⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⩩⦙ 𝖛. 𝕺 𝖈𝖔𝖓𝖉𝖆𝖉𝖔
Os primeiros raios solares nasciam no horizonte enquanto os pássaros davam início as suas cantorias matinais em agradecimento ao esplendor de mais um dia vital. Aos poucos Isleen despertou de seu sono sem sonhos, o que para ela significava bons presságios, pois é de conhecimento público que todos os sonhos vindos para a tríade de Yavanna costumam tratar-se de mensagens codificadas com relação ao futuro.
Sentando-se sobre o colchonete estendido no chão, a mais nova esfregou os olhos e soltou um bocejo enquanto retomava a consciência sobre o local que se encontrava. Próximo ao seu colchonete, os dois anões que faziam parte da comitiva de Thorin Escudo-de-Carvalho prosseguiam repousando em sono profundo, roncando alto e dormindo feito pedras. Tomando cuidado para não acordá-los, Isleen levantou e caminhou até a beira do rio, aonde Mairween recolhia água suficiente para preparar o chá.
— Bom dia, Mae. — Erguendo um pouco seu vestido para impedir que toda barra ficasse ensopa, Isleen tocou a água gelada com os pés descalços.
— Bom dia, querida irmã! — Cumprimentou Mairween sorrindo animada. Diferente da mais nova, a irmã do meio não se importava de ficar com as vestes húmidas, mantendo as calças na altura da canela enquanto sentia os elementos naturais. — Aproveite para se lavar enquanto os anões estão dormindo, pois depois não terá tempo e nem será de bom tom.
— O que quer dizer com isso? — Questionou Isleen inocentemente enquanto molhava o rosto.
— Que eles são homens. — Mairween revirou os olhos e deixou o lago com a chaleira de latão repleta com água — Vou preparar nosso café. Não ouse arrancar o vestido, caso contrário serei obrigada a cegar anões.
— Porque está sendo tão dura com eles? Branween uma vez disse que você os adorava, que eram seus favoritos — Isleen compreendia o receio da irmã, mas não conseguia entender as razões que levavam Mairween agir com brutalidade com as criaturas que vinham sendo tão gentis e amáveis.
— Não os conheço o suficiente, Isleen. Deve parar de achar que é prudente confiar em qualquer pessoa só por elas conhecerem uma música antiga sobre nós. E os meus anões favoritos já se foram a muito tempo, hoje não passam de memórias. — Respondeu a feiticeira tocando na presilha que prendia sua trança com a mão livre, fazendo uma pausa breve antes de seguir de volta para o acampamento.
Enquanto Isleen se limpava nas águas do rio e os anões mantinham o sono profundo, Mairween preparou o café da manhã com as provisões que trouxera consigo. Mesmo sabendo que poderia pescar para se alimentar naquela manhã, se recusava a ferir qualquer animal enquanto não fosse verdadeiramente necessário para sua sobrevivência. Os anões despertaram com o cheiro delicioso exalado pelo chá de Licocopo, torradas frescas e salsicha de legumes. Ainda sonolentos, eles sorriram com misto de agradecimento e empolgação por experimentarem algo proporcionado pela feiticeira lendária narrada em muitas histórias de dormir.
— Bom dia! — Cumprimentou Isleen ao notar que os anões haviam despertado. Ela sentou ao lado da irmã e cheirava flores frescas.
— Bom dia! — Responderam os anões, cada um no seu próprio tempo.
— Não se acostumem, não vou ficar cozinhando para anões durante a viagem. — Crispou Mairween servindo a comida em quantidade iguais dentro das tigelas, para que dessa forma todos fossem capaz de se alimentar da mesma forma e não houvesse desperdícios.
— Obrigado — Agradeceu Fili aceitando o prato de barro estendido pela feiticeira.
— O cheiro está maravilhoso — Elogiou Kili sorrindo simpático.
— Eu sei, fui eu quem fiz — Disse Mairween retribuindo o sorriso com outro orgulhoso. — Bom apetite.
Sentados ao redor da fogueira, os quatro se alimentaram em silêncio. Vez ou outra os anões trocavam sorrisos com Isleen, estando animados e ansiosos para prosseguirem a viagem repleta de aventura. Apesar de também estar empolgada, Mairween continuava na defensiva com os sobrinhos do rei exilado, o que não impedia Kili de tentar arrancar nem que fosse um sorriso sarcástico da feiticeira do meio.
Quando todos estavam devidamente alimentados e descansados, os rapazes desmancharam o acampamento enquanto as meninas utilizaram dos poderes para excluir qualquer indício de que estiveram por ali. No momento que tudo estava organizado o quarteto partiu em viagem.
De acordo com os cálculos feitos por Mairween, eles levariam o dia inteiro e parte da noite para alcançarem o Condado. Seria mais rápido caso os meninos estivessem montados, porém a feiticeira se recusava a colocar qualquer um deles sobre os lombos dos cavalos, preferindo acompanha-los a pé. Pelo menos ela aceitou o pedido da irmã mais nova, permitindo que as bagagens dos anões fossem postas com as provisões, deixando-os aliviados por se livrarem do peso por algum tempo.
O céu azul estava límpido, vez ou outra alguma nuvem branca passava rapidamente por eles, cobrindo o sol por breves segundos. A brisa tocava leve a pele das garotas, soando como um beijo carinhoso. Para distrai-los da caminhada, Mairween cantava suas músicas favoritas com o alaúde. As abelhas, pássaros e outros ruídos do ambiente adornavam a canção, estando em sincronia com a feiticeira de língua encantada. Deixando o dia cheio de vida, empolgando-os ainda mais para a aventura perigosa que enfrentariam futuramente.
Na hora do almoço o quarteto alcançou um belo campo florido, o que alegrou o coração de Isleen de imediato.
— Que lindas flores! — Isleen entregou as rédeas do cavalo para Fili, correndo até a floração.
Por ter crescido dentro dos muros da fortaleza, ela não chegou conhecer muitas coisas do mundo, vislumbrando paisagens como aquelas somente nas pinturas dos livros e quadros que estampavam as paredes. Com os olhos brilhando no tom rosa, Isleen ajoelhou-se no chão sentando sobre os calcanhares, desejando absorver o máximo possível de memória olfativa relacionada ao lugar. Estendendo os braços, tocou com sutileza nas plantas, sentindo a lividez do toque e o aroma exalado.
Enquanto os anões assistiam a cena estando um pouco assustadiços, Mairween riu fraco.
— O que ela está fazendo? — Perguntou Kili curioso enquanto acariciava o cavalo de Isleen.
— É algum tipo de bruxaria? — Questionou Fili dividido entre o medo e a graça.
— Não, ela só está sendo a Isleen encantadora e meiga de sempre — Mesmo possuindo um toque de magia naquele comportamento da irmã mais nova, Mairween preferiu esconder a informação dos irmãos. Pois era visível que eles aguardavam por mais demonstrações de feitiços vindas por parte das mulheres a qualquer instante. Além de que a mais nova não perdoaria ela caso espantasse seus "novos amigos" com alguma informação chocante ao seu respeito. — Vamos acampar para almoçarmos e seguiremos viagem. Não ousem caçar, ainda não se faz necessário para nossa sobrevivência.
— Tudo bem. — Assentiu os irmãos concordando com o pedido de Mairween.
Não demorou muito para que Fili e Kili preparassem a fogueira e Mairween repetisse quase que o mesmo prato do café da manhã. Nesse tempo Isleen permaneceu sentada brincando com as flores, montando uma coroa florida para sua própria cabeça.
— Oh, Isleen! Venha almoçar — Gritou Mairween quando terminou de dividir as porções igualmente.
— Isso foi inspirador e maravilhoso — Elogiou Isleen girando com os braços abertos, expelindo o novo cheiro doce adquirido e mostrando a peça que adornava sua cabeça — Tudo é tão maravilhoso fora da fortaleza.
— Nem tudo, Len. Nem tudo. — Mairween revirou os olhos, ela havia visto muitas coisas belas e horrendas fora da fortaleza, como em qualquer lugar do mundo.
—Você nunca viu um campo de flores? — Perguntou Fili à garota enquanto servia-se com a porção.
— Apenas nos livros — Ela sentou no chão para acompanha-los no almoço.
