🧪┇𝖳𝖧𝖤 𝖯𝖫𝖠𝖭𝖲 𝖶𝖤 𝖬𝖠𝖣𝖤

𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝟮𝟬:
𝖤 𝗈𝗌 𝗉𝗅𝖺𝗇𝗈𝗌 𝗊𝗎𝖾 𝖿𝗂𝗓𝖾𝗆𝗈𝗌?

Os pesados e desesperados passos dos cinco, somados a suas respirações agitadas eram os únicos sons possíveis de serem ouvidos.

Um hotel. A grande instalação em tons de bege e azul era o suficiente para mantê-los seguros por aquela noite. Era inacreditávelmente mais limpa do que os últimos lugares pelos quais passaram, então também ofereceria conforto nos quartos.

O momento anterior ainda passava terrivelmente como loop na cabeça de todos, principalmente de Joel. Ele lembrava e ainda sentia o desespero constante, o medo de perder as poucas coisas com as quais podia se apegar, o nó imenso em sua garganta que havia se formado apenas em ver Ellie e Bella em meio a toda aquela confusão. As mãos trêmulas que agarravam aquela arma como quem se agarra à própria vida.

Sentado no chão, apoiado em um móvel de madeira abaixo da pequena janela do quarto em que se instalavam, era nisso que Joel pensava. Sua mente tomada por caos logo foi atraída para o outro lado, onde Bella e o jovem estavam sentados, bem na frente da luz que vinha do quarto.

— Eu tenho certeza que isso não é nada saudável — Disse Henry, tão acima do tom anterior que era quase como se estivesse anunciando algo.

Apenas por curiosidade, o Miller se virou para dar uma olhada. A sala era iluminada apenas pela luz adjacente da lanterna no quarto ao lado, ainda sim, a pouca iluminação já era o suficiente para ver o rosto de Bella se contorcer em dor enquanto tentava fazer um curativo no seu próprio braço direito. A mulher sentada ao chão tinha algumas gazes ao seu lado e enrolava uma faixa no braço.

Como se a realização passasse por seus olhos, Joel se lembrou de Kathleen ter disparado na direção da loira. Como pode ser tão estúpido a ponto de não ter percebido?

— Para de ser idiota e segura aqui — ela disse, dando uma dolorida risada ao jovem, que não demorou a perceber a aproximação do Miller.

O ato não foi nem mesmo pensado, quando percebeu, Joel já estava ali, pairando sobre a loira, pensando em alguma forma de ajudá-la, como se suas pernas o levassem a ela automaticamente, a necessidade de fazê-la se sentir melhor era superior a qualquer orgulho.

— Pode deixar, Henry — a voz baixa do homem enquanto dispensava a ajuda requisitada fez a expressão de Bella se transformar em uma de questionamento.

Como resposta imediata do que vira, o garoto sorriu, orgulhoso do próprio plano.

— Sim, senhor — a ironia e a risada ao final foram a peça chave. Se levantando do chão com cuidado, Henry deu uma desculpa fajuta para se afastar dos dois.

— Não é nada demais, eu consigo — Bella disse, já sabendo o que Joel estava fazendo ali, principalmente com aqueles olhos preocupados.

O cheiro de ferro proveniente da ferida se tornara forte, os dedos da loira começaram a se tornar escarlate, mesmo com a gaze que impedia o contato direto com o machucado. Pela pressão colocada ali, ele pode perceber a falha tentativa de estancar o sangue.

— Bella...— ele protestou, se sentando ao lado dela, mais próximo do que Henry estava anteriormente.

— Olha, você não precisa fazer isso. Não é a primeira vez que eu levo um tiro de raspão e não vai ser a última — ela tentou o afastar, sabia que conseguiria sozinha, embora esse processo fosse duplamente dolorido.

— Vai precisar de pontos...

— Eu sei e disse que consigo. Não precisa ficar aqui de babá — as palavras ásperas escaparam sem controle.

A dor em sua cabeça e aquela ainda mais forte em seu machucado havia tirado dela toda a paciência e mesmo em uma situação normal, sabia que teria que afastá-lo.

— Eu não tô de babá coisa nenhuma — ele protestou rapidamente, soando mais grosso do que desejava.

Um suspiro exausto escapou da loira. Havia corrido demais naquela noite, atirado em mais infectados do que fazia em meses, seu corpo exibia sinais de cansaço, seu próprio rosto marcado por ele, além da dor.

