𝐂𝐡𝐚𝐩𝐭𝐞𝐫 : 𝟎𝟏


Sempre odiei festas, e isso nunca foi um segredo para ninguém. O que as pessoas viam de tão interessante em encher a cara de bebida até passar mal e lidar com tanto barulho no ouvido a noite toda, afinal? Era no mínimo inconveniente.

Eu poderia facilmente resolver o assunto pelo qual me trouxe até aqui em casa, mas não tinha passado lá ainda depois do treino da tarde e o local da festa de Aoi era o lugar mais próximo que tinha no momento, então supus que era um ótimo ponto de encontro que facilitaria a minha vida. Bom, eu estava errada.

Aoi era um doce de pessoa e realmente um excelente amigo para se ter por perto, mas quando começava a beber se tornava doce até demais antes de voltar ao seu estado quase normal. Enquanto esperava sentada em uma das banquetas da bancada da cozinha que era interligada com a sala, ele se aproximou de mim e se apoiou na minha frente apenas para ficar me olhando.

─ Sabe... eu gosto muito de você, [Nome] ─ ele repetiu a mesma coisa que vinha falando a alguns minutos, me fazendo soltar um suspiro.

─ Eu sei disso, você gosta de todo mundo, Aoi.

O sorriso dele apenas cresceu ainda mais e ele pareceu parar para pensar por um momento, seu corpo ajeitando a postura para tomar outro gole do conteúdo que tinha no copo que ele segurava.

A festa não havia se iniciado oficialmente porque os convidados ainda estavam chegando aos poucos, mas Aoi já tinha começado os trabalhos mesmo com pouca gente para recepcionar.

─ É verdade, mas você é a única pessoa que eu posso ser eu mesmo de vez em quando. Eu realmente gosto de você ─ ele finalmente respondeu, seus olhos vagando em mim mais uma vez como se eu fosse desaparecer se ele parasse ─ E você já está aqui a um bom tempo, está esperando alguém ou decidiu se juntar a esse mundo também?

─ Parece até que não me conhece, estou só esperando. Você convidou o Suguru, não foi? Eu combinei com ele.

─ Ah, aquele cara... convidei sim. Ele já deve estar chegando, inclusive

─ Não tem como errar, certo? Você sempre convida o próprio time para essas coisas ─ brinquei, sabendo bem demais de como eles sempre chegavam em casa tarde da noite quando estavam com Aoi.

─ O que eu posso fazer? Eles gostam de uma noite de distrações e não consigo negar nenhuma quando tenho a oportunidade ─ ele devolveu, dando uma leve batida na bancada com os dedos antes de se afastar completamente com uma expressão suave ─ Fique à vontade aqui, eu vou receber o resto do pessoal. Me chame se precisar de algo.

Apenas balancei a cabeça em concordância, observando atentamente enquanto ele desaparecia para a sala em algum ponto onde um grupo de pessoas se reunia. Pelo menos ele encontraria um outro alvo agora, mas com essa distância meus pensamentos tiveram a liberdade para voltarem ao meu principal foco novamente.

Suguru Geto. Aquele garoto aparentava ser o mais comportado perto dos seus amigos, mas eu sabia exatamente quem era ele além de suas falsas cortinas de sensatez.

Ele era simplesmente o filho do prefeito, o primogênito. Sendo assim, não importava o tipo de besteira que ele decidisse fazer as escondidas ou em público, o nome de seu pai sempre o encobertaria e o livraria de qualquer possível punição grave que ele teria sem escapatória se fizesse parte da classe baixa.

Ninguém desconfiava de suas reais intenções porque ele sempre se escondia por trás de uma bela máscara de perfeição e inocência com seus voluntariados e toda aquela baboseira, e sua ocupação de estudante de jornalismo e todo o material que recebia com isso dentro do campus também o ajudava muito - assim como eu, não estava sendo uma hipócrita para julgá-lo nisso.

Minha mãe era uma figura pública com uma influência similar a do prefeito, logo ele também não podia fazer nada comigo que pudesse prejudicar a sua imagem, porque eu tinha certeza que se pudesse eu estaria acabada a essa altura. Com esse impasse, a gente só continuava correndo em um joguinho idiota de gato e rato onde os papéis se trocavam o tempo todo.

Talvez eu fosse a única que soubesse sobre os seus verdadeiros problemas, e o fato de não poder se livrar de mim o irritava mais do que deveria, assim como sua constante mania de invadir meu território e a bagunça na qual ele me enfiou a algum tempo me irritavam na mesma proporção. Ele podia apenas ir se ferrar.

