𝟬𝟬. 𝗣𝗥𝗜𝗠𝗢 𝗔𝗠𝗢𝗥𝗘

00. PRIMO AMORE
(primeiro amor)

A vida de Daniel não estava sendo nada fácil e muito menos prazerosa. Com a perda recente do pai, o garoto teve que se manter firme e em pouco tempo teve que procurar reestruturar a qualquer custo a própria vida, como a de titia, que não estava nada bem pela perda repentina do marido. Quando o tio Lourenço faleceu todos nós ficamos apreensivos e decidimos que tia Márcia se sentiria menos triste e insegura estando perto da mamãe que é sua irmã. Então nós, juntamente com meu primo, a convencemos de vir morar perto da família. Assim eles se mudaram para o mesmo bairro em que morávamos. Com os dois sendo meus vizinhos e como eu estudava pela manhã, minhas tardes eram livres. Então eu passava a maioria do meu dia em sua casa. Todos os dias, sem exceção, eu os visitava.

Sempre levava alguma coisa da padaria dos meus pais: um bolo de chocolate que Daniel amava, pães e até doces.
Meu primo ou "professor Girafales", que era como o apelidei carinhosamente, vivia o tempo inteiro trancafiado em seu quarto fazendo vídeos para seu canal. Às vezes eu assistia alguns vídeos pelo computador velho lá de casa para dar uma forcinha de moral, sabe?

- Tia, cheguei! - Anuncio minha chegada, adentrando a cozinha. Sinto o cheiro delicioso da comida entrando pelas minhas narinas.
- Humm, que maravilha a senhora está preparando dessa vez?

Minha tia se aproxima, beijando minha testa.
- Guisado de frango - ela pega uma colher, mergulhando na panela, em seguida levando a minha boca. - Assopra, tá quente.

Sinto o misto de sabores fazendo festa em minhas papilas gustativas, o que fez com que minha barriga roncasse. Titia solta uma risada.

- Tá com fome, né? - Assinto - Isso sim é cozinheira de mão cheia, ainda bem que é minha tia. - Sorrio, batendo mini palminhas com as minhas mãos.

- Tá bom, tá bom. - Ela solta uma piscadela, voltando para o fogão.

- Cadê o Dani?

- Está no quarto, como sempre. - Ela revira os olhos - Ah, aproveita e chama ele para almoçar, também deve estar com fome.

Solto uma risada nasal, seguindo para o quarto. Abro a porta e dou de cara com Lukas deitado sobre a cama do meu primo.

- Dani, titia está o chamando para almoçar. - falo, mantendo meu olhar sobre Daniel, que estava vidrado no computador.

- Oi, Aylinha - Lukas fala, se virando em minha direção.

- Oi, Lukas - sorrio, sem graça.

Lukas era o melhor amigo do meu primo, e por conta disso, os dois sempre estavam grudados um no outro, e quase todos os dias ele estava aqui na casa de titia, já que possuíam um canal juntos. Não que eu esteja reclamando, pelo contrário, eu amava isso. Assim, eu poderia ver o bonitão praticamente todos os dias.

Desde que conheci Lukas, ele sempre me tratou com gentileza e respeito, mesmo sendo implicante. E na maioria das vezes ele me trazia doces enquanto eu dava os sonhos da padaria do meu pai. Com sua forma cuidadosa e doce de me tratar, foi inevitável não sentir nada por ele. Para muitas garotas da minha idade, seus primeiros amores eram cantores, atores e personagens imaginários. Mas o meu... o meu era Lukas desde da primeira vez que o vi.

- Pensei que não iria te ver hoje, baixinha - Olho para ele, com os olhos arregalados.
- Toma, é pra você - ele estende a mão, deixando o bombom a mostra.

Sinto minhas bochechas esquentarem.

- Obrigada... Lukas. - Sorrio. - Ah, eu também trouxe algo para você. - Digo, indo até a cozinha e voltando rapidamente.

- Uma troca justa. - Solto uma piscadela, entregando uma embalagem especial cheia de sonhos para ele.

- Ah, você lembrou? Muito obrigada, senhorita padeira. - Ele sorri, dando uma mordida no bolinho.

