🧪┇𝖲𝖨𝖱𝖤𝖭𝖲


𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝟮:
𝖲𝗂𝗋𝖾𝗇𝖾𝗌


Bella estava num presídio quando o mundo começou a desabar. Na verdade, quando ela obteve conhecimento da causa, faltava pouco mais de uma hora para tudo se espalhar para o resto mundo. Ao menos para o seu mundo..

Havia acabado de chegar no local, havia feito uma pausa para ir com Sarah até o centro da cidade, onde as duas compraram as últimas coisas para a pequena festa que planejavam para Joel, sua garotinha tinha sido deixado em casa, então agora, poderia voltar ao trabalho tranquila.

Seu parceiro estava há alguns metros de distância, resolvendo a papelada do caso, enquanto ela ficava com a parte tática da coisa.

O corredor em que andava era cinza, as luzes brancas e chão da mesma cor contribuiram para que aquele fosse o lugar mais tedioso no qual ela havia estado. E parecia estranhamente vazio comparado ao comum.

Ela viu o guarda se aproximar, um cara alto e forte de pele escura, ela o reconheceu como John, um amigo que sempre a recebia quando chegava ali, sempre com bom humor e observações engraçadas. Eles se cumprimentaram com um aperto de mão e seguiram o caminho em direção a sala.

Só que ele parecia muito mais quieto que o comum, ela o conhecia por tempo o suficiente para saber que aquilo não era bom sinal. Mas é claro, ela colocou a culpa daquilo na vida pessoal dele, que não estava na melhor das situações. Mesmo assim aquilo a encheu de desconfiança por algum motivo, ele parecia tenso, estava suando e ela imediatamente se sentiu desconfortável.

Quando se separou dele, finalmente chegando ao seu destino, a loira ficou cerca de quarenta minutos ocupada com seu trabalho. Tanto que mal se lembrava do comportamento estranho do amigo que a acompanhou.

Com o barulho do lado de fora, ela saiu para ver o que estava acontecendo, somente para ver o homem lá, parado. E então, ela assimilou as coisas, o comportamento estranho dele mais cedo, com a imagem dele agora, se aproximando no corredor e arrepios tomaram seu corpo todo.

John. Ela respirou fundo o encarando nos olhos, que agora eram vazios e escurecidos. O que antes era um homem de família, com duas filhas adoráveis, que havia perdido muitas coisas nos últimos meses, incluindo sua esposa, agora era outra coisa.

Seu rosto iluminado pelas luzes brancas bruxuleantes havia mudado drasticamente, estava repleto de veias marcadas e escuras que se estendiam pelo seu pescoço, havia sangue em seus lábios e em seu uniforme branco. Ele estava grotesco, a expressão levemente distorcida. Mesmo com uma arma na cintura, ele apenas correu atrás dela.

Puta que pariu. Ela pensou.

Ela não pode fazer nada a não ser correr, pelos outros corredores, tentando desesperadamente alcançar o rádio em sua cintura enquanto fazia isso, suas mãos suavam e seu cérebro não parecia funcionar.

Ela apenas conseguia se questionar sobre o que era aquilo. Se lamentava por John, mas ao mesmo tempo sentia o instinto de sobrevivência tomando seu corpo por completo.

Em sua mente, que falhava em achar uma estratégia melhor, ela pensou que poderia alcançar a sala ao fim do corredor e trancar a porta, sem precisar matá-lo e então, pediria por ajuda pelo rádio.

Mas os passos largos e frenéticos e a maior velocidade que conseguia, não foi o suficiente. O chão parecia deslizar e o mundo quase se tornou em câmera lenta quando a mão dele agarrou seu ombro a puxando para trás com força suficiente para que ambos caíssem no chão.

O corpo pesado da criatura logo estava acima dela em uma pressão forte, a única reação possível foi, com o braço esquerdo, afastar o rosto dele de qualquer parte de seu corpo, pois era claro que ele queria alcançar seu pescoço.

A bile subia em sua garganta, seus lábios tremiam e ela tentava sair dali, o simples toque e a proximidade dele em seu corpo a enchendo de nojo. Bella não era nada além de uma mistura de sentimentos e instintos.

