.

— tia Hannah está bem, amor. Volte a brincar com a Cams, vai.

Ela me olha desconfiada, mas atende ao meu pedido, saindo dali logo em seguida. Respiro fundo na tentativa de me convencer que não há nada de errado e que nada aconteceu.

— você está bem mesmo, Hannah? — ele questiona, me fitava com os olhos

— estarei bem quando eu ver o meu sobrinho subindo por este barranco.

Não sei o que aconteceu, mas a sensação ruim prevalece por mais um bom tempo. Tento voltar a ler o livro, mas é inútil tentar fazer algo quando se está preocupada. Algumas horas se passou e eu já havia perambulado entre quase todos os carros dali, quase para abrir uma cratera de baixo dos meus pés.

Estava prestes a escurecer quando avistei eles subindo a rodovia, Carol estava cabisbaixa e triste, não acharam Sophia. Me levanto da cadeira de sol em cima do trailer, o descendo.

— ouvimos um disparo, foram vocês? — Dale questiona prontamente

Meus olhos percorrem todos os rostos, logo dando falta de Rick, Lori, Shane e Carl. Encaro Lara, que estava séria e aérea.

— cadê o Carl? — pergunto enquanto caminho entre eles, ninguém me responde — o que aconteceu lá? Cadê o Carl?

Lara vem até mim, suas mãos tremiam e estava nítido que algo aconteceu.

— Carl ficou com Shane e Rick para cobrir mais um pouco de terreno. Uma mulher montando em um cavalo apareceu e levou a Lori, ela disse que o garoto foi baleado e estava na fazenda da família dela.

— e você deixou que levassem ela?

— a garota falou o nome completo dela, e eu não sou babá de adulto.

— Carl foi baleado? — perguntei em um fiapo de voz, ganhando um abraço de Lara — ele foi baleado?

Ela segura meu rosto entre suas mãos, tentando me trazer de volta ao mundo enquanto meu único pensamento é o meu sobrinho.

— Hannah — Glenn chamou alto, ganhando a minha atenção — ela nos falou o endereço, podem vir comigo e o T-dog hoje, mas eu preciso que não surte agora, tudo bem? Pode fazer isso?

Afirmo, enxugando a lágrima que descia por minha bochecha. Por favor, Carl, esteja bem.







Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top