— Isleen cresceu dentro da fortaleza, ela nunca havia saído da segurança do lar até agora — Explicou Mairween quando os rapazes olharam incrédulos na sua direção — Eu e Branween conhecemos muita coisa do mundo, principalmente a Bran. Mas Isleen não.
— Por isso sou considerada uma lenda — Brincou a mais nova rindo fraco para os meninos.
— O que vocês ficaram fazendo durante todos esses anos? — Perguntou Kili após engolir o pedaço de caça que mastigava.
— Estudamos magia, dormimos, cantamos, coisas necessárias para a sobrevivência. Aprendemos sobre o passado para que possamos compreender o presente e evitar os mesmos erros no futuro. — Explicou Mairween desdenhando com os ombros — Era chato pra caralho.
— Mae sempre discutia com a Bran por causa disso — Complementou Isleen explicando aos anões sobre os anos que estiveram escondidas. — Não era seguro sair de acordo com nossa irmã mais velha. Não estávamos prontas.
— Bobagem! Eu sou a língua-encantada, qualquer idiota da Terra-Média tem medo de mim — Mairween resmungou com a boca cheia — Pelo menos deveriam ter. Agora calem a boca e comam logo, temos que chegar ao Condado ainda hoje.
Acarretando as ordens da Mairween, o grupo terminou o almoço em silêncio, voltando a conversar apenas quando estavam na estrada. Os garotos não escondiam o prazer que sentiam com as canções repletas de aventuras do passado que a feiticeira do meio cantarolava enquanto cruzavam os bosques sombreados e frescos, sentindo seus corações aquecerem com as melodias que eram complementadas pela natureza ao redor. Ao chegarem em Beirágua eles pararam em uma estalagem por tempo suficiente para obter informações e Mairween tomar uma boa caneca de cerveja preta com os rapazes, Isleen preferiu abdicar-se da bebida por não ter autorização prévia de Branween e temer ser considerado como ato deselegante para alguém como ela.
Os quatro estavam cansados, mas não exaustos, apenas molengas e muito calmos por dentro devido a agradável caminhada. Isleen havia feito uma pequena bolha de água na sola de seu pé pelo descostume de caminhar, mas não reclamou em momento algum. Seguindo as informações dadas na estalagem, eles deixaram de seguir o curso do rio e viraram para o sul. Quando alcançaram o Condado o sol havia declinado, as sombras estavam mais avermelhadas e as estelas começaram a surgir no céu.
— É claro que nosso ladrão seria um deles — Comentou Mairween rindo divertida ao perceber as criaturas que moravam naquela região.
O Condado era a terra de criaturas pequenas e um tanto assustadiças, não passavam de um metro e trinta de altura, possuíam pés grandes e peludos que desnecessitavam os sapatos. Essas pessoas boas e simplórias eram conhecidas como Hobbits. Seres encantadores que habitam tocas no chão, todas gramadas e com portas redondas. Algumas dessas tocas possuíam cercas brancas e um belo jardim em sua frente.
— Procurem pela runa marcada por Gandalf — Ordenou Mairween olhando atentamente de porta em porta enquanto atravessavam o povoado. — Eles estão diferentes de como me lembrava.
— Eles são tão adoráveis. Tenho vontade de apertá-los. — Comentou Isleen encantada com o tamanho das criaturinhas.
— Por favor, não faça isso. Eles só são pequenos, continuam sendo como qualquer outra criatura da Terra-Média — Zombou Mairween segurando o riso. — Adorei as casas, parecem tocas de coelho. Estou ansiosa para encontrar a casa de nosso anfitrião, quero muito ver como elas são por dentro.
— Não podemos deixa-lo esperando. Será que nossa irmã já estará presente? — Perguntou Isleen acenando para algumas crianças que pararam suas brincadeiras para observar o quarteto passar.
— Talvez, mas não estou muito ansiosa para ver a cara da Branween tão cedo — Mairween fez caretas, sabia que levaria toda a culpa por terem fugido de casa e, provavelmente, a mais velha a ofenderia em público para mostrar autoridade.
— Aquela é a casa — Informou Isleen apontando para a casa no topo da colina, tendo enxergado a runa graças ao ótimo alcance de sua visão.
Todos ofegavam quando alcançaram o final da colina, Mairween torcia para não estarem atrasados para a reunião graças a estúpida ideia dos anões de terem partido sem a companhia de um pônei ou qualquer montaria. Teriam chegado mais cedo se não fosse por esse pequeno empecilho. A runa desenhada por Gandalf brilhava intensamente em azul, confirmando que aquela era a residência correta.
— Fique atrás de mim! — Ordenou Mairween se adiantando e protegendo a irmã mais nova de qualquer surpresa desagradável que pudesse surgir, afinal os membros da comitiva ainda eram anões. Utilizando os nós dos dedos, ela bateu na porta do anfitrião.
Não foi surpresa para nenhum membro do grupo quando uma pequena e estranha criatura atendeu a porta. Era como todos os outros moradores do Condado, estruturalmente menor que os anões, rosto amigável com expressões surpresas, seus cabelos eram castanhos cacheados e tinha o abdómen um tanto gordo.
— Em que posso ajuda-los senhoritas? — Ele sorriu para as garotas, porém o sorriso desfez ao ver que ambas estavam acompanhadas pelos irmãos Durin — E senhores anões?
— Sou Mairween e essa é a Isleen — Apresentou a feiticeira apontando para a irmã mais nova com a ponta da lâmina de sua adaga. — Esses são...
— Kili, as suas ordens! — Cumprimentou o anão sorrindo simpático ao pegar a deixa da feiticeira para se apresentar.
— E Fili — Acrescentou o loiro, ambos retiraram os capuzes e fizeram uma mesura formal.
— Pelo visto chegamos cedo — Disse Mairween ingressando na casa do Hobbit assim que ele lhe deu passagem. — Seu lar é impressionante, parece bem confortável.
— Obrigado... — Agradeceu o anfitrião com expressões confusas enquanto segurava as armas que Kili e Fili largaram em seus braços antes de se unirem aos anões que haviam chego primeiro para a reunião. — Mas acho que estão na casa errada.
— Ele fez aquilo não fez? — Perguntou Mairween retirando as armas dos anões dos braços do Hobbit e jogando no chão.
— Ele? Quem? — Perguntou Bilbo franzindo o cenho.
— Gandalf — Respondeu Isleen sorrindo doce e cativante para o anfitrião, o qual foi retribuído pelo homem. — Não te deu muitas informações, não foi?
— Que informações? — Insistiu o Hobbit ainda mais intrigado com o que as meninas queriam dizer.
— Bom, isso vai ser divertido. — Ignorando a pergunta do Hobbit, Mairween trocou sorrisos com a irmã e a puxou pela mão, aprofundando na casa do futuro ladrão da comitiva. — Vamos nos juntar a multidão.
— Com licença, senhor. — Isleen fez uma mesura breve e acompanhou a irmã.
Da porta de entrada abria-se um enorme corredor no formato de tubo, sendo um túnel muito confortável e limpo, suas paredes e chão eram revestidos de ladrilhos e atapetado, as cadeiras todas polidas e próximo à porta existiam vários cabides para capas e chapéus. As garotas retiraram suas capas de viagens e seguiram para a cozinha, onde dois anões mais velhos se encontravam conversando animados com os dois mais novos.
— Vocês estão dizendo que Mairween, a Língua-encantada, é real? — Um dos anões questionava Fili e Kili sobre a existência das irmãs — Impossível.
— O que estão falando sobre mim? — Perguntou Mairween na antiga língua dos anões. — Falem na minha cara ou da próxima vez arranco suas línguas.
— Não pode ser — O mais velhos dos anões alargou o sorriso ao ver ambas as feiticeiras, ele tomou a dianteira, fazendo uma mesura para Mairween antes de segurar suas mãos com ternura — Minha avó contava muitas histórias ao seu respeito. Balin, as suas ordens. Esse é meu irmão...
— Dwalin, as suas ordens — Cumprimentou o anão de barbas azuis e pouco cabelo.
— Eu sou Mairween, essa é Isleen — Apresentou a feiticeira apontando com o queixo para a irmã mais nova, já que o anão idoso permanecia segurando suas mãos, o que a deixava levemente desconfortável. — Nossa irmã, Branween, chegará em breve.
— Branween? A filha de Yavanna? Lady Branween? — Perguntou o Hobbit arregalando os olhos ao escutar o nome da feiticeira mais velha. — A senhora das lendas? A última feiticeira original?
