capítulo um
O deserto estava imóvel.
Não o tipo de silêncio que nasce do descanso, mas o silêncio anterior a um despertar.
As areias pareciam conter a respiração, e o vento, que sempre tivera o hábito de cantar, calava-se agora — como se aguardasse algo que prestes a acontecer.
No horizonte, o sol se erguia com lentidão, abrindo caminhos dourados sobre o mar de dunas.
E por aquele caminho, solitário e reluzente, vinha um jovem envolto em faixas de linho fino e joias que cintilavam como fragmentos de um deus esquecido.
Seu nome era Nefer De Nile, e o mundo parecia se curvar, ainda que ele não pedisse.
Caminhava com a elegância de quem nunca precisou duvidar de si.
O vento levantava o pó dourado sob seus pés, mas nada nele se deixava cobrir.
Os olhos, de um castanho escuro quase negro, traziam um brilho arrogante e calculado — o reflexo de alguém que sabia ser mais que um simples herdeiro.
O deserto o conhecia.
As areias sussurravam seu nome, como se o esperassem desde o princípio dos tempos.
A cada passo, o horizonte parecia aproximar-se.
E logo, entre as dunas, uma miragem se formou.
Torres cintilantes, colunas infinitas, rios de luz.
Mas Nefer não se deixou enganar — ele sabia o que era aquilo.
Amentet Academy.
O refúgio dos filhos do Nilo, o santuário dos que carregavam o sangue dos deuses e dos monstros faraônicos.
Um portal de obsidiana surgiu diante dele, flutuando entre o real e o ilusório.
Hieróglifos vivos percorriam sua superfície, murmurando versos em uma língua antiga demais para qualquer humano compreender.
Nefer passou o dedo sobre um deles e sorriu de leve.
— Ah... ainda me lembram — disse, num tom de deboche.
As runas se moveram em resposta, relutantes, e o portal se abriu, liberando um sopro de ar quente e perfume de incenso antigo.
Nefer entrou.
...
Por dentro, Amentet era tudo o que as lendas prometiam — e mais.
Os corredores eram imensos, feitos de ouro polido e pedras lapidadas com tal perfeição que pareciam respirar.
Os tetos arqueados, cobertos de pinturas vivas, mostravam cenas da criação do mundo: Rá emergindo do caos, Ísis estendendo suas asas sobre o deserto, e Anúbis guiando almas por passagens luminosas.
Nefer caminhava devagar, saboreando cada olhar que se voltava em sua direção.
Servos em túnicas brancas paravam o que estavam fazendo para observá-lo; alguns estudantes cochichavam, tentando adivinhar quem era o novo aluno de porte real e olhar insolente.
— É um De Nile, ouvi dizer — murmurou uma voz.
— Não pode ser. Aquela linhagem não volta à Academia há séculos.
— Pois parece que voltou. E olha a forma como ele anda... como se fosse dono do lugar.
Nefer ouviu. Ele sempre ouvia.
Mas não respondeu.
Um leve sorriso curvou seus lábios — um sorriso que não buscava simpatia, mas domínio.
Sabia que cada palavra sussurrada era um espelho, e ele gostava do reflexo.
...
A Academia não era apenas um colégio — era uma cidade viva.
Nos pátios, criaturas feitas de areia e fumaça estudavam feitiços antigos; nas varandas, espíritos de escribas ensinavam runas aos jovens faraônicos; nas salas mais altas, professores meio divinos, meio amaldiçoados, ensinavam história, alquimia e poder.
O ar era denso, cheio de magia e de perfume de mirra.
Nefer subiu uma escadaria ampla que levava à ala central — o Corredor dos Deuses.
Ali, estátuas imensas de cada divindade egípcia guardavam as passagens.
As tochas queimavam com chamas azuis, e o chão refletia o brilho como um espelho.
Ele parou diante da estátua de Hórus, o deus falcão.
Seus olhos de pedra pareciam vivos, seguindo cada movimento do garoto.
Nefer levantou o queixo, impassível.
— Então é você quem todos se ajoelham para reverenciar... — murmurou, cruzando os braços.
O silêncio respondeu.
— Eu não me ajoelho.
O eco de sua voz percorreu o corredor, denso como um feitiço.
Por um instante, as chamas das tochas vacilaram — e a sombra de Hórus pareceu se mover, abrindo ligeiramente as asas.
Mas Nefer não recuou.
Pelo contrário, deu um passo à frente, olhando a estátua nos olhos.
— Se foste um deus, já o foste demais. Eu caminho sob o mesmo sol que te moldou. E o sol... não pertence a ti.
O ar estremeceu.
