🧪┇𝖧𝖴𝖱𝖳


𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝟲:
𝖧𝗎𝗋𝗍


Olá, pessoas! Aviso importante ⚠️⚠️

Esse capítulo é muito difícil, tem muitos temas delicados, mas o principal deles é tentativa de suicídio. Com certeza esse tema pode dar gatilhos em muitas pessoas (eu incluída) então, por favor, se você é uma dessas pessoas, não leia esse capítulo.

Tomem cuidado, pessoinhas. Se cuidem, boa leitura pra quem vai ler!


⤹✦*❟ׂ๋

Era o fim de ano de 2002 que passava pela cabeça de Joel.

Eles estavam no Brasil, assistindo à queima de fogos na orla de uma praia que era escondida o suficiente para não estar tão cheia quanto as outras.

Sarah estava linda, seus cabelos haviam sido arrumados perfeitamente por Bella, que cuidava dos cachinhos de sua menina tão bem quanto o pai. Ela vestia uma roupa branca simples e assim que deu meia-noite, foi correndo para os braços do pai, abraçando-o e desejando um feliz ano novo.

E Joel não soltou a sua garotinha até que sua esposa, ou melhor, noiva naquela época, se aproximou e delicadamente tirou a cacheada do abraço dele e a tomou para seus próprios braços, lançando a ele um sorriso presunçoso. O homem apenas riu da cena, seus olhos brilhando enquanto via as mulheres de sua vida se abraçarem de uma forma tão carinhosa e amorosa que ele se sentia a pessoa mais sortuda do mundo naquele momento.

Até que um Tommy um pouco bêbado se aproximou das garotas, em uma frase enrolada em português que o mais velho não soube distinguir. Não demorou para Tommy se juntar ao abraço, tirando uma risada das duas.

E então, de volta à realidade.

A realidade onde aquele tempo não voltaria mais.

O lugar em que estava cheirava muito mal, nada de maresia, calor e ondas do mar, tudo em sua realidade decadente cheirava a pólvora e até mesmo a cadáveres. E algo dizia que as pessoas que sobrevivessem deveriam começar a se acostumar com isso.

E ele sentia a falta de sua filha ferver em seu cérebro. Enquanto encarava a lua naquela madrugada, era só isso em que pensava, em como sua garota deveria ter um futuro, em como aquilo havia sido brutalmente arrancado dele.

Ele estava sentado em cima de um tipo de banco de madeira a apenas alguns metros do abrigo onde deveria estar dormindo, junto a sua família. De frente havia um campo aberto cercado por mato e protegido por militares ao longe, seus pensamentos corriam voláteis.

Um pai nunca deveria enterrar sua filha, aquilo ia contra a ordem natural, talvez fosse melhor se fosse ele no lugar de Sarah. De alguma forma, ele sabia que aquele tiro era para ser nele.

Desde que ele e Bella, juntamente com Tommy, haviam enterrado a garota, ou melhor, desde quando aquela maldita bala a acertou, Joel sentiu como se já estivesse morto, como se tivesse sido assassinado juntamente com ela e estivesse agora apenas vagando sobre a terra.

A loira não estava muito longe daquilo, embora estivesse sendo extremamente forte desde a última madrugada onde tudo aconteceu, não era difícil reparar em como ela estava sofrendo.

Muitas coisas passavam pela cabeça dela, muitas questões, muita culpa. Talvez se tivesse chegado mais cedo pudesse ter evitado aquilo, afinal era sua obrigação proteger e defender eles, certo? Era por isso que ela estava lá, era por isso que tinha mudado de caminho, era por isso que Andrew havia morrido, para que ela protegesse sua família e não havia conseguido fazer aquilo, assim como não tinha conseguido salvar seu pai, ou melhor, padrasto, de uma overdose ou mesmo impedir a si mesma de se enfiar em um fundo buraco de lamentação e remorso de onde saiu apenas no nascimento de seu irmão, que agora, também estava morto.

Assim que chegaram aos militares que recebiam as pessoas que chegavam no abrigo e mesmo antes, a loira não saiu do lado de Joel. Nenhuma lágrima mais teve permissão de rolar, porque era momento de ser forte pelo seu marido. Era ela quem o segurava forte, ela quem o abraçava na vã esperança de acordá-lo do transe em que se encontrava, foi ela quem limpou todo o sangue do corpo dele sem dizer uma palavra sequer, porque somente um olhar entre eles dizia muita coisa.

E havia tanta gratidão ali, tanto amor, mas tanta dor ao mesmo tempo, que os dois eram quase a mesma coisa naquele ponto, duas almas perdidas entrelaçadas por remorso e uma dor imensurável, mas cada um deles lidava com ela de uma forma diferente.

