60. World of happiness


𝗡𝗔𝗥𝗥𝗔𝗗𝗢𝗥'𝗦 𝗣𝗢𝗩.

UM ANO DEPOIS

⋆౨˚ ˖

O vento frio cortava suavemente o ar, sussurrando entre as árvores imponentes que cercavam o dojô ao ar livre. As folhas vibravam com o movimento da brisa, algumas dançando lentamente até pousar na terra firme, tingida de tons amadeirados e dourados pelo sol pálido da manhã. O céu, de um azul translúcido, era coberto por nuvens esparsas, e o lago cristalino refletia cada detalhe da paisagem, como um espelho líquido e profundo.

O dojô era amplo, uma extensão perfeita da natureza ao redor. O solo era coberto por uma mistura de terra e areia fina, oferecendo estabilidade aos pés que o pisavam. Havia um tablado de madeira escura próximo ao lago, onde os líderes do treino se posicionavam, e mais atrás, uma grande área aberta onde os alunos praticavam os movimentos, suas vozes em coro preenchendo o ar com determinação e força.

A cada comando, os gritos ressoavam como trovões, ecoando pelas árvores que formavam um círculo protetor ao redor do espaço de treino. Os punhos dos alunos se moviam em sincronia, executando cada golpe com precisão e disciplina. Os movimentos seguiam um ritmo cadenciado, como uma dança guerreira, guiada por vozes experientes que exigiam o máximo de cada um ali presente.

Próximos aos alunos mais velhos e experientes, Sensei Kim e Sensei Chozen caminhavam entre os treinamentos, olhos atentos e posturas firmes, corrigindo detalhes e exigindo mais precisão. A expressão de Chozen carregava um misto de orgulho e exigência, enquanto Kim, com seu olhar afiado e gestos calculados, avaliava cada postura como se estivesse esculpindo guerreiros em potencial.

Já no tablado à frente do lago, Calista e Kwon lideravam os iniciantes. Crianças entre oito e doze anos formavam uma fileira impecável, seus rostos determinados, mas ainda carregando a inocência da juventude. A cada contagem em coreano, os pequenos executavam os golpes, repetindo os movimentos com toda a força que possuíam.

Calista contava com firmeza, seu tom de voz firme, mas não ríspido. Ela sabia o peso que carregar um legado de luta poderia ter, mas também entendia que cada um daqueles alunos tinha seu próprio ritmo. Ao seu lado, Kwon acompanhava os movimentos, corrigindo posturas, incentivando com sorrisos sutis ou toques no ombro quando necessário. Ele mantinha uma expressão séria, mas nos olhos havia algo diferente, um brilho de realização, de propósito.

Um ano havia passado. Um ano desde tantas reviravoltas, tantas provações, tantas batalhas, externas e internas. A dor e as dificuldades que enfrentaram moldaram quem eram agora. E ali estavam, diante de novos aprendizes, transmitindo tudo o que aprenderam, preparando aquela nova geração para serem tão fortes quanto eles foram, ou ainda mais.

O frio típico da Coreia naquela época do ano não os incomodava. Pelo contrário, era revigorante. Cada respiração saía em uma névoa fina, mas os corpos aquecidos pelo treino faziam contraste com o ar gélido ao redor. A sensação era revigorante, como se aquele vento fosse uma lembrança constante de que estavam vivos, de que haviam vencido.

Calista olhou para as crianças diante dela. Algumas tinham olhos brilhantes de empolgação, outras franziram o cenho, esforçando-se para acertar os movimentos com precisão. Havia também os que demonstravam um espírito de luta inato, a energia explosiva que um dia ela e Kwon também tiveram. Um sorriso pequeno se formou em seus lábios. Ver aquelas crianças se dedicando despertava um sentimento profundo dentro dela, algo que ela não conseguia explicar completamente, mas que a preenchia de forma genuína.

Kwon percebeu seu olhar e, sem dizer nada, apenas estendeu o punho na direção dela. Um gesto simples, mas carregado de significado. Ela retribuiu, tocando o punho dele com o seu antes de voltar a contar os golpes.

Um dos meninos, um garotinho com cabelos levemente arrepiados, fez um movimento errado e hesitou. Calista percebeu o vacilo e se aproximou, abaixando-se ao lado dele.

— O que aconteceu? — Perguntou, mantendo a voz firme, mas sem rigidez.

Ele abaixou a cabeça.

— Sensei, eu não consigo... Meu soco não sai forte o suficiente.

Ela sorriu de canto, lembrando-se de todas as vezes que se sentiu da mesma forma.

— Sabe o que Kwon sempre me diz quando eu acho que não sou forte o bastante? — Perguntou. O menino ergueu os olhos, curioso. — Que força não é só sobre acertar o golpe mais forte. É sobre nunca desistir.

Kwon, ouvindo aquilo, se aproximou e bagunçou os cabelos do garoto.

— E também sobre treinar até os braços não aguentarem mais. — Acrescentou, com um sorriso de canto. — Então, mais uma vez. Com tudo que você tem.

O garotinho assentiu com determinação, respirou fundo e executou o golpe novamente. Desta vez, sua postura estava melhor, o movimento mais fluido. Não era perfeito, mas era uma evolução.

— Muito melhor. — Elogiou Calista, e Kwon assentiu ao lado dela.

O garoto sorriu de volta e voltou para a fileira.

O treino continuou, as vozes ressoando no ar frio, as respirações pesadas misturadas ao som do vento e do lago se movimentando suavemente. Ali, em meio àquele cenário de disciplina e crescimento, Calista e Kwon perceberam que estavam exatamente onde deveriam estar. O passado os moldou, mas o presente era deles para construir.

E, acima de tudo, eles estavam juntos, não apenas como lutadores, mas como parceiros de algo muito maior do que qualquer torneio ou rivalidade. Eles estavam formando o futuro.

O sol já se aproximava do horizonte, tingindo o céu com tons alaranjados e avermelhados, enquanto o vento frio soprava suavemente, trazendo consigo o cheiro da terra e da madeira que compunha as estruturas do dojô. Os últimos alunos deixavam o local, caminhando entre as árvores que cercavam a área de treino, alguns conversando animadamente sobre os exercícios do dia, outros apenas exaustos, mas satisfeitos com o próprio desempenho.

Calista e Kwon permaneceram ali por alguns instantes, observando o espaço vazio e sentindo o peso do dia se dissipar aos poucos. O refeitório aberto ficava próximo ao dojô, um espaço simples, mas aconchegante, com mesas e bancos de madeira dispostos de maneira organizada, protegidos apenas por uma estrutura de telhado aberto nas laterais, permitindo que o ar fresco circulasse livremente. Algumas lanternas de papel começavam a acender, iluminando o ambiente com uma luz quente e acolhedora.

Kwon se afastou por um momento e voltou com duas xícaras de água, entregando uma a Calista antes de se sentar ao lado dela. Ela pegou a xícara com um aceno agradecido e tomou um gole, sentindo o líquido frio descendo por sua garganta, aliviando o calor do treino intenso. O silêncio confortável entre eles durou alguns instantes, até que ela soltou um suspiro satisfeito e comentou:

— Os baixinhos estão progredindo bem. Estão pegando o ritmo mais rápido do que eu esperava.

Kwon, que também havia tomado um gole de sua água, arqueou uma sobrancelha e lançou um olhar convencido para ela.

— Graças a mim, é claro. — Disse ele, inflando o peito de maneira exagerada. — O melhor sensei desse dojô, talvez da Coreia inteira.