Um sussurro percorreu as paredes, um som agudo e distante, como o bater de asas.
Alguns estudantes, que observavam de longe, recuaram apavorados.
Um professor de túnica escura se aproximou às pressas, sua voz grave e preocupada.
— Jovem De Nile, o que pensa que está fazendo?
— Apenas lembrando ao mundo que há poder em quem nasce de ouro, não apenas em quem o carrega — respondeu Nefer, sem desviar o olhar da estátua.
O professor tentou esconder o receio.
Os ecos de rebeldia sempre foram punidos na Academia — mas algo naquela presença tornava impossível repreendê-lo com firmeza.
Havia em Nefer uma autoridade que vinha de outro lugar.
...
Mais tarde, em seu quarto — uma câmara adornada com tapeçarias, espelhos e jarras cheias de areia negra — Nefer se olhou demoradamente no reflexo.
O ouro em sua pele brilhava sob a luz tênue das tochas.
Ele tocou a própria face, observando o contorno perfeito, o olhar de um rei em formação.
Mas por trás da beleza, havia algo mais.
Um lampejo.
Um vazio que parecia pulsar no fundo de seus olhos, como uma chama que não se apaga nem quando o vento sopra.
Ele o sentia desde criança — uma força que não vinha de bênção alguma, mas de algo mais antigo, talvez proibido.
E era isso que o fascinava.
— Que os deuses fiquem em seus tronos — murmurou. — Eu nasci para o meu próprio.
Ao dizer isso, sentiu o vento soprar pela janela entreaberta.
A chama das velas vacilou, e os hieróglifos gravados nas paredes se moveram levemente, como se o estivessem observando.
Um deles — o símbolo de um olho — brilhou em azul, e um sussurro distante, quase imperceptível, ecoou:
"Nefer..."
Ele virou-se, mas nada viu.
Apenas o silêncio.
Mas o sorriso voltou aos seus lábios — lento, perigoso.
— Então... também me observam.
E assim deve ser.
...
Do lado de fora, o deserto rugiu.
Uma tempestade se formava ao longe, fazendo o céu assumir tons de cobre e sombra.
Os professores fecharam os portões mágicos da Academia; os alunos recolheram-se aos dormitórios.
Mas Nefer permaneceu junto à janela, observando o nascer da tormenta com um fascínio quase reverente.
O vento uivava, e as dunas se moviam como ondas de um oceano em fúria.
E por um instante, entre os relâmpagos dourados da tempestade, ele viu algo:
uma figura distante, envolta em luz azulada, observando-o através do véu de areia.
Um deus? Um espírito? Um presságio?
Nefer não soube.
Mas sentiu — mais do que viu — que aquele olhar o marcava.
Como se algo no próprio destino o tivesse reconhecido.
E quando a tempestade finalmente caiu sobre Amentet, o primeiro trovão ecoou pelos corredores dourados como uma voz antiga, dizendo, em língua esquecida:
"A linhagem desperta."
Nefer sorriu.
Não de medo, mas de reconhecimento.
Porque no fundo, ele sempre soube que o mundo — mesmo o dos deuses — girava em torno de quem ousava não se ajoelhar.
[...]
A tempestade passou.
Mas como todo silêncio depois do caos, o que ficou não era calma — era expectativa.
O deserto parecia ter sussurrado segredos durante a noite, e as paredes da Academia agora os repetiam, suaves, como ecos de algo que ninguém compreendia completamente.
Quando o sol dourado voltou a iluminar Amentet, o pátio principal já fervilhava de rumores.
Falava-se do novo aluno, o herdeiro de uma linhagem amaldiçoada, aquele que ousara erguer os olhos para o deus falcão e dizer não.
Alguns o chamavam de insano.
Outros — de profecia.
Nefer caminhava entre eles com a mesma calma insolente de quem sabia que cada olhar o pertencia.
Usava uma túnica azul-escura adornada de ouro nos ombros, o símbolo dos De Nile gravado no peito: duas serpentes entrelaçadas sobre um disco solar.
Os fios dourados do tecido cintilavam quando ele se movia, e cada passo ecoava pelo mármore como um lembrete de quem realmente mandava ali.
Os outros alunos abriram caminho — não por respeito, mas por instinto.
Havia algo em Nefer que o tornava perigoso mesmo em silêncio.
Era como se ele carregasse dentro de si uma tempestade que não se via, mas se sentia.
No salão das colunas, os estudantes reuniam-se para a primeira aula do ciclo: História dos Deuses e Linhagens Faraônicas.
As colunas se erguiam como gigantes, e no teto, constelações se moviam lentamente, refletindo o céu real do deserto acima.