Não sabia se teria força para lutar ou discutir. Se poderia resistir o impulso ou esganar todo aquele ínfimo almejo. Continuar negando, naquele dia, naquele momento, foi difícil demais de suportar. Além de tudo, fazer pontos com a mão esquerda seria trabalhoso demais e até exaustivo, ainda mais.

— Me deixa ajudar você..— Joel pediu, sua voz não suavizou, mas enquanto a olhava, seus olhos eram quase uma suplica silenciosa.

Foi agridoce e gerou coisas igualmente contrastantes em seu peito.

Bella não respondeu, apenas retirou a gaze manchada que cobria o ferimento e permitiu que ele visse a dimensão do machucado e então, foi a vez do grisalho de suspirar.

O braço exibia a linha irregular por onde a bala havia passado, deixando uma trilha de carne exposta e sangue que tendia a coagular. O corte horizontal se estendia por ao menos quatro dedos e pela vasta experiência do grisalho com sutura, deveria dar ao menos sete a oito pontos.

Ele sabia mais do que todo mundo que ela gostava de bancar a durona, mas também sabia que fazer aquilo sozinha seria infernal.

Que bom que estava ali. Pensou, sem nem tentar impedir.

— Tem linha com você? — questionou.

— Sempre — ela respondeu entre suspiros, o vento da janela causando em seu machucado uma dor ainda mais forte.

Logo, estava mostrando a ele o pequeno carretel já próximo de seu fim.

Balançando a cabeça em concordância, Joel se levantou o chão novamente, apenas para alcançar o familiar frasco de antisséptico. O vidro parecia ainda menor nas mãos do homem e enquanto ele dava poucos passos de volta para loira, ela se lembrou de ter entregado o remédio a ele quando sairam de Boston, pela forma como estava cheio, ele não havia usado.

Sem mais delongas, Joel se sentou ao lado dela novamente.

O incômodo por parte da loira, embora tivesse sido amenizado, ainda estava lá, claro como o dia em seu rosto, pintado tal qual a dor e o cansaço.

O homem de mãos calejadas alcançou as poucas gazes limpas e as embebedou no líquido turvo que despejara na tampa. O cheiro de álcool atingiu as narinas dos dois e assim que ele mediu a linha e a cortou, tratou de lava-la com um pouco da solução.

Bella, por sua vez, alcançou o esqueiro na sua jaqueta e o acendeu, começando a esterelizar a agulha com a chama. Havia certa dificuldade nos movimentos dela, mas antes que Joel pudesse agir, ela já havia terminado.

Não era a primeira vez que faziam isso. Haviam passado por situações parecidas por mais vezes do que se era possível contar; quando eram caçadores, estavam sempre remendando um ao outro, na maioria das vezes com linhas tiradas de roupas ou fio dental e se tivessem sorte, um pouco de whisky ou álcool puro.

A moça entregou com cuidado o objeto na mão do homem, que a pegou rapidamente, assim como o fio vermelho, agora esterelizado.

Segurando-o firmemente em suas mãos, ele tentava colocar a linha na agulha..e continuou tentando por quase um minuto.

— Precisa de ajuda, cegueta? — a loira perguntou, em um tom engraçado — não esquece que eu tô sangrando aqui.

— Tá escuro aqui, sabia? — ele se virou contra a luz para ver melhor — só um segundo....merda.

Depois de um minuto insistindo, o Miller obteve sucesso.

Segurando a agulha, agora com a linha, ele pegou a gaze e se aproximou ainda mais, inclinando-se para frente com cuidado. Por sorte ou azar, Bella havia limpado o excesso de sangue, então faltava a ferida em si.

Em um toque gentil, ele a segurou pelo cotovelo, apoiando o braço da loira em sua própria perna, onde a luz alcançava e onde ele teria mais controle. O fato fez todo o corpo dela, inevitavelmente ser trazido para mais perto do dele, uma proximidade incomum para os dois que agora quase dividiam o mesmo ar.

Joel a olhou pela última vez antes de descer seus olhos para ferida de novo...aqueles olhos, oceanos profundos nos quais ele não deveria, ou se quer podia, mergulhar.

A mulher conseguiria dizer que não sentia nada com aquele cuidado todo, com a proximidade, mas seria mentira. Poderia dizer que não se sentia tentada a jogar tudo para o ar e tocar o rosto dele apenas para senti-lo ali, pois aquele era seu desejo desde que havia o visto, mas também seria mentira.