— Sim, a própria — Assentiu Mairween fazendo careta com todos os questionamentos e puxando as mãos, cruzando os braços antes que outra pessoa quisesse tocá-la. — Somos a tríade dos Valar. Apenas ficamos um pouco desfalcadas durante a viagem.
— Você é a língua-encantada? — Perguntou o Hobbit dando um passo para trás. — A domadora de Trolls?
— Domadora de Trolls? — Isleen olhou confusa para a irmã.
— Longa história — Mairween balançou a cabeça negativamente e gesticulou para que ela esquecesse aquilo.
— Dizem que ela encantou um troll para atacar os elfos no dia que foi enviada para a Terra-Média — Explicou Bilbo contando sobre um dos vários causos que compunham as lendas que levavam o nome de Mairween. — É por isso que os elfos tinham medo dela.
— Isso foi a muito tempo, antes de qualquer um de vocês nascerem. Incluindo a própria Isleen. E não foi bem assim que aconteceu — Mairween balançou a cabeça negativamente — Eles queriam me matar, só estava me defendendo. Além de que eles não tinham medo de mim por causa disso, era outra coisa que não interessa para nenhum de vocês.
Para o alívio da feiticeira, a campainha começou a tocar como se alguma criança pentelha estivesse tentando arrancar a corda do sininho utilizando toda força. O anfitrião olhou assustadiço para as garotas, deixando evidente que não fazia a mínima ideia do que acontecia em sua casa naquela noite.
— Vá atender a porta, criatura minúscula — Ordenou Mairween apontando com a palma da mão estendida para a entrada da casa. — Ou eles irão derruba-la.
— Eles? Eles quem? — Perguntou o hobbit nervoso.
— Os anões — Respondeu Isleen segurando no ombro do anfitrião com ternura — Posso ajuda-lo se quiser. Pelo som deve ter quatro ou mais lá fora.
— E também nós os vimos ao longe. Seria questão de tempo para nos alcançar — Explicou Mairween desdenhando com os ombros.
— Vamos lá, eu o acompanho senhor. — Gentilmente, Isleen gesticulou para que o menor tomasse a dianteira.
O Hobbit assentiu e a acompanhou, porém antes de abrir a porta ele sentou no corredor, colocando ambas as mãos sobre a cabeça, deixando evidente estar desesperado com a bagunça que aquilo estava tornando. Enquanto Mairween revirava os olhos e balançava a cabeça, Isleen solidarizou com o anfitrião.
— O senhor está bem? — Ela agachou na frente do pequeno, colocando ambas as mãos sobre seus joelhos.
— Estou, querida — Ele ergueu os olhos, apoiando suas mãos sobre as dela enquanto forçava um sorriso. No fundo tentava deglutir todos os eventos daquela noite — Só preciso de um tempo.
— Quer que eu os atenda, senhor...? — Isleen acariciou com o dedão as mãos pequenas dele.
— Bilbo, Bilbo Bolseiro. Perdão por não ter me apresentado formalmente — Ele apertou a mão dela com firmeza, balançando de um lado para o outro como criança animada. — Ainda mais para alguém como a senhorita, que falha a minha. Mil perdões.
A sineta tocou mais alto dessa vez.
— Acho melhor atendê-los — Isleen riu levemente enquanto levantava, puxando o anfitrião pelas mãos com ternura — Estão ficando irritados. Eles são pequenos, mas são fortes, será questão de segundos até que não exista mais madeira.
— Claro! Onde estava com a cabeça? — Bilbo riu sem humor e correu até a porta, sendo acompanhado pela feiticeira mais nova.
No fim das contas não eram quatro anões como havia sugerido, mas cinco. Outro anão juntara aos quatro durante a breve conversa da feiticeira com o Hobbit. O menor mal havia girado a maçaneta quando todos saltaram dentro de sua casa fazendo reverências e dizendo "ás suas ordens" um após o outro. Eles eram Dori, Nori, Ori, Oin e Gloin. Não tardou para que o número de capuzes pendurados aumentassem no cabideiro, agora tendo dois roxos, um cinza, três marrons, um branco, dois verdes e um turquesa. Enquanto para o anfitrião aquilo era um pesadelo, para Isleen e os demais presentes estava se transformando em uma festa, algo que a mais nova nunca tinha participado em sua vida. Ela os acompanhou, juntando-se novamente a irmã na cozinha sem deixar de sorrir empolgada com tudo.
— Sim, eu sou a língua-encantada, mas não precisam encostar em mim. Argh! — Reclamou Mairween desvencilhando dos anões quando Dori tentou tocar nas tranças do seu cabelo. Ela sabia que a intenção era vislumbrar as presilhas de ouro que ganhara a muitos anos e tratava com esmero. — O próximo que tentar tocar no meu cabelo terá a mão decepada.
— A forma como seus cabelos estão trançados, sabe o que significa? — Perguntou Dwalin com os braços cruzados a observando com desconfiança.
— Significa que não foram os únicos anões que cruzaram meu caminho — Rebateu Mairween em Khuzdul. Era óbvio que ela tinha conhecimento sobre a forma que os cabelos estavam trançados, assim como conhecia a história dos anões melhor que os próprios presentes naquele ambiente e em toda terra-média. — Não preciso ficar provando quem sou para nenhum de vocês, assim como não precisam tocar em minhas presilhas, cabelos ou os caralhos para terem a confirmação. Não tenho motivos para mentir e logo nossa irmã chegará.
— Ela está atrasada, estou começando a me preocupar — Sussurrou Isleen ao ouvir a reclamação da irmã e em uma língua que apenas elas conheciam.
— Ótimo, guarde para você qualquer preocupação — Rebateu Mairween irritada.
— Essas crianças só vão nos atrasar — Resmungou Dwalin na intenção que apenas Balin o ouvisse, mas nada escapava dos ouvidos atentos da feiticeira do meio.
— Criança? Eu sou mais velha que você, seu filho da puta! — Urrou Mairween tocando no cabo da espada presa na bainha.
— Mairween, por favor, mantenha o respeito. — Ordenou Isleen parando a irmã antes que ela usasse o objeto afiado para ameaçar os companheiros de viagem. Era evidente que a outra estava se sobrecarregando com todas as perguntas dirigidas a ela, toques e diferentes histórias narradas por cada anão. — Lembre-se que eles só estão empolgados, você é a filha de Yavanna favorita deles de acordo com as histórias que a Branween me contava.
Ouve um grande 'ratatá' na bela porta verde do Hobbit, ruído indicando que alguém batia com o cajado e que esse alguém, com certeza, era o mago Gandalf. Bilbo largou o que fazia, correndo pelo corredor com expressões ranzinzas, estando tão desgostoso quando Mairween com aquela quantidade absurda de anões em sua casa. Abriu a porta com um único solavanco, fazendo com que quase todos os anões que aguardavam do lado de fora caíssem empilhados para dentro. Mais quatro anões juntaram-se a eles, estando o grupo acompanhado por Gandalf e Branween. A feiticeira apoiava-se no braço do mago, o qual ria inclinado sobre o seu cajado.
— Cuidado! Cuidado! — Falou o mago — Não é do seu feitio, Bilbo, deixar amigos esperando no capacho, e depois abrir a porta como uma Língua-Encantada raivosa! Deixe-me apresentar: Bifur, Bofur, Bombur e, especialmente, Thorin e Branween, a feiticeira original.
— As suas ordens! — Disseram os anões parados em fila.
— Uau! — Exclamou Bilbo admirando com encanto quando a feiticeira aproximou para cumprimenta-lo com um aperto de mão — Desculpe pelo que irei dizer, mas a senhora é mais bela do que as histórias de ninar descrevem, Lady Branween.
— Não precisa pedir desculpas pelo elogio, senhor Bolseiro. Foi a coisa mais adorável que ouvi em anos — Agradeceu Branween acenando breve com a cabeça. Delicadamente ela retirou a capa de viagem vermelha, entregando para que o anfitrião pudesse pendurar. — Espero que minhas irmãs tenham chegado bem.
— Abraço grupal! —Zombou Mairween correndo até a mais velha e a abraçando apertado, o intuito não era matar a saudade da líder das feiticeiras, mas impedir que ela utilizasse de suas mãos para dar petelecos ou pequenos tapas na frente dos anões. — Sentimos tanto a sua falta.