Espero que ele não perceba meu nervosismo.

Daniel finalmente se dá conta da minha presença no quarto, franzindo o cenho.

- Quando você chegou aqui, sua tampinha? - Ele aponta para mim.

- Faz um tempinho. - Lukas responde com a boca cheia, tirando uma risada minha.

- Você fez o que eu pedi, divulgou o canal para seus amigos? - Ele sorri, animado.

- Nossa, esqueci completamente. - Bato a mão na testa.

Daniel bufa, voltando sua atenção para o computador:

- Lukas, me ajuda aqui na edição. E você, Aylinha - ele faz aspas com os dedos - Vá ajudar a mamãe na cozinha.

- Que cara noioso.. - Sussurro para que só eu possa ouvir, saindo do quarto. Antes que eu pudesse me distanciar por completo, escuto a conversa dos dois.

- Lukas, para que você traz doces para a Ayla? Assim parece que tá paquerando a garota. - Daniel diz.

- Paquerando? Se bem que ela é bonitinha..

- Tá maluco, mano? - Daniel o repreende - Não fala isso nem brincando. - Lukas dá uma risada

- Não quer me ver como cunhado? Mas fica tranquilo, eu só a vejo como uma irmã, uma irmã caçula.

- Você vai acabar deixando ela mal acostumada, tô avisando. - Daniel resmunga - E para deixar claro, ela é minha irmã mais nova, não sua.

As últimas faíscas de esperança que se mantinham em meu coração, desapareceram por completo depois do que Lukas declarou. Então, ele só me via como uma garotinha... Uma irmã caçula. Isso era tão óbvio, como não percebi antes? E eu achando que ele estava gostando de mim, fui muito boba. Como ele poderia? Lukas já tinha dezoito anos de idade, e eu sou apenas uma criança, de quatorze anos.

Lukas nunca olharia para mim.

🧁

- Bem, eu fiz o almoço. Quem dos bonitinhos ficarão com as funções de lavar e enxugar as louças? - Minha tia questiona, assim que terminamos a refeição. - Vamos lá.. - Ela revezava seu olhar sobre nós três.

- Mamma, infelizmente não posso ajudar - ele diz, se levantando. - Tenho que editar o vídeo. Mas, Lukas pode ajudar, não é?

Ele olha para Lukas, que concorda com a cabeça.

- É claro que posso, tia Márcia. - Lukas responde, recolhendo os pratos da mesa.

- Ayla pode ajudar você, meu querido. - Titia sorri, olhando para mim.

- Por que eu? Quem deveria ajudá-lo era o Dani - reclamo, apontando para meu primo.

- Eu já disse que tenho que terminar o vídeo, sua pirralha. - Ele retruca, revirando os olhos.

- Chega de picuinha! - Titia exclama - Daniel, já para o quarto e vocês dois para a cozinha. - Ela ordenou, fazendo com que a discussão parasse.

Antes de sair da sala de jantar, Daniel semicerrou os olhos, encarando Lukas.
Deve ter sido sobre a conversa de mais cedo, Daniel é mesmo ciumento. Mas Lukas nunca olharia dessa forma para mim, mesmo eu querendo tanto.

Sem contestar mais, sigo para a cozinha junto de Lukas. Enquanto ele lavava a louça consideravelmente bem, eu as enxugava e guardava. Tanto ele como eu estávamos em silêncio. Na verdade eu preferia assim. Querendo ou não, ainda estava ressentida pelo o que havia ouvido mais cedo.

Eu não queria de nenhuma forma que Lukas me visse como uma irmã. Uma garotinha eu até aceito. Mas como uma irmã?

Porém, o meu querido desejo não foi concebido, já que o bendito começou a falar sem parar.

- Ei, cê gostou do chocolate que te dei? - ele puxava assunto, enquanto mantinha sua atenção nos pratos.

Por um breve momento, me distraio observando cada mínimo detalhe do seu rosto, sem ao menos dar conta do que o garoto estava falando.

Meu sonho era beijar essa boquinha..

Talvez tenha sido por isso que eu nunca havia beijado alguém.

- Terra chamando Ayla.. - ele balançava as mãos em minha frente, tentando chamar a minha atenção.