Bem, Isabella Xavier é muito boa com mentiras e o fato consumava-se pelo silêncio barulhento que se estendeu. Nenhuma palavra, verdadeira ou não, foi dita.

O quente toque não demorou a subir até o ombro onde, sem anúncio, ele começou o trabalho. A gaze molhada cobria seu dedo indicador, que entrava em contato direto com a ferida e a carne ali exposta, tirando um suspiro dolorido da loira.

— Tudo bem aí? — ele questionou, afastando a gaze da ferida, garantindo a ela um alívio momentâneo.

— Tudo certo. Eu aguento — ela disse e assim que a confirmação veio, Joel continuou sem medo.

Ardia como o inferno, na verdade. Ele percebia pela forma como ela se inclinava levemente para longe as vezes, embora nenhum barulho fosse feito.

As mãos dele eram quentes e toda vez que ela movia o braço, por centímetros que fosse, ele a trazia de volta. Bella mal respirava, talvez pela dor ou pela tensão, o ar mal passava pelos pulmões, parecendo se esvair cada vez mais.

Quando ele terminou de desinfectar o local, olhou bem nos olhos dela, anunciando que iria começar a suturar.

— Se precisar, segura em mim.

— Tá — foi quase como se os papéis tivessem sido invertidos, ela com as respostas curtas e ele com uma incomum gentileza.

Estava tentando, embora ela se desviasse disso. Por um momento, o grisalho não entendeu o porque, mas quando se lembrou de suas próprias palavras anteriores, compreendeu imediatamente. Demorou muito para que ela fizesse o que foi pedido..era quase como se fosse tarde demais agora.

Ele afastou sua mão do cotovelo dela para segurar os dois lados da ferida onde, sem mais delongas, Joel começou a suturar. Assim que o objeto metálico furou a carne, Bella começou a descontar a dor em sua bochecha, havia sido apenas a primeira perfuração e quando o outro lado foi atingido também, ela mordeu mais forte ainda.

Logo, a linha passou entre ambos os lados, selando um centímetro de carne de volta.

O processo apenas se repetiu algumas vezes, deixando para trás um rastro de dor que apenas crescia. Quando o gosto de ferrugem já dominava sua boca, a loira começou a morder o próprio lábio para obter alívio.

Joel, por sua vez, estava concentrado no que fazia. Seu cenho franzido enquanto se focava em fazer os pontos perfeitamente e ser o menos doloroso possível. Embora a concentração fosse grande, as vezes ele a olhava, apenas para checar como estava e quando a loira sentia aquelas orbes em si, olhava de volta.

Quando, em um momento, a agulha foi apenas um pouco mais fundo do que deveria, Bella não controlou o impulso de suas mãos, que rapidamente agarraram o ombro do homem com força.

Assim que sentiu o toque abrupto, os olhos de café foram até o rosto dela, onde a expressão de dor estava marcada. Ela estava aguentando bem e ele, achava que estava demorando demais para terminar e enrolar, só fazia ser pior para ela.

O toque desesperado da moça por cima da camisa era forte, se o tecido não tivesse impedido, ela com certeza acabaria por cravar as unhas no ombro dele. Não seria a primeira vez..

Os olhos do homem pediram perdão no lugar de sua boca, já que o rosto e expressão suavizaram imediatamente ao senti-la com dor o suficiente para fazer aquilo. O fato de se sentir segura o suficiente para mostrar aquela dor já era muito para os olhos de Joel.

Ele acenou com a cabeça para ela, antes de começar a falar, pela primeira vez em minutos.

— Tudo bem..sou eu que tô demorando demais — ele se desculpou enquanto prosseguia para o próximo ponto.

— Tá indo bem. Você sempre foi bom com suturas — o elogio e a nostalgia foram rápidos em serem descritos sem que ela mesma impedisse. Talvez fosse a dor, vista pelo jeito que continuou a se agarrar a ele, ou somente a vontade de demonstrar, de dizer algo, de se agarrar a alguma coisa a além da camisa xadrez.

— É, parece que aprendi alguma coisa — a resposta foi rápida, foi quando Bella lembrou-se de ter ensinado a ele o modo certo de fazer suturas.

— Aprendeu com a melhor — ela provocou, tentando distrair da dor, ou tirar algum proveito dali, qualquer coisa para aliviar a pressão de sua mente, algum sinal de que ele pensava as mesmas coisas que ela.

