4
Kin Daikichi
– Diga. Eu preciso que você me diga. – Somente Arisu conseguiu completar o jogo. Eu já sabia o que isso significava, mas preciso ouvir isso de Arisu. Preciso que ele confirme.
– Estão mortos. – Arisu caiu de joelhos no chão e permaneceu de cabeça baixa. – Me desculpa. – sua voz era triste e o sofrimento evidente. – Foi minha culpa, me perdoa. – Arisu não tinha coragem para me olhar nos olhos. Me ajoelhei ficando na mesma altura que ele e segurei seu rosto com força, o obrigando a olhar para mim. Arisu me analisava cuidadosamente como se estivesse com medo da minha reação. O puxei para perto, fazendo sua cabeça se repousar em meu peito e o abracei. Arisu ficou parado recebendo o meu carinho. Eu queria chorar, queria gritar por ter perdido meu irmão e amigo. Mas Arisu nesse momento precisa mais de mim, ele ainda é meu amigo.
– Eu não te culpo, Arisu. – Falei baixinho. – Eu sinto muito por não ter estado lá.
– Se você estivesse lá também estaria morta. – Não passou de um murmúrio, mas foi alto o suficiente para que eu pudesse ouvir.
– Como assim?
– Foi um jogo de copas. — O jogo da traição. — Eles se sacrificaram por mim.
– Eu faria o mesmo. – Dessa vez Arisu colocou os braços ao meu redor me abraçando também.
– Eu sei. Karube pediu para eu te entregar isso. – Arisu quebrou o abraço e me entregou o papel.
Um bilhete de Karube:
"Se você está lendo essa carta é porque eu perdi o jogo e sinto muito por você estar lendo essa carta. Me lembro quando mamãe estava grávida de você, eu contava todos os dias o tempo que faltava para você nascer, e aí você nasceu. Eu já te amava desde quando você estava na barriga da nossa mãe, te amei mais quando te vi pela primeira vez. Você estava dormindo no colo da mamãe e eu me aproximei de você, encostei nas suas mãozinhas e você segurou o meu dedo. Segurei você pela primeira vez naquela noite também, foi como segurar um pedaço de mim. Somos uma dupla, Kimmy. Nós brigamos muito, nós brigamos muito um pelo outro e agora eu briguei pela última vez por você. Não entenda errado, se tivesse como continuar lutando por você eu lutaria, mas se você está lendo isso é porque foi até aqui que meu corpo foi capaz de lutar. Quando você nasceu, prometi para mim mesmo que iria sempre fazer o melhor para você e é isso que eu fiz. Se tudo tiver dado certo, Arisu está com você. Ele é o melhor para você agora. Arisu é um bom jogador, um bom sobrevivente. Eu jamais conseguiria cuidar de você nesse mundo como ele é capaz. Fique com o Arisu e ele vai te proteger. Eu amo você, maninha. Para sempre."
As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto no instante em que eu vi a letra de Karube. Sempre foi caprichada demais para ser a letra dele e agora estava lá no papel, marcando a nossa despedida. Minhas mãos começaram a tremer enquanto eu segurava o pedaço de papel. Para sempre.
Arisu me puxou para perto e me deixou chorar. Ele sempre foi o único que não se incomodava com o meu "choro feminino". Me soltei dos braços do meu amigo e me deitei no chão, o asfalto já estava frio a essa altura da noite. Arisu se deitou ao meu lado e nos ficamos observando o céu em silêncio. Ficamos deitados no chão por horas.
Os primeiros raios de sol já se faziam presentes iluminando as ruas de Tokyo e removendo a escuridão. Ainda não estava completamente claro, mas a cidade já estava iluminada. Deviam ser seis horas da manhã ou algo do tipo. Uma sombra se aproximava de nós dois o que eu julguei ser uma pessoa, mas meus olhos ainda estavam precisamente focados no céu. Seja lá quem for, estava carregando alguma sacola de plástico, porque a medida em que a pessoa se aproximava, o saco chacoalhava junto aos passos. Senti algo parecido com um chute nas minhas pernas e repousei meu olhar sobre a garota. A menina com roupa de ginástica do último jogo.
– Vocês querem viver? – Ela nos perguntou. Não ousei mexer um músculo sequer. Ela ficou parada esperando por alguma resposta.
