Capítulo 51
Com muito esforço, movo as pálpebras pesadas. Obro os olhos e a primeira coisa que vejo é um eletrocardiógrafo. Minha cabeça está virada um pouco para o lado esquerdo, tento girar para o outro lado, mas sinto uma dor latejante vinda do lado direito. Solto um gemido baixo.
— Clara? — escuto a voz de Roy, em menos de dois segundos ele aparece em meu campo de visão — Mon amour! — segura minha mão esquerda e pressiona seus lábios em minha testa.
— Ro... — tento falar, mas minha voz sai fraca e baixa. Começo a tossir, e a dor vinda do lado direito da cabeça lateja ainda mais.
— Shhh! — segura o meu rosto com delicadeza — O doutor Shepherd já está vindo. Não faça esforços, por favor!
Só então as coisas começam a se encaixar em minha cabeça. O meu desmaio, o eletrocardiógrafo, os bips, o doutor Shepherd e os olhos inchados e vermelhos do meu esposo. Estou no hospital.
— Senhora Carter! — a voz do doutor chama nossa atenção, e eu tento virar novamente, mas devido a dor, desisto de uma vez — Que bom que acordou! — ele também aparece em meu campo de visão.
— Ela parece estar sentindo dor e está tendo dificuldade em falar, como o senhor havia dito. — Roy comenta com preocupação.
— Ela está tentando se movimentar e os pontos ainda não cicatrizaram, deve ser isso. Quanto à voz, aos poucos voltará. — assegura.
Pontos? O que está acontecendo?
— O q... O que está... Acontecendo? — pergunto com a voz bem rouca.
Os dois trocam olhares rapidamente. Quem responde é o doutor que, com um sorriso simpático e olhos brilhantes, me põe a par das coisas.
— A senhora passou mal há pouco menos de duas semanas, enquanto estava em New York. Teve uma crise de convulsão, não sabemos ao certo por quanto tempo, mas por sorte o seu esposo chegou a tempo de socorre-la. — olho para Roy e vejo que em seus olhos há culpa e tristeza — A senhora entrou em coma. Quando veio transferida para cá, um dia depois do desmaio, fizemos uma bateira de exames e notamos um crescimento rápido no tumor. Ele praticamente dobrou de tamanho nesse curto período. — apenas assinto, ainda assustada — Por causa disso, precisamos fazer a cirurgia imediatamente. Retiramos o tumor quase todo. Uma parte, porém, fica em um local delicado, com altos riscos, então não conseguimos retirar todo o câncer.
— Ok! — digo, sentindo um pouco de alívio.
— Não se preocupe, com a radioterapia, daremos um jeito no que sobrou. A senhora ficará bem logo, logo. — sorri pegando sua prancheta e anotando algo nela — Ah! E a dor que vem sentindo no lado direito da cabeça, são os pontos da cirurgia. O latejar vai permanecer por mais alguns dias, até que cicatrize por completo. Mas agora que despertou do coma, com a ajuda da fisioterapia, poderá levantar dessa cama e caminha um pouco, sem sentir muita pressão na cabeça por precisar ficar tanto tempo deitada.
Roy permanecia quieto e com os olhos longe dos meus. Seguro sua mão e ele me fita. Abre um sorriso, nem um pouco sincero, e acaricia a minha mão.
— Mas agora está... tudo bem, certo? — pergunto ao doutor, ainda com dificuldade para falar. Entretanto, não permito que ele responda, pois lembro de algo muito mais importante que o meu tumor — E o bebê? — com a mão livre, toco meu ventre.
O aperto em minha mão se intensifica. O olhar de pena que o doutor me lança, causa um arrepio na espinha. Olho de um para o outro, mas não preciso de muito para entender o que aconteceu. Solto a mão do meu esposo e levo até o meu ventre, ainda plano. E pelo que tudo indica, ele permanecerá assim por um longo tempo.
