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25 De outubro de 2010

𝙃𝙖𝙣𝙣𝙖𝙝 𝙄𝙨𝙖𝙗𝙚𝙡 𝙂𝙧𝙞𝙢𝙚𝙨

Por algum motivo desconhecido, Carl quis dormir comigo hoje, e eu obviamente não neguei isto a ele. Depois de finalmente convencer a Lori de que eu daria conta e que estava tudo bem, o levei para meu carro. Carl colocou Bart na parte superior do porta-malas e reabasteceu sua tampinha de água e ração.

— por que quis dormir comigo hoje? — pergunto, ajeitando seus cobertores e travesseiros, vendo ele passar para os bancos da frente

— senti saudades — dá de ombros — gosto de dormir com você quando estou triste, me deixa menos mal.

No mesmo momento que sorrio por sua fala, sinto meu coração apertar. Vejo que ele continua focado no gatinho em seus braços, termino de ajeitar nossa cama improvisada e bato no estofado ao meu lado, ele deixa Bart no banco do passageiro e pula para o banco de trás, se sentando ao meu lado.

O aconchego em meus braços, mantendo sua cabeça apoiada em meu peito, enquanto acaricio seu cabelo liso e sedoso.

— sabe que pode me contar as coisas, não sabe?

Ele balança a cabeça em concordância e murmura um "uhum" em resposta.

— perdi o meu pai quando eu tinha dezessete anos — falo, encarando o teto enquanto continuo afagando seu cabelo — foi uma das piores dores que eu já senti em toda a minha vida.

— ele foi baleado em serviço, igual ao papai — completa — como lidou com isso, tia Hannah?

— apoio da família. Eu sempre tinha alguém ali para mim quando eu desmoronasse em lágrimas — abaixo meu olhar, encontrando os olhinhos azuis dele me encarando — eu estou aqui para você quando isso acontecer, sua mãe e sua tia Lara também.

Meu sobrinho se cala por alguns minutos, pensativo. Me parte o coração vê-lo tão triste.

— tenho pesadelo desde que ele foi internado — confessa, voltando a se aconchegar em meus braços — eu não conto para a mamãe, não quero preocupar ela ainda mais. Eu sinto que ele não foi embora, todos os dias eu acordo e penso que ele deve estar por ai, lutando para voltar para casa.

De alguma forma, eu tenho o mesmo sentimento.

— se eu te contar que penso a mesma coisa, você acredita? — ele me olha com um sorriso pequeno

— sinal de que não vou enlouquecer sozinho — dou risada

Carl tem o dom de brincar com coisas sérias, fazer piadas de seus próprios problemas. Ele sempre fez isso, aprendeu com a tia Hannah.

Não sei em que momento, mas Carl se deitou no banco, deixando sua cabeça apoiada em minhas coxas. Ficamos em um silêncio confortável e ele adormeceu com o cafuné em sua cabeça. Eu com certeza terei problemas por dormir sentada, mas não me importo.

(...)

26 de outubro de 2010

— acorda, tia Hannah — ouço chamarem — já são oito da manhã.

Vozes se misturam, confundindo minha cabeça. Abro os olhos lentamente e pisco algumas vezes, se acostumando com a claridade do local. Encontro três pares de olhos me encarando.

— tá bom, gatinhas e gatinho, a tia Hannah já acordou, agora todo mundo pra fora — era a voz da Lara — Lori está esperando, ela tem uma grande e divertida lista de atividades para os três.

As crianças se desbandam enquanto reclamam sem parar, formando um alvoroço caótico saindo de dentro do meu carro. A única coisa que se passava pela minha cabeça era: o que diabos está acontecendo?

Então me lembro que sou a tia favorita de três crianças, e ser a tia favorita tem um preço, esse preço é ser acordada assim algumas das vezes.

— bom dia, irmãzinha favorita. — fala adentrando meu carro — Carl está bem mais calmo hoje, acho que o colinho da tia Hannah realmente faz milagres.