No centro da sala, o professor — um homem alto, de pele escura e olhos dourados — aguardava, envolto em uma túnica de linho e poeira antiga.
Chamava-se Tuthmos, e dizia-se que fora, em tempos remotos, conselheiro de um faraó esquecido.
Sua voz era como pedra raspando pedra: firme, carregada de sabedoria.
— Jovens de Amentet, — começou, — lembrem-se: o poder que corre em suas veias não é dádiva. É fardo. Os deuses não os criaram para serem reis, mas para serem pontes.
Um murmúrio percorreu a sala.
Nefer, sentado na primeira fileira, cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha.
— Pontes? — repetiu, num tom que soava mais zombeteiro que curioso. —
Com todo o respeito, professor Tuthmos, não nascemos para ser pontes. Fomos erguidos para ser pilares.
A sala ficou em silêncio.
O professor o observou longamente — não com raiva, mas com um cansaço profundo, o tipo de olhar de quem já vira aquele orgulho antes, talvez em séculos passados.
— E o que sustenta um pilar, jovem De Nile, senão o chão que pisa? — replicou Tuthmos.
— O chão se molda ao ouro, mestre. Sempre se moldou. —
Alguns alunos riram, outros prenderam o ar.
O professor nada respondeu, apenas se virou e continuou a lição, embora uma sombra de preocupação atravessasse seu rosto.
Nefer recostou-se na cadeira, satisfeito.
Gostava de provocar — não por simples arrogância, mas para ver até onde o mundo cedia antes de quebrar.
...
Na hora do intervalo, os corredores ferviam com novos rumores.
Grupos de alunos comentavam as palavras do De Nile, repetindo-as em tons de fascínio e medo.
Alguns começaram a imitá-lo em segredo; outros, a detestá-lo abertamente.
Mas Nefer não se importava.
Sentia prazer em ser o centro de qualquer história — fosse ela de glória ou de escândalo.
Enquanto caminhava pelos jardins suspensos, ouviu passos apressados atrás de si.
Uma jovem o alcançou, segurando um papiro contra o peito.
Tinha olhos cor de mel e vestes simples, sem adornos. Era humana — ou quase.
— Senhor De Nile? — chamou, com a voz trêmula. — O mestre Tuthmos pediu que eu lhe entregasse isto.
Nefer tomou o papiro sem olhar para ela.
— E você é...?
— Khepri — respondeu, hesitante. — Sou assistente do mestre.
Nefer ergueu o olhar.
Ela o fitava com curiosidade, mas também com algo que ele não reconheceu de imediato: compaixão.
— Cuidado ao olhar demais para o sol, Khepri — disse ele, com um meio sorriso. — Há quem queime por menos.
A jovem franziu o cenho, confusa, mas não respondeu.
Enquanto ela se afastava, Nefer desenrolou o papiro.
Havia ali um único símbolo — o olho de Hórus — e uma frase escrita em tinta azul:
"Aquele que desafia o falcão será visto por ele."
Nefer ficou em silêncio por um instante.
O vento soprou, e o papel tremeu em suas mãos.
Depois, ele riu — uma risada baixa, de quem acha graça no perigo.
— Que ele olhe, então. —
E rasgou o papiro ao meio.
...
Naquela noite, o ar da Academia parecia diferente.
Mais denso. Mais vivo.
Os corredores de ouro tremeluziam como se as paredes respirassem.
Do lado de fora, o deserto sussurrava — um som de grãos de areia deslizando, como se algo se movesse sob a superfície.
Nefer andava sozinho.
Não conseguia dormir.
Os ecos do dia ainda o perseguiam: as palavras do professor, os olhares dos colegas, o símbolo de Hórus em seu papiro rasgado.
Tudo parecia chamá-lo para algum tipo de resposta.
Ele entrou na Galeria dos Deuses, o mesmo corredor onde, dias antes, desafiara o falcão de pedra.
As tochas queimavam mais fracas do que de costume.
A luz azul projetava sombras longas nas paredes, distorcendo as feições das estátuas.
Ao passar diante da imagem de Ísis, sentiu uma brisa fria, quase humana, tocar-lhe o rosto.
E então ouviu:
um sussurro.
"Nefer..."
O nome ecoou, suave, como o som de um jarro se abrindo no fundo de uma tumba.
Ele se virou de imediato — nada.
A galeria estava vazia.
"Nefer De Nile..."
Agora o som vinha de todos os lados.
O coração dele acelerou, mas os lábios esboçaram um sorriso.
— Está brincando comigo, falcão? — murmurou. — Então mostre-se.