— Sim, com o melhor, o Tommy, é claro — Joel provocou de volta, tendo como reação um sorriso brilhante. Tommy era péssimo com essas coisas.

— Olha só, ele tem humor..pensei que seu cérebro não fosse capaz disso.

— Não esquece que eu tô com uma agulha dentro da sua pele, tá bom? — ele alertou em um tom sério, finalmente tirando dela uma risadinha.

— Tudo bem, mandão — ela sorriu levemente, tirando a mão do ombro dele, nem mesmo reparando que não havia o feito antes.

Por um segundo, Joel sentiu falta do toque dela.

Enquanto o seu próprio toque permaneceu para os últimos dois pontos, os músculos de Bella continuavam tensos sobre os dedos do mais velho, embora tivessem relaxado um pouco pela risada.

Havia ali, na proximidade dos rostos, no ar compartilhado e no toque, um tipo sobrenatural de compreensão.

Os últimos pontos eram sempre os piores e a loira somente havia conseguido largar a camisa do homem porque ainda mantinha os dentes pressionados fortemente contra o lábio inferior.

Assim que a agulha atravessou novamente, em direção ao último ponto, ela se aliviava por saber que aquilo finalmente acabaria.

Assim que a linha foi cortada pelo calor do fogo, Joel colocou uma gaze com antisséptico acima da ferida costurada e se apressou em cobrir com uma faixa, afinal não queria que doesse mais do que já havia ou que ficasse exposto.

Assim que conseguiu terminar tudo, pode finalmente olhar aliviado para a mulher, que o encarava de volta. A loira, quando finalmente percebera o fim, pôde suspirar aliviada, embora ainda doesse, era para melhor.

— Obrigada..você sabe, não precisava — ela disse, se virando para olhar para ele.

Em resposta, ele apenas deu um aceno de cabeça e o que parecia um sorriso desajeitado. Vendo que o cotovelo da mulher continuava em sua coxa, Joel com cuidado deu dois toques na pel do pulso, como um sinal para ela retirar o braço dali, se assim preferisse.

Ao perceber o sangue no lábio inferior, onde ela havia descontado não somente a dor, mas a tensão, o Miller quase teve que lutar contra o impulso de tocá-la, de passar o polegar pelos lábios dela, de aliviar aquilo de algum jeito. Parecia até mesmo errado, parecia abusar do momento de fragilidade que era raro demais para ser estragado por desejos que deveriam ser sufocados. Então as mãos permaneceram no mesmo lugar.

Mas ela demorou um pouco para se afastar. Antes, permitiu-se se perder um pouco nos olhos dele. Havia algo no toque físico, na quentura daquelas familiares mãos que costumavam lhe tocar o tempo todo, algo que transcendia palavras e de que ela estava cansada de esconder.

Bella sabia que aqueles pontos eram mais do que uma reparação física e gostava de se apegar aquela certeza..

Quando Henry voltou a sala, depois de se despedir das crianças, encontrou Joel e Bella sentados há um passo de distância, apenas silenciosamente bebendo água. Ele reparou o curativo bem feito no braço dela e o leve sorriso no rosto da mesma.

A loira se levantou e estava prestes a ir em direção ao quarto quando ouviu a voz de Henry, que estava na metade do caminho, a alertar.

— Eles já estão indo dormir..eu cuidei disso.

— Eles comeram? — ela questionou.

— Sim e beberam o resto da água. Agora você quem deveria ir dormir — a observação dele a fez rir baixinho, quase soando como seus amigos, que tinham que lhe cobrar coisas básicas como dormir.

— Tá tá — respondeu, com certa irritação forçada na voz e então, se juntou ao lado dele com um singelo sorriso.

Os dois se separaram quando foram se sentar, Bella ao lado de Joel no chão e Henry, apenas se encostou sob um dos poucos móveis ali presentes, há dois passos deles.

— Vocês acham que eles vão ficar bem? — o jovem questionou.

— Acho que sim — Joel respondeu — É mais fácil quando você é criança mesmo.

Os olhos de Henry escanearam o homem perto dele como se tentasse entender o que ele queria dizer com isso. Embora o grisalho não pudesse ver, a mulher também teve uma reação parecida.

— Não tem ninguém que depende de você. Essa é a parte difícil — ele explicou, fazendo o outro concordar com a cabeça.

