𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝟭𝟬:
𝖲𝗐𝖾𝖾𝗍 𝖢𝗁𝗂𝗅𝖽 𝖮' 𝖬𝗂𝗇𝖾

Ele continuou com a arma na mão, apontada para eles, Bella não apontava arma nenhuma de volta e mesmo assim, suas mãos suavam.

O ar estava pesado, quase como se fosse intoxicante de respirar. Os pés dela pareciam grudados ao chão, seus joelhos eram quase fracos demais. As unhas se cravavam contra a palma de sua mão em um ato impensado, apenas para diminuir o aperto em seu peito. Não funcionou.

Os próximos minutos foram selvagens e passaram como borrão. Era rápido e, ao mesmo tempo, parecia nunca acabar. Um daqueles momentos onde o tempo fica confuso e misturado com sentimentos, onde tudo é forte demais.

Joel estava ali, no mesmo ambiente que ela.

O lugar em que estavam cheirava a mofo, sangue e suor, a atmosfera tensa havia se tornado quase insuportável. Até mesmo Ellie percebeu os olhares que aqueles dois trocavam, sem nenhum embaraço, sem pudor, porque nenhum deles pareceu se importar naquele momento. Como se precisassem gravar a imagem um do outro, os olhos dela o analisaram descaradamente, mesmo que nenhuma expressão significante tomasse seu rosto, aquilo valia para os dois.

E Bella estava se lembrando das piadas que costumava fazer a cerca dos cabelos grisalhos logo quando começaram a surgir nele, de como ela havia achado pessoalmente bonita a forma como a passagem do tempo começara a decorar o rosto do Miller. Agora as mesmas marcas haviam se aprofundado, seus cabelos brancos triplicaram, mas ele tinha a mesma postura, apenas um pouco mais tensa, o cabelo estava penteado do exato mesmo jeito e ele ainda usava aquela camisa que costumavam compartilhar naqueles anos que se passaram.

Foram sete anos.

Para Joel, doía como se fosse há sete segundos, como se ela tivesse acabado de cruzar a porta. Como se fosse agora.

Os olhos azuis dela saíram das orbes castanhas para encarar Tess, que apareceu logo atrás dele e então, quando o olhar o deixou, Joel soltou a respiração que nem mesmo percebeu que estava segurando e com algum esforço, ele conseguiu olhar para Marlene ao invés de Bella.

E a loira nem conseguiu assimilar a presença de Tess direito. Estava estática, ainda respirava fortemente devido a troca de tiros, mantinha uma expressão neutra, com um vislumbre de surpresa, não deixando a dor passar por seu rosto por nenhum segundo se quer, quase como se não sentisse nada.

Tess também havia sido pega de surpresa por vê-la ali, há algum tempo atrás, aquelas duas foram realmente amigas, embora não tivessem construído uma relação realmente profunda, estavam sempre lado a lado, desde quando chegaram juntas a Boston.

A conversa continuou, embora a loira permanecesse calada o tempo todo, ela só abriu a boca quando Joel apontou a arma para a garota no chão, ela alcançou sua própria e com uma velocidade impressionante, apontou para ele.

- Não! Ela não..- ela disse, entre os dentes. A arma que segurava com força apontada para ele enquanto dava um passo para frente, a forma como a mulher defendeu a garota o encheu de perguntas.

Ela nunca atiraria, aquela arma apenas somava a máscara de frieza que cobria as rachaduras em sua alma.

E o Colt M-1911 era um amigo de longa data de Joel.

Os olhos dele foram até a garota no chão que ele analisou, ela mantinha as mãos para cima em sinal de redenção.

- Eu disse ela não! - ela disse pausadamente, soando na defensiva e até mesmo enraivada, antes que desse outro passo ou dissesse outra coisa, Marlene interferiu, tentando aliviar a tensão.

- Aponta pra mim.

E Ellie se surpreendeu com a verocidade da loira para protegê-la. Até mesmo se sentiu bem com aquilo, com o fato de que alguém estava lutando com unhas e dentes por ela.

Joel trocou um último olhar com a loira antes de, lentamente, apontar a arma para frente denovo.

Logo, Marlene abriu o jogo.

- Era pra gente tirar a Ellie da zona hoje..mas não vamos conseguir ir assim pra lugar nenhum, então a minha idéia...- ela olhou para Bella por alguns segundos e finalmente disse - é vocês três levarem ela.

- Nem fudendo - Bella e Joel disseram, quase ao mesmo tempo. Algumas coisas nunca mudam..

- Eu não vou com ele! - Ellie protestou.

- Eu consigo levar ela, você sabe disso! - foi a vez da brasileira de protestar.

- Você é uma só! Se algo der errado lá fora, já era..ficamos sem nada - Marlene esclareceu - Bella...por favor.

Ela parecia desesperada, as duas últimas palavras foram ditas num tom baixo, quase vulnerável enquanto pedia aquilo.

A cacheada sabia tudo que havia acontecido. Ela havia sentido o clima mudar, mas nada importava tanto quanto levar Ellie antes que a Fedra chegasse, não importando os danos e tempestades que aquilo poderia causar em Bella. Então, era melhor que ela lidasse com seus sentimentos e que não deixasse aquilo interferir na missão.