— Sabe que não escapará das minhas broncas, não sabe? — Branween sussurrou, não escondendo sua irritação com a desobediência — Que ideia maluca foi essa de sumir na calada da noite? Por sorte meu cavalo estava pronto, mas vocês estavam muito a frente para que pudesse alcança-las. Fiquei preocupada, principalmente depois do ocorrido com os Orcs. Mas parabéns, conseguiu o que desejava, teremos que participar dessa anarquia.
— Vai ser divertido — Disse Mairween, porém ela franziu o cenho ao se tocar sobre as criaturas das trevas que a irmã havia dito — Mas espera, você disse Orcs?
— Longa história, depois explicarei com detalhes. Mas, em resumo, conheci Thorin no caminho enquanto ele tentava se defender de cinco Orcs. Matei um por um e me uni a ele, já que estamos nessa junto e nos encontraríamos no Condado de qualquer jeito. — Branween revirou os olhos.
— Pelo visto está em nosso destino nos encontrar com a família Durin, encontramos os sobrinhos do Thorin no caminho — Explicou Mairween apontando para Fili e Kili, os quais conversavam empolgados com os outros membros da comitiva. — Como que o rei exilado é?
— O pior tipo de anão que pode conhecer. Mandão, hipócrita, tive que me segurar para não lançar um feitiço sobre ele enquanto dormia — Respondeu Branween em alto e bom tom para que o anão pudesse ouvir, o qual olhou para a feiticeira sorrindo de canto.
— Não é à toa que viraram amigos, são iguais — Zombou Mairween percebendo que, apesar da sinceridade em suas palavras, Branween havia se dado bem com o líder. — E falando em amigos, Isleen vai acabar roubando meu lugar de feiticeira favorita dos anões.
— Eu não vou não — Disse Isleen abraçando a irmã mais velha pela cintura enquanto se unia aos demais na sala de jantar. — Você que não está sendo simpática com eles.
— E você está sendo até demais. — Mairween revirou os olhos.
— Agora que estamos todos aqui! — Disse Gandalf olhando para a fileira de dezesseis capuzes pendurados nos cabides — Que reunião alegre! Espero que tenha sobrado alguma coisa para que os atrasados possam comer e beber! — O mago olhou para a mão da Isleen, a qual segurava uma delicada xícara de chá servida por Bilbo alguns minutos atrás. — O que é isso, minha pequena?
— Chá — Respondeu Isleen sorrindo animada para o mago, no fundo estava feliz por seu plano maluco ter funcionado e todas estarem prestes a viver uma grande aventura fora da fortaleza.
— Não, obrigado! Um pouco de vinho tinto para mim, eu acho. — Disse Gandalf sorrindo alegremente para o Hobbit.
— Para mim também — Disseram Thorin e Branween em uníssono.
— E geleia de framboesa e torta de maçã — Pediu Bofur.
— E pastelão de carne com queijo — Falou Bombur.
— E torta de carne de porco com salada — Disse Bofur após outro anão gesticular seu pedido para ele.
— E mais bolo, cerveja clara e café, se não se incomodar — Disseram os outros anões através da porta.
— Sirva também alguns ovos, meu bom rapaz! — Pediu Gandalf para que Bilbo pudesse ouvir, o qual esbaforia irritado ao dirigir para despensa — E traga também a salada de galinha com picles.
As irmãs regressaram para a cozinha, acomodando-se na mesa junto com os treze anões e o mago Gandalf. A conversa entre os presentes fluía animada, enchendo o recinto de vozes e risadas, os anões desejavam colocar todos os assuntos pendentes em dia, além de desejarem descobrir mais sobre as feiticeiras dos Valar, principalmente de Mairween, a qual estava começando a se irritar com tantas perguntas e histórias errôneas narradas pelos homens. Cada um deles narrava uma versão distinta da mesma história, complementando com fatos exagerados e mostrando para as irmãs o quanto as lendas estavam distantes dos verdadeiros eventos acontecidos a séculos atrás.
— Alguém deveria ajudar o Bondeiro — Resmungou Mairween ao escutar pela terceira vez a versão musical sobre o dia que, literalmente, caiu do cavalo em uma poça de lama.
— É Bolseiro, Mairween — Corrigiu Isleen olhando para a pequena criatura que corria de um lado para o outro da casa.
— Tanto faz, só acho melhor alguém ajudar o Bolseiro ao invés de ficar cantando essa música idiota para mim — Mairween aumentou o timbre de voz, encarando cada um dos anões a mesa. — Pois o próximo que cantar qualquer coisa relacionada aquele dia terá a língua arrancada.
— Mairween — Repreendeu Branween notando a mudança na cor de um dos olhos da irmã.
— Eles são folgados, não é de surpreender que estão parecendo Mûmaks — Rebateu Mairween apontando para os anões com a ponta da adaga que utilizava para cortar pedaços de maçã.
— E porque você não vai? — Perguntou Gloín rispidamente.
— Porque não estou "As ordens" de ninguém. Nem eu e nem as minhas irmãs. — Ela cruzou os braços e arqueou uma das sobrancelhas.
— Nós vamos, estamos mais descansados — Falou Kili antes que Mairween iniciasse uma discussão com os outros membros da comitiva por futilidade.
— Não fazem mais que a obrigação — Mairween sorriu marota para o moreno enquanto colocava os pés em cima da mesa.
Os irmãos Kili e Fili, Balin e Dwalin haviam comido mais do que os outros presentes por estarem a mais tempo na casa do Hobbit, portanto também estavam mais descasados e dispostos a ajudar. Eles levantaram e rumaram para onde Bilbo se encontrava. Demonstrando agilidade, arrebataram as bandejas e um par de mesinhas para a sala, arrumando o local de forma que coubessem todos os hóspedes. Gandalf sentou na cabeceira da mesa tendo os anões ao seu redor, enquanto Branween sentou-se na outra ponta com as irmãs acomodadas cada qual de um lado.
Os anões se alimentavam exacerbadamente enquanto conversavam sobre os mais diversos assuntos, sendo o principal deles as lendas envolvendo as duas feiticeiras mais velhas presentes. Ao invés de narrar as versões reais sobre os eventos que deram origem as lendas, as feiticeiras preferiam seus próprios temas de conversa, tendo como foco a maneira heroica que Branween auxiliou Thorin durante a batalha contra os Orcs a caminho do Condado. Assim como o anfitrião, a mais velha estava desgostosa com toda situação e, diferente do Bolseiro, não disfarçava as expressões irritadiças da face e do timbre de voz.
Mesmo considerando o fato de sair de casa algo bom que reavivava sua antiga versão que julgava ter sido esquecida, Branween temia pela segurança das irmãos por, aos poucos, sua teoria de que o Necromante regressaria para assombra-la era real. Ela e Gandalf trocaram olhares tensos algumas vezes, como se comunicassem telepaticamente sobre o assunto, o que deixava as mais novas curiosas e ao mesmo tempo preocupadas.
— Imagino que vocês todos ficarão para o jantar? — Perguntou Bilbo retoricamente com a voz mais educada e calma que conseguia expressar.
— É claro! — Assentiu Thorin — E até depois disso. Não devemos terminar muito tarde, mas precisamos de um pouco de música primeiro. Agora vamos limpar tudo!
Os doze anões puseram-se imediatamente em pé, assim como Mairween ao ouvir a palavra "música" ser dita em voz alta, saindo do recinto por tempo suficiente para pegar seu alaúde. Isleen, Thorin e Branween permaneceram sentados, enquanto o líder anão e a líder das feiticeiras conversavam com o mago cinzento, a mais nova prestava atenção na movimentação dos membros da companhia. Com maestria eles limpavam a bagunça. Fazendo grandes pilhas com todos os objetos e sem esperar por bandejas, equilibrando colunas de pratos, cada uma com uma garrafa no topo, tudo utilizando apenas uma mão.
— Por favor, tenham cuidado! Por favor, não se incomodem, eu posso cuidar disso! — Implorava o Hobbit correndo atrás deles, gemendo e suplicando para que suas louças não fossem quebradas por descuido.
Sem se importarem com as aflições do anfitrião, os anões começaram a cantar. Prontamente preparada, Mairween seguiu o ritmo da canção animada dos anões com seu alaúde.
"Copos trincados e pratos partidos!
Facas cegas, colheres dobradas!
É isso que em Bilbo causa gemidos
Garrafas em cacos e rolhas queimadas!