Fecho os olhos e aperto o tecido do pijama hospitalar. Um soluço alto e sôfrego sai de dentro de mim. Escuto os dois falando comigo, mas eu os ignoro completamente. Minha dor grita acima de qualquer falatório, explicação ou pedido para me manter calma. Sinto o latejar na minha cabeça, mas essa dor nem se compara com a da minha alma.
As lágrimas rolam, os soluços continuam, assim como a tentativa de consolo vinda do meu esposo. Não sei se pelo cansaço, pela dor ou pelo calmante que injetaram em mim, mas o meu corpo começa a ficar pesado, assim como minhas pálpebras. Não demora muito para eu me entregar à escuridão.
***
— Deus sabe de todas as coisas, filho! Não se culpe! — ouço a voz do meu pai. É tão baixa que não tenho certeza sobre o que ele fala.
— Eu não deveria ter deixado a Clara sozinha! Eu nunca irei me perd...
Uma crise de tosse me atinge, e isso acaba chamando a atenção dos dois.
— Como se sente? — meu esposo se aproxima, um pouco acanhado.
Apenas dou de ombros e desvio o olhar. Sinto os olhos arderem.
— Querida! — papai vem em minha direção, assim como mamãe. — Estamos aqui! — envolta em uma espécie de abraço coletivo, permito-me chorar mais um pouco. E eles me acompanham.
Não digo nada, apenas deixo as lágrimas de dor e sofrimento rolarem sem me importar com o que os outros irão pensar ou dizer.
Tempos depois o doutor Shepherd aparece dizendo que estou livre para para sair da UTI e ir para o quarto. Apenas concordo e sigo todas as instruções em silêncio. Já no quarto, recebi a visita do restante da minha família. Inclusive Thom e Lau vieram passar o restante da sua lua de mel na França, quando souberam do ocorrido.
Todo o tempo em que permaneci no hospital, não abri a boca para fala nada além do necessário. Não tinha o que falar. Não tinha o que conversar. Estava vivendo um período de luto nunca passado antes. A dor era gigantesca e não cabia em meu peito. Roy e meus pais se intercalavam para ficarem comigo. Meu esposo não queria desgrudar de mim por hipótese alguma, porém meu pai o convenceu a pelo menos comer alguma coisa.
Durante boa parte dos meus dias eu permanecia de olhos fechados, fingindo estar dormindo ou me lamentando com Deus. Durante as noites, Roy também não dormia, e mesmo sabendo que eu estava acordada o tempo todo, ele me deu o espaço que eu necessitava para ficar sozinha com meus pensamentos. A única pessoa que poderia me entender era a Ash, que passara por algo semelhante. Porém ela está longe e não conseguiu vir.
O que mais doía em mim, era saber que havia um bebê morto em meu ventre. Segundo o médico, eu deveria "esperar pacientemente, pois no tempo certo o meu corpo expeliria o feto". Ouvir tais palavras me revoltou, porém permaneci calada. Apenas assenti.
Nesta manhã os meus pontos foram retirados e eu recebi a tão esperada alta. Toda a familiares estava em nossa casa, para nos receber. Não quis ser indelicada ou grossa, já bastava o meu silêncio agonizante que, tenho certeza absoluta, os deixava mal. De qualquer forma, pego minha bolsa, e com a ajuda do meu esposo, subo para o quarto. Tomo um banho e tento, realmente, descansar. E consigo.
Desperto assustada com o sonho que tive. Estava no apartamento de New York, no quarto de Emily, vestindo a mesma roupa de bailarina e com o enorme barrigão. Toco meu ventre e começo a chorar.
— Eu não entendo, Pai! — fecho os olhos com força — Dói tanto! Não entendo o que você quer de mim! — enxugo as lágrimas que voltam a rolar.