Calista revirou os olhos, mas não conseguiu evitar o riso. Deu um leve tapa no ombro dele, balançando a cabeça.

— Você realmente não tem vergonha, né?

Ele riu junto com ela, inclinando-se um pouco para trás, apoiando-se nos cotovelos sobre a mesa. O momento era leve, tranquilo, como se por alguns instantes o mundo ao redor desaparecesse e restassem apenas eles dois ali, entre as lanternas acesas e o vento gelado que balançava levemente os cabelos de Calista.

— Ah, falando nisso — Disse ela, endireitando-se de repente ao lembrar de algo —, hoje à noite tem o jantar com o pessoal, não esquece.

Kwon assentiu, lançando um olhar descontraído para ela.

— Eu lembro. Mas você vai direto pra lá ou vamos juntos?

— Eu vou mais cedo pra faculdade. — Explicou Calista, girando a xícara entre as mãos. — Tenho um trabalho pra apresentar, então vai ser mais fácil a gente se encontrar lá.

Kwon não disse nada de imediato, apenas a observou por um instante antes de inclinar-se ligeiramente para frente e capturar os lábios dela em um beijo rápido, mas cheio de carinho. Quando se afastou, passou um braço por cima dos ombros dela, puxando-a para mais perto.

— Ainda quero ver o curta-metragem que você passou meses produzindo. — Murmurou ele contra o cabelo dela.

Calista deu uma risadinha, deslizando a mão pelo peito dele antes de se afastar ligeiramente, os olhos brilhando de diversão.

— É uma surpresa. Você vai ver só no dia da amostra de curtas.

Kwon bufou, fingindo estar ofendido.

— Isso é golpe baixo. Depois de tudo que eu fiz por você?

— Ah, claro. Porque me infernizar enquanto eu editava até de madrugada foi de grande ajuda, né?

Ele riu, erguendo as mãos em rendição, mas antes que pudesse retrucar, Calista estalou os dedos, como se algo importante tivesse acabado de lhe ocorrer.

— Espera aí — Ela disse, olhando diretamente para ele. — Você já inscreveu a gente no campeonato em Daejeon?

Kwon travou no lugar por um segundo, depois estalou a língua e fez uma careta que já dizia tudo. Calista imediatamente estreitou os olhos para ele, a xícara pousada sobre a mesa com um pouco mais de força do que o necessário.

— Kwon...

— Tá, tá, eu vou fazer — Ele disse, jogando a cabeça para trás dramaticamente. — Mas também, pra que essa pressa toda?

— Se não nos inscrevermos até o fim de semana, vamos perder a vaga. — Ela retrucou, cruzando os braços. — E esse vai ser o nosso primeiro torneio pra valer, contra gente muito mais velha e experiente. É uma oportunidade inigualável!

Kwon ergueu uma sobrancelha, lançando-lhe um olhar divertido.

— Você tá mesmo louca pra apanhar e dar uma surra em gente velha, hein?

Ela revirou os olhos de novo, mas não conseguiu evitar um sorriso.

— Eu quero desafios de verdade. E você também. Ou vai dizer que prefere lutar só contra crianças de doze anos?

Ele suspirou pesadamente, como se estivesse sendo forçado a tomar uma decisão difícil, mas a diversão ainda brilhava em seu olhar.

— Tá bom, tá bom — Disse, erguendo as mãos. — Assim que a gente chegar em casa, eu faço a inscrição.

Calista arqueou uma sobrancelha, como se avaliasse a credibilidade daquela promessa.

— Ótimo. — Disse, por fim, inclinando-se ligeiramente na direção dele. — Porque se você esquecer de novo, eu mesma te dou um soco na cara.

Kwon riu, inclinando-se na mesma medida, seus narizes quase se tocando.

— Agora isso sim soa como um incentivo.

O vento soprou mais forte naquele instante, balançando as lanternas acima deles e trazendo consigo o cheiro das árvores ao redor. O dia estava chegando ao fim, mas ainda havia muito por vir. E, como sempre, Calista e Kwon estavam prontos para enfrentar qualquer coisa juntos.

A brisa fria do entardecer coreano soprou suavemente quando Calista e Kwon saíram do dojô, caminhando em direção ao carro que agora pertencera a ambos. Durante dezoito anos, Calista havia vivido de caronas e presa nos sufocantes carros com Silver no volante, mas agora, com a vida cada vez mais estruturada na Coreia, finalmente tinham um veículo próprio. Era um modelo esportivo preto, discreto, mas eficiente. Kwon adorava dirigir, apesar das dificuldades iniciais para tirar a carteira, e Calista aproveitava os trajetos para encostar a cabeça na janela e perder-se em pensamentos.

Ela estava eufórica. Os últimos meses foram intensos, repletos de treinamentos duros, estudos, competições e responsabilidades. Mas, acima de tudo, ela estava empolgada porque, depois de tanto tempo, finalmente iria rever seus amigos de Marietta. A última vez que estiveram na Califórnia foi para o aniversário de dezessete anos de Kenny. Ele quase chorou quando tiveram que ir embora, e Calista também. A distância, embora amenizada pelas mensagens e chamadas de vídeo, ainda pesava. Seis meses depois, Zara veio visitá-la, arrastando Axel junto, mesmo com o garoto sofrendo de um enjoo terrível em viagens de avião. Foi uma estadia breve, mas intensa, e agora, finalmente, todos estariam juntos de novo.

Kwon, por outro lado, não sentia tanto essa distância. Ele havia crescido na Coreia e tinha seus amigos ali, Han, Hyun e Joon-ho, todos treinando no mesmo dojô. Eles estavam sempre por perto, o que tornava a vida social dele mais ativa. Para Calista, era diferente. A vida que construiu na Coreia era maravilhosa, mas a ausência dos amigos de Marietta ainda doía um pouco. Mesmo assim, essa saudade nunca ofuscou a felicidade que ela sentia por estar ali. Seu curso na faculdade era exatamente o que sempre sonhou, seus treinos estavam mais intensos do que nunca e, agora, competia em categorias sérias, lutando contra adversários mais velhos e experientes. Ela e Kwon apanharam muito, mas essa dor se transformou em aprendizado. Estavam cada vez mais fortes, se tornando referências no meio das artes marciais.

Mas nem tudo na vida era só luta. Depois de muito insistir e quase chorar implorando, Calista finalmente convenceu Kwon a adotarem um cachorro. Assim que viram aquele filhote de olhos brilhantes e energia infinita, a decisão foi selada. O nome escolhido? Bolt, uma óbvia referência ao filme da Disney que ela tanto amava. Kwon, que inicialmente não ligava para animações, acabou sendo influenciado por Calista e agora dividia com ela essa obsessão por filmes da Disney. Era engraçado vê-lo citar falas aleatórias dos filmes no dia a dia, mesmo quando tentava disfarçar.

Assim que entraram no carro, Kwon ligou o motor e ajeitou os espelhos. Calista se acomodou no banco do passageiro, puxando o cinto de segurança e olhando pela janela. O céu estava limpo, a cidade iluminada com suas cores vibrantes e letreiros brilhantes. Ela suspirou, absorvendo aquela sensação de estar exatamente onde deveria estar.

— Ansiosa para o jantar? — Kwon perguntou, lançando-lhe um olhar de canto enquanto acelerava suavemente pelas ruas de Seul.

— Muito. Eu sinto falta deles todos os dias. — Ela confessou, apoiando o queixo na mão. — Sei que fiz a escolha certa ficando aqui, mas isso não significa que a saudade vá embora.