Joel havia cuidado daquela garotinha por longos quatorze anos, havia vivido sem ela por vinte e dois anos, mas depois de conhece-la, ama-la tão profundamente e perdê-la foi difícil viver por dois únicos dias. Ele colocava o fato de ser o pai dela antes de ser qualquer coisa no mundo. Ela havia mudado tudo para melhor apenas por existir, porque no momento em que a viu pela primeira vez, sabia que aquele pequeno ser humano era seu propósito e ele a amava, infinitamente. E amaria para sempre. Agora, sem nada além de lembranças para se apegar, ele não se sentia vivo.

E tinha uma M-19 nas mãos.

Mãos trêmulas, sua cabeça sem dúvida alguma.

Ele não conseguia chorar, embora houvesse vontade, tudo que tinha era um imenso nó em sua garganta. Ele se sentia um fracasso, um péssimo pai, até mesmo um péssimo marido para sua esposa que descansava no abrigo, depois de tantas horas acordada por causa dele, que se sentia apenas um obstáculo na vida dela naquele momento. Ele via nos olhos dela o quanto ela também sofria e sempre parecia estar tentando segurar a barra por ambos.

Ele a amava, desesperadamente. E sabia que a amaria por toda a sua vida, mas naquele momento, a dor era maior do que qualquer outra coisa que pudesse sentir e estava tomando conta de tudo. Corroendo por dentro, o poder do luto.

Não conseguia dormir. Não conseguia comer. Até mesmo os barulhos de tiro o atormentavam e eles haviam ouvido muitos. Sua mera existência parecia ter perdido o propósito.

Joel segurou a arma com força, o cano da arma no queixo, o aço gelado o trazendo arrepios. Aquele era o jeito mais difícil, mesmo que muitos insistissem em dizer que era o mais fácil, na opinião dele, não era bem assim, mas aquela dor precisava acabar.

Sua mente começou a vacilar em imaginar que talvez, só talvez, ele não devesse fazer aquilo, que talvez não fosse o caminho certo. E por isso suas mãos tremiam tanto, apenas pela mínima chance, pela incerteza, pela possibilidade de estar fazendo algo errado.

Deixar Bella e seu irmão para trás parecia quase pecaminoso naquele momento.

Ele era um irmão mais velho, sempre dando ordens a Tommy, sempre mostrando a ele, de certa forma, o caminho a seguir, sempre ao lado dele, em todos os momentos da vida de ambos. Assim como era um marido, sua esposa havia perdido muito naquela noite também, ela também precisaria de sua ajuda.

Então veio a confusão que antes não existia, que disseminava e espalhava seus tentáculos sobre os pensamentos de Joel, deixando um rastro de incerteza e culpa para trás.

Era o segundo dia de apocalipse e já estava desistindo. E talvez fosse melhor assim. Ele segurou a arma, o cano bem em sua cabeça agora, segundo parte de seus pensamentos, aquele seria o jeito certo. Não estava com medo, nem por um segundo, apenas incerto.

Ele fechou os olhos.

E então, apertou o gatilho.

Mas no vazio de suas pálpebras fechadas, ele por um instante visualizou a memória de mais cedo, algumas horas atrás, quando sua menina entregava a ele um presente de aniversário singelo que Bella havia pago. Ele se lembrou de como ela sorria, de como ela contava a ele, que o plano original de sua mãe era que elas fizessem uma pequena comemoração e que tinha bolo na geladeira.

Ele se lembrou de como ela prometeu não dormir assistindo aquele filme com ele, enquanto ambos esperavam por Bella e como a pequena falhou em cumprir sua promessa, caindo em um sono profundo no colo dele, como de costume..

Ele não acertou o tiro.

Suas mãos estavam vacilantes demais, seu pensamento em turbilhão, seu corpo todo tremendo pelo frio, ou pelo medo, ele não soube ao certo.

Na verdade, o projétil não passou nem perto, foi apenas de raspão.

Ele sentiu quando o sangue escorreu por sua sobrancelha. E ele permaneceu paralisado, o líquido escarlate descendo, a dor ainda era fraca, talvez por adrenalina, ou apenas pelo fato de que dor física nenhuma poderia se igualar à dor que sentia em sua alma. Ele ainda segurava a arma com força.

Bella, a alguns metros de distância, estava procurando por ele antes mesmo daquilo e começou a correr assim que ouviu o tiro, sua própria arma em suas mãos.

- Joel? - ela andava rápido, gritando enquanto se aproximava dele, ele ainda a ouvia como um grito longínquo.