— Até que a gente tá indo bem — Henry disse, olhando para Joel, que concordou com a cabeça e então, para Bella, que sorriu.

— É, fazemos um bom time. Na verdade, entre seu cérebro — ela olhou para o jovem, que a encarava de volta — e as nossas habilidades — apontou para o Miller e para si mesma — somos um time quase perfeito.

— Como é que fala no quadrinho? Resistir e sobreviver? — o mais velho questionou, olhando para a porta agora fechada.

— Resistir e sobreviver — os outros dois responderam rapidamente, um sorriso delineado nos lábios da loira.

— Que merda redundante — o mais novo reclamou, em um tom engraçado.

— É, não é muito bom..— o mais velho disse, quase com um tom humorado também, antes de olhar para janela.

Por alguns segundos, o silêncio se instalou, até que a voz de Bella o quebrasse.

— Você disse que não tinham para onde ir, certo? — a loira comentou, Henry concordou com a cabeça — eu tenho um lugar bom para vocês dois..onde ele vai ficar em segurança. Já ouviu falar de Denver?

— Aquela cidade livre? Pensei que fosse um mito — ele disse em resposta. Era o que todo mundo pensava e era bom que continuasse assim.

— Bem..não é — a mulher sorriu, orgulhosa da sua conquista — Eu e meu grupo nos dividimos para manter as pessoas de lá em segurança, se você quiser, consigo um lugar para vocês.

— Tá brincando? Eu...nossa! — ele gesticulou, em seu rosto um sorriso mínimo, seus olhos cansados brilhando sob a luz amarelada — é claro.

— Certo..a gente vai fazer uma parada no Wyoming antes, longa história..— ela explicou os planos.

— É, não sabemos como vamos até lá, provavelmente a pé — Joel completou.

— Sem problemas. Vai ser bom pro Sam, ter uma amiga — ele sorriu denovo, dessa vez abertamente. O vislumbre do futuro passando pelos seus olhos — Eu conto para ele pela manhã. Dia novo, vida nova.

[🧪]

Joel havia oferecido sua jaqueta para fazer um travesseiro improvisado sob a cabeça de Bella. Precisava deixa-la o mais confortável possível, já que o braço dela ainda deveria estar doendo, o que já era desconforto o suficiente.

Dito isso, ao se deitar sobre o carpete empoeirado, a loira entrou em um sono profundo rapidamente. Seu corpo apenas desistira mediante ao tamanho cansaço e dor, não houveram resistências, nem mesmo pesadelos, apenas a vazia e vasta escuridão que o sono lhe oferecia.

O mundo lá fora chacoalhava, as folhas de árvores, grilos e gafanhotos formavam uma bela sinfonia noturna que aos poucos dava lugar para um silêncio matutino. Assim que o astro rei se levantou aos céus lançando seus primeiros raios de luz, os pássaros começaram a piar.

Novamente, uma falsa perspectiva de paz se formara.

Dentro do quarto ao lado, nenhum mínimo traço de paz havia.

O baque alto dos dois corpos infantis contra o chão da sala fez Bella, Joel e Henry despertarem em supetão. A mulher, em específico, alcançou a arma antes mesmo que seu cérebro tivesse compreendido propriamente a cena que se estendia a sua frente.

O aperto era firme na arma enquanto, de forma lenta e até mesmo cambaleante ela se levantava. Em contra partida, o Miller, ainda deitado ao chão, se inclinou em direção a sua própria arma, sendo impedido por Henry, que a alcançou primeiro, ambos se levantaram.

O mais novo, do outro lado, sentia o desespero da cena latejar em seu cerebro que ainda mal compreendia a realidade. Não podia ser. O coração batia forte, agitado, por um momento doloroso o mundo deixou de ser borrado e ficou bem claro a sua frente. A arma pesava em suas mãos.

A imagem de seu irmãozinho, bem ali..o rosto naquele ponto já modificado pelo cordyceps, os olhos joviais e brilhantes tomados por veias vermelhas. O rosto com mais veias saltadas e marcas de que toda a humanidade e infantilidade ali presente havia sido consumida por outra coisa.

Sam, ou o que costumava ser ele, tentava a todo custo alcançar alguma parte do corpo de Ellie, que desviava da brutalidade com dificuldade e desespero, um choro preso na garganta enquanto rolava pelo chão, tentando ficar atenta os movimentos do garoto.