Seus olhos mal conseguiam se desviar do rosto dele, mas com um olhar para o teto, a policial soube que estava perto do lugar que desejava ir.

Ela dava chutes e cotoveladas, sabendo que não conseguiria se libertar. Então, com pesar, num movimento rápido alcançou o colt em sua cintura e atirou nele. O cano da arma no queixo foi o suficiente para que ele caísse. E então, ela pode sentir o alívio em seu corpo, junto a surdez momentánea do tiro tão perto de seu ouvido.

Com uma força descomunal, ela tirou o corpo do homem de cima do seu, sentindo todo seu próprio corpo doer imediatamente. Com muita dificuldade, a loira se levantou e encarou o corpo no chão.

Em segundos, outros sentimentos começaram a aparecer, o mais forte entre eles era a culpa latente.

Seu coração batia fortemente no peito, a respiração irregular e o suor que começava a aparecer se misturou com suas lágrimas. Ao cair da adrenalina, ela reparou o que havia feito, havia acabado de matar um amigo, uma pessoa com quem tinha tido boas conversas e muitas risadas. O que antes era um cara sorridente, que fazia piadas para aliviar a tensão de suas visitas, agora era somente um corpo desconfigurado no chão, acabara dei deixar duas lindas meninas sem seu pai.

Mas aquele foi só o primeiro que teve que matar. Em alguns minutos haviam muito mais deles.

Entre carcereiros, presos e policiais, todos eles com o mesmo comportamento, como se fossem a mesma coisa. Quanto mais matava, mais deles apareciam, como um filme de terror.

E quando finalmente conseguiu ficar sozinha, estava cercada de corpos, se sentia suja, culpada denovo e até mesmo triste, pois ao olhar para os corpos no chão, ela via rostos jovens, provavelmente visitantes que se transformaram naquelas criaturas, seja lá o que eles fossem. O cheiro de sangue e o odor dos cadáveres fazia seu estômago embrulhar. Estando tão perto do não tão amigável corredor de celas, ela podia ouvir os barulhos, os ruídos e os gritos e aquilo adicionava a sensação de perigo constante.

E ela ouvia tiros lá fora também, juntamente a sirenes.

Em uma respiração funda, ela reparou que aquele lugar, aquele caos, realmente parecia o fim do mundo e talvez fosse, o pensamento lhe trouxe um arrepio na espinha.

Seus olhos azuis fitaram todo o ambiente e em alguns segundos mínimos, ela rezou para que aquelas almas estivessem naquele momento em um lugar melhor, usando sua fé para crer que era verdade.

— Bella? — a voz no rádio a chamou. Andrew, seu parceiro.

— Tô aqui! — ela quase gritou contra o aparelho em suas mãos.

— Puta merda..tá tudo bem? — ele parecia aliviado e desesperado ao mesmo tempo.

— Eu....eu só preciso de um tempo. O que tá acontecendo? — ela questionou, limpando as lágrimas, tentando se afastar dos corpos e da visão do que havia causado. Apenas destruição e morte.

— Ninguém sabe..não fazemos idéia — ele respondeu, sendo sincero.

— Tá cheio deles aqui. Eu não sei se consigo, 'tô ficando sem balas.

— Eu tô indo aí, tá ouvindo? Eu vou achar você. Não sai daí. Fecha as portas. -— ele disse, rápido. Como sempre, Andrew estava sendo impulsivo e dessa vez, aquilo poderia custar muito.

— Não tem como, é suicídio. Onde você tá? — ela tentou se comunicar, mas tarde demais ou o rádio estava falhando, ou ele já tinha saído.. —merda!

Então, apenas ficou estática até pensar que realmente precisava sair dali. Precisava o impedir de passar pelo corredor das celas, porque se ele fizesse, morreria na certa.

Então, ela saiu daquele cômodo. Seus passos pareciam ecoar pelo corredor. Seguindo o modo que conhecia aquele lugar, ela poderia desviar das celas por um corredor em outra zona e com sorte encontrar seu parceiro por lá, antes que ele tentasse fazer uma burrice.