Eu me mexi desconfortavelmente na banqueta, esperando que ele chegasse logo quando avistei a figura de cabelos compridos e escuros disparar pela porta da frente sem seus fiéis companheiros ao seu encalço. Ótimo.

Não demorou muito tempo para que ele me reconhecesse entre as pessoas e ele caminhou com passos firmes em minha direção sem se importar com quem chamasse ele no meio do caminho, batendo o punho que segurava um tecido na bancada na minha frente assim que me alcançou enquanto eu apenas o olhava com tranquilidade.

─ Você se acha tão engraçada, não é? ─ ele estreitou os olhos, e a raiva pintada em sua expressão me fez sorrir sem restrições.

─ Boa noite para você também, querido ─ acenei com a cabeça e desviei o olhar para sua mão, reconhecendo o que ele estava segurando ─ Vejo que gostou do meu presente.

Me lembrei de ter colocado um dos meus sutiãs no carro dele propositalmente essa manhã sem que ele notasse porque sabia que alguma hora ele provavelmente daria uma carona a alguém que sentaria no banco de trás e isso mancharia um pouco a sua imagem de bom moço. Pode ter sido infantil da minha parte e confesso isso, mas ainda era engraçado.

─ Então, foi você mesmo! Eu sabia, sua... ─ ele se interrompeu, levando um tempo para respirar fundo e passar a mão pelos cabelos antes de me lançar um olhar afiado novamente ─ Você não faz ideia o quanto me custa aguentar essas suas idiotices.

─ Certo, certo. Não esqueça de me devolver ele na segunda, vou deixar você se aproveitar um pouco ─ dispensei sua frustração com um ar zombeteiro, insinuando um comentário sujo que o fez corar e ficar ainda mais furioso, mas não a ponto de revidar pois sabia que existia muito publico para isso agora ─ Senta aí, tenho outra coisa para te entregar.

Ele soltou um pequeno rosnado e jogou o sutiã na minha cara bruscamente, me fazendo instintivamente pegá-lo com um sorriso antes de realmente me atingir e guardá-lo no bolso do meu moletom.

─ É bom que você tenha algo de interessante dessa vez ─ ele se jogou na banqueta ao meu lado, mantendo sua distância confortável.

─ Acredite em mim, isso é uma verdadeira relíquia ─ o assegurei, tirando do outro lado do meu moletom um amontado de papéis dobrados e colocando sobre a bancada.

Embora estivesse desconfiado, ele me encarou com descrença mas pegou as folhas com cautela e as abriu rapidamente, desviando a sua atenção para fazer uma análise superficial sobre as palavras por um momento.

─ Uma lista, [Nome]? ─ ele resmungou, colocando tudo na bancada para levantar a sobrancelha para mim ─ O que é suposto a gente fazer com a porra de uma lista?

─ Pensei que você fosse inteligente o suficiente para ler a lista, não? ─ retruquei de volta, e ele apenas revirou os olhos.

─ São nomes de lugares famosos da cidade, mas e daí? Não é o suficiente.

─ Use essa cabeça pelo menos uma vez na vida, idiota. Você não quer encontrar fontes confiáveis? As pessoas que você procura frequentam esses lugares toda semana, e você pode até conferir as informações delas e os horários que elas entram se olhar com cuidado depois dos nomes.

─ E algum deles precisa de um convite especial? Ou qualquer uma dessas besteiras de limitações.

─ Não. Me certifiquei de anotar só os que são acessíveis a todo o público, por uma questão de segurança para caso algo saia errado. Mas mesmo que precisasse, acho que você não iria ter problemas em conseguir um.

─ Eu não teria tanta certeza disso, não recebo tantos privilégios assim.

─ Pois não se preocupe, eu tenho certeza de que você daria seu jeito. Você é bom nisso, e ninguém iria descobrir de qualquer maneira ─ o alfinetei com suas ações passadas, mas ele torceu o nariz e fingiu que não me ouviu.

─ Onde conseguiu isso? ─ ele parecia um pouco mais impressionado agora enquanto balançava os papéis, mas ainda mantinha sua postura cautelosa.

─ Um bom jornalista nunca revela suas verdadeiras fontes ─ respondi com um sorriso desafiador, me levantando devagar da banqueta.

─ Espera ─ ele me parou em meu movimento ao segurar o meu braço, seus olhos perfurando os meus em busca de mais respostas ─ Tem mais alguma pista além disso?

─ Eu que te pergunto, sou eu quem está fazendo a maior parte do trabalho aqui. Não acha que é você que deveria estar mais frequente em coletar as coisas?