O silêncio respondeu — e depois, algo mudou.
A estátua de Hórus abriu lentamente os olhos.
O brilho azul emanou deles como fogo líquido, iluminando o corredor inteiro.
Nefer deu um passo à frente, encantado.
Não sentia medo — apenas uma estranha sensação de reconhecimento.
— Eu sabia que não me esqueceria. —
"Tolo é o que confunde ousadia com poder." — disse a voz, profunda, ecoando de dentro da pedra.
"O ouro que te cobre é o mesmo que te prenderá."
— E ainda assim, todos se ajoelham diante dele — respondeu Nefer, em desafio. — Até você.
O chão vibrou.
Areia caiu do teto como chuva.
As tochas se apagaram de uma vez.
E por um instante, apenas os olhos de Hórus brilharam no escuro.
"Se buscas o trono dos deuses, aprenderás primeiro o preço da luz."
Um clarão atravessou o corredor, e Nefer foi arremessado para trás, o peito ardendo como se mil sóis tivessem explodido dentro dele.
Caiu de joelhos, ofegante.
Mas quando levantou o olhar, sorria.
— Finalmente — murmurou. — Alguém digno de me notar.
E então riu — uma risada rouca, perigosa, que ecoou pelos corredores como uma profecia se abrindo.
No alto da torre principal, o professor Tuthmos acordou com o som.
Abriu a janela e olhou para o pátio, o vento frio soprando o incenso do templo.
Por um instante, jurou ver o reflexo de olhos azuis — como os do falcão — pairando sobre a escola.
Ele fechou a janela com pressa.
Sabia o que aquilo significava.
Os deuses tinham voltado os olhos para a Academia — e quando isso acontecia, o equilíbrio do mundo se movia.
E lá embaixo, no escuro do corredor, Nefer caminhava de volta ao seu quarto, com as mãos cobertas de poeira dourada e um sorriso que nenhum deus ousaria esquecer.
[...]
A aurora ergueu-se em silêncio.
Nenhum galo cantou, nenhum servo acendeu as lamparinas.
O sol nasceu tímido, filtrando-se pelas janelas da Academia como se hesitasse em tocar aquele lugar.
Havia um cheiro novo no ar — uma mistura de ferro, incenso e algo que lembrava chuva sobre pedra antiga.
Os corredores de Amentet estavam desertos.
Os ecos da noite passada haviam deixado marcas que ninguém conseguia explicar.
Nas paredes da Galeria dos Deuses, o pó dourado ainda cintilava, e o chão — que antes era liso — agora mostrava rachaduras em forma de asas.
Os guardiões murmuravam orações antigas, temendo pronunciar o nome que todos sabiam ser o centro daquilo:
Nefer De Nile.
Ele acordou antes dos sinos.
Os olhos, de um âmbar profundo, refletiam a claridade da manhã, e a pele reluzia como se o ouro tivesse se infiltrado em seus poros.
Por um instante, o rapaz não soube se ainda estava sonhando.
A lembrança da noite — a estátua viva, a voz divina, o clarão — tudo parecia real demais para ser devaneio.
Ergueu-se devagar.
As mãos tremiam.
No espelho de bronze, viu o próprio reflexo — e recuou.
Havia ali uma marca nova, um traço azul, quase translúcido, desenhado sobre o peito, na forma de um olho.
Não era tinta.
Era luz.
Por instinto, cobriu-o com as vestes.
Mas sabia: não adiantaria.
Algo havia sido gravado nele, algo que não se apaga com água nem com preces.
...
A notícia espalhou-se antes da primeira refeição.
Diziam que o herdeiro De Nile havia sido tocado pelo deus-falcão.
Alguns afirmavam tê-lo visto sair da galeria envolto em chamas azuis; outros, que ouvira a própria voz de Rá.
Cada versão era mais absurda que a anterior, mas todas convergiam num ponto:
Nefer deixara de ser apenas um aluno.
A hierarquia dentro da Academia começou a tremer.
Os filhos dos altos sacerdotes, os herdeiros das casas reais, todos o observavam com desconfiança.
Ninguém ousava confrontá-lo, mas o medo era evidente.
Nas sombras, falava-se que o trono de Amentet — o símbolo do poder espiritual — escolheria um novo nome.
No salão principal, Tuthmos aguardava.
O mestre mantinha o rosto impassível, mas o olhar traía inquietação.
Quando Nefer entrou, o ar pareceu mudar de densidade — como se o espaço se curvasse ao redor dele.
— Sentiu algo, rapaz? — perguntou o mestre, direto.
— Apenas... olhos — respondeu Nefer. — Muitos olhos.
