🧪┇𝖠𝖨𝖭'𝖳 𝖭𝖮 𝖲𝖴𝖭𝖲𝖧𝖨𝖭𝖤


𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝟭𝟭:
𝖭𝖺̃𝗈 𝗁𝖺́ 𝗅𝗎𝗓 𝖽𝗈 𝗌𝗈𝗅

Foi preciso anoitecer para que eles pudessem finalmente atravessar os muros.

Nada de considerável havia ocorrido desde o último acontecimento entre Bella e Ellie, em algum momento, elas ficaram mais quietas, cada uma em seus próprios pensamentos. Muita coisa havia acontecido nos últimos tempos, muita mudança na vida de ambas que precisavam de um tempo para assimilar a nova realidade.

Uma realidade onde Ellie estava prestes a sair de Boston ao lado de três desconhecidos que, pelo pouco que ouviu, eram altamente destrutivos e que não pensariam duas vezes antes de matá-la. Quer dizer, ela gostava de pensar que a loira não faria aquilo, principalmente porque, pelo que havia ouvido, ela tinha algum tipo de acordo com os vagalumes.

Bella, a soldado que era uma das poucas companhias boas que teve quando criança. A adolescente se recordava de pouquíssimas coisas, os detalhes de seus encontros se perderam na vastidão de sua memória com o tempo, ela sequer sabia como havia a conhecido, mas se lembrava de como ela costumava sorrir sempre que a via e, como a criança solitária que sempre fora, aquilo costumava a agradar, o fato de ter uma companhia, de alguém realmente gostar dela.

Agora, depois daqueles anos, a presença da mais velha ainda a agradava, ela tentava obter qualquer mero conforto que fosse dela e esse sentimento foi obtido quando a ouviu rir, a risada que ela havia tirado da loira com uma simples imitação..

Os mesmos pensamentos de Ellie eventualmente ficavam sombrios, ela pensava sobre tanta coisa, sobre como o fato de ter escolhido ir a aquele shopping desencadeou em uma dor enorme e numa responsabilidade maior ainda. Salvar o mundo, nunca pensou que seria responsável por algo dessa magnitude, mas segundo Marlene, ela poderia mesmo ser a chave para uma cura.

Então, Williams colocava toda sua crença naquilo, tentando dar sentido a sua existência e ao fato de ter sobrevivido aos eventos daquela noite, ao contrário de Riley. Afinal, aquela imunidade precisava servir para algo além de a fazer perder tanto, aquela garota era a única coisa que tinha e agora, havia a perdido para aquele maldito fungo. O fungo do qual ela era imune.

Mesmo que realmente quisesse ir para casa, ela não sabia se conseguiria voltar. Nem mesmo sabia o que era ter uma casa de verdade, afinal morava em uma escola de órfãos e tinha sido assim a vida toda. Mesmo se voltasse, não seria a mesma coisa, toda a parte boa de estar na Fedra havia acabado e agora que sabia que era imune, não conseguia se imaginar vivendo normalmente com aquela informação. Então, precisava tentar tirar bom proveito disso e talvez valesse a pena. Ela torcia para que valesse.

Com passos ritmados, eles andavam sob a noite escura. Eventualmente, haviam poderosos feixes de luz que eram lançados do alto até o chão, os mesmos feixes dos quais eles tinham que se esconder. Embora houvesse vantagem na escuridão, a de não poder ser visto, eles também não podiam enxergar muita coisa e havia certa tensão pairando por isso, como se eles estivessem esperando que algo surgisse da escuridão.

Os quatro passaram por passagens subterrânes becos e túneis, mesmo que as luzes da Fedra estivessem por todos os lugares, não podiam parar. Então o grupo seguiu, com furtividade e cuidado, tentando passar despercebidos.

Até que aquilo já não desse mais certo, afinal assim que passaram para o lado de fora, uma das primeiras coisas com as quais se depararam não foi um infectado, foi um soldado. Este mesmo soldado era um rosto já conhecido para Joel.