Ele fez uma careta incomodada, mas não se atreveu em negar a minha declaração. O pai dele esteve em maus lençóis com a população a um tempo atrás, mas era visto como uma praga real apenas pelas pessoas mais pobres e carentes da cidade que eram prejudicadas por algumas de suas escolhas.

Afinal, a alta classe ainda o aceitava de braços abertos depois de tantos anos que sua família esteve no poder e dos favores oferecidos por eles, e era esse fato que o fazia ser eleito em todas as vezes mesmo com qualquer tipo de previsão ruim que pudesse o arruinar.

Independente do contexto daquela época, agora a coisa parecia séria. Não conseguíamos ter certeza, mas novas fofocas circulavam mais rápido do que a velocidade do vento pela cidade e elas diziam que o prefeito estava envolvido com algo realmente repugnante que não podia ser provado.

Prostituição de menores? Tráfico de drogas? Assassinato de inocentes? Era exatamente isso que queríamos descobrir, e estávamos considerando as piores possibilidades no momento.

Suguru tinha a total confiança de que aquilo tudo era mentira, pois dizia conhecer muito bem o próprio pai e sabia que ele jamais faria nada para prejudicar outras pessoas - uma confiança admirável em suas palavras. Já eu era completamente neutra a esses problemas e tentava ao máximo não me envolver em assuntos políticos que não me interessavam.

Mas ultimamente havia algo de estranho no comportamento da minha mãe - que continuava sendo uma amiga realmente íntima do prefeito - e essa mudança eu não podia simplesmente ignorar e seguir com a minha vida. Eu também precisava descobrir o que estava acontecendo.

─ Fique com a lista por enquanto e fale comigo de novo quando tiver algo melhor. Agora, apenas aproveite o resto da noite como seu amigo e vá se enterrar em algum buraco quente, está bem? Se divirta.

Não hesitei em puxar meu braço de volta enquanto seu rosto se tornava ainda mais vermelho do que antes, e não consegui distinguir o que ele sentia exatamente. Sua expressão não parecia nada satisfeita, mas não havia nenhum sinal de que ele revidaria minha provocação como sempre fazia.

Eu apostava todas as minhas possíveis fichas de que ele estava borbulhando por dentro para me dar uma resposta à altura, mas essa resposta não chegou da maneira que eu esperava.

─ Vai se foder ─ ele rosnou baixo e se levantou abruptamente, quase amassando a lista em sua mão enquanto dava as costas para mim e se perdia entre as pessoas.

─ Tão dramático... ─ murmurei para mim mesma, tomando um caminho oposto ao dele em direção a porta.

Ao contrário de Satoru, Suguru odiava comentários indecentes e ofensas diretas, e esse ponto fraco era divertido de ser explorado.

Eu sabia que ele não iria fazer nada daquilo como os outros e que provavelmente seria o primeiro a ir embora do grupo, mas as reações que ele tinha a mim e o fato de que não podia fazer qualquer coisa a respeito com certeza eram impagáveis.

─ Já está indo embora, [Nome]? Eu mal te vi essa noite ─ ouvi a voz feminina perguntar, e sua cabeça se apoiou no recosto do sofá para me olhar.

Parei em meu caminho para prestar atenção e avistei Shoko sentada com outros de seus colegas fumando narguilé. Pensei em passar perto dela para cumprimentá-la se a tivesse visto antes, mas parece que ela havia me encontrado primeiro.

─ Não estava planejando ficar de qualquer forma, eu não gosto de festas.

─ Eu também não, mas não estou aqui pelas pessoas ou pelo ambiente, estou por mim ─ ela soltou lentamente a fumaça pela boca, sua expressão se suavizando enquanto me encarava ─ Às vezes é bom escapar para fora da realidade que a gente vive todos os dias para relaxar um pouco. Não somos uma máquina, [Nome].

Shoko sem dúvidas era uma das poucas pessoas que conhecia o meu esforço e sabia de algumas informações da minha vida pessoal, e não era como se eu fosse deixar de ouvi-la, mas ela sempre repetia o mesmo discurso de que eu tinha que relaxar.

De vez em quando eu realmente gostaria de poder ser mais como ela, que se deixa levar o tempo todo e apenas vive a vida como ela deve ser vivida. Refletindo no que ela disse, talvez eu devesse mesmo tentar relaxar em alguma festa por mim. Mas não seria hoje.

Dei a ela um sorriso caloroso em resposta, deixando um tapinha amigável em seu ombro antes de começar a andar para a saída novamente e mexer no bolso do meu moletom para sentir o outro tecido em minhas mãos. Aquela reação foi uma das melhores que consegui extrair dele. Eu poderia considerar que já havia adquirido um pouco da minha diversão essa noite.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top