Tuthmos aproximou-se, estudando-o.
O brilho azul sob o tecido denunciava o que ele já temia.
Suspirou, cansado.
— Hórus te marcou.
— Eu o provoquei — disse Nefer, sem arrependimento. — E ele respondeu.
— Não sabes o que pedes quando chama um deus para olhar-te. Eles não concedem dons. Apenas dívidas.
Nefer sorriu, um sorriso pequeno, quase piedoso.
— Dívidas são apenas poder em forma de espera.
O mestre recuou, em silêncio.
Havia algo naquelas palavras que o fez lembrar de um nome antigo — Seti, o ancestral dos De Nile, o mesmo que outrora tentara roubar o trono dos deuses.
E agora, diante dele, estava o eco desse sangue.
...
Durante os dias seguintes, o deserto pareceu observar.
As dunas mudavam de lugar, as estátuas sussurravam quando ninguém via, e o vento carregava vozes de outras eras.
Nefer caminhava entre tudo aquilo como quem pertence ao mistério — com passos calmos, olhar altivo e a mente sempre desperta para o invisível.
Em certos momentos, via coisas que os outros não viam:
serpentes douradas rastejando sob o chão de mármore, aves que o seguiam à distância, sombras que se curvavam antes de tocá-lo.
Ele não as temia; apenas as aceitava como parte de si.
Na noite do sétimo dia, os sinos de Amentet tocaram sozinhos.
O som ecoou pelos dormitórios, acordando todos os estudantes.
O céu estava vermelho — um vermelho vivo, como sangue sob vidro.
Nefer, sem saber por quê, foi até o Pátio dos Reis, o centro da Academia.
Lá, encontrou Khepri, a jovem assistente.
Ela parecia assustada, mas o esperava — como se algo dentro dela soubesse que ele viria.
— Disseram que o deserto se moveu — sussurrou ela. — Que as areias abriram um círculo em torno do templo.
— Então o deserto está ouvindo — respondeu Nefer. — E o deserto nunca ouve sem propósito.
A luz do céu os envolveu.
Do chão, o pó começou a se erguer, rodopiando até formar um vórtice dourado.
Khepri recuou, os olhos arregalados.
— O que está acontecendo?
— É o chamado — disse ele, com voz serena. — O trono desperta.
Do coração da areia surgiu algo antigo:
um assento talhado em pedra e ouro, coberto de inscrições que brilhavam como fogo.
Era o Trono de Areia, o mesmo que, segundo os mitos, surgia apenas diante de quem portava a marca divina.
Os alunos que se juntaram ao redor caíram de joelhos.
Ninguém ousava falar.
O vento formava redemoinhos, e o ar tinha o cheiro de mirra e relâmpago.
Nefer deu um passo à frente.
A túnica balançava, e o olho azul sob o peito brilhava mais forte a cada passo.
Os professores gritavam para que ele parasse — mas a voz deles parecia distante, engolida pelo rugido do deserto.
Ele parou diante do trono.
Por um instante, tudo se calou.
O vento cessou.
A areia caiu, suspensa no ar.
Até o tempo pareceu hesitar.
E Nefer sorriu.
— Se é isso que os deuses temem... então agora somos iguais. —
Quando se sentou, o trono pulsou como um coração.
Um clarão azul explodiu, engolindo tudo.
A Academia inteira tremeu — e o deserto respondeu com um rugido antigo, vindo das profundezas.
Quando a luz cessou, o trono estava vazio.
Nefer havia desaparecido.
Apenas o símbolo do olho — gravado em fogo azul — permanecia queimando no chão.
O silêncio que se seguiu foi absoluto.
Os alunos choravam, os mestres rezavam.
Mas o vento, o mesmo vento que um dia o trouxe, sussurrava:
"Nenhum filho do deserto some. Ele apenas muda de forma."
E, nas dunas distantes, um vulto dourado caminhava sob o sol nascente — seus passos abrindo rastros que brilhavam como vidro.
Nefer De Nile não estava morto.
Ele apenas havia atravessado.
Na torre, Tuthmos observava o horizonte.
O rosto, marcado pelo tempo, estava molhado de suor e lágrimas.
Ele sabia o que viria.
Sabia que, quando um mortal senta no trono dos deuses, o mundo inteiro precisa escolher um lado.
— Que os céus nos protejam — murmurou. — Porque o ouro voltou a respirar.
E o narrador ancestral, em algum ponto entre o tempo e o pó, sussurrou como um eco distante:
"Assim começou o ciclo do herdeiro das areias.
Nem deus, nem homem.
Apenas o que ousou olhar o divino — e ser olhado de volta."
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