Desvio meu olhar rapidamente, fitando o chão. Balanço a cabeça, me afastando desses pensamentos.. estranhos.

Tenho a absoluta certeza que eu estava mais vermelha que um tomate.

- Eu falei algo errado? - Ele questiona, enxugando suas mãos em um pano. - Me desculpe se..

- Não, você não falou nada. - Sorrio desajeitadamente. - O que você estava falando?

Ainda bem que seres humanos não possuem a capacidade de ler mentes, imagina se ele lesse a minha? Que vergonha.

- Ayla, acho que você não tá bem. - Lukas diz, pondo sua mão sobre a minha testa. - Será que foi o chocolate que te dei?

Me assusto com sua repentina aproximação, mas tento ao máximo não transparecer.
Eu não tinha muitas oportunidades de uma possível aproximação com ele, então, essa eu vou aproveitar. A possível preocupação que ele está demonstrando de algum modo me faz sentir que ainda haja algum fio de esperança, mesmo que pouquíssimo.
Ou, talvez eu seja só uma boba mesmo.

Ele manteve suas mãos por mais alguns segundos, retirando-as em seguida.

Mais alguns segundos eu surtaria, confesso.

Lukas balançou a cabeça em negação, voltando a lavar a louça.

Que fofo... acho que ele seria um bom pai.

Por que estou pensando isso?

- Eu estava falando sobre o chocolate que te dei, cê gostou?

- Ah, é que... Eu não gosto de chocolate branco. - Digo, com receio.

Ele sorri sem graça, voltando a lavar a louça. - Que mancada a minha, pensei que você iria enjoar do mesmo chocolate de sempre, foi mal.

- Não, não precisa pedir desculpas - balanço as mãos em sua frente. - Eu nunca enjoaria de um chocolate seu, você é o meu preferido.

O garoto franziu o cenho, com um sorriso ladino.

Arregalo os olhos, me dando conta do que acabei de falar.

Meu Deus.

Por que eu só não calo a minha boca?!

- Quero dizer que o chocolate, o bombom sonho de valsa, é o meu preferido! - Exclamei, quase soltando o prato que segurava em minhas mãos.

Lukas gargalha, não se contendo.
Sem dúvidas, a risada de Lukas contagiava qualquer ser que estivesse perto dele.

- Anotado, Aylinha. - Ele solta uma piscadela, Lukas parecia estar se divertindo com toda esta situação constrangedora.

E assim como Lukas havia prometido, ele fez. Sempre que ia para casa do Daniel, mesmo que eu não estivesse no momento deixava guardado especialmente um sonho de valsa para mim. E sempre que podia, levava um sonho para ele.
Lukas nunca se esquecia do meu bombom, era impressionante. Mas, eu tentava ao máximo não afundar ainda mais nesse sentimento, afinal, ele me enxergava apenas como uma irmã caçula.

Até que um dia ele deixou de frequentar a casa do meu primo, eu já não via mais os dois juntos. E claro, não ganhava os meus chocolates.

Mesmo eu tentando disfarçar o incômodo que sentia por não vê-lo, eu não perguntei nenhuma vez ao meu primo o porquê de Lukas estar tão sumido. Acho que, eu tinha medo da resposta que ele me daria.
Estavam brigados? Lukas foi embora? O melhor era não pensar muito.

- Mãe, o Lukas vem almoçar com a gente. - Daniel adentra a sala, onde estávamos.

- O Lukas está vindo para cá?! - Exclamo, sem esconder minha animação.

- Sim, qual a surpresa nisso? - Meu primo questionou, franzindo o cenho.

- Fazia muito tempo que não o via, ele estava sumido. - Sorrio, explodindo de felicidade por dentro.

Fazia um mês que não via Lukas, para mim parecia uma década. E pelo que aprendi, isso é muito tempo.

- Ele estava viajando, eu já falei sobre isso. - Meu primo diz, olhando para minha tia.

Eu arqueio uma sobrancelha.

Então titia sabia o motivo da viagem dele, mas não me disse nada? Não acredito que ela escondeu isso de mim.

- Vou ver se a lasanha já está pronta. - Ela murmurou, apertando o passo até a cozinha.