Sorrio, esfrego os olhos e me espreguiço, esticando as pernas e soltando um bocejo curto.

— não é querendo me gabar, mas já me gabando, eu sou uma ótima tia — jogo meu cabelo bagunçado em sua cara, a fazendo rir

— seu homem desceu cedo para o lago hoje, no mesmo horário de sempre.

Encontrei Daryl no lago ontem de manhã quando fui tomar banho, ele me esperou e outra vez subimos para o acampamento juntos. Lara acha que eu e ele realmente vamos ter uma recaída a qualquer momento, eu acho isso bem difícil.

— Daryl não é meu homem, já conversamos sobre isso.

— mas um dia ele já foi — cantarola, me fazendo rolar os olhos

— isso está no passado, Isabela. — ela me olha rapidamente enquanto dobra o último cobertor — acho que vou te chamar assim agora, é mais bonito do que Lara.

Ela me dá uma olhada debochada e volta sua atenção para o tecido em suas mãos.

— Isabel também é bem mais bonito do que Hannah, você não acha? — provoca, dando um sorriso irônico

— ambos são nomes muito bonitos, afinal eles juntos forma o nome de uma linda e bela mulher. — pisco para ela.

Termino de arrumar as coisas no carro e pego minha necessaire e uma toalha, saindo do carro. Lara e eu passamos por Lori e avisamos que eu irei tomar um banho e que logo voltamos.

Não demorei muito no lago, eu realmente estava cansada demais para um banho demorado na beira de um lago. Voltamos e Lori ainda estava com as crianças.

Meu dia se resumiu em ficar de olho em três crianças de doze anos, ou seja, um trabalho e tanto. Observava as crianças correndo de um lado ao outro, dando risadas gostosas e contagiantes. Eu ficava feliz em ver o Carl brincando, esquecendo os problemas por algum tempo, me deixa aliviada.

O dia passou tão rápido que eu nem se quer percebi, quando me dei conta, estávamos jantando ao redor da fogueira outra vez enquanto nos conhecíamos melhor.

— e você, Hannah? — Amy pergunta, me tirando de meus pensamentos — o que você era antes disso?

A observo por alguns segundos e remexo o macarrão em minha tupperware vermelha.

— cursava o último semestre da faculdade de medicina e estagiava em uma clínica particular no centro da cidade.

— ou, então temos uma médica entre nós? — Dale pergunta animado, sorrio meio sem graça — isso será bem útil algum dia.

— eu realmente espero não ter que usar meus conhecimentos tão cedo — murmuro, arrancando uma onda de risadas baixas

— esperamos que você não tenha que usar seus conhecimentos por enquanto — Lori rebate, sorrio para ela.

— você se enturmou bem rápido, não foi? — a loira pergunta, está sentada ao lado de Amy — sempre te vejo com alguém, o asiático, o polícia, o que se isola....

Levanto uma sobrancelha para ela, não entendendo onde ela quer chegar com isso. Respiro fundo, engolindo o meu eu causador de intrigas.

— somos todos família — respondo, respirando fundo — Lara é minha irmã, as crianças são sobrinhos, Glenn é meu melhor amigo, Lori é cunhada, Shane está a tanto tempo na minha vida que já virou parte da família e.... Daryl é um amigo de longa data, não que isso seja da sua conta, mas é isto — sorrio docemente e volto a comer.

A rodinha fica em silêncio por alguns segundos, mas eles logo engatam outro assunto, tentando tirar o clima instável que se instalou no local.

Depois de finalizar minha refeição, eu me levanto e vou em direção ao trailer para lavar o que sujei. As pessoas já estavam indo deitar, só sobraram algumas ao redor da fogueira. Termino tudo o mais rápido possível e me afasto, indo em direção ao meu carro.

— ei, Hannah — alguém chama, correndo atrás de mim. Me viro, avistando uma Amy ofegante — cara, até que enfim eu te encontrei — respira fundo, controlando sua respiração

— já vimos que você não é uma boa corredora — brinco, a fazendo rir — aconteceu alguma coisa?