Pise em gordura, corte a toalha!
Sobre o tapete jogue os ossinhos!
O leite entornado no chão se coalha!
Em cada porta há manchas de vinho!
Jogue esta louça em água fervente,
Soque bastante com este bastão,
Se nada quebrar, por mais que se tente,
Faça rolar, rolar pelo chão!
Isso é o que Bilbo Bolseiro detesta!
Cuidado! Cuidado com os pratos da festa!"
Desesperado, o Bolseiro ficou dando voltas e voltas pela cozinha, tentando observar tudo o que os visitantes faziam. Obviamente os anões não exerceram nenhuma das atrocidades com as louças que haviam citado na canção e em questão de minutos tudo estava limpo, organizado e guardado a salvo em seus devidos lugares. Enquanto Isleen, Branween, Thorin e Gandalf aplaudiam animados com o show, Mairween agradeceu aos presentes com uma reverência polida enquanto os anões riam. Logo todos estavam acomodados outra vez, prontos para prosseguirem com a reunião.
— Quais são as notícias do encontro em Ered Luin? Todos eles foram? — Perguntou Balin para Thorin, o ancião, assim como os demais, estava interessado em saber sobre a reunião entre os líderes anões dos povoados distantes, ansiando saber o quanto de auxilio amigo teriam para enfrentarem a perigosa jornada.
— Representantes dos sete reinos. — Afirmou Thorin meneando positivamente com a cabeça.
— Ah, todos eles! — Exclamou Balin alegre pela notícia. Apesar daquilo ser maravilhoso, as expressões do Thorin demonstravam que a reunião não havia saído como esperado, deixando de alcançar as suas expectativas.
— E o que os anões da colina de ferro disseram? Dain está conosco? — Perguntou Dwalin tão animado quanto os outros com a confirmação da presença de todos os líderes anões.
— Eles não virão — Respondeu Thorin tristemente. — Disseram que essa missão é nossa, e apenas nossa.
— Foi o que a Bran disse em casa, mas cá estamos nós — Falou Mairween gesticulando com as mãos na tentativa de mostrar apoio as criaturas barbadas. — De qualquer jeito eu viria ajuda-los, afinal tenho dívida com sua ancestral, Thorin.
— Mairween tem dívida com os anões? — Perguntou Isleen em um sussurro para Branween, a qual gesticulou para que ela deixasse aquele comentário passar batido. No momento certo a irmã do meio contaria para a mais nova sobre os eventos do passado e, principalmente, as razões que transformavam Mairween na feiticeira dos Valar preferida das criaturas.
— Vocês vão sair em uma missão? — Bilbo questionou quase que no mesmo instante que Isleen, porém devido ao seu timbre de voz alto, ele que atraiu a atenção dos demais presentes à mesa.
— É sério que não contou para ele, Gandalf? O quão no escuro está essa criatura? — Ao ouvir a pergunta do menor, Branween olhou incrédula para o mago e em tom de represália, detestava quando o cinzento colocava qualquer pessoa naquele tipo de situação.
— Falando em escuro, Bilbo, meu querido amigo, que tal mais um pouco de luz? — Perguntou o mago ignorando completamente a pergunta da feiticeira.
— Nós gostamos do escuro. — Falaram os treze anões em uníssono, todos estando contentes com a penumbra do ambiente iluminado apenas por algumas velas e castiçais.
— Escuro para negócios escusos! — Citou Thorin recordando sobre a situação que estavam — Ainda há muitas horas antes da alvorada.
— Ah, vão se foder! — Estalando o pescoço e modificando o tom de apenas um de seus olhos, Mairween clamou na língua que apenas ela conhecia pelo fogo, fazendo com que a vela próxima ao rei anão iluminasse mais do que todas as outras, clareando toda mesa como lâmpada fluorescente. — Prossiga, Gandalf.
— Bem distante no leste além de montanhas e rios, depois de florestas e desertos... — Gandalf aproveitou a deixa para abrir na frente do líder da comitiva um mapa de suma importância — Existe um único e solitário pico.
— A montanha solitária. — Leu Bilbo em voz alta ao aproximar novamente do grupo, estando chocado com a sala iluminada.
— Sim, Oín leu os presságios e os presságios dizem que está na hora. — Falou Glóin orgulhoso aos demais presentes sobre as previsões feitas pelo irmão.
— Corvos foram vistos voando para as montanhas, como foi profetizado. — Informou Oín —"Quando as aves de outrora retornarem à Erebor o reinado da fera irá terminar".
Aproveitando do clima místico e pesado que a citação da velha profecia havia causado entre os presentes, profecia essa que fora gerada por Mairween há muitos anos atrás, antes mesmo que Thorin viesse ao mundo, a feiticeira do meio respirou profundamente, enchendo seus pulmões antes de apresentar aos membros da comitiva uma de suas muitas canções originais.
"O rei sob a montanha.
O rei da pedra esculpida.
O senhor das fontes de prata deve entrar em seu reino.
Sua coroa deve ser defendida,
Sua harpa deve ser restringida,
Seus corredores devem ecoar dourado
Para músicas de um ano re-cantadas"
Todos estavam petrificados pela voz suave da feiticeira, principalmente pela canção se tratar do líder da comitiva. Aceitando aquele gesto da língua-encantada como um sinal fortuno para a aventura que pretendiam encarar nos próximos meses.
— Você transformou a profecia em canção? — Branween conhecia a mania da feiticeira do meio de transformar tudo em música, sendo uma barda excelente e usar a sonoridade para elevar seus poderes mágicos. Mas não esperava que ela cantarolasse algo assim para os anões logo de cara.
— Eu apreciei mais essa versão, se me permite comentar. — Elogiou Thorin sorrindo orgulhoso para Mairween.
— Ninguém decora profecias com a mesma facilidade que decoram músicas, por isso elas perpetuam por séculos e séculos — Disse Mairween com soberba, retribuindo discretamente o sorriso do Thorin. — Falando em profecias, acho que é uma boa hora para explicações. Tomarei a frente se Branween permitir.
— A frente do que? — Perguntou o Hobbit tentando digerir as coisas que estavam acontecendo.
— Gandalf, anões, minhas queridas irmãs e Sr. Bolseiro! — Ignorando a pergunta feita pelo menor, Mairween ficou em pé no instante que Branween acenou para que ela prosseguisse com o monólogo que estava prestes a fazer. O apelido "língua-encantada" da feiticeira do meio não dava-se apenas pelo fato de conseguir comunicar-se com qualquer criatura e elemento natural, mas também por sua oratória — Estamos reunidos na residência dessa pequena criatura, um companheiro de conspirações, mui excelente e audacioso hobbit. Que os pelos do seus pés jamais caiam! Todos elogios ao seu vinho e sua cerveja, apesar de já ter tomado melhores. — Ela parou com a enrolação quando Branween a repreendeu com um pigarro. — Estamos reunidos para discutirmos nossos planos, caminhos, meios, políticas e estratégias para nossa próxima aventura. Antes do nascer do dia, deveremos iniciar uma longa viagem, uma viagem da qual alguns de nós, ou todos vocês (com a exceção do nosso amigo e conselheiro, o engenhoso Gandalf, e também as minhas fabulosas irmãs) talvez nunca voltem vivos.
— Desculpe, ainda não estou entendendo... — Bilbo tentava com honestidade compreender toda aquela baderna que vinha acontecendo em sua casa desde o cair da noite, mas o discurso de Mairween apenas serviu para deixa-lo ainda mais confuso e preocupado. — O que quer dizer com "Não voltar vivos"?
— Este é um momento solene. Nosso objetivo é, pelo que entendo, bem conhecido pela maioria presente. Para o estimável Sr. Bolseiro, minha querida irmã Isleen e alguns anões mais jovens, a situação exata no momento parece exigir uma pequena e breve explicação... — Branween ficou em pé e gesticulou com brandura para que Mairween voltasse a sentar, assumindo as rédeas da reunião.
Infelizmente Branween não pode continuar com suas explicações, tendo o seu discurso interrompido por Bilbo Baggins que ainda não havia conseguido digerir a assustadora informação de que poderia morrer no processo.
Ao ouvir que talvez nunca voltassem para casa, começou a sentir um grito agudo vindo de seu interior, que logo irrompeu como uma chaleira de água fervente. Todos os anões pularam de susto, derrubando suas canecas e outros objetos em mãos. Os convidados não tiveram muito tempo para questionar seu comportamento, pois no instante seguinte o Hobbit caiu duro no chão enquanto repetia diversas vezes "Atingido por um raio, atingido por um raio!", sendo essas as únicas palavras que conseguiam arrancar dele por um longo tempo.