Que covardia, titia.

Eu fiquei bastante feliz em saber que veria Lukas, mas confesso que estava confusa do porquê ele havia viajado. Será que estava de mudança? Ou apenas uma viagem de trabalho, já que cada dia o canal crescia mais? Por que titia não me contou? É tão grave assim?

Porém, o almoço que para mim seria incrível, foi como uma bomba soltada no meu colo. A bomba que me deixou completamente destruída.

🧁

Faziam exatamente seis meses desde o almoço desastroso. Acontece que nesse almoço, os dois garotos anunciaram que
por causa do canal precisariam se mudar de estado. Mas, como o Dani não conseguiria ir no momento por conta de titia, Lukas iria primeiro. A viagem que Lukas havia feito, foi justamente sobre isso, ele tinha ido assinar os papéis do lugar onde eles morariam em São Paulo. Sim, em São Paulo.

Saber que Lukas iria embora causou uma dor tremenda em meu coração, uma dor que não cabe no peito. Coisa que eu nunca pensei em sentir. Mas, não era só isso. Daniel o acompanharia e o pior, levaria titia junto. Como eu ficaria nessa história toda? Eu nunca imaginei como seria minha vida longe deles. Sem ter como ouvir os conselhos e sentir os abraços calorosos da tia Márcia, e claro, a sua deliciosa comida. E sem viver ouvindo as piadas sem graça do Daniel, que em pouco tempo se tornou um irmão. Nunca pensei que esse dia chegaria. Nunca.
Mesmo assim, tive que me fingir de forte. Mesmo não sendo nem um pouco.
De qualquer forma eu deveria me acostumar com esse fato, pois logo mais ele se tornaria realidade.

Eu respirei fundo, engoli o choro e tentei ser forte. Foi isso que fiz quando vi eles se mudarem para outro estado, para outra vida.

Sem mim.

De uma vez eu havia perdido meu primeiro amor, meu irmão e a minha tia. Todos foram embora e me deixaram aqui, sozinha.

- Ayla, eu prometo que virei te visitar sempre, não se preocupe. - Daniel diz, me abraçando forte.

- Você promete? Promete de dedinho? - Ele sorri, mostrando seu dedo mindinho. Eu envolvo meu dedo no dele, em meio aos soluços.

- Eu prometo, Aylinha. - Meu irmão me encarou por alguns segundos, seu olhar era de compaixão. Ele suspirou, me abraçando forte.

Depois que nos separamos, foi a vez de titia se despedir de mim. Eu não consegui conter as minhas lágrimas que saiam descompensadas. E quando ela me abraçou, foi como se tivesse me dado um soco no estômago.

Que dor.

Titia me prometeu que em datas comemorativas ela estaria presente, sem falta. Eu iria acreditar neles e esperava não me frustrar ainda mais.

- Eu amo muito você, meu amor. - Ela acaricia meu rosto, tentando me consolar.

Quando vi Daniel e a tia Márcia se afastarem, meu choro se intensificou, enquanto mamãe me abraçava. Eu orava para que essa distância fosse apenas temporária e que tudo voltasse a ser como era antes.

Eles estavam indo em direção ao embarque, quando vi Daniel voltar correndo em minha direção.

- Aylinha, eu ia me esquecendo - ele para na minha frente, quase sem fôlego com as mãos no joelho.

- O que você esqueceu? - Indago, confusa.

- Toma - ele estende uma caixa de bombons.

- Pra que isso?

- Lukas pediu para entregar a você. - Ele responde, eufórico.

- O lukas? - Sinto minhas bochechas esquentarem. E meu coração se apertar ao ouvir o seu nome.

- Assim como você é para mim, você se tornou uma irmã para ele também. - Ele disse, antes da última chamada de seu voo.
- Eu preciso ir agora, Aylinha. Não esquece que eu amo muito você.

Daniel deposita um beijo em minha testa, correndo de volta para que não perdesse o voo.

Puxo todo o ar que me faltava, admirando a caixa que segurava em minhas mãos e sinto meu coração finalmente aquecer.

Lukas ainda se lembrava de mim.

E eu sempre iria lembrar dele.

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