- Não se mexam! - o soldado gritou para os quatro assim que os viu, subindo suas calças de volta.

Com a ajuda da iluminação lançada pelo raio, o homem reconheceu Joel assim que levantou a viseira do capacete.

- Tá de sacanagem..- ele disse, assim que o reconheceu.

- Calma, vamos conversar...- o grisalho respondeu.

Mas o outro não queria saber de conversa nenhuma, ligando a lanterna de sua arma rapidamente e apontando para os rostos deles, antes de gritar denovo.

- Vira de costas e se ajoelha!

- Fica calmo! - Joel exclamou, em mesmo tom.

- O que que eu te falei, hein? Eu avisei para ficar em casa. Se ajoelha! - ele não tava brincando, seus olhos focados em Joel demais para reparar nas mulheres próximas a ele.

Bella ficou um pouco tensa. Ela e seu rosto estavam sendo cobertos pela escuridão da noite, Ellie estava ao lado esquerdo da loira, então era perto o suficiente protegê-la de qualquer coisa que pudesse acontecer a ela, aquilo era o único conforto.

Então, eles estavam se ajoelhando sob o chão molhado e cheio de pequenas pedras, Tess tentava negociar de alguma forma e foi nesse momento que os olhos do soldado encontraram o rosto de Bella e um xingamento escapou dos lábios dele.

- Porra!

Foi quase como se tivesse tomado um susto.

Ele apontou sua lanterna no rosto dela e assim, teve certeza de quem era. A mandante de um esquema de contrabando e rebelião, tudo que ele e a Fedra abominavam, ou deveriam..

- Isabella Xavier...eu pensei que você andasse em melhores companhias, Joel..

Bella não abaixou sua cabeça nem por um segundo desde que o homem mostrou que a conhecia, manteve-a erguida e os olhos fixos no soldado, seu rosto continha uma expressão séria, ela levantou levemente o queixo, o encarando profundamente, seus olhos até mesmo brilhavam em certo orgulho, mesmo que aquela arma estivesse em seu rosto.

Não era a primeira e nem seria a última em que aquilo ocorreria.

- Ajoelha e mãos na cabeça! - ele disse aos outros e ela fez o mesmo, um olhar foi trocado com Joel que o retribuiu com intensidade, um nó ma garganta do homem ficando cada vez maior. Ele sabia que o fato de estar com ela somente o prejudicaria, mais uma vez, Bella sempre de alguma forma representava uma dificuldade enorme.

O soldado começou a testar todos eles para o cordyceps..as mãos de Bella estavam suando demais pois ela sabia que, se aquele cara testasse Ellie, estariam ferrados. Ele ia atirar nela e então, acabaria tudo, a missão iria pro ralo junto com as chances de salvar o mundo. E então, os remédios que tanto precisava entregar, não chegariam ao seu destino.

Quando aquilo tudo passou por sua cabeça, foi atormentador. A loira era a penúltima na fila e temia muito pela vida da garota, mesmo que o soldado aonda estivesse longe dela.

- Jura, irmão? - a morena mais velha exclamou quando ele colocou o aparelho em seu pescoço, logo a tela brilhou em verde.

- É, eu vou seguir as regras - houve uma pausa - alguns de nós tem que fazer isso - Bella entendeu como um recado para ela.

- Olha só, pode ser três quartos..- a contrabandista ainda estava tentando negociar.

E aquilo deixou Bella ainda mais irritada.

- Saída não autorizada, vocês vão pra forca - o homem deixou claro a sentença deles e olhou para Bella em seguida - Dessa vez você não vai escapar.

Ela sorriu de lado. Ele conhecia sua história.

- Tá afim de um autógrafo? - ela debochou dele o fazendo lançar um olhar cortante a ela, assim como o fez caminhar até onde a mesma estava.

- Tá, a gente te dá os cartões! E metade dos comprimidos também - foi a vez de Joel de tentar, devido a movimentação do homem para perto de Bella, que não estava colaborando. Ele precisava impedir que aquele cara fizesse algo com ela, não podia deixar que ele a machucasse.

A tensão pairava no ar, os gotejos de chuva se acumulavam em seus corpos e contribuiam com o som, uma sombria trilha sonora.

- Sem chance - o militar respondeu a oferta - Eu quero tudo! E ela vai comigo - ele apontou para a loira.

- Não mesmo, de quanto você precisa? Do que você precisa? Ela consegue pra você - Tess tentou negociar enquanto Joel permaneceu quieto, a situação penetrando em seu cérebro como álcool na ferida.

Enquanto isso, Bella tentava alcançar a pistola em sua bota, se mexendo lentamente para que ele não a visse.

- Você sabe quanto eles dão pela cabeça dela? Você tem ideia, porra? Eu não vou deixar ela ir por pouca merda! Não vou arriscar minha carreira por isso! - ele falava virado para Joel, o resultado dele também foi negativo, portanto foi a vez de Ellie.

A líder dos Scorpions engoliu seco, tinha idéia de quanto era a recompensa, sabia que era muitos cartões de comida e que viria muito prestígio também com isso. Aquele cara tinha razão, mas ela também sabia que não poderia morrer nas mãos da Fedra, não por um soldado qualquer como esse cara.

Se fosse morrer, seria com uma arma na mão. Era o que sempre dizia. E não havia nenhuma glória em morrer para um soldado de um órgão de facistas, de um jeito tão ridículo como esse..

O coração da adolescente do lado da loira batia forte, somente com a aproximação do homem. Ela imaginava que provavelmente daria positivo caso ele a testasse, afinal ela havia sido mordida..e como Marlene havia dito, não acabaria bem.

O homem colocou o aparelho no pescoço de Ellie e esperava o resultado quando percebeu a movimentação de Bella, ele gritou, a xingando em resposta, em segundos ele se aproximou dela e a empurrou forte para o chão em uma tentativa de a imobilizar, fazendo o corpo da loira colidir com força contra o chão, o ar escapando de seus pulmões.

Em resposta ao ato que presenciara, Ellie o atacou com a faca antes que ele pudesse alcançar a arma, a cravando na coxa do homem, o fazendo gritar e soltar mais um xingamento.

O soldado da Fedra arrancou a faca de sua carne enquanto xingava as duas. Joel agiu imediatamente, se colocando na frente das garotas, com mãos para cima em sinal de redenção.

Mas o outro não quis saber, segurou sua arma com ainda mais força e a apontou para o rosto do contrabandista.

- Nós podemos resolver isso - o grisalho exclamou.

- Sai da minha frente, porra!

Bella não se moveu, ela continuava no chão conforme a cena a sua frente desenrolava. Era quase como se o ar fosse pesado demais para passar pelos seus pulmões e seu cérebro fervia em desalento de mais um tumulto que ela havia causado.

A visão de Joel a frente de uma arma, não qualquer arma, a arma de um soldado, a lanterna iluminando o rosto do grisalho enquanto ele desistia de tentar, era extremamente perturbadora para ela. Bella apenas respirava fortemente, não conseguindo desviar seus olhos daquilo, não conseguindo não pensar na última vez que o viu na frente de uma arma assim..

O mundo todo se calou para Joel naquele momento, nem mesmo os pingos de chuva podiam ser ouvidos por ele. Encarar o cano daquela arma e enfrentar a sua luminosidade, era como uma volta no tempo, a 20 anos atrás; aquela dor voltou como nova, sua mente em um turbilhão, a cena lhe vinha a mente, vivida, como se ainda fosse 2003, como se Sarah ainda estivesse em seus braços e toda aquela emoção voltou de novo, se arrastando de volta para seu cérebro somente para atormentar.

Mas ele não estava em 2003 e sabia como aquela memória iria acabar, mas não dessa vez.