— Seria menos insuportável se tivesse desmaiado — Comentou Mairween desdenhando com os ombros, sendo rapidamente repreendida por Branween com um beliscão forte na parte posterior do braço. — Porra, Bran!
— Pobrezinho! Está assustado como um porco no abate. — Tomada por empatia, Isleen o pegou no colo delicadamente, retirando Bilbo do caminho e o levando para local mais calmo da casa. Sorrindo tenra, ela o colocou no sofá da sala de visitas. — Vou pegar uma bebida quente para você.
— Por favor, não solte minha mão. — Pediu Bilbo a segurando antes que fosse deixado sozinho.
— Não soltarei, Sr. Baggins. Não há o que temer, estou aqui — Isleen ajoelhou próxima do sofá, sorrindo serena para o Hobbit enquanto acariciava a mão do menor para demonstrar presença. — Sabe, se te serve de consolo, eu também nunca saí em uma aventura antes Sr. Baggins e estou aflita com o futuro incerto. A única certeza que tenho é que cansei de só ouvir as histórias e resolvi participar delas. Afinal, essa é a função das feiticeiras.
— Bilbo, pode me chamar apenas de Bilbo. — Falou o anfitrião respirando mais calmamente.
— O chamarei, se assim o agrada — Isleen assentiu com doçura e pôs se em pé.
— Sujeitinho impressionável esse que você arrumou — Comentou Mairween para Gandalf. Mantendo a postura de irmã protetora, ela assistia a mais nova conversando com o menor estando apoiada no batente da porta.
— Tem uns acessos estranhos, mas é um dos melhores. Feroz como um dragão num aperto — Falou Gandalf, sendo correspondido por Mairween por um "É!" desleixado acompanhado por dar de ombros. Ela não estava levando a sério o que o mago havia dito, mas não descordaria por ele sempre fazer as coisas certas de forma torta. Sabia da existência de um plano maior ali.
— Hunf! — Glóin resmungou — Vocês acham que ele serve? Para Gandalf está tudo bem ficar falando da ferocidade desse Hobbit. Mas um acessos desses numa hora de agitação seria o suficiente para acordar o dragão e todos os seus parentes, e matar todos nós. Eu acho que o acesso pareceu mais de medo do que de agitação! Na verdade, se não fosse pelo sinal na porta, eu teria certeza de que tinha chegado à casa errada. Assim que bati os olhos nesse sujeitinho bufando e esperneando no tapete, eu tive minhas dúvidas. Ele parece mais um dono de armazém que um ladrão.
— Creio que ele esteja apenas temeroso por sua vida — Respondeu Branween irritada, no fundo compreendia o medo do Hobbit, pois sentia o mesmo em relação às irmãs mais novas — As pessoas não levantam de suas camas pensando em enfrentar dragões.
— Aposto que ele é mais esperto do que você, Globe — Disse Mairween rindo sarcástica.
— É Glóin — Retrucou o anão mal educado.
— É? Eu não ligo — Rebateu Mairween ignorante. — Posso até te chamar de Gnomeu se assim eu desejar.
— Mas meu nome é Glóin — O anão ergueu o tom de voz para falar com a feiticeira do meio.
— Não ouse erguer o tom de voz para mim — Saltando sobre a mesa com a faca em pulso, Mairween agarrou o anão pelo colarinho e o puxou para próximo, quase colando seus narizes enquanto mantinha o armamento afiando apontado para a jugular de Glóin. — Apenas Gandalf e Branween possuem esse direito sem que deseje mata-los. Você, nem qualquer outro da comitiva, são eles. Então se ainda quiser vislumbrar os salões de Erebor recomendo que ponha-se em seu lugar.
— Desculpem — Pediu Bilbo interrompendo a discussão. Com a confusão levemente armada na cozinha, eles não perceberam a reaproximação da pequena criatura com a feiticeira mais nova. — Se, por acaso, ouvi o que vocês estavam dizendo. Não vou fingir que estou entendendo o que disseram, ou a referência que fizeram a ladrões, mas acho que estou certo em acreditar que acham que eu não sirvo. Eu vou lhes mostrar. Não tenho sinais na minha porta, que foi pintada há uma semana, e tenho certeza de que vocês vieram bater na casa errada. Assim que vi suas caras esquisitas na porta, tive minhas dúvidas. Mas façam de conta que está é a casa certa. Digam-me o que vocês querem que seja feito e vou tentar fazê-lo, mesmo que eu tenha de andar daqui até o leste e lutar contra os homens-dragões selvagens no último deserto. Eu tive um tio-tetravô, Urratouro Túk, que...
— É, sim, mas isso foi há muito tempo — disse Glóin tossindo fraco quando Branween retirou Mairween de cima dele, segurando a feiticeira pelo antebraço ao seu lado na tentativa de impedi-la de ameaçar outros anões. — Eu estava falando de você. E garanto que existe um sinal em sua porta... O sinal comum que usamos nesse negócio, ou costumava ser assim. Ladrão procura por um bom emprego, com grandes emoções e uma boa recompensa, geralmente é assim que se anuncia. Você pode dizer Especialista em Caçadas de Tesouro em vez de ladrão, se quiser. Alguns deles preferem. Para nós é a mesma coisa. Gandalf nos disse que havia um homem do tipo nestas redondezas procurando um emprego urgente, e que ele tinha acertado um encontro aqui nesta quarta-feira, na hora do chá.
— É claro que há um sinal — disse Gandalf. — Eu mesmo o coloquei. Por razões muito boas. Vocês me pediram para encontrar o décimo quarto homem para a sua expedição, e eu escolhi o Sr. Bolseiro. Se alguém disser que escolhi o homem errado, ou a casa errada, podem ficar em treze e com todo o azar que quiserem, pois duvido que as feiticeiras Valarianas continuem ao lado de vocês, ou então vão voltar à extração de carvão.
— E não haverá outra oportunidade caso percam os sinais — Complementou Mairween voltando para o seu lugar após desvencilhar da irmã. Ela franziu o cenho para Glóin com tanta raiva que o anão afundou na cadeira e quando Bilbo tentou abrir a boca para fazer uma pergunta, ela se virou e franziu lhe a testa levantando as sobrancelhas, fazendo com que o hobbit fechasse a boca imediatamente.
— Assim está bom — Disse Branween tentando acalmar os nervos de todos — Não vamos mais discutir. Gandalf escolheu o Sr. Baggins e isto deve ser o suficiente para todos vocês. Se ele diz que Bilbo é um ladrão, isso é o que ele é, ou será quando chegar a hora. Existe muito mais nele do que vocês podem imaginar, e muito mais do que ele mesmo possa ter ideia. Vocês vão – possivelmente - viver para agradecer nosso querido Gandalf um dia. Agora, Bilbo, meu rapaz, acomode-se para que possamos prosseguir com a reunião. — A feiticeira esperou todos se acomodarem em silêncio, assim que a paz voltou a reinar, ela desenrolou um pergaminho muito parecido com um mapa. — Isto foi feito por Thror, seu avô, Thorin. É um mapa da montanha.
— Acho que isso não vai ajudar muito — Falou Thorin desapontado depois de dar uma olhada breve — Eu me lembro muito bem da montanha e das terras em volta dela. E eu sei onde fica a Floresta das Trevas, e também o Urzal Seco, onde os grandes dragões se reproduziam.
— Há um dragão marcado em vermelho na Montanha — Disse Balin apontando para o desenho — Mas vai ser fácil encontra-lo sem isso aí, se é que vamos conseguir chegar lá.
— Existe um ponto que vocês não notaram — Falou o mago — E é a entrada secreta. Estão vendo a runa no lado oeste e a mão apontando para ela saindo das outras runas? Isso marca uma passagem secreta para os Salões Inferiores.
— Pode ter sido secreta uma vez — Resmungou Thorin — Mas como podemos saber se ainda é secreta? O velho Smaug viveu lá tempo suficiente para descobrir qualquer coisa que se possa conhecer sobre essas cavernas.
— Pode ser, mas ele não tem podido usá-la por longos anos — Falou Branween ao anão.
— Por quê? — Questionou Isleen curiosa com os detalhes da aventura.