– Eu... – Sussurrei. A menina se abaixou e aproximou sua cabeça do meu rosto para poder me escutar melhor. – Eu... – as palavras morreram na minha boca assim que eu me dei conta de que eu não sabia o que responder.
– Nós vamos morrer mesmo. – Arisu respondeu fazendo a menina se levantar.
– É mesmo? – Ela perguntou sem parecer se importar.
– É. – Arisu e eu respondemos ao mesmo tempo.
A menina se virou e começou a andar na direção em que veio. Voltei a observar o céu assim como Arisu fazia. O céu não estava clareando mais, as nuvens que se condensavam em sua extensão deixavam o céu acinzentado e tristonho. Não demorou muito para que as nuvens se chocassem e as gotas d'água comessassem a cair. Não se tratava de uma tempestade, longe disso. As gotas apressadas caiam na minha pele, roupas e cabelo deixando um beijo gelado por onde quer que encostasse. Eu não me incomodava em estar no chão, não me incomodava de estar molhada, nem mesmo me incomodava com uma possibilidade de leptospirose. Aparentemente nem Arisu. Virei a minha cabeça para o lado, de forma que eu pudesse observar o meu amigo. Seus olhos estavam fechados e sua respiração era quase imperceptível. Arisu estava sofrendo tanto quanto eu, mas eu não me culpava pelas mortes e Arisu sim. Eu não tenho o beneficio de me sentir mal e focar apenas nisso. Focar na perda do meu irmão. Abracei Arisu deitada no chão com dificuldade, como se meu corpo estivesse acorrentado por toneladas. Foi preciso um grande esforço para passar meu braço ao redor do corpo do meu amigo e me aconchegar nele. Sua pele estava gelada por conta da chuva e a minha não deveria estar diferente. Ficamos assim por um tempo até que escutamos passos novamente.
– Vamos. Vou tirar vocês da chuva. – Era a menina de mais cedo. Ela me ajudou a levantar primeiro e em seguida, ajudou Arisu. Nenhum de nós teve coragem para dizer alguma coisa.
A menina tinha cabelos pretos e curtos. Uma franja reta se dava bem com o formato arredondado do seu rosto. Ela era linda e sua beleza tinha uma essência diferente, não sei ao certo o que era. Ela nos cobriu com seu guarda chuva e nos levou até uma garagem enorme onde era a "Oficina Sho". Lá tinha uma barraca montada, comida e alguns sacos de dormir. A noite chegou tão rápido quanto as gotas de chuva se dispersavam por Tokyo.
Ela preparou um ensopado de coelho para nós. Ela também sabe caçar, anotado. Arisu se deitou em um dos sacos de dormir e estava de olhos fechados desde que chegamos aqui. Não sabia dizer se ele estava dormindo ou se apenas estava ignorando tudo ao seu redor. Troquei poucas palavras com a menina, mas foi o suficiente para descobrir seu nome e que ela era uma alpinista. Usagi.
Arisu se moveu e abriu os olhos, seu olhar alternava entre mim e Usagi. Nenhuma palavra saiu da sua boca. Usagi me entregou uma tigela com o ensopado ainda morno e acenou de relance para Arisu me dizendo que eu deveria levar a comida para ele. Assim eu fiz. Peguei uma colher e caminhei cautelosamente para não despejar o conteúdo da tigela no chão. Arisu permaneceu imóvel. Não me esforcei para dar um sorriso, não iria sorrir até ser espontâneo. Arisu não merece um sorriso falso, eu não mereço um sorriso falso. Coloquei a tigela no chão ao lado dele e voltei a me sentar perto da Usagi. Sentei-me de frente para ela de forma que apenas a fogueira improvisada ficasse entre nós duas. De alguma forma ela me passava calma e segurança. Gosto de ficar perto dela. Usagi reparou meu olhar sobre ela e começou a me fitar de volta, fazendo um rubor aparecer em minhas bochechas. Quando alguém mantém contato visual comigo eu me sinto desconfortável e muitas vezes fico vermelha, chega a ser vergonhoso. Usagi quebrou o contato visual para encarar Arisu que permanecia parado. Ela suspirou fundo.
– Seu corpo quer viver. – Ela se dirigiu a ele enquanto mexia na comida e encarava nada em específico. – Seu copo me disse que quer viver.