No caminho, um silêncio ensurdecedor. Nada além de seus passos contra o piso branco do chão. A visão da placa sinalizadora da zona oeste do presídio e ansiedade que quase doía em seu peito.

A tensão fazia seu coração bater forte e rápido. Ela mal respirava denovo, aquela sensação de agonia e perigo estava sendo quase familiar nesse ponto.

Que merda.

Então, ela não pode fazer mais nada a não ser ir atrás dele, pois não podia perdê-lo.

Ela se movia rapidamente, buscando fazer menos barulho o possível e mesmo assim se enfiou em uma enrascada.

Quando se aproximou do último corredor que precisava passar, haviam alguns infectados dos quais tentou evitar, mas não conseguiu.

E foi assim que acabou em uma sala, a do diretor do presídio.

Ela tentava se manter o mais quieta possível enquanto fazia cada vez mais forças para manter aquela porta fechada.

Do outro lado da porta, quatro infectados frenéticos batiam e arranhavam, desesperados para entrar. Seus rostos com olhares vazios e o misto de agressividade e um instinto de fúria insaciável, quase animalesco de chegar a sua presa, que infelizmente, era Bella. Eles gritavam e urravam e ela apenas segurava cada vez mais firme.

Seu corpo esguio e atlético tenso enquanto ela lutava contra a força deles. Somente a força dela e as fechaduras de aço já frágeis impediam um fim terrível.

Cada baque deles tirava mais murmúrios dela, o suor escorria pelo seu rosto tenso, suas mãos levemente trêmulas, mas ela não se deixou abalar. Seu coração batia acelerado, respiração ofegante e mesmo que os gritos de lá de fora parecessem ser cada vez mais altos, ela bloqueava o medo, porque não podia se dar ao luxo, precisava concentrar suas forças em impedir aqueles seres sedentos de invadir.

Precisava voltar pra casa aquela noite.

Era aniversário de Joel.

E ela estava atrasada. Ele deveria estar uma fera.

Precisava voltar inteira para sua família.

Com uma mistura de coragem e instinto, ela se afastou da porta. Colocando sua confiança na tranca enquanto empurrava o sofá para a porta.

Dava certo em todos os filmes de terror, não era possível que não fosse dar com ela.

Ela andou receosa para a mesa que um dia foi do diretor e procurou por munição ou qualquer coisa que pudesse se tornar uma arma eficiente. Graças a Deus encontrou um revólver de cano curto, com balas o suficiente.

E então pegou o telefone e discou o número dele.

Demorou algum tempo para que alguém atendesse.

E quando aconteceu, era a voz sonolenta de Sarah..

— Bella..? Eu achei que você chegaria mais cedo. — a pequena estava brava, era possível saber pelo jeito que a chamava pelo nome — o pai não tava nada feliz com isso.

— Oi, meu amor — ela sentiu suas mãos tremerem ainda mais — como estão as coisas por aí? Eu...não vou chegar a tempo. Nem sei se vou chegar.

Os gritos se tornaram mais altos, mais infectados se juntando aos de sua porta, tantos rostos conhecidos, pessoas que ela considerava seus amigos, seus superiores, já não eram mais nada além de cascas vazias para o que quer que fosse aquilo.

— O que aconteceu? É aquele cara que saiu da prisão? Eu vi muitas viaturas passando por aqui..— ela estava falante para quem tinha acabado de acordar e Bella agradecia por isso, porque enquanto a voz de sua garota ecoava pelo telefone, ela não pensava em todas as coisas ruins que passavam em sua cabeça.

As batidas se tornaram mais fortes e Bella se colocou atrás do sofá ao invés de responder.

— Que barulho é esse? — a garota também questionou.

— Onde seu pai está? — a loira tinha uma voz embargada, segurando o choro.

— Eu não sei. Eu acho que está com o tio Tommy — do outro lado, a garota estava realmente pensativa sobre onde estava seu pai, a última coisa que tinha ouvido era uma ligação entre os dois.

— T-tudo bem. Você....— ela precisava pensar, estava amaldiçoando Tommy e Joel por não estarem com Sarah agora. Ela mal respirava. — tranca as portas e janelas, tá bom? Fica no segundo andar, de preferência.