Quando ela finalmente chegou, tudo que conseguiu dizer foi num sussurro.

- Joel... - a voz dela era quase indecifrável, um monte de sentimentos misturados, medo, culpa, pena. De algum jeito, ela sabia o que havia acontecido, antes mesmo de ver a arma.

As próprias mãos dela tremiam. O mero pensamento daquilo dar certo a fez se ajoelhar ao lado dele, que apenas a seguia com os olhos, não fazendo ideia de como agir.

Joel fitava Bella com olhos vazios e cansados. O sangue escorrendo pela sua testa e têmpora parecia ter despertado uma mistura de emoções em seu rosto, embora sua expressão continuasse praticamente impenetrável.

Bella se sentou ao lado dele, suas mãos trêmulas buscando desesperadamente por algo, qualquer coisa, que pudesse estancar o sangramento. Ela rasgou um pedaço de tecido da própria blusa e pressionou contra o ferimento dele, mas o sangue continuava a fluir.

As palavras que saíam de sua boca eram carregadas de angústia e súplica:

- Eu sei que dói, Joel, mas eu não posso perder você também. Eu não posso fazer isso sem você...

Joel permanecia em silêncio, seus olhos fixos no vazio. Ele ansiava por algum alívio, por uma fuga da dor que o corroia, mas as palavras de Bella ressoavam em seu âmago, mesmo que ele lutasse para aceitá-las, pois sabia da veracidade delas.

- Você não pode me deixar aqui sozinha - ela estava suplicando, sua voz falhou, seu cérebro em pane e ela não sabia o que fazer - eu te amo e sei que não é o suficiente, mas por favor... não faz isso comigo. Não faz isso com a gente.

Tendo sua própria tentativa de suicídio antes, Bella tinha medo de que não conseguisse pará-lo como havia conseguido com sua mãe. Ela também sabia que aquilo dependia principalmente dele, que as palavras que dizia, por mais verdadeiras ou sentimentais que fossem, não valeriam de nada se ele não quisesse escutá-las.

Ela segurou as mãos trêmulas dele e as apertou com força, seus olhos azuis marejados refletindo a dor e o amor inabalável que sentia. A imagem de sua esposa, vulnerável e suplicante, despertou algo dentro dele.

A M-1911 que havia estado tão firmemente apertada em suas mãos foi solta, caindo ao chão com um estrondo abafado.

Joel sentiu um resquício de esperança lutando para emergir em meio à escuridão que o afogava. Os olhos castanhos encontraram os de Bella e, por um instante, ele viu o reflexo do esforço e até mesmo de todo amor que ela tinha por ele, suas próprias palavras somando à expressão em seu rosto.

Ele respirou fundo, sentindo o calor da mão de Bella em suas palmas trêmulas e frias. Um fio de determinação começou a despertar dentro dele, um vislumbre de que talvez houvesse uma razão para continuar lutando.

A loira ainda pressionava a ferida quando ele se aproximou para abraçá-la, com força e até certo desespero, desespero pelo conforto que apenas aqueles braços conseguiriam lhe proporcionar. Ele apoiou a cabeça no ombro dela, as lágrimas finalmente começando a descer sem intervalo.

- Me desculpa... - foi a única coisa que ele conseguiu dizer, a voz quebrada, o sangue manchando a roupa dela juntamente com as lágrimas.

Ele repetiu aquelas duas palavras milhares de vezes enquanto ela o abraçava forte e ela sussurrava as coisas mais doces que conseguia pensar. Ele mal respirava entre os soluços que começaram a surgir, Bella não tentou o parar, porque ele estava segurando aquelas lágrimas por tempo demais.

Ela apenas continuou o abraçando forte, sendo o suporte que ele precisava, estancando o sangramento e esperando pacientemente que ele se acalmasse. Quando aquilo aconteceu, o sol estava ameaçando nascer.

- Ei... - ela sussurrou, Joel estava com a cabeça escondida no pescoço dela, que com a mão livre acariciava os cabelos dele - a gente precisa cuidar de você... já perdeu sangue demais - ela continuou falando baixo.

Ele concordou com a cabeça, sentindo a dor forte depois que o pico de adrenalina acabou.

Foram mais alguns minutos até que se levantassem. Joel, por alguns segundos, observou quando o sol estava nascendo em um vislumbre do outono do Texas. O laranja se misturava ao azul escuro da madrugada, haviam nuvens pesadas acima e então, uma solitária lágrima desceu de seus olhos. Sarah adorava assistir ao pôr do sol e aquele era o segundo que via sem ela.

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