CAP. 1 | JOHNNY CASH

AS VOZES DO OUTRO lado do jardim me despertaram do sono pouco confortável que estava tendo. Com essa maldita onda de calor por todo o estado, tem sido simplesmente impossível dormir durante a noite. Tenho estado exausta a maior parte dos dias, sem energia ou vontade de fazer qualquer coisa que não seja passar a maior parte do tempo na piscina.

A conversa praticamente unilateral continuou. Meu pai simplesmente incapaz de falar abaixo de uma décima nota, enquanto que a outra voz era um barítono quase inaudível. Abri os olhos, curiosa para saber o dono dela. Baixei os óculos de sol até a ponta do nariz, meus olhos raidamente caindo no homem que caminhava pelo jardim ao lado do meu pai.

- E alí está minha filha - Meu pai disse ainda mais alto enquanto passava na direção da entrada da casa . Ele estava sorrindo, orgulhosocomo sempre quando me apresentava a alguém. - Diga "oi", para Logan, querida!

Ergui um pouco a parte superior do meu corpo, olhando por cima dos óculos para o homem que continuava caminhando e não se deu o trabalho de me olhar uma segunda vez.

- Oi - Cumprimentei, voltando a me deitar e colocar os óculos de volta no lugar. O homem resmungou alguma coisa semelhante a algum cumprimento.

- Vá se aprontar para o jantar - Meu pai instruiu antes de entrar em casa sendo seguido por Logan.

Não perdi um único movimento dele até que ele sumiu dentro de casa. Pelo que me lembro, meu pai nunca foi de trazer os amigos em casa, talvez este seja um novo hábito adquirido nos últimos anos de aposentaria. Agora que retornei da faculdade para casa, tenho visto muitas coisas que não eram nada comuns no passado.  No entanto, se Logan é uma presença comum por aqui, definitivamente não vou reclamar.

Deixei a piscina e segui diretamente para o meu quarto. Escolhi uma roupa apropriada o suficiente para não ter meu pai me aborrecendo, mas ainda que não me sufocasse no calor escaldante. Tomei um banho e então desci, já conseguindo ouvir as vozes vindas da sala de jantar.

Assim que entrei, meus olhos pousaram imediatamente em Logan. Sua figura era tão larga que ocupava quase um espaço duplo. Absorvi mais de sua aparência, agora que estava mais perto e poderia ver todos os detalhes. É de tirar o fôlego, não só pelo tamanho, mas tudo nele. O rosto é ânguloso, seu maxilar bem desenhado coberto por uma espessa barba mesclada de preto e cinza assim como os cabelos. O rosto tem algumas rugas, mas parecem combinar tão perfeitamente com os olhos castanhos. Ele parece ter sido esculpido, cada pequena parte do rosto dele.

- Pensei que não se juntaria a nós - Meu pai falou quando me notou entrando. Ele e minha mãe estávam sentados também em seus lugares de sempre.

- Precisei tomar um banho primeiro - Dei de ombros enquanto me sentava na cadeira em frente a Logan. - Se tivesse avisado que teríamos um convidado, provavelmente me aprontaria mais cedo.

Meu pai riu e olhou para o amigo, dando um leve tapa no ombro do homem corpulento.

- Logan é quase de casa, na verdade - Disse. - Nos reencontramos depois de muitos anos e agora ele não vai se livrar de mim tão cedo.

- Se é assim... então acho que eu deveria me lembrar dele, não? - Perguntei, mas meus olhos continuavam nele. Agora ele também me olhava, mas pela ligeira curva no canto dos lábios, não parece muito animado com a conversa.

- Logan serviu com seu pai no Afeganistão - Minha mãe explicou. - Você era muito pequena época, querida.

Ergui uma sobrancelha para Logan, esperando que ele dissesse alguma coisa, mas ele continuou em silêncio. 

- E o que houve enquanto estavam no Afeganistão? - Perguntei com um sorriso zombeteiro nos lábios. - Cortaram a língua dele por lá?

- Kloe! - Minha mãe exclamou em tom de censura enquanto meu pai apenas riu. - Não seja rude. Sinto muito, Logan. Kloe fala além do que deveria algumas vezes.

Coloquei um pedaço do jantar na boca, mordendo devagar e reprimindo uma risada. 

- Logan é um homem de poucas palavras, minha filha - Meu pai olhou para o amigo. - E ela tem uma personalidade forte.

- Posso ver - Ele fala em tom audível pela primeira vez. Não um resmungo ou um grunhido, mas palavras de verdade, mesmo que poucas. Sua voz é rouca, forte e baixa, como aqueles cantores de rock antigo ou country. Uma versão mais rabugenta e mil vezes mais atraente de Johnny Cash. Também identifiquei notas do que poderia ser tédio ou só aborrecimento, mas ele não emitiu sons o suficiente para interpretar direito.

O jantar seguiu depois disso. Não falei mais, ocupada em terminar logo. Estava animada por ter planos para a noite.

- Seu jantar não vai fugir - Minha mãe disse. - Não precisa comer tão rápido.

- Desculpe - Falei, desacelerando. - Marquei com uma amiga mais tarde, só não quero me atrasar. Sabe que eu odeio.

- Onde você está indo? - Foi meu pai quem perguntou dessa vez.

- Ao cinema - Menti, mas foi tão rápido que provavelmente nenhum dos dois desconfiaria.
Eu sei que já não estou mais na fase da mentira, isso deveria ter ficado na época do ensino médio, afinal sou uma adulta que tem seu próprio dinheiro e é maior de idade.

Ainda assim, odeio saber que se dissesse realmente para onde estou indo, meu pai provavelmente me trancaria no porão. É só uma festa, algo nos arredores da cidade, perto da fronteira com o México, onde costumam fazer apostas com corridas de carros e ter muita bebida. Eu sei que não é o melhor lugar para ir, mas minha amiga Tasha disse que é divertido e seguro, então estou disposta a conhecer.

- Não volte muito tarde - Foi o único conselho que ele deu.

- Claro, pai - Sorri para ele. Meus olhos escorregaram para Logan, estóico em seu lugar. Ele estava me observando e isso me deixou nervosa por algum motivo.

Terminei o jantar e pedi licença para todos antas de subir rapidamente. Não levei muito tempo para me arrumar, já tinha a roupa escolhida e a maquiagem foi leve. Com este calor, provavelmente qualquer coisa mais carregada derreteria como um sorvete. Checando meu celular, vi que minha amiga já estava chegando para me pegar.

Desci as escadas cuidadosamente, contando que não fosse vista pelos meus pais, não querendo ter que explicar porque estava indo para o cinema usando uma blusa que provavelmente tem o tamanho de um palmo. A sorte não estava tão ao meu favor, pois assim que cheguei ao final dos degraus me deparei com Logan.

- Oh... Ei - Cumprimentei com um sorriso.

- Eu estava me perguntando - Ele começou, sua voz soando como um ronronar. - Que filme você está indo ver mesmo?

Engoli em seco. Essa é a primeira vez que ele fala algo tão longo e soa como uma provocação. Ergui a cabeça, empinando o nariz.

- Por quê? Ficou interessado? - Devolvi outra pergunta.

Ele não respondeu imediatamente e quando pareceu que diria algo, uma buzina soou do lado de fora.

- Minha carona chegou - Falei, girando um cacho do meu cabelo entre os dedos. - Gostei de conhecê-lo, Logan. Espero ver você mais vezes.

Passei por ele, sabendo que seus olhos não me abandonaram por todo o caminho até a porta. Quando sai da casa e cruzei o jardim rapidamente, ainda sentia seu olhar queimando em minhas costas.

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