— não, na verdade eu só vim me desculpar pelo o que minha irmã insinuou na frente de todos — torce o lábio — aquilo definitivamente não foi legal.

— tudo bem, você não teve nada a ver com aquilo — sorrio, a tranquilizando — fica tranquila, Amy, não foi nada.

— você tem certeza? Porque se alguém me falasse algo parecido com aquilo, eu juro que quebrava todos os dentes da vadia na mesma hora — gesticula com as mãos, me arrancando uma risada baixa e fraca

— eu não gosto de brigas, sou tranquila demais — dou de ombros — é sério, Amy, aquilo realmente não me afetou em nada.

Ela suspira aliviada.

— de qualquer forma, me desculpe pela babaca da minha irmã. Eu vou indo, te vejo amanhã — beija minha bochecha e sai correndo para o acampamento outra vez.

Gosto da Amy, ela e legal, simpática e muito atenciosa, sempre pensando nos outros e em seus sentimentos. Me parece que ela não é tão parecida com a irmã.

Me deito no banco traseiro de meu carro, esperando pelo sono, mas ele não aparece. As lamparinas das barracas já estão apagadas, não vejo ninguém vagando pelo local, não ouço nada além do cantar dos grilos. Aquilo me trás um ótimo gatilho para a minha mente começar a elouquecer aos poucos.

Antes de surtar de vez, resolvo abrir meu porta-malas. Coloco algumas almofadas no fundo, pego dois cobertores e  me sento ali, admirando a noite estrelada. O silêncio ensurdecedor, o vento frio batendo em meu rosto, balançando levemente meu cabelo, os pensamentos negativos, a dor em meu peito, a maldita garganta entalada.

Gatilhos.

Deixo uma lágrima escorrer por todo o meu rosto, e então é um caminho sem volta, um convite para um choro silencioso e intenso. Não me lembro em que momento, mas eu acabei adormecendo. Acordo com leves cutucadas em meu ombro.

— Hannah, você vai ficar doente se dormir aqui fora — a voz rouca e grossa diz — precisa entrar.

Abro os olhos, encontrando Daryl me cobrindo com o cobertor mais grosso. Ele me olha nos olhos e segura minhas mãos.

— vem, eu te levo para dentro

Ele passa um braço nas minhas pernas e outro em minhas costas, me pegando em seu colo como se eu fosse um bebê. Estou cansada e sonolenta demais para relutar e me soltar, então deixo que ele faça isso. Daryl já havia aberto a porta do carro, ele me coloca no banco do carro com uma certa dificuldade e volta para fechar o porta-mala, pensei que ele não viria até mim outra vez, mas para a minha total surpresa, ele adentrou o meu carro para me checar uma última vez.

— você chorou outra vez? — pergunta, analisando meu rosto

Me encolho encostada na porta do outro lado, passo a mão por meu rosto, sentindo ele molhado.

— tem algo a ver com algum homem? — pergunta com uma sobrancelha arqueada.

— é — digo, percebendo sua feição mudar — o meu irmão.

Não preciso dizer mais nada, Daryl entendeu muito rápido.

— eu sinto muito — abaixa a cabeça — você...tá legal agora?

— acho que sim — dou de ombros — pessoas morrem todos os dias.

Minha voz saiu mais embargada do que eu achei que sairia. Ele me olha por alguns segundos e me puxa para perto, parecia hesitante. Daryl me envolve em seus braços, afagando meus cabelos. Me abraça como se me protegesse da dor. Sinto o calor de seu corpo, seus lábios encostando em minha testa, deixando um beijo suave no local.

Não sabia o quanto precisava de Daryl até estar em seus braços, não sabia — ou não queria admitir — que sentia falta do seu toque até recebê-los outra vez, não me lembrava o quão bom era o seu abraço até sentir ele outra vez.

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