Estou em meu monólogo com Deus, quando escuto um dedilhar de violão vindo da área externa. Olho para a porta da varanda e percebo que está entreaberta. Envolvo-me com o lençol e saio da cama. Vejo Roy sentado no balanço dedilhando seu violão de olhos fechados e cabeça baixa.
— I've been Strong and I've been broken within a moment (já fui forte e fraco no mesmo instante). — sua voz suave toca meu coração de uma forma inexplicável — I've been faithful and I've been reckless at every bend (fui fiel e fui irresponsável em tudo). I've held everything together and watched it shatter (já tentei me segurar e vi tudo desmoronar). I've stood tall and I have crumbled in the same breath (me firmei e me quebrei em um mesmo fôlego).
Penso em me aproximar, mas sei que se o fizer, ele irá parar. Então decido ficar onde estou, apenas observando o meu marido se derramar aos pés do Senhor. Ao mesmo tempo em que cada estrofe da canção preenche o meu ser, quebrantando o meu coração.
A dor está grande? Sim! Está insuportável? Também! Mas eu não sou a única que estou passando por esse vale. Não sou a única a sofrer. Roy está em pedaços, assim como eu. Talvez até pior, pois está tendo que carregar a sua dor e a minha ao mesmo tempo. Posso estar sendo um pouco egoísta por me cercar em um muro solitário de luto, lamúria, dor e revolta. Infelizmente, essa foi a forma que encontrei de passar por essa situação.
Porém ao olhá-lo neste estado, meu coração dói ainda mais. Deveríamos estar passando por isso juntos, precisamos um do outro, e nós dois da misericórdia e graça do nosso Deus.
Ele finaliza a canção e abre os olhos, fitando diretamente os meus. Permanecemos em silêncio, sem saber o que falar ou fazer. Roy se põe de pé, colocando o violão ao lado do banco balanço. Caminho em sua direção, e sem perder mais tempo, lanço-me sobre o meu marido. Seus braços me envolvem, apertando todo o meu corpo contra o seu. Seu choro se mistura ao meu, e cada lágrima derramada estava sendo recolhida e levada aos céus.
— Me perdoe, meu amor! Eu não deveria ter te deixado sozinha aquele dia! Não deveria! Se ao menos eu estivesse com você... — sua voz sai abafada em meu pescoço.
— Shhh! — aperto-o ainda mais — Você não é culpado! Não há um culpado, Roy! — afasto-me um pouco, olhando em seus olhos verdes — Infelizmente aconteceu. — meus lábios tremem — Perdemos o nosso bebê, meu amor! Ele se foi.
— Eu sinto tanto, Clara! — nossas testas se unem e ele diz com pesar — Está sendo tão difícil! Isso fez um estrago aqui dentro, — toca o seu peito — mas eu sei que o Pai nos ajudará! Sei disso! Ele entende a dor de perder um filho, mesmo que tenha ressuscitado ao terceiro dia. Ele nos entende, e por isso nos ajudará a passar por isso!
— Amém! — volto a abraça-lo. E neste abraço consolamos um ao outro e somos consolados pelo Espírito Santo, o Consolador. Aquele que cuida de nós e anima as nossas almas nas noites mais escuras. Que nos toma nos braços, quando necessário, e caminha por nós, para não pararmos no meio do caminho. Não estamos sozinhos, Ele está conosco. E isso é o que nos consola.
"Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda consolação, que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados de Deus."
2 Coríntios 1:3-4
>>>><<<<
"Não compreendo os teus caminhos, mas te darei a minha canção..." 🎶
Andar com Cristo é caminhar por uma estrada desconhecida, onde na maioria das vez não temos noção do que encontraremos à frente, mas temos a certeza que é o caminho certo a ser seguido, mesmo quando nos deparamos com as mais diversas dificuldades da vida. No fim das contas, apesar de tudo, sabemos que vai valer a pena passar por cada deserto! E se é para tê-lo ao meu lado em todo o tempo, eu aceito percorre esse caminho, Pai!
Att.
NAP 🥺😘
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