Logo quando ouviram a proposta, Tess lançou a Joel aquele olhar que ele sabia o que significava. Eles precisavam daquela bateria..

Ele precisava salvar a pele de seu irmão. Se precisava levar uma garota e sua ex até o congresso, talvez fosse um preço a se pagar, mesmo que aquilo colocasse seu próprio coração na linha de frente. Mesmo que fosse doer como o inferno, despedaçando tudo que havia construído em sete anos, toda aquela fortaleza que havia feito para se convencer de que a dor que a loira representava antes, já não mais o afetava.

Mas era uma mentira. Uma dolorosa e amarga mentira em que nem ele mesmo acreditava.

Agora, estava ali, reparando em todos os sinais de envelhecimento que ela tinha também, os olhos foscos e congelantes que tinham a especial habilidade de parecer encarar sua alma.

Mesmo com sete anos passados, era quase como se nem o tempo tivesse a afetado. Ela continuava tão linda quanto no dia que havia o deixado.

Algumas coisas realmente não mudam, essa era uma delas, mas o olhar que tinha sobre si, que antes costumava ser amoroso, era agora cheio de culpa e pela forma como o as sombrancelhas dela se aproximaram, em uma expressão de dor que durou poucos segundos, ele quase se apegou a vã esperança de que ela sentisse algo além de pena e culpa.

Bella olhava para os olhos castanhos que há algum tempo atrás, havia sido seu paraíso particular, estes que agora não eram nada além dos olhos de um estranho que ela conhecia muito bem.

Se Joel e Tess aceitassem aquela proposta, teriam a bateria, armas e até mais, aquilo daria um bom dinheiro e eles teriam estabilidade por um tempo.

E Tess permanecia firme em sua decisão, mesmo não tendo certeza se aquilo valeria o sofrimento de Joel.

Afinal, embora ele mantesse sua expressão indiferente, que era basicamente uma carranca, ela sabia o quanto a mera presença da loira era capaz de afeta-lo. Conhecia Joel o suficiente para atravessar os muros que ele construia ao redor de si mesmo, ela havia aprendido a desvenda-lo e a ler os sinais que ele dava.

Marlene não foi convencida pelo argumento de Bella de que conseguia levar Ellie sozinha, afinal, se algo acontecesse a ela em meio ao caminho, a garota acabaria sozinha. E os vagalumes precisavam da loira, então era como se elas duas fossem a carga que os contrabandistas precisariam entregar.

Mas houve uma resistência quanto a aquilo.

Mesmo que não parecesse, aquele olhar entre Joel e Bella só mostrava conflito interno, em ambas partes. E foi esse mesmo olhar que ele lançou a Tess, que entendeu o recado.

Logo eles se afastaram, para conversarem.

Antes de chegarem ao tópico que Joel queria, Marlene os alertou sobre a gravidade da situação. Então, eles dois decidiram que, uma missão tortuosa ou não, precisava ser feita, não seria muito tempo, era só até o congresso e eles dariam conta.

Somente algumas horas. No máximo alguns dias, não poderia ser tão ruim. Não poderia doer mais do que já doía agora, o estrago já estava feito.

Então, ao invés de ter um esquadrão, a líder dos vagalumes tinha três pessoas com alta capacidade de proteger a garota imune. E era o suficiente para ela se tranquilizar, pois sabia da capacidade destrutiva daqueles três.

Enquanto tudo acontecia, a brasileira não se mexeu, as vezes seus olhos vagavam sobre Ellie e voltavam a Marlene e depois para Joel denovo. Muita coisa estava acontecendo e aquilo poderia ser demais se não conseguisse manter a calma. E não poderia surtar, precisava controlar seus sentimentos, porque caso o contrário, entraria em combustão..

E não poderia ser agora, embora soubesse que fosse acontecer cedo ou tarde. Não poderia ser na frente dele.

Quando voltou a si, o diálogo estava terminando, com Marlene pedindo a Ellie para pegar sua mochila.

E antes que precisasse aumentar o tom de voz, Bella se aproximou da garota, passos largos e até mesmo certa confiança enquanto se aproximava da adolescente, e consequentemente, de Joel.

- 'Vambora, garota - ela disse, oferecendo uma mão para a adolescente, que logo a pegou.

Depois de pegar a bolsa da menina, a loira caminhou em direção a saída. Ao contrário de Ellie, ela nem se quer olhou para Marlene, ou para qualquer coisa além da parede do corredor estendendo-se a sua frente, que parecia quase infinita naquele momento, ainda sim, ela se abaixou e pegou a faca do chão.

Sentia o olhar dele queimando sobre si, as orbes castanhas a seguindo enquanto dava alguns passos atrás de Tess e a frente de Ellie, a garota que se apressou e propositalmente esbarrou no ombro de Joel.

Lá fora chovia, para completar a bagunça ainda mais, então as duas escondiam seus rostos enquanto caminhavam em direção a algum lugar que desconheciam.