A respiração de Henry parou de funcionar e por um segundo ele não viu ou ouviu mais nada além do metálico Colt nas mãos de Bella.

— NÃO! — Ele gritou para ela, que ainda tinha olhos determinados e dolorosos na mesma medida.

Quando apontou a arma para o amontoado, ela ainda ouvia a voz de sua menina gritando por ajuda, gritando o nome dela. Bella não podia pestanejar..aquele já não era mais Sam, mas ainda era Ellie, que embora fosse imune, não tinha imunidade de sangrar até a morte.

Mais um pequeno passo foi dado enquanto segurava a arma e quando o jovem percebeu que ela não pararia, atirou no chão ao lado dela.

— Não! — ele gritou, mais autoritário ainda.

Joel entrou em modo de alerta no momento em que compreendeu, mas o tiro dado por Henry na direção da loira fez seu corpo inteiro tremer. As mãos do grisalho estavam para cima em sinal de redenção enquanto não podia fazer nada além de assistir Bella, lentamente abaixar sua arma.

O desespero foi volátil em tomar conta de todo seu corpo, em fazê-lo suar frio pelo temor do que poderia acontecer. Não foi lento, foi voraz a ponto de deixá-lo imóvel por segundos, lá estavam Bella e Ellie, em perigo denovo e era somente nisso que ele podia pensar.

Sua mente em turbilhão. Olhos arregalados revelavam todas horríveis probabilidades de como tudo poderia se desenrolar e aquilo fazia sua garganta fechar, o coração bater forte demais no peito, de uma maneira quase sufocante.

Sua expressão não era nada além de um reflexo do mundo caótico que se instalou em sua mente. Da mera probabilidade que lhe aterrorizou por segundos, porque era esse o tempo que havia passado, segundos..mínimos segundos, o suficiente para tirar tudo de um homem e disso ele bem sabia.

E Henry, estava prestes a descobrir.

A realidade era barulhenta. Formada de gritos por ajuda, gemidos de socorro e barulhos familiares de infectado. Nada de pássaros, apenas caos e brutalidade, a tensão parecia deixar o ar pesado.

A garota não cansara de se desviar, ou mesmo de clamar por ajuda das duas pessoas em quem mais confiava no mundo, os nomes de Joel e Bella eram gritados com desespero e era ali onde a garota causava uma dor descomedida neles dois.

Vê-la ser atacada e não poder fazer nada lembrava a líder que ela não podia fazer aquilo denovo. Não perderia aquela garota..não mesmo. Antes que ela desse o passo, Henry o deu por ela.

Em mais um passo e movimento igualmente bruscos, segurou a arma na direção dos dois, Sam, que estava em cima de Ellie, fora mirado pela arma do próprio irmão. Apertar o gatilho doera em Henry como se a bala presente na arma fosse acerta-lo também.

O tiro foi certeiro, na cabeça, fazendo o corpinho do garoto dar um supetão para trás, antes de cair ao carpete, sem vida, ao lado da garota. O sangue infantil se espalhara ao chão e o choque de Elli presenciando tudo aquilo foi grande demais, a menina não conseguia evitar encarar o cadáver ao chão, o corpo do garoto que era seu único amigo.

Todos os presentes respiravam forte. Os olhos arregalados de Joel e Bella fixados na garota que ainda estava imóvel, desacreditada com o que estava acontecendo. Em como toda a realidade com a qual havia se acostumando havia acabado de desabar, em como seus esforços para salva-lo, seu sangue na ferida dele não fora o suficiente. Deveria ter ficado a noite toda acordada...

O choro doloroso escapara os lábios do jovem em pé, que encarava tudo com uma expressão chorosa e em choque. A arma em sua mão lhe fazia se sentir sujo, culpado e ineficiente em cumprir a sua única função na vida: ser um irmão mais velho. Todos seus esforços para proteger aquele garoto...tudo havia acabado, desabado.

Aquela dor que destendia ali, que descia sobre ele como um maremoto somava ao amor imenso e incondicional que agora parecia sem propósito algum, assim como sua própria vida, a qual havia vivido apenas para proteger o menino que jazia naquele carpete, com uma bala no crânio, com um tiro que ele mesmo havia dado.

A pergunta de Joel para Ellie nem mesmo foi ouvida por Henry, que aos poucos acordava de um transe de choque, aos poucos sua mente afundava em caos e dor dilacerante.