— É uma passagem muito pequena pelo que está escrito nas runas: "Cinco pés de altura a porta, e três podem passar lado a lado". — Explicou Mairween colocando os pés em cima da mesa — Smaug não passaria por um buraco desse tamanho nem mesmo quando era um dragão jovem e, certamente, não depois de ter devorado tantos anões e homens de Vaíle.
— Para mim parece um buraco bem grande — Exclamou Bilbo.
— Porque será, não é mesmo? — Questionou Mairween sarcástica enquanto avaliava o Hobbit da cabeça aos pés.
— Como poderia uma porta ser mantida em segredo para todas as pessoas de fora, com exceção do dragão? — Perguntou Isleen aproximando da irmã mais velha.
— De muitas maneiras — Respondeu Gandalf antes que Branween dissesse qualquer coisa, o mago apoio a mão sobre o ombro da mais nova e sorriu — Mas de que maneira esta porta foi escondida nós não saberemos ser ir lá verificar. Pelo que diz o mapa, posso adivinhar que existe uma porta fechada, que foi feita de modo a se parecer exatamente com a encosta da Montanha. Esse é geralmente o método dos anões... Acho que é isso, não é?
— Certo — Assentiram Thorin e Mairween ao mesmo tempo, o anão olhou chocado para a feiticeira, a qual deu de ombros.
— E também — Prosseguiu Gandalf — Esqueci-me de mencionar que com o mapa haviam uma chave, uma chave pequena e curiosa. Aqui está ela — Ele entregou para Thorin uma chave com haste longa e dentes intricados feita de prata — Guarde-a em lugar seguro!
— Vou fazer isso — Disse Thorin. Mairween retirou a corrente fina de prata que utilizava por baixo do casaco para prender o que lembrava um abridor de garrada e jogou para o líder anão — Obrigado — Agradeceu colocando a chave no acessório e o prendendo em seu pescoço — Agora as chances parecem maiores. Essa notícia melhora muito as coisas. Até agora não tínhamos uma ideia clara do que fazer. Estávamos pensando em ir para o leste, com o maior cuidado e silêncio possível, até o Lago Comprido. Depois disso o problema irá começar...
Ao ouvir sobre o "inicio dos problemas", Mairween não conseguiu segurar o riso, deixando escapar o que lembrava um gemido, atraindo novamente para ela a atenção de todos os presentes na reunião.
— Quer dizer alguma coisa? — Perguntou Thorin com expressões emburradas.
— Acha que não teremos problemas antes no caminho? Estamos indo para o leste e sabe o que as lendas dizem por lá. — Mairween desceu os pés da mesa e levantou — Nós poderíamos sair daqui cedinho, subindo ao longo do Rio Corrente e, assim, até as ruínas de Vaíle, a velha cidade naquele vale, sob a sombra da Montanha.
— Mas nenhum tem o portão dianteiro. O rio vem exatamente de dentro dele através do penhasco ao sul da Montanha. E por ali também sai o dragão, muito frequentemente, a não ser que tenha mudado seus hábitos — Explicou Branween abraçando o próprio corpo, sinal de que estava refletindo sobre outros caminhos que pudessem tomar.
— Isso não adiantaria nada — Completou o mago — Não sem um guerreiro valente, até um herói. Eu tentei achar um, mas os guerreiros estão ocupados lutando uns contra os outros em terras distantes, e por estes lados os heróis são raros ou simplesmente impossíveis de encontrar. As espadas nestas partes estão em suas maiorias cegas, os machados são usados para árvores, e os escudos como berços ou tampas de pratos, e os dragões estão confortavelmente distantes (e por isso são Lendários). É por isso que optei pelo roubo, especialmente quando me lembrei da existência de uma porta lateral. E aqui está nosso pequeno Bilbo Bolseiro, o ladrão, o escolhido e eleito ladrão. Então vamos continuar e fazer alguns planos.
— Então, muito bem — Disse Thorin virando-se para Bilbo numa gentileza fingida. — Se o ladrão perito nos der algumas ideias e sugestões.
— Primeiramente eu queria saber um pouco mais a respeito das coisas — Disse este, sentindo-se todo confuso e um pouco amedrontado — Quero dizer, sobre o ouro e o dragão, e tudo o mais, e como ele chegou até lá, e a quem ele pertence, e todo o resto.
— Por minhas barbas! — Disse Thorin — Você não viu o mapa? Não ouviu a canção da Língua-encantada? Não estamos falando de tudo isso há horas?
— Ele teve um faniquito, dá um tempo para ele — Falou Mairween gesticulando para que Thorin deixasse aquilo para lá.
— Eu também gostaria de saber sobre os riscos, despesas extras, o tempo necessário e a remuneração, e tudo o mais. — Complementou Bilbo preferindo ignorar o comentário ácido da feiticeira.
— Bom, gostei da parte da remuneração — Falou Mairween parecendo mais atenta a aventura.
— Muito bem — disse Thorin. — Há muito tempo, na época de meu avô Thror, nossa família foi expulsa do extremo norte, e voltou com toda sua riqueza e ferramentas para a Montanha deste mapa. Ela fora descoberta pelo meu ancestral distante, Thrain, o Velho, mas na época de Thror eles exploraram minas e fizeram salões maiores e oficinas maiores também, e, além disso, acho que encontraram uma grande quantidade de ouro, além de muitas joias. De qualquer modo, ficaram imensamente ricos e famosos, e meu avô tornou-se Rei sob a Montanha novamente, e era tratado com grande reverência pelos homens mortais, que viviam no sul, e estavam se espalhando gradualmente ao longo do Rio Corrente até o vale que fica à sombra da Montanha. Naqueles dias, eles construíram a alegre cidade de Vaíle. Reis costumavam mandar buscar nossos artífices, e recompensavam muito bem até os menos habilidosos. Pais nos imploravam para aceitar seus filhos como aprendizes, e nos pagavam regiamente, sobretudo com suprimentos de comida, que nunca nos preocupávamos em procurar ou cultivar para nosso uso. Esses foram dias felizes, e os mais pobres de nós tinham dinheiro para gastar e emprestar, e tempo para fazer coisas bonitas por puro prazer, sem falar dos brinquedos mais mágicos e maravilhosos, do tipo que não se encontra em lugar algum no mundo hoje em dia. Desse modo, os salões de meu avô ficaram cheios de armaduras e jóias, de esculturas e taças, e o mercado de brinquedos de Vaíle eram a maravilha do norte.
— Sem dúvida, foi isso que trouxe o dragão. Dragões roubam joias e ouro, você sabe, dos homens, dos elfos e dos anões, onde quer que possam encontrá-los e guardam o que roubaram durante toda a sua vida (o que é praticamente para sempre, a não ser que sejam mortos), e nunca usufruem sequer um anel de latão. Na verdade, eles mal sabem distinguir um trabalho bem feito de um trabalho ruim, embora tenham uma boa noção do valor de mercado corrente e não o conseguem fazer nada por si mesmos, nem sequer remendar uma escama solta de suas armaduras. — Mairween interrompeu a história de Thorin, ele lhe lançou um local sério, o qual ela ignorou o olhando com soberba.
—Posso continuar? — perguntou o anão irritado.
—Claro! — Ela gesticulou sem mudar a expressão severa para que ele continuasse.