– Ele te disse isso? – Arisu riu de uma forma desdenhosa. – Não tenho motivos para fazer tal coisa. – Usagi largou a tigela e olhou para ele repreensiva. – Meus amigos estão mortos porque eu sobrevivi. Estão mortos para que eu pudesse viver. – Mortos, estão mortos. Usagi permanecia o encarando. – Eu os matei! Não mereço ficar vivo! Eu deveria estar morto, eu deveria morrer! É imperdoável que eu esteja vivo!– O desespero ficava mais evidente a cada palavra. – Eu vou morrer para encontrar com eles.
Eu não vou aceitar Arisu dizendo essas coisas.
– E como eu fico, Arisu? – perguntei atraindo a atenção dos dois. – Você não acha justo viver, mas acha justo me deixar sozinha? – Ele não respondeu. Usagi suspirou mais uma vez.
– Meu corpo... – Arisu fraquejou.
– Seu corpo diz que está com fome. – Dessa vez Usagi não Olhava mais para Arisu. – Eu já quis morrer. Já fui igual a vocês dois. Fiquei deitada no chão por tanto tempo que o meu estômago começou a doer dizendo que eu estava com fome, que eu precisava me alimentar. Foi assim que eu descobri que o meu corpo queria viver. Eu também vou morrer algum dia. Pode ser no jogo de amanhã, em um jogo daqui a semanas ou então, posso pegar uma gripe e morrer. Fiz o esforço de preparar comida para vocês. Ela já comeu, agora coma antes que morra. – Usagi esboçou um sorriso mínimo no rosto e voltou a comer.
Arisu pegou a tigela e comeu uma colherada do ensopado. Comeu outra, mais outra e depois outra até que a tigela ficou vazia. A menina me deu boa noite e em seguida deitou dentro da sua cabana. Peguei um saco de dormir e me deitei. Li a carta de Karube mais uma vez e depois de ler, fiquei olhando Arisu até pegar no sono.
Acordei com barulho do metal rangendo e vi Usagi se aquecendo do lado de fora da garagem. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo e fui atrás dela. Comecei a me aquecer também e ela sorriu.
– Vai te ajudar um pouco. Tente me acompanhar.
Em seguida Usagi disparou pela rua. Ela era ágil como um coelho. Respirei fundo antes de começar a correr atrás dela. Consegui alcançá-la, mas foi difícil de manter o ritmo. Ela era realmente muito ágil. Passei a corrida inteira pensando em como manter o mesmo ritmo que ela, até mesmo como ultrapassá-la. O suor se acumulava e pela minha pele. Quando chegamos na garagem eu percebi o suor nas minhas roupas, eu estava encharcada. Fiz uma careta de nojo e Usagi riu balançando a cabeça para os lados. Em momento algum durante a corrida eu pensei no meu irmão ou em Chota, mantive a cabeça ocupada com a corrida.
– Obrigada. – fui honesta com ela.
– Posso te emprestar umas roupas, acho que vestimos o mesmo tamanho.
Arisu ainda dormia sem se importar com a claridade. Usagi me deu uma toalha para eu poder me secar e me emprestou uma camiseta esportiva turquesa junto de um top preto e um short estilo ciclista preto. Ela estava certa. Nós realmente vestimos o mesmo tamanho. Coloquei a carta do Karube dentro do bolso da camiseta. O bolso tinha zíper então a carta estava segura lá. Acordei Arisu e ele se virou ficando de barriga para cima.
– Não vai jogar? – Usagi perguntou ao Arisu. – Vai esperar seu visto vencer? Vai desistir? Olha, o que você fez lá no jogo me salvou. Se você não tivesse gritado o andar do coisa eu estaria morta. E você – dessa vez Usagi falava comigo. – se não tivesse apertado o botão todos estariam mortos. Vocês me salvaram e agora quero recompensar vocês.
Arisu se levantou meio atordoado, mas parecia pronto para o próximo jogo. Meu amigo me analisou de cima a baixo por me ver usando bermuda de ciclista e depois ficou vagando o olhar pelo meu corpo por mais um tempo. Realmente, eu mal me exercitava, mas tenho uma boa forma e um corpo resistente. Ajudamos Usagi com as garrafas de água e uma mochila estilo "saquinho" para carregar as coisas. Hoje iremos jogar.
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