E os pingos de chuva adicionavam realidade ao momento para Bella, a cada vez que sentia os pingos gelados contra si, percebia que aquilo não era um pesadelo bizarro, era bem verdade. Ela agora estava em uma missão com seu ex e a mulher que ela achava que era a atual dele, sem contar a filha de sua amiga.

Mas ela não poderia se deixar vacilar agora. Ela devia aquilo para Marlene, graças a todas as idas ao hospital, graças a todas as vezes que havia trocado medicamentos com ela, aos favores, a deixa-la usar o hospital para finalmente dar um diagnóstico a um amigo. Aquele sacrifício ao menos tinha valido a pena.

Os pensamentos da loira eram superficiais, ela os limitava e não os deixava ir muito longe, porque pensar sobre aquilo a faria entrar em um labirinto do qual não conseguiria sair.

Suas botas encharcadas pisaram dentro da casa e a loira se colocou ao lado de Ellie, passando seus braços ao redor dos ombros da mesma e a trazendo um pouco mais para perto.

Aproveitando a deixa, Tess fechou a porta para conversar com Joel.

- Ei..tá tudo bem? - ela perguntou, era até engraçado que tivesse feito aquela pergunta quando era ela que mantinha uma expressão nada boa.

- Tá....e você? - ela questionou de volta.

- Claro..- Bella alcançou em seus bolsos a faca e a entregou a dona.

Um sorriso tomou os lábios de Ellie também e as duas se sentaram. A tensão ainda existia no corpo da mais velha, mas ela tentava a espantar, pegando a mochila de Ellie em suas mãos e colocando junto a sua própria num canto. Não demorou a voltar até a menina, dizendo algumas coisas que precisava falar:

- Você cresceu muito, garota..- ela olhou para os olhos castanhos brilhantes e se focou neles - é bom te ver denovo.

O sorriso não teve tempo de sair dos lábios da morena, tirando um sorriso mínimo da loira.

Ellie observava o lugar em que estavam atentamente e logo começou a explorar, Bella não a impediu, ficou ali, sentada desconfortavelmente e enquanto a garota segurava o livro pesado em suas mãos, as da loira se mostravam levemente trêmulas.

Logo, a porta foi aberta por Joel denovo, ele pisava forte e a primeira coisa fez foi jogar sua mochila longe. Completamente tenso e até mesmo incômodado, principalmente pela presença da loira.

Quando Bella menos esperava, Ell estava questionando Joel sobre o código de contrabando. Se tivesse força, ela faria a ficar quieta, mas por alguns segundos ela observou enquanto ele tirou o livro das mãos de Ellie e o jogou na mesa com força.

E então, a garota falou sobre o relógio quebrado dele. E aquilo foi o suficiente, um estalo dentro da loira para parar aquilo antes que piorasse.

- Vem cá..senta aqui - a mais velha a resgatou do tédio e poupou Joel de responder a ela, embora ele não fosse fazê-lo, de qualquer jeito.

Ele aproveitou a deixa para se deitar no sofá e fechar os olhos, tentando acalmar os nervos, tentando escapar daquilo por meio do sono.

O mundo se calou alguns segundos enquanto ele pensava, sobre tudo, principalmente sobre o que estavam prestes a fazer. Quando voltou a si, foi a tempo de ouvir a conversa que estava acontecendo logo a seu lado.

Embora ele não visse, a mais velha segurava o livro pesado em suas mãos, vendo até onde o conhecimento de música de Ellie se estendia.

- Aerosmith? - ela questionou, causando uma expressão de desconhecimento no rosto de Ellie - porra, cadê sua cultura?

- Bem...você sumiu, acabou minha fonte de cultura - ela disse, sem piedade, fazendo Bella dar uma risada nasal. Ela não havia mudado muito em questão de personalidade, apenas amadurecido.

Mesmo que estivesse encoberto por nuvens de sono, Joel se perguntava de onde elas se conheciam. Ele reparou na mudança de sotaque da loira..antes ela tinha boa sorte de seu sotaque sulista, mas agora, depois daqueles anos, soava neutro.

- Guns N' Roses? - Bella questionou novamente, na vã esperança que a garota conhecesse.

- Sim, essa eu conheço! Não é aquele cara que canta assim? - ela disse, antes de cantar erróneamente a letra de Sweet Child O' Mine, imitando de forma engraçada a voz de Axl Rose.

Bella não pode segurar a risada escapou de seus lábios, aquele som reverberando pelos ouvidos de Joel.

- É, esse mesmo, Axl Rose. Tá vendo? Você ainda tem salvação - ela observou, piscando para ela e fazendo a garota concordar com a cabeça sorrindo.

E foi assim, sob aquela conversa e principalmente, sob o som da risada de Bella que ainda ecoava, que Joel finalmente adormeceu, mergulhando em um sono inquieto.

⤹*❟ׂ๋

Oi seres humanos! Voltei finalmente. Essa semana foi meio bizarra e minha saúde tá toda ferrada, então não tive muito tempo de escrever direito, me perdoem! Mesmo assim, acho que fiz um trabalho decente.

Obrigada por lerem! Não esqueçam das estrelinhas.