— Bella..o que aconteceu?

A ligação começou a falhar.

— Sarah, meu amor, eu te amo tanto..Se cuida direitinho, tá bom? — a voz trêmula foi o suficiente para dar arrepios em Sarah. O mundo já estava estranho o suficiente e se sua madrasta estava com medo, a coisa estava feia —  Tranque as portas e espere pelo seu pai. Ele vai chegar logo.

— Oque tá acontecendo? você está me assustando!

Não houveram respostas, tudo que pode ser ouvido, foi um longo e dolorido suspiro do outro lado

— Mãe!!? — a garota tentou pela última vez.

Tranque as portas, querida.

E então, com as mãos tão trêmulas quanto a voz, Bella encerrou a chamada. Seu coração pesaroso por deixar sua menina sem explicações, mas não tinha tempo. Na verdade, não tinha muita coisa a se apegar além do revólver em sua mão e a confiança de que conseguiria matar aquelas coisas lá fora e voltar para sua família.

Deus, tudo que precisava agora era ouvir a voz de Joel e talvez pudesse morrer em paz. Agora o pensamento de Sarah sozinha em casa com a droga do apocalipse mais próximo do que nunca começava a se aproximar em forma de dor.

Ela olhou para o outro lado do vidro do escritório e começou a atirar, um a um, na cabeça, com raiva. Não era mais seus amigos ali, aquelas coisas, seja lá o que fossem, não eram mais as pessoas que foram um dia.

Ou era isso que a loira repetia para si mesma, a cada novo tiro. Quando tudo parecia limpo, ela andou pelos corredores.

Aquilo só estava começando.

Novamente, havia se livrado. Com o rádio em mãos, ela chamou pelo seu parceiro denovo, dessa vez ele atendeu.

— Oi Bella. Cadê você? — dessa vez ele parecia mais desanimado, cansado.

— Eu fui te impedir e acabei presa com esses bichos. Tenho algumas balas e tô indo aí — ela disse. Não podia ficar parada e nem sozinha.

Precisava viver, pela sua filha.

— Eu vou, a gente se encontra. Toma cuidado, por favor — ele pediu, quase como uma súplica.

— E quando é que eu não tomo? — ela perguntou, quase com uma dose de humor, arrancando um riso curto dele.

— É verdade. Te vejo em um minuto — ele se despediu, como sempre, sem deixar brechas para ela falar também.

Com sorte, a chegada até o ponto de encontro foi bastante pacífica, o que deixou ela desconfiada. Quando chegou na zona oeste novamente, lá estava Andrew, parado encostado na parede. Seu cabelo loiro claro antes impecável estava totalmente desarrumado, seu rosto suado e com poeira, ela se perguntava por onde ele andou.

— Oi, Parceiro — ela sorriu, correndo para o abraçar com o força, quase com vontade de desabar ali mesmo, no abraço dele.

— Você é muito louca — ele riu. Aquela risada era muito familiar, o abraço dele em si também, afinal ele era quase como um parente. Havia sido padrinho no casamento dela, havia uma conexão certa entre os dois.

— Eu queria salvar sua pele, seu filho da puta — Ela disse em tom humorado, rindo de volta, tentando segurar a barra para não deixar a parte sombría de tudo aquilo tomar conta.

— A saída noroeste tá fechada. A gente vai precisar passar por lá, Bella..— ele se referia ao maldito e tão comentado corredor das celas.

— Não tem outras saídas? — ela questionou.

— Não. Eu olhei as câmeras, são três saídas, as duas outras estão fechadas, a leste literalmente desabou.

Não houve respostas. Ele estava quase se afastando do abraço quando a loira o puxou de volta, ele pegou aquilo como uma deixa para continuar ali.

— E-eu liguei pra Sarah — ela disparou e então ele entendeu. A possibilidade da morte estava a assombrando — eu preciso tentar sair.

— E você vai — só então ele se afastou, para entregar uma doze para ela — pensei que iria gostar.

E ela sorriu. A centelha de esperança de sair dali viva iluminando seu ser.

E então, eles se moveram em direção ao corredor.

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