Kwon assentiu, compreendendo. Ele sempre foi mais desapegado, mas entendia o peso das relações de Calista com os amigos.

— Bom, ao menos agora você vai vê-los. E se Kenny chorar de novo, eu juro que vou gravar para rir pelo resto da minha vida. — Ele brincou.

Calista riu, dando um tapa leve no braço dele.

— Para de ser maldoso, Kwon. O Kenny é sensível.

— Eu sei, e é engraçado. Mas, falando sério, vai ser legal rever todo mundo. Até Axel, com aquela cara de quem não quer estar ali por ainda ter um amor enrustido por você resguardado... — Kwon disse em um tom de deboche, revirando os olhos só pela menção daquele fato, o que fez Calista rir.

— Ele é assim o tempo todo, mas eu sei que ele sente falta de você também, ok? — Ela disse, cruzando os braços. — Só é teimoso demais para admitir.

O carro seguiu pelas avenidas iluminadas, as luzes dos letreiros refletindo no vidro. Era um cenário quase cinematográfico, como aqueles momentos de transição em filmes onde os personagens estão prestes a entrar em um novo capítulo da história. Calista se pegou sorrindo, imaginando como seria a noite. Reencontros sempre traziam um misto de alegria e nostalgia.

— A propósito, você realmente vai fazer a inscrição do torneio assim que chegarmos? — Ela perguntou, arqueando uma sobrancelha.

Kwon soltou um suspiro dramático.

— Você não vai esquecer disso, né?

— Nunca. Se a gente perder a inscrição porque você ficou enrolando, eu vou te derrubar no tatame toda vez que treinarmos.

Ele riu.

— Tá bom, tá bom. Assim que chegarmos, eu faço isso. Mas, sério, você tá mesmo doida pra lutar com gente velha, né?

— Velha não, experiente. E sim, tô louca pra testar nossos limites contra eles. — Ela disse, determinada. — E ver você tomando uma surra vai ser divertido.

Kwon balançou a cabeça, revirando os olhos, mas com um sorriso de orgulho nos lábios. Ele sabia que Calista nunca recuava diante de um desafio, e era isso que fazia dela a lutadora incrível que era.

O carro seguiu em direção ao prédio onde moravam, e Calista se permitiu relaxar no assento, sentindo-se completa. A vida estava acontecendo exatamente como deveria.

O som dos pneus deslizando suavemente pelo asfalto ecoou pela garagem subterrânea do prédio enquanto Kwon estacionava o carro no lugar de sempre. O ambiente era bem iluminado, e o silêncio característico do horário reforçava a tranquilidade do momento. Eles saíram do veículo e, sem pressa, seguiram até o elevador. As portas metálicas se abriram com um pequeno som mecânico, e ambos entraram. O trajeto até o andar deles foi rápido, e assim que saíram do elevador e atravessaram o corredor estreito e impecavelmente limpo, Kwon destrancou a porta do apartamento.

Assim que cruzaram a entrada, instintivamente tiraram os sapatos e os colocaram no pequeno espaço designado para isso, substituindo-os pelos chinelos. Esse era um hábito coreano que, no começo, Calista precisou se lembrar de seguir, mas agora era algo tão natural quanto qualquer outra coisa. Ela não se via mais entrando em casa de sapatos como fazia antes em Marietta. Pequenos costumes como esse tornavam a Coreia ainda mais parte de quem ela era agora.

Antes mesmo de ter tempo de chamar pelo nome dele, Calista já se abaixou, os braços estendidos e um sorriso largo no rosto, esperando pelo pequeno furacão branco e peludo que, sem demora, veio correndo em disparada pela casa. Bolt praticamente se jogou nos braços dela, pulando de uma maneira tão entusiasmada que quase a derrubou. O filhote sacudia o rabo tão rápido que parecia um borrão, enquanto lambia o rosto de Calista sem piedade.

— Você é um babão! — Ela disse entre risadas, segurando-o melhor e coçando sua barriga macia.

Kwon, que fechava a porta e deixava as chaves no pequeno aparador ao lado da entrada, olhou para a cena e zombou, cruzando os braços.

— Você mima ele demais. Esse cachorro vai virar um rei dentro dessa casa.

Calista revirou os olhos, ainda segurando Bolt. Com um sorriso travesso, ela aproximou o filhote de Kwon e, em uma voz propositalmente fina e exageradamente fofa, disse:

— Como é que não se mima uma coisa fofa dessas, hein? Olha essa carinha!

Kwon tentou manter a postura indiferente, mas durou poucos segundos. Ele riu, pegou Bolt das mãos de Calista e começou a fazer carinho nele também.

— Tá bom, tá bom, você venceu. Ele é fofo demais.

Bolt soltou um pequeno latido animado e começou a lamber a mão de Kwon, que apenas balançou a cabeça com um sorriso.

Os três seguiram para a sala de estar, um ambiente aconchegante com um sofá largo e confortável, perfeito para os momentos de descanso ou para as inúmeras sessões de jogos que Calista e Kwon faziam. O apartamento não era grande, mas era o suficiente para os dois. Tinha um design moderno, com tons neutros e uma leve influência minimalista, algo que Calista inicialmente estranhou, mas que agora adorava. O ambiente sempre cheirava levemente a café, algo que Kwon insistia em fazer toda manhã.

— Vou tomar banho. — Calista anunciou, esticando os braços e se preparando para sair da sala.

Antes que ela pudesse dar um passo, Kwon praticamente se jogou no sofá em um movimento dramático, unindo as mãos em súplica.

— Por favor, uma "quedinha" antes? Só uma.

Calista parou no meio do caminho e lançou-lhe um olhar desconfiado. Conhecia Kwon bem o suficiente para saber que "só uma" nunca era apenas uma partida. Ainda assim, olhou para o relógio no pulso. Tinha um tempo antes de precisar correr para a faculdade, então suspirou, balançando a cabeça.

— Tá bom, só uma. — Disse, enfatizando a última palavra.

Kwon comemorou como se tivesse vencido um torneio. Ele rapidamente colocou Bolt ao lado no sofá e pegou os controles, ligando o console. A tela da TV piscou antes de exibir a icônica abertura de Street Fighter. O tema de fundo soou pelo ambiente, e Calista já se ajeitou no sofá, pegando o controle com familiaridade. Seu olhar se estreitou em um misto de competitividade e diversão.

— Se prepara pra apanhar, gênio. — Ela provocou.

Kwon riu, escolhendo seu personagem com rapidez.

— Vai sonhando, Dinamite.

O apelido fez Calista sorrir de canto, e então a tela se encheu com a clássica visão lateral dos personagens em combate. Eles escolheram um cenário urbano, um beco iluminado por letreiros de neon, e assim que a luta começou, Calista já partiu para cima com golpes rápidos e sequências bem calculadas. Kwon desviou de alguns, mas ela conseguiu encaixar um bom combo logo nos primeiros segundos.

— Isso foi sorte. — Ele murmurou, concentrado.

— Isso foi habilidade. — Ela corrigiu, sem tirar os olhos da tela.

A batalha continuou intensa. Kwon revidou com ataques estratégicos, forçando Calista a se defender, mas ela não era do tipo que recuava facilmente. Com um movimento certeiro, conseguiu encaixar um especial que deixou a barra de vida de Kwon perigosamente baixa.

— Ei, ei... Isso é golpe baixo! — Ele exclamou, fingindo indignação.

— Eu chamaria de técnica, meu amor... — Ela rebateu, rindo.

No último momento, Kwon conseguiu virar o jogo e derrotá-la com um ataque bem cronometrado. A tela exibiu a clássica mensagem de K.O., e ele ergueu os braços como se tivesse acabado de vencer um campeonato mundial.

— E o vencedor é... O melhor sensei de todos os tempos! — Ele anunciou em tom vitorioso.

Calista bufou, mas estava sorrindo. Ela jogou um travesseiro na direção dele, que desviou no último segundo.

— Eu deixei você ganhar. — Ela disse, cruzando os braços.

— Ah, claro, claro. — ele zombou. — Quer revanche?

Ela olhou para o relógio novamente e suspirou.

— Eu adoraria esfregar sua cara metaforicamente no tatame, mas eu tenho que voar pra faculdade agora.

Ele deu uma risadinha pela provocação e a encheu de beijos rápidos nos lábios, fazendo-a rir. Ela se levantou do sofá, deixando o controle de lado, e se espreguiçou antes de seguir para o quarto, pegando suas roupas para o banho. Kwon permaneceu ali, ainda comemorando sua vitória para Bolt, que apenas abanava o rabo sem entender nada.

Enquanto caminhava pelo corredor, Calista não pôde deixar de sorrir. A vida era corrida, cheia de responsabilidades, lutas e desafios, mas esses pequenos momentos, as brincadeiras, as provocações, os jogos e a rotina com Kwon e Bolt faziam tudo valer a pena.

⋆౨˚ ˖

KWON'S POV

Eu a vi se movendo pelo apartamento com pressa, os passos apressados ecoando levemente pelo chão de madeira enquanto ela conferia se estava levando tudo. A bolsa já estava pendurada no ombro, e os cabelos ainda estavam um pouco úmidos do banho, com algumas mechas coladas na pele. Ela sempre ficava linda assim, com aquele ar de urgência e concentração, focada no que precisava fazer. Mas eu não queria que ela fosse.

Me aproximei sem pensar muito, meus braços envolvendo sua cintura por trás, puxando-a suavemente contra mim. Encostei o rosto no ombro dela, sentindo o perfume fresco do banho misturado ao cheiro natural dela, algo que sempre me acalmava.

— Fica mais um pouco. — Murmurei contra sua pele, minha voz saindo mais manhosa do que eu pretendia.

Calista riu baixinho, inclinando um pouco a cabeça para o lado, mas sem parar o que estava fazendo.

— Kwon, eu só vou para a faculdade. Daqui a algumas horinhas a gente vai estar jantando juntos, eu prometo.

Revirei os olhos, mas não soltei minha mão da cintura dela.

— Algumas horinhas parecem uma eternidade. — Retruquei, dramaticamente.

Ela se virou em meus braços, ficando de frente para mim. Por um segundo, o mundo ficou em silêncio. O jeito que ela me olhava, aqueles olhos cheios de brilho e intensidade, sempre me deixavam meio zonzo. Mesmo depois de tanto tempo, ainda me pegava completamente hipnotizado por cada mínimo gesto dela.

Sem aviso, ela se inclinou e selou nossos lábios, um beijo rápido, mas intenso o suficiente para fazer meu peito acelerar. Meu coração bateu mais forte, como se fosse a primeira vez. Eu sempre ria das pessoas que diziam que um beijo podia causar um frio na barriga toda vez, mas com Calista isso era real.

— Agora seja um bom garoto e me deixa ir, gênio. — Ela brincou, apertando meu nariz de leve antes de dar um passo para trás.

Suspirei, soltando um falso resmungo antes de finalmente deixá-la ir. Fiquei parado na porta, observando-a sair, até que a porta se fechou suavemente atrás dela.

O silêncio preencheu o apartamento por um momento, mas logo foi quebrado por um som baixo e arrastado. Olhei para baixo e vi Bolt sentado perto da porta, choramingando baixinho, os olhos grandes e pidões fixos na madeira como se esperasse que Calista voltasse a qualquer momento.

Joguei-me no sofá, soltando um suspiro exagerado.

— É, cara, eu também tenho vontade de chorar sempre que ela sai. Fico maluco, completamente maluco.

Bolt inclinou a cabeça para o lado e deu um latido curto, como se estivesse concordando comigo. Eu ri, passando a mão pelos cabelos antes de me afundar mais no sofá. Meu olhar percorreu o ambiente, observando cada pequeno detalhe da vida que construímos juntos.

Se eu dissesse a alguém que estou vivendo os melhores dias da minha vida, talvez soasse como exagero. Mas não era. Eu realmente estava. Foi um ano incrível, o mais tranquilo que tivemos em muito tempo. Claro que desafios sempre apareciam, afinal, a vida nunca era completamente fácil. Mas não existiam mais aquelas sombras pesadas pairando sobre nós.

Não tinha Kreese ou Silver tentando nos manipular, testando nossa lealdade e tentando nos separar. Não tinha Maria, com aquele olhar venenoso e palavras afiadas, nem Yuri e sua necessidade patética de provar alguma coisa a si mesmo. Não havia mais o peso de uma guerra constante.

Não havia mortes.

E não havia um torneio que servisse como um divisor de águas entre a queda e a glória.

Era só a gente. E eu nunca me senti tão livre.

Meu olhar caiu sobre Bolt novamente, que agora havia desistido de esperar na porta e subiu no sofá, deitando ao meu lado com um suspiro frustrado.

— Se conforma, parceiro. — Murmurei, fazendo carinho em sua cabeça. — Ela sempre volta.

Bolt soltou outro latido baixo antes de se aconchegar melhor contra minha perna.

Eu nunca achei que teria esse tipo de vida. Nunca achei que poderia realmente ser feliz sem estar movido por raiva, ódio ou necessidade de provar algo. Sempre pensei que meu caminho seria construído em cima de lutas e conflitos, que eu só existia para lutar.

Mas Calista mudou isso. Ela me fez perceber que eu podia ser mais. Eu me tornei alguém melhor, mais humano. E, pela primeira vez, estava movido por amor.

Soltei um longo suspiro e estiquei o corpo no sofá, sentindo Bolt se mexer ao meu lado. Ele já parecia ter aceitado que Calista não voltaria tão cedo, mas mesmo assim, de vez em quando, levantava as orelhas como se estivesse atento ao som da porta se abrindo.

Olhei para a TV, a tela ainda ligada no menu do jogo, a música eletrônica tocando em um loop sem fim. Eu sempre gostava de jogar uma ou duas partidas para passar o tempo, então, sem pensar muito, peguei o controle do lado e comecei uma nova partida contra a máquina.

Street Fighter sempre foi um dos meus jogos favoritos. Não tinha segredo, bastava ter bons reflexos, ler o movimento do oponente e agir rápido. Com a IA do jogo, era fácil prever os padrões, entender o que viria a seguir. Era um desafio legal para aquecer os dedos, mas nunca foi algo que me surpreendesse de verdade.

A máquina era lógica.

Calista, por outro lado... Ela não fazia sentido algum jogando.

Aperta botões aleatórios sem qualquer estratégia aparente e, de alguma forma, vence. Às vezes, ela tenta fazer um golpe específico e, no processo, ativa uma sequência absurda que nem eu sabia que era possível. O pior de tudo? Ela nem percebe que fez algo extraordinário. Apenas ri e diz que foi sorte.

Eu costumava ficar irritado com isso. Como alguém que não se esforça em aprender os comandos pode ganhar tantas vezes? Mas, com o tempo, percebi que não se tratava apenas de sorte.

Calista tem essa habilidade natural para o improviso. Não só no jogo, mas na vida. E eu aprendi, da maneira mais difícil possível, que improviso pode superar habilidade. Afinal, foi exatamente isso que nós dois fizemos ao longo dos últimos meses.

Não foi apenas treino, não foi apenas técnica. Quando enfrentamos Axel, Meng, Kreese, Silver, e até mesmo nossos próprios demônios internos, o que nos manteve vivos e vitoriosos foi a nossa capacidade de adaptação.

Ninguém entra em uma luta sabendo exatamente como ela vai acontecer. Podemos treinar o mesmo golpe milhares de vezes, mas, na hora da verdade, tudo pode mudar em questão de segundos. Foi assim no Sekai Taikai, foi assim em cada confronto que tivemos ao longo desse caminho.

Nós nos tornamos mais fortes não apenas porque aprendemos a lutar, mas porque aprendemos a lutar de verdade, com o coração, com instinto, com aquela sensação de que sempre há uma maneira de virar o jogo.

Meu personagem venceu mais uma partida contra a máquina, sem dificuldade alguma.

Suspirei.

Não era a mesma coisa sem Calista para me irritar com suas vitórias inexplicáveis. Olhei para o relógio. Ela ainda ia demorar um pouco para voltar, mas pelo menos tínhamos um jantar marcado mais tarde. E agora, tínhamos um ao outro.

Depois de tudo que passamos, depois de tantas idas e vindas, desafios e perdas, agora tínhamos um ao outro. E isso, por si só, já era a maior vitória que poderíamos ter.

⋆౨˚ ˖

Ajeitei a gola da jaqueta, passando os dedos pelo tecido familiar enquanto me olhava no espelho. A insígnia do Cobra Kai brilhava sutilmente sob a luz amarelada do quarto. Ainda era estranho pensar em mim mesmo como sensei. Como alguém responsável por ensinar, guiar e moldar lutadores. De todas as coisas que pensei que faria aos dezoito anos, essa definitivamente não estava no topo da lista.

Mas aqui estava eu. Liderando um dojô, morando com Calista, construindo um futuro. Parecia uma vida de casados, ou, pelo menos, algo perto disso. O tipo de vida que eu nunca imaginei ter tão cedo.

Respirei fundo e conferi os bolsos. Celular, carteira, chaves. Tudo certo. Fui até a sala, onde Bolt estava esparramado no sofá, a cabeça apoiada na almofada, as orelhas eretas e os olhos me observando de forma preguiçosa. Ele sabia que eu ia sair.

— Não faz essa cara, cara. — Murmurei, afagando suas orelhas. — Prometo que volto logo e trago a Calista junto.

Ele soltou um pequeno latido, como se estivesse duvidando. Peguei as chaves do carro, me despedindo dele com um último cafuné, e saí do apartamento.

Seul à noite sempre tinha um brilho diferente.

Os letreiros neon iluminavam as ruas, refletindo nas vitrines de vidro, e as calçadas estavam movimentadas, como sempre. Pessoas indo e vindo, algumas rindo alto, outras concentradas em seus próprios mundos. O trânsito estava fluindo bem, e eu segui pelas avenidas com a mente inquieta.

Meus pensamentos estavam em tudo ao mesmo tempo.

O dojô. As competições. A responsabilidade de ser um sensei. E, principalmente, Calista.

Um ano.

Um ano desde que nos tornamos oficialmente um casal. Um ano morando juntos. Um ano vivendo essa realidade que, para qualquer outra pessoa, poderia parecer precipitada. Mas para nós?

Parecia certo.

Depois de tudo que passamos, de Kreese, Silver, Sekai Taikai, a luta pela nossa própria sanidade, talvez tivéssemos amadurecido rápido demais. Talvez fôssemos mais adultos do que deveríamos ser aos dezoito. Mas, sinceramente?

Eu não me importava. Eu gostava da vida que tínhamos agora. Gostava de acordar e ver Calista dormindo ao meu lado, os cabelos bagunçados e a respiração leve. Gostava do jeito que ela enchia o apartamento com sua energia, como fazia piadas enquanto cozinhava ou zombava de mim quando eu reclamava do frio. Gostava de como ela sempre me desafiava, dentro e fora do dojô.

Mas, por mais que eu estivesse feliz, havia uma inquietação dentro de mim. Será que eu estava fazendo as coisas certas? Será que estávamos indo pelo caminho certo?

Eu me perguntava isso mais do que gostaria de admitir. Calista parecia tão confiante em relação a tudo. Sobre o dojô, sobre as competições, sobre o futuro. Ela tinha esse brilho nos olhos sempre que falava dos planos dela.

Eu queria ter essa mesma certeza. Queria ser tão inabalável quanto ela. Mas parte de mim sempre ficava questionando. Falta uma coisa, mas é uma decisão que me deixa inquieto.

Respirei fundo, tentando afastar esses pensamentos. Essa noite era para ser boa. Era para ser uma comemoração. E eu não ia deixar minha mente estragar isso.

O restaurante não ficava longe, e, quando estacionei o carro, percebi que alguns dos nossos amigos já estavam lá dentro. Vi Han e Joon-Ho através do vidro, conversando animadamente. Eles pareciam estar discutindo algo sobre as pizzas, provavelmente os sabores mais absurdos que só podiam ser encontrados em Seul.

Sorri de leve. Calista provavelmente já estava a caminho. E eu não poderia estar mais ansioso para essa noite.

A porta do restaurante se abriu com um leve tilintar do sino, e antes mesmo de eu dar um passo para dentro, uma voz estridente e familiar ecoou pelo ambiente.

— CUNHADINHOOO!

Revirei os olhos, mas acabei rindo. Zara.

Ela veio correndo na minha direção como se não me visse há anos, o que não era exatamente verdade, mas Zara tinha esse talento para fazer qualquer reencontro parecer épico. Antes que eu pudesse reagir, fui puxado para um abraço apertado, sentindo o perfume cítrico dela e seu cabelo bagunçado roçar meu rosto.

— Você está cada dia mais alto, que ódio! — Ela reclamou, se afastando e me analisando como se eu fosse um experimento científico.

— Ou você que continua do mesmo tamanho.

— Idiota.

Ela me deu um tapa leve no braço, e eu ri. Por trás dela, Axel apareceu. Ele não vinha com a mesma empolgação, claro. Axel nunca foi de grandes demonstrações de afeto, especialmente comigo.

Nosso passado juntos não era exatamente limpo. Havia ressentimentos. Coisas que nunca foram ditas, palavras que ficaram guardadas, brigas que quase passaram do limite. Mas, ao longo do tempo, aprendemos a conviver com isso. Aprendemos a respeitar o espaço um do outro.

E, no final das contas, tínhamos uma coisa em comum. Amávamos Calista. Por isso, quando ele parou diante de mim, apenas estendi a mão.

— Axel.

Ele analisou por um segundo, mas então aceitou o toque.

— Kwon.

Apertamos as mãos com firmeza antes dele dar um leve aceno com a cabeça, uma pequena demonstração de que as coisas estavam bem.

Pelo menos, o suficiente.

— Vamos entrar logo, tô morrendo de fome. — Ele disse, empurrando a porta para dentro.

Zara, no entanto, não parecia satisfeita.

— Mas e a Calizinha? — Ela perguntou, me cutucando. — Onde está minha pessoa favorita neste mundo cruel?

— Saindo da faculdade agora. Ela vai nos encontrar aqui.

Ela revirou os olhos.

— Essa garota só estuda, socorro.

— Ela é a campeã mundial de karatê, Zara. — Axel comentou de canto, puxando a cadeira enquanto nos acomodávamos à mesa. — Precisa ser um pouco nerd.

— E eu não duvido que vai ser.

Os olhos dela brilharam quando falou isso, e, por um segundo, senti um aperto no peito. Calista tinha tantas pessoas que acreditavam nela. Admiravam o que ela fazia. Era impossível não sentir orgulho dela, e ao mesmo tempo, um desejo desesperado de sempre estar à altura.

A conversa fluiu fácil.

Han e Joon-Ho estavam animados com as histórias da viagem de avião. Zara e Axel falavam sobre como as coisas estavam na Califórnia. O dojô, os treinos, até mesmo as festas.

— E o Kenny? — Perguntei, me lembrando do último encontro com ele.

— Ele tá bem. — Axel disse, pegando um pedaço de pizza que acabara de chegar. — Treinando mais do que nunca.

— E namorando. — Zara completou, dando um sorriso malicioso.

— O quê?

— Ah, sim. Kenny tem uma namorada agora. — Axel confirmou, parecendo se divertir com minha reação.

— Você tá brincando.

— Tô falando sério, a garotinha asiática do Myiagi-do, Devon Lee, uma fofa.

Eu ri, balançando a cabeça. O tempo realmente estava passando. Mas, antes que eu pudesse continuar a conversa, senti algo. Um arrepio na nuca. Uma presença. Olhei para a entrada do restaurante. E então a vi.

Calista.

Ela estava diferente da forma como a vi mais cedo ao sair às pressas. Sem a roupa da faculdade. Mais arrumada, mas ainda simples e completamente deslumbrante. Meus olhos percorreram cada detalhe dela. O cabelo solto em ondas suaves, os lábios levemente coloridos, a postura sempre confiante.

Ela sempre conseguia me deixar sem reação. Sempre. E antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Zara foi a primeira a agir.

— CALIZINHA!

Ela praticamente derrubou a cadeira quando se levantou, correndo na direção de Calista como um míssil. E minha namorada, como sempre, abriu um sorriso gigante e recebeu o impacto sem nem vacilar.

Eu só conseguia olhar. Aquela cena me atingiu de um jeito estranho. Talvez porque, no fundo, percebi que momentos como esse eram raros. Que, por mais felizes que estivéssemos, Calista estava vivendo uma vida completamente diferente agora. Que, no final das contas, a distância entre a Coreia e a Califórnia era maior do que só quilômetros.

Mas, por agora, nada disso importava. Ela estava aqui. E isso era tudo que eu precisava. A presença dela sempre mudava tudo. Desde o momento que Calista entrou no restaurante, o ambiente ficou mais leve. Era como se, de repente, tudo fizesse mais sentido. Eu não precisava falar nada, ela já sabia. Ela sempre soube.

Depois de cumprimentar todo mundo, trocando abraços e sorrisos sinceros, ela se virou para mim. Os olhos castanhos dela encontraram os meus por um breve instante, e naquele momento, nada mais existia. E então ela se inclinou, sem hesitação, e selou nossos lábios em um beijo breve, mas suficiente para fazer meu coração acelerar.

Era sempre assim. Toda vez. E quando se afastou, não pude evitar um sorriso. Ela também sorriu, antes de se sentar ao meu lado como se aquele fosse o lugar dela o tempo todo.

E, honestamente? Era.

Assim que Calista se acomodou, Zara não perdeu tempo.

— Agora você me conta.

Calista arqueou uma sobrancelha.

— Conto o quê?

— Se essa comida vale a pena ou não!

— Zara, você já comeu três pedaços! — Axel zombou, pegando mais um para si.

— E eu continuo querendo saber!

Calista riu, pegando um pedaço de pizza de mussarela.

— É muito boa. Diferente das pizzas da Califórnia, mas boa.

Zara fez um gesto vago com a mão.

Meh. Prefiro a dos Estados Unidos.

— Porque você só gosta das gordurosas com bacon e cheddar. — Axel rebateu.

— E QUAL O PROBLEMA DISSO?

Rimos. A mesa inteira. O clima estava leve.

— E a faculdade? — Zara continuou. — Você está gostando?

Calista assentiu, bebendo um gole de refrigerante antes de responder.

— Muito. Cinema sempre foi minha paixão.

Eu observei o brilho nos olhos dela quando falou isso. O tom de voz dela ficava mais animado, os gestos mais expressivos. Eu adorava ver ela falar do que amava.

— E você já gravou alguma coisa? — Tory perguntou, interessada.

— Algumas cenas experimentais. Mas nada oficial ainda. Só um curta-metragem.

— Vai dirigir um filme sobre a sua vida? — Axel brincou.

Ela riu.

— Acho que daria um filme de ação bem caótico.

— Ou um romance proibido. — Han provocou.

Eu arqueei a sobrancelha.

— Como assim?

— Pensa bem, Kwon. Você e Calista foram inimigos! Treinavam em lados opostos, se odiavam... E agora estão aqui, morando juntos.

— Realmente, parece um roteiro de filme. — Joon-Ho riu.

Eu sorri, olhando para Calista. Eles não estavam errados. Nós éramos tudo um para o outro agora. Mas, no começo? Fomos o pior tipo de adversário.

Lembrei do elevador do hotel. A forma como ela me provocava. Como eu revidava. Como parecia impossível que algum dia pudéssemos sequer estar no mesmo ambiente sem querer matar um ao outro.

E agora...

Ela segurou minha mão por baixo da mesa, os dedos entrelaçando nos meus sem que ninguém percebesse.

Agora, eu não conseguia imaginar minha vida sem ela.

— E os oponentes coreanos? — Axel perguntou, mudando de assunto. Sempre focado na luta. — São mais casca-grossa que os Iron Dragons?

Calista riu.

— Com toda certeza.

Ele arqueou uma sobrancelha, como se duvidasse dessa informação.

— Sério?

— Sim. A mentalidade deles é diferente. Mais agressiva, mais disciplinada. Nos primeiros meses, eu levei uma surra atrás da outra.

— E agora?

Ela sorriu de lado.

— Agora, sou eu quem dá a surra.

A mesa explodiu em risadas e comemorações.

— EU SEMPRE SOUBE! — Zara disse, apontando para Axel. — Ela é imparável!

— Calista nunca foi do tipo que aceita perder. — Robby completou.

Eu me inclinei um pouco, fingindo confidenciar algo para Axel.

— Ela também aperta botões aleatórios no Street Fighter e ganha.

— Ah, isso eu sei. — Ele riu.

A conversa fluiu naturalmente, passando de lutas para histórias engraçadas, até que Tory comentou:

— Falei com a Sam esses dias.

Calista olhou para ela, interessada.

— Sério? Como ela está?

— Bem. Está viajando com o Miguel agora, mas disse que quer vir visitar vocês no próximo mês.

Os olhos de Calista brilharam.

— Isso é incrível!

— Ela disse que sente sua falta.

Calista sorriu, e eu pude ver que era verdade. Ela sentia falta da Samantha. Era engraçado pensar que, há alguns anos, as duas estavam em lados opostos. Agora, eram como irmãs. Zara então mudou o foco para Kenny, zombando sobre o fato de ele estar namorando a Devon.

— O QUÊ?! — Calista arregalou os olhos.

— Você não sabia?

— A gente se falou por telefone há dois dias! Ele nem mencionou isso!

— Pois é. O garoto está namorando.

Calista balançou a cabeça, incrédula.

— Impossível.

— Quer apostar? — Axel perguntou.

— Não preciso apostar. Vou ligar para ele amanhã e arrancar a verdade.

— Boa sorte. Ele tem sido bem discreto.

Calista cruzou os braços, fingindo estar ofendida.

— Não acredito que ele escondeu isso de mim.

— Talvez tenha medo da sua reação. — Han brincou.

— Deveria mesmo.

Mais risadas. Mais conversas. Mais pizza. Eu olhei ao redor. Eu estava feliz. Não só porque estava comendo boa comida, nem porque estávamos nos divertindo. Mas porque Calista estava aqui. Ao meu lado. E, depois de tudo o que passamos, de Kreese e Silver tentando nos separar, de inimigos nos desafiando, de brigas, de torneios e de incertezas...

Estávamos aqui. Juntos. E isso? Isso era tudo o que eu precisava.

⋆౨˚ ˖

𝗖𝗔𝗟𝗜𝗦𝗧𝗔'𝗦 𝗣𝗢𝗩

A brisa noturna era fria, mas revigorante, deslizando suavemente por minha pele enquanto eu caminhava pelas ruas iluminadas de Seul. Minha mão estava entrelaçada à de Kwon, e eu sentia o calor reconfortante dele a cada passo que dávamos. O brilho dos letreiros neon refletia no asfalto úmido, espalhando cores vibrantes que pintavam a cidade com tons de azul, vermelho e lilás. As ruas ainda estavam movimentadas, casais caminhando, grupos de amigos rindo ao saírem de restaurantes, alguns jovens deitados na grama do parque, tirando fotos do céu noturno. Era uma noite viva, e eu queria absorver cada pedaço dela.

Meu estômago ainda estava pesado das infinitas fatias de pizza que devoramos. Eu nem sabia que existiam tantos sabores inusitados até Zara insistir para experimentarmos uma pizza com molho de soja e frango crocante. O sabor ainda pairava na minha língua, misturado à nostalgia e ao riso fácil que ecoou naquela mesa. Ver todos juntos de novo, depois de tanto tempo, foi como recuperar uma parte de mim que tinha sido deixada para trás quando me mudei para a Coreia.

— Ainda não consigo acreditar que Kenny está namorando a Devon. — Murmurei, balançando a cabeça em descrença.

Kwon soltou um riso pelo nariz, me puxando mais para perto enquanto continuávamos andando.

— Eu meio que já imaginava. Eles sempre tiveram essa coisa de implicar um com o outro... Geralmente significa alguma coisa.

Bufei, ainda indignada.

— Falei com ele dois dias atrás! Dois! E ele nem mencionou nada!

Kwon me olhou de canto, arqueando uma sobrancelha.

— Você esperava o quê? Que ele ligasse e dissesse: "Ei, Calista, adivinha só? Estou namorando a Devon"?

Cruzei os braços, fingindo estar emburrada.

— Sim, eu esperava exatamente isso.

Ele riu e apertou minha mão.

— Você fala com ele todo dia. Aposto que queria ser a primeira a saber.

Suspirei dramaticamente.

— Exatamente.

A verdade era que eu sentia falta de estar por perto para essas coisas. Ver meus amigos crescerem, evoluírem, acompanhá-los de perto como antes. Mas, ao mesmo tempo, minha vida na Coreia tinha se tornado tudo o que eu sonhei. Minha faculdade, minha profissão, meu futuro. Eu estava onde deveria estar.

O silêncio confortável se instalou entre nós por alguns instantes. O barulho ao redor preenchia o espaço entre nossas palavras, passos apressados, o ronco de motores, a melodia distante de um artista de rua tocando violão. O cheiro de comida de barracas na calçada pairava no ar, misturando-se ao perfume amadeirado que Kwon sempre usava.

Olhei para ele de soslaio, observando seus traços sob a luz suave dos postes. Ainda me surpreendia como tudo entre nós mudou. O garoto que antes me tirava do sério, que era minha maior ameaça e o único que conseguia me enfrentar de igual para igual no tatame, agora era a pessoa que eu mais amava no mundo.

Sorri sozinha, lembrando do dia em que nos conhecemos. O elevador daquele hotel. As provocações. O olhar desafiador que ele lançou para mim quando percebeu que eu não cederia. O jeito como ele me desafiou desde o primeiro segundo, como ninguém nunca tinha feito antes. Kwon nunca me tratou como alguém frágil, nunca teve medo de me enfrentar ou de me dizer as verdades que eu precisava ouvir.

Agora, depois de um ano, nós vivíamos juntos. Treinávamos juntos. Liderávamos um dojô juntos. Era estranho pensar em tudo o que aconteceu nesse tempo. Todas as batalhas que enfrentamos. Todas as perdas que sofremos. Mas, de alguma forma, ainda estávamos aqui.

— Em que tá pensando? — Kwon perguntou, sua voz baixa e suave.

— No quanto a vida muda rápido. — Olhei para ele, apertando minha mão na dele. — Há um ano, a gente se odiava.

Ele riu.

— A gente já se amava. Só não sabia ainda.

Rolei os olhos, mas sorri.

—Estou falando sério. Parece que faz tanto tempo, mas ao mesmo tempo, foi ontem que a gente estava pronto pra se matar naquele tatame.

— E agora estamos prontos para matar qualquer um que tente nos separar.

Meus olhos se suavizaram. Era verdade. Nós tínhamos enfrentado tudo e todos. Kreese, Silver, Maria, Yuri... todas as pessoas que tentaram nos destruir, falharam. Nós éramos mais fortes do que qualquer coisa que tentasse nos derrubar.

— Você está feliz? — Perguntei, mordendo o lábio inferior.

Ele me olhou, como se fosse uma pergunta óbvia.

— Mais do que achei que seria possível.

Meu peito aqueceu, e eu apenas encostei minha cabeça no ombro dele enquanto continuávamos andando.

— Você acha que um dia a gente vai querer algo a mais? — Perguntei baixinho, como se aquela pergunta fosse algo delicado demais para ser dito em voz alta.

Kwon ficou em silêncio por alguns segundos.

— Como assim?

Mordi o lábio, pensando na melhor forma de explicar.

— A gente já mora junto, já tem um cachorro, já divide praticamente tudo... Eu sei que somos jovens, mas...Será que um dia vamos querer oficializar tudo?

Eu não sabia o porquê daquela pergunta ter escapado. Talvez fosse a maneira como eu me sentia naquela noite. Plena. Completa. Ele parou de andar, me puxando suavemente para que eu ficasse de frente para ele. Seus olhos escuros brilharam sob a luz da cidade, e havia um sorriso discreto em seus lábios.

— Você quer isso um dia?

Senti minhas bochechas esquentarem. Eu não estava falando de agora. Nem de daqui a um ano. Mas... Um dia? Sim. Qualquer dia que seja, eu sei que estou pronta.

— Eu não sei. Talvez? — Murmurei, desviando o olhar.

Kwon riu baixo e segurou meu queixo, me fazendo encará-lo de novo.

— Se um dia você quiser, eu também vou querer.

Meu coração pulou uma batida. Eu nunca achei que teria algo tão sólido na minha vida. Sempre fui acostumada a perder. Meu pai biológico me abandonou. Meu padrasto se tornou um monstro. Minhas primeiras amizades foram despedaçadas. Mas Kwon era uma certeza. Ele sempre foi.

Sorri, colocando os braços ao redor de sua cintura.

— Só não me pede em casamento com um anel dentro de um bolinho de arroz, por favor.

Ele riu alto, me apertando contra ele.

— Droga. Lá se vai meu plano.

Fechei os olhos, apenas sentindo seu calor, sentindo como tudo era tão certo. Sim, eu estava feliz. Tão feliz que mal cabia em mim.

A noite coreana se desenhava em um espetáculo de luzes e movimento ao nosso redor. Os letreiros neon piscavam, refletindo cores vibrantes no asfalto úmido. O som dos passos apressados, risadas espalhadas pelo vento e o aroma de comida de rua criavam um cenário acolhedor, como se toda a cidade estivesse viva em sintonia com meu coração acelerado.

Minha mão permanecia firmemente entrelaçada à de Kwon, sentindo o calor familiar que sempre me acalmava. Caminhávamos sem pressa, aproveitando cada instante da noite como se quiséssemos que aquele momento durasse para sempre. A cidade era um mosaico de histórias em movimento, mas, para mim, tudo parecia girar ao redor do homem ao meu lado.

E então, de repente, algo chamou minha atenção.

Meus olhos captaram um brilho mais intenso que os outros, uma imagem em um telão gigantesco no topo de um dos prédios. Meu coração deu um salto, e uma onda de adrenalina percorreu meu corpo. Antes que eu pudesse conter a euforia, um grito escapou da minha garganta.

— MEU DEUS!

Kwon parou no mesmo instante, seu corpo tencionando ao meu lado. Ele virou-se rapidamente, os olhos arregalados, prontos para reagir a qualquer ameaça.

— O que foi?!

Mas eu já estava segurando seu braço com força, apontando freneticamente para cima.

— Kwon, olha isso! EU TÔ FAMOSA!

Ele seguiu a direção do meu dedo, e, assim que seus olhos focaram no telão, um sorriso lento e surpreso se formou em seu rosto.

Ali, em uma tela enorme, estava eu. Minha imagem congelada no meio de um golpe, a expressão intensa, o olhar determinado. Ao meu lado, também em posição de luta, estava Hanna Aguiar, uma das lutadoras mais respeitadas do karatê mundial e, sem dúvida, a maior adversária que já enfrentei. O letreiro brilhava com os dizeres em coreano e inglês:

🔥 Hanna Aguiar vs. Calista Silver (Mamba Negra) – A LUTA DO ANO! 🔥

A luta seria em poucos dias. Meu nome estava ali, exposto para toda a cidade ver, estampado como se eu fosse uma celebridade. O choque da realização percorreu cada célula do meu corpo. Meus lábios se abriram em um sorriso tão largo que chegava a doer. Meus olhos brilharam, e a emoção explodiu dentro de mim como fogos de artifício.

Antes que eu pudesse reagir, Kwon me ergueu do chão, girando-me no ar com facilidade, como se eu não pesasse nada. Um riso eufórico escapou de mim, e eu joguei a cabeça para trás, gargalhando de pura alegria.

— Eu amo ter uma namorada celebridade! — Ele exclamou, antes de puxar meu rosto para um beijo rápido, selando o momento com seus lábios quentes contra os meus.

Quando ele finalmente me colocou de volta no chão, eu revirei os olhos, ainda sorrindo.

— Você também vai competir no mesmo torneio, tá? Então, tecnicamente, você também é uma celebridade.

Kwon deu de ombros, enfiando as mãos no bolso da jaqueta, com aquele meio sorriso preguiçoso que sempre me fazia perder o fôlego.

— Sim, mas eu não estou enfrentando um dos maiores nomes do karatê mundial.

Franzi a testa, descruzando os braços e segurando o rosto dele com as duas mãos, fazendo-o olhar nos meus olhos.

— Você também é um dos maiores nomes do karatê no mundo, Kwon Jae-Sung.

O sorriso dele sumiu por um instante, substituído por algo mais intenso. Seus olhos escuros me analisaram em silêncio, como se absorvessem cada palavra. Então, ele mordeu o lábio inferior, a respiração pesando um pouco.

— Como eu te amo, Dinamite...

Antes que eu pudesse responder, ele me puxou pela cintura, colando nossos corpos enquanto seus lábios tomavam os meus com uma intensidade arrebatadora. Meu coração disparou. O calor se espalhou pela minha pele, e eu me entreguei ao beijo sem hesitação, sentindo o mundo ao nosso redor se dissolver.

Ainda me impressionava como, depois de um ano, Kwon ainda me fazia sentir frio na barriga. Como cada toque seu ainda acendia um incêndio dentro de mim. Eu sabia que tínhamos esse efeito um sobre o outro, como se nos apaixonássemos de novo a cada dia.

Eu sorri contra seus lábios antes de nos afastarmos um pouco, minha testa encostada na dele.

— Você tá preparado para esse torneio? — Perguntei, minha voz um pouco ofegante.

Ele riu baixo, seus dedos deslizando para entrelaçar os meus de novo.

— Sempre. Mas não vou mentir, prefiro ver você ganhando do que ganhar eu mesmo.

Rolei os olhos, mas meu peito estava aquecido por dentro.

— Você vai detonar. Como sempre.

Ele beijou o topo da minha cabeça, e continuamos caminhando.

Eu ainda estava eufórica. Meu nome estava ali. Eu estava prestes a enfrentar Hanna Aguiar em um dos torneios mais esperados do ano. Isso era mais do que um marco na minha carreira, era um recomeço. E eu sabia que Kwon estaria ao meu lado em cada passo.

A cidade seguia vibrante ao nosso redor, mas, para mim, o que realmente brilhava era a certeza de que, não importa o que acontecesse, eu e Kwon éramos invencíveis juntos.

Pouco tempo depois, chegamos no prédio, estacionando na garagem e indo até a entrada. A porta do prédio se abriu com um leve rangido metálico, revelando o saguão iluminado por luzes amarelas quentes, criando sombras suaves nas paredes de mármore frio. Eu e Kwon cruzamos o hall lado a lado, o eco dos nossos passos sendo abafado pelo tapete espesso próximo aos elevadores.

Eu ainda sentia minha pele formigar, um resquício da excitação da noite. Meu coração batia leve, feliz, preenchido de uma maneira que poucas vezes na vida eu havia experimentado. A risada fácil ainda vibrava em minha garganta, enquanto nossos dedos permaneciam entrelaçados, como se aquele simples toque fosse o que me ancorava à realidade, uma realidade que eu não queria que terminasse nunca.

Kwon apertou o botão do elevador, e as portas se abriram quase que imediatamente, como se soubessem que estávamos esperando. Entramos. O espaço era pequeno, paredes espelhadas refletindo nossas imagens, e o perfume dele — uma mistura de sabonete fresco e algo amadeirado — preenchia o ambiente confinado. Eu adorava aquele cheiro.

O elevador começou a subir, um zumbido baixo ecoando nos trilhos. Meu corpo já sabia o caminho de cor, mas ainda assim, toda vez que aquela porta se abria para o nosso andar, a sensação de pertencimento tomava conta de mim.

Mas, dessa vez, algo foi diferente.

Quando o elevador parou no nosso andar, Kwon não saiu imediatamente. Em vez disso, ele segurou minha mão de um jeito um pouco mais forte e murmurou, baixinho:

— Espera.

Franzi o cenho, hesitando, sentindo um pequeno arrepio subir pela espinha. A porta começou a se abrir, mas ele rapidamente apertou o botão para fechá-la novamente. O elevador se fechou ao nosso redor mais uma vez, isolando-nos do mundo.

Inclinei a cabeça, cruzando os braços, um sorriso provocativo brincando nos meus lábios.

— O que foi agora? Tá com saudade de ficar preso no elevador comigo? — Brinquei, arqueando a sobrancelha.

Ele riu de leve, passando a mão pela nuca, e seus olhos brilharam daquele jeito especial, aquele jeito que sempre me fