cap.011; a sombra do passado

No fim da tarde, com o céu tingido de cinza e o vento gelado varrendo as folhas secas, Amadahy sentiu-se finalmente pronta para retornar à floresta. A densa linha de árvores escuras parecia observá-la à distância, esperando sua aproximação, como um predador paciente. Ela sabia que a floresta guardava segredos profundos e antigas memórias, especialmente as dela, que agora a chamavam de volta para um confronto inevitável.

Respirando fundo, Amadahy deu os primeiros passos entre as árvores. Cada som — o estalar dos galhos, o farfalhar das folhas — fazia seu coração bater mais rápido, como se a própria floresta sussurrasse histórias esquecidas. O chão era frio e úmido, e a penumbra tornava difícil ver o caminho. No entanto, ela sentia-se guiada por uma força invisível, um fio de lembrança que a puxava para as profundezas da floresta.

Enquanto avançava, uma névoa azulada começou a surgir. Ela pairava nas sombras, ondulando como um rio luminoso entre as árvores, e seu brilho a atraiu. Amadahy parou e observou. Aos poucos, a névoa foi tomando forma, solidificando-se até que um espírito de cor azul cintilante apareceu diante dela. Ele era alto e etéreo, com olhos que reluziam como duas estrelas, sem expressão definida, mas emanando uma presença familiar e antiga.

– Amadahy, - sussurrou o espírito com uma voz que parecia vir de um lugar distante. – Você voltou.

Ela ergueu o queixo, tentando conter o medo e a ansiedade. – Sim. Preciso entender o que aconteceu comigo... lembrar quem fui.

O espírito inclinou a cabeça, e um brilho de compreensão passou por seus olhos.
– Você esqueceu. Mas eu guardei suas lembranças, no limbo entre o que você era e o que tentou ser. Está pronta para enfrentá-las?

Amadahy hesitou. Ela sabia que a resposta certa era "sim", mas o medo se agarrava a ela como um peso em seu peito. Ainda assim, assentiu, determinada.
– Estou pronta.

O espírito azul flutuou para mais perto, estendendo uma mão translúcida para ela. Quando seus dedos gelados tocaram a pele de Amadahy, um frio intenso percorreu seu corpo, e tudo ao seu redor começou a girar. As árvores se desfizeram, o chão desapareceu, e ela sentiu-se cair em um abismo profundo e silencioso, envolta pela mesma névoa azulada. De repente, o frio desapareceu, e ela sentiu os pés tocando o solo de novo.

Quando abriu os olhos, percebeu que estava em um lugar familiar: uma pequena vila cercada por montanhas e campos verdes. Havia casas simples de madeira e barro, e crianças corriam de um lado para o outro, rindo e brincando. Um sentimento de nostalgia e dor apertou seu peito. Ela conhecia aquele lugar. Era seu lar — ou pelo menos, o lar que ela tinha antes de tudo mudar.

Uma figura familiar chamou sua atenção. Uma mulher alta, com cabelos longos e olhos gentis, sorria para ela. Era sua mãe, a mesma mulher que a ensinara a ouvir as vozes da natureza, a sentir a conexão com o mundo ao seu redor.

– Amadahy! - A mulher sorriu e a chamou, acenando com a mão. Amadahy quis correr para ela, abraçá-la, mas seus pés pareciam presos. Era como se algo a mantivesse à distância, como um espectador invisível de sua própria vida. Com o coração apertado, ela observou a versão mais jovem de si mesma — uma menina de cabelos soltos e olhos curiosos, correndo até a mãe e segurando suas mãos.

Enquanto as duas conversavam, Amadahy viu algo estranho: uma sombra pairando nas bordas da vila, como uma presença indesejada e sinistra. Ninguém parecia notar, mas o espírito azul ao seu lado a observava.

– Aquela sombra, - murmurou Amadahy, com o olhar fixo. – Ela sempre esteve lá?

O espírito assentiu.
– A sombra sempre esperou por você. Ela sabia quem você era, mesmo quando você ainda não sabia.

As palavras do espírito enviaram um arrepio por sua espinha.
– Quem eu era? O que ela queria comigo?

– Você era mais do que uma simples garota, - respondeu o espírito. – Era a Ethereal, o elo entre os mundos, capaz de ouvir as vozes dos elementos, de sentir as vibrações da vida e da morte. Mas esse poder atraiu aqueles que queriam usá-lo para si. A salvação não só para o avatar, mas para o mundo.

Enquanto o espírito falava, a cena mudou, e Amadahy se viu dentro de uma cabana escura, iluminada apenas pela luz das velas. Ela estava cercada por figuras mais velhas do vilarejo, todos com expressões graves e ansiosas. Lembranças vieram à tona: o conselho da vila, que a havia observado enquanto ela crescia, notando suas habilidades incomuns. Lembrava-se do temor deles, e de como sussurravam sobre ela ser uma "abençoada" — ou, como alguns temiam, uma maldição.

– Eu não entendia, - disse Amadahy, observando sua versão mais jovem se encolher sob os olhares daqueles que antes a protegiam. – Eu só queria ser parte deles, ser aceita.

– Mas seu destino era maior que a vila, - o espírito murmurou. – E isso a separa dos outros, mesmo antes de você perceber.

As lembranças continuaram a se desenrolar, e Amadahy viu-se sendo afastada das outras crianças, sua família tentando protegê-la dos olhares inquisidores. Ela também se lembrou de uma noite em particular, quando a sombra que vira antes finalmente se revelou. Era uma figura envolta em um manto negro, com olhos que brilhavam em um tom sobrenatural, e sua presença era tão gélida e vazia que tudo ao redor pareceu congelar.

A figura sombria parou diante da jovem Amadahy, e sua voz soou como o eco de um poço sem fim.
– Você é a Ethereal, a ponte entre o que é e o que não é. Venha comigo, e seu poder se tornará absoluto.

Ela viu a si mesma, hesitante e com medo, mas também fascinada pela promessa de poder. No entanto, algo dentro dela resistiu. Amadahy nunca quis poder; ela só queria paz, queria a conexão simples e pura com a natureza e com as pessoas que amava.

– Eu recusei, - murmurou Amadahy, observando a cena se desenrolar diante dela. – Eu escolhi a vida que conhecia.

O espírito azul ao seu lado assentiu.
– Mas ao recusar, você também se condenou. A sombra não aceitou sua recusa; ela lançou uma maldição sobre você, uma névoa de esquecimento, para que você nunca mais se lembrasse de quem era ou do poder que possuía. Era uma tentativa de enfraquecê-la, de impedir que você se tornasse uma ameaça.

Sentindo a intensidade da revelação, Amadahy observou sua jovem versão cair no chão, como se um peso invisível tivesse esmagado sua mente e coração. Lembrava-se daquele momento — do vazio que sentia depois, do peso que nunca soube de onde vinha. Fora ali tudo mudará. A partir daquela noite, sua conexão com a floresta e com seus dons se enfraquece, tornando-se apenas sombras vagas na memória.

Quando a cena desapareceu, Amadahy sentiu-se novamente no limbo, cercada pela névoa azulada e o espírito ao seu lado.

– Agora entende porque esqueceu? - ele perguntou, com a voz suave.

Amadahy assentiu, ainda atordoada. "A sombra me fez esquecer para que eu nunca pudesse usar meus dons contra ela. Para que eu nunca pudesse me tornar a Ethereal de verdade."

O espírito aproximou-se, e um brilho de determinação surgiu em seus olhos.

– Mas você se lembrou, e ao enfrentar a sombra novamente, pode retomar o que lhe pertence. Você pode se tornar aquilo que estava destinado a ser.

As palavras dele despertaram algo em Amadahy, uma chama antiga que nunca fora realmente extinta. Ela ergueu a cabeça, com o olhar firme.

– Eu vou enfrentá-la. E vou reclamar o que é meu.

O espírito sorriu suavemente, e a névoa ao redor deles começou a se dissipar. Amadahy sentiu o chão sob seus pés novamente, e a floresta densa e familiar a cercava outra vez. Mas agora, ela não era apenas uma visitante; sentia-se parte dela, com uma força renovada e uma clareza que nunca experimentara.

De repente, uma sombra deslizou entre as árvores. Era a mesma presença sombria de antes, esperando, faminta, à espreita.

Amadahy fechou os olhos por um momento, respirando fundo, e então ergueu as mãos, conectando-se ao poder dentro de si. A terra parecia responder ao seu chamado, as árvores ao seu redor inclinavam-se como guardiãs protetoras, e o vento sussurrava em seu favor. Ela sentiu a energia da floresta pulsar em suas veias, como se o mundo ao seu redor estivesse a seu lado para aquele confronto final.

A sombra avançou, seus olhos reluzindo como brasas de um fogo antigo.



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1. votem e comentem para a continuação.
2. passos de neném.

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