Antes que a loira pudesse dar um passo em direção a sua menina, a arma na mão de Henry foi novamente apontada para ela.

— Calma, Calma! Calma...me dá a arma, Henry — Joel se moveu bruscamente, se colocando na frente da loira sem ao menos pestanejar. Sua mão estendida para pegar sua arma de volta, enquanto Bella, atrás dele apenas sentia o momento ser assimilado.

— O-o que que eu fiz? O que que eu fiz? — a pergunta saira dolorosa por seus lábios, a voz chorosa e tremida.

Ele sabia o que tinha feito, via o que tinha feito bem a sua frente, mas não conseguia acreditar. A primeira pessoa que havia matado na vida era seu próprio irmão..

— Sam..? — o rosto se encolheu em uma expressão de dor e choro, os olhos cheios de lágrimas ao ver aquilo denovo.

O garoto começara a soluçar, o choro era sem lágrimas pois as mesmas nunca desciam. Seu peito subia e descia e o pânico, a sensação de estar sozinho no mundo..tudo aquilo se instalava ali, em seu peito, em seu cérebro, dominando tudo.

— Me dá a arma..me dá a arma, Henry — Joel pedia de novo, o outro mal o ouvia.

A dor era brutal. Ele não podia fazer aquilo. Não podia viver em um mundo em que seu irmão não estava, não poderia..sequer se lembrava o que era antes dele. Aquela era uma realidade na qual ele não queria viver, era um mundo no qual ele não podia aguentar.

A arma ainda jazia em sua mão. O metal, agora já não era gelado e seu peso já era quase familiar. O dedo ainda jazia no gatilho. Em um movimento rápido o cano da arma foi colocado em sua própria têmpora e sem pensar, atirou.

Bella não teve tempo de pensar também, somente se jogou na frente de Ellie, para bloquear a maldita visão que a mesma teria, para agarra-la em seus braços e deixa-la chorar ali, se assim precisasse.

Os braços desesperadamente agarraram a garota. Ela não se importou com os pontos, com a dor do movimento brusco, apenas em conforta-la. A menina se aconchegou assim que percebera, a cabeça contra a clavícula de Bella, onde descansou e deixou seus olhos fecharem para desvincular do terror que vira.

O rosto de Joel exibia uma expressão de pura desolação, seus olhos cansados refletindo a dor e o pesar profundo que se instalaram. As rugas em sua testa se aprofundaram, revelando o fardo da responsabilidade que sentia, não apenas pela tragédia a sua frente, mas pela natureza impiedosa do mundo em que viviam.

Ao lado dele, Bella carregava uma expressão de lamento igualmente intensa. Seu olhar azul, normalmente firme e decidido, estava agora nublado pela tristeza. Seus lábios, que carregavam um sorriso irônico, estavam agora curvados para baixo. Seus olhos, no entanto, fixados em Joel, para fugir da loucura, em um questionamento silencioso do que seria o agora.

O espectro da morte, da perda e do desespero era quase tangível, refletido nos olhos cansados e nas expressões marcadas pelo tempo, testemunhando não apenas o horror do presente, mas as cicatrizes do passado.

Aquele era o mundo em que viviam. Um mundo que te dá coisas e pessoas e que brutalmente as arranca de você.

Se apoiando nos próprios joelhos, Bella acariciava os cabelos presos de Ellie, que não chorava, apenas aproveitava o calor do carinho e o fato de que ali, nos braços da mulher, ela não teria que olhar para os cadáveres.

— A gente vai levantar agora, okay? Gruda em mim, não precisa olhar..a gente vai cuidar disso e eu vou cuidar de você — ela disse carinhosamente, cerca de um minuto depois. Uma de suas mãos ainda no pescoço da garota e a outra, em suas costas, a apoiando.

A menina concordou com a cabeça levemente e as duas juntaram forças para se levantar do chão, em direção a porta. Mais um olhar entre Bella e Joel foi trocado e logo, eles sabiam o que fazer.

Olá pessoas! Bem, escrever isso aqui foi trágico.

Queria avisar que republiquei o último cap, embora ele vá ser reescrito agora que estou de férias e posso dar tudo de mim para Everlong e não mais para a escola :) talvez eu o divida em dois, então se algum dia aparecer uma notificação do nada, não estranhem.

Enfim, muito obrigada pela leitura. Até semana que vem! Não esqueçam da estrelinha.

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