A mente de Bella logo a fez vacilar, caindo no impetuoso oceano de dor devastadora, aquela mesma dor que era capaz de ser um tsunami que ameaçava a derrubar. Aquela mesma maldita memória de quando não havia sido capaz de proteger a única coisa que lhe importava no mundo, aquela noite em setembro onde ela não havia conseguido salvar ninguém. E aquela era a sua única obrigação, sempre havia sido. E a verdade era que ela também sentia como se tivesse sido morta com aquele mesmo tiro.

A cena ainda se estendia a frente de Ellie e Bella e foi preciso apenas um passo do soldado na direção de Joel para que ele agisse, o impulso da lembrança e a dor em suas entranhas o fazendo ir pra cima do mesmo, que nem com a arma foi capaz de parar a fúria do Miller.

Joel se colocou por cima do homem e foi rápido em o encher de socos certeiros no rosto, um atrás do outro sem pausas, além do barulho dos socos desferidos contra o rosto do homem, haviam grunidos de esforço, a raiva queimando tudo por dentro e enquanto o sangue jorrava do rosto do homem, ele sentia certo alívio.

A luminosidade do raio ia contra a cena, fazendo possível ser mais visível ainda o que estava acontecendo, o som do baque do trovão deixou as duas que observavam ainda mais arrepiadas, mas por motivos diferentes.

Bella mal respirava, suas mãos tremiam enquanto seus olhos ficavam fixados na cena há alguns metros a sua frente, olhos grudados, sem conseguir sair, não era possível desviar.

Ellie se sentia igualmente atraída pela visão sem conseguir desviar, apenas por outro motivo. Toda aquela proteção, a brutalidade que alguém poderia chegar por ela era algo completamente novo que se encaixou no cérebro dela, ela não odiava a cena que via, pelo contrário, havia uma parte dela, não tão escondida, que se agradava da idéia de alguém a defender com unhas e dentes dessa forma.

A loira sabia no que Joel estava pensando, sabia exatamente o que passava pela cabeça do homem a cada soco dado, a cara grito de ódio descontado, como se tudo aquilo sempre estivera preso dentro dele e estivesse finalmente saindo, se libertando em uma força quase sobre humana.

Muitos golpes foram dados contra o homem no chão, até que ele finalmente parasse de reagir. Assim que foi finalizado, Joel olhou para trás, apenas para encontrar o rosto de Bella, olhando para ele com os olhos cheios de lágrimas. O mais velho sabia que ela o conhecia profundamente demais, que ela sabia o que tinha acontecido com sua mente naquele momento e logo, ele se sentiu exposto, da mesma forma que se sentiu compreendido pela calorosidade daqueles olhos, que haviam sido frigidos até minutos atrás, mas agora algo diferente brilhava neles, quase como se a dor ainda os unisse, de uma forma ou outra.

O ar não se tornou mais respirável para ela, pareceu se prender ainda mais quando Tess levantou o aparelho com o resultado positivo para Ellie, que gritava em resposta dizendo que não estava infectada.

Joel encarava a cena ainda em um transe do qual ele começara a despertar, seus olhos se desviaram para encarar bella denovo, ela não desviou e a lágrima solitária desceu a medida em que um nó se formou denovo em sua garganta.

Os olhos castanhos do homem encararam sua mão ensanguentada e o rosto desfigurado do homem, respectivamente, ele alcançou a arma ao chão e então se levantou, ao contrário de Bella, que se manteve no mesmo lugar, tentando juntar forças para se fazer entender que estavam no presente, tentando condicionar seu cérebro a fazer a dor parar, mas apenas aumentava, tirando dela a vontade e capacidade de se quer se levantar do chão.

Foi quando Joel se aproximou e estendeu a ela a mão livre e mesmo que estivesse ensanguentada, ela a agarrou como quem se agarra ao último suspiro de vida.

- Joel, a gente tem que correr - Tess disse, próxima a Ellie.

Bella finalmente se levantou com a ajuda do homem e depois de mais segundos do que deveria segurando a mão dele, ela finalmente a soltou para passarem pela grade de alambrado.

E então, do outro lado, dentro dos muros, o rádio de Joel tocou. Never Let Me Down Again. Anos 80. Problema.

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