—Havia muitos dragões no norte naquela época, e o ouro estava provavelmente se tornando raro por lá, com os anões indo para o sul ou sendo mortos, e com todo o tipo de ermo e destruição geral que os dragões provocam, indo de mal a pior. Havia um dragão especialmente ganancioso, forte e mau, chamado Smaug. Um dia ele alçou vôo e veio para o sul. O primeiro sinal dele que ouvimos foi um barulho como um furacão vindo do norte, e os pinheiros das montanhas chiando e estalando com o vento. Alguns dos anões por acaso estavam do lado de fora (por sorte eu era um deles um bom rapaz aventureiro, naqueles dias, sempre andando por ai, e isso salvou minha vida naquele dia) quando, de uma boa distância, vimos o dragão pousar na montanha num jato de fogo. Então ele desceu as encostas e, quando atingiu a floresta ela se incendiou inteira. Naquele momento todos os sinos estavam repicando em Vaíle e os guerreiros estavam se armando. Os anões correram para fora pelo seu grande portão, mas lá estava o dragão à espera deles. Nenhum escapou por ali. O rio se ergueu em vapor e um nevoeiro cobriu Vaíle, e no nevoeiro o dragão avançou sobre eles e destruiu a maioria dos guerreiros, a triste história de sempre, isso era muito comum naquela época. Depois voltou e se arrastou através do Portão Dianteiro e saqueou todos os salões e alamedas, e túneis, becos, adegas, mansões e corredores. Depois disso, não restaram anões vivos no lado de dentro, e ele pegou toda a riqueza deles para si. Provavelmente, pois esse é o jeito dos dragões, empilhou tudo num grande monte bem no interior da montanha, e dorme sobre ela como se fosse uma cama. Depois, passou a se arrastar para fora do portão grande e vir à noite até Vaíle, e levar embora pessoas, principalmente donzelas, para devorar, até que Vaíle ficou arruinada, e todas as pessoas partiram ou morreram. O que acontece lá agora não o sei com certeza, mas não acho que hoje em dia alguém viva em algum lugar mais próximo da Montanha do que a extremidade do Lago Comprido. Os poucos de nós que estavam do lado de fora e bem afastados sentaram-se e choraram escondidos, e amaldiçoaram Smaug e ali juntaram-se a nós inesperadamente meu pai e meu avô, com as barbas chamuscadas. Eles pareciam muito soturnos, mas não disseram quase nada. Quando perguntei como tinham conseguido sair, disseram-me para fechar a boca e que no momento certo eu saberia. Depois disso fomos embora, e tivemos de aprender a ganhar nossas vidas da melhor maneira por esse mundo afora, muitas vezes tendo de nos rebaixar e fazer o trabalho de ferreiros e até de mineiros de carvão. Mas nunca nos esquecemos de nosso tesouro roubado. E, mesmo agora, quando admito que temos algumas reservas e não estamos tão pobres — nesse momento Thorin passou a mão sobre a corrente de prata em seu pescoço — nós ainda queremos o tesouro de volta, e fazer com que nossas maldições caiam sobre Smaug, se pudermos. Eu sempre me perguntei sobre a fuga de meu pai e meu avô. Vejo agora que deviam ter uma porta lateral particular que apenas eles conheciam. Mas, ao que parece, fizeram um mapa, e eu gostaria de saber como Branween se apoderou dele, e por que não chegou às minhas mãos, às mãos do herdeiro por direito.
—Não me "apoderei dele", o mapa me foi dado por Gandalf para ser estudado. — Explicou a feiticeira — Seu avô Thror foi morto, você deve se lembrar, nas minas de Moria por Azog, o profano.
— Sim, maldito seja esse nome — Disse Thorin.
— E seu pai, Thrain foi-se embora no dia 21 de abril, fez cem anos na última quinta-feira, e nunca mais foi visto desde então — Prosseguiu Branween.
— É verdade, é verdade — Assentiu Thorin.
— Bem, seu pai o entregou para Gandalf, e o mago entregou aos meus cuidados — Respondeu Branween séria — Para que quando chegasse à hora ele fosse entregue a você.
— Você não pode me culpar, considerando a dificuldade que tive em encontra-lo. Seu pai não conseguia nem lembrar o próprio nome quando me deu o papel, e nunca me disse o seu, então, afinal, acho que devem me elogiar e agradecer! Aqui está — Gandalf entregou o mapa para Thorin — Claro que ele jamais chegaria a você se não fosse pelas doces feiticeiras, Branween ajudou a encontra-lo. Por isso, em forma de retribuição e favor, as chamei para participarem dessa aventura. Elas serão de grande valor.
— Retribuição... — Mairween cobriu a boca para esconder o riso que tentava escapar, era visível nas expressões da irmã mais velha que não conseguia enxergar a aventura como um tipo de "retribuição". Ao notar o deboche da feiticeira do meio, Gandalf pigarreou e deu com os ombros ao trocar olhares com a mesma.
— Ainda não entendo — Falou Thorin tentando compreender como o mapa foi parar nas mãos do mago e das feiticeiras.
— Seu avô, ele deu o mapa ao seu filho por segurança antes de partir para as minas de Moria. Seu pai foi embora para tentar a sorte com o mapa depois que seu avô foi morto, e teve muitas aventuras da pior espécie, mas nunca conseguiu se aproximar da Montanha. Como ele chegou lá eu não sei, mas o encontrei aprisionado nas masmorras do Necromante — Explicou o mago autera e lentamente, seu intuito primordial com isso era fazer com que Branween compreendesse as razões que o fizeram arrastá-la para fora da fortaleza. O que foi captado, já que a mesma sentiu todos os pelos do seu corpo arrepiarem ao ouvir sobre o velho inimigo.
— O que você estava fazendo lá? — Questionou Mairween arrepiada, aquele era um local conhecido para a feiticeira do meio e as memórias de outrora ainda lhe assombravam. Por breves segundos ela trocou olhares com Branween, a qual estava tão assustada quanto.
— Isso não tem a ver com você, se é o que lhe preocupa. Estava descobrindo coisas, como sempre, e era um negócio perigoso e desagradável. Mesmo eu, Gandalf, escapei por pouco. Tentei salvar o seu pai, Thorin, mas era tarde demais. Ele estava fora de si e tinha esquecido de quase tudo, a não ser do mapa e da chave — Explicou o mago conhecendo as razões que faziam a feiticeira do meio ter mais receio aquele lugar do que qualquer outra delas.
— Nós nos vingamos a muito tempo dos Orcs de Moria — disse Thorin orgulhoso — Agora devemos pensar no Necromante.
— Você é imbecil? Não seja maluco! — Gritou Branween pondo-se em pé enquanto batia na mesa com fervor, havia perdido muitas pessoas que amava contra o bruxo, incluindo parte de sua família. Conhecia os riscos que era duelar com a criatura, recordando amargamente dos velhos anos. Todos olharam assustados para ela, incluindo as irmãs mais novas. — Ele é um inimigo acima dos poderes de todos os anões juntos, mesmo se eles pudessem ser reunidos de novo dos quatro cantos do mundo, eu não ouso encará-lo despreparada. A única coisa que seu pai queria é que o filho dele lesse o mapa e usasse a chave. O dragão e a Montanha são tarefas mais do que grandiosas para você.
— Escutem, escutem! — Acidentalmente Bilbo falou mais alto do que imaginava.
— Escutar o quê? — Perguntou Mairween fazendo caretas.
— Escutem o que tenho a dizer! — Disse Bilbo desconcertado. — Bem, gostaria de dizer que vocês devem ir para o leste e dar uma olhada no lugar. Afinal de contas, existe uma Porta Lateral, e os dragões devem dormir de vez em quando, creio eu. Se vocês ficaram sentados à porta, tempo suficiente, acho que vão pensar em alguma coisa. E, bem, eu não sei, acho que conversamos muito para uma noite só, se vocês entendem o que quero dizer. Que tal dormir, e acordar cedo, e tudo o mais? Vou lhes oferecer um bom desjejum antes de partirem.
— Antes de partirmos, é o que você quer dizer, se não me engano — Falou Thorin o corrigindo — Você não é o ladrão? E sentar-se à porta não é o seu serviço, sem falar em entrar pela porta? Mas concordo sobre a cama e o desjejum. Eu gosto de seis ovos com presunto, quando vou começar uma viagem: fritos, não cozidos na água, e espero que você não rompa as gemas.
Cada um dos visitantes fez o pedido do que mais gostaria de comer no café da manhã, as únicas que se lembravam de pedir com educação foram as feiticeiras, o que agradou o Hobbit, fazendo com que oferecesse o melhor dos quartos para elas descansarem durante a noite, repondo toda a energia perdida no percurso. Todos os quartos de hóspedes ficaram cheios, fazendo com que Bilbo tivesse que improvisar camas em cadeiras e sofás antes de conseguir instalar cada um dos anões.
No quarto de hóspedes, o cansaço das irmãs era superior que o desejo de conversar sobre a reunião antes de dormir, principalmente pelas mais velhas preferirem esquecer o fato do Necromante ter sido citado do que explicar histórias de um passado assombrado para Isleen no momento. Sendo assim, as três pegaram no sono com rapidez, deixando qualquer preocupação para suas versões futuras. Entretanto, mesmo com toda tormenta, Branween sentia-se viva e excitante, estando ansiosa para vislumbrar as paisagens que encontraria no caminho e reencontrar seus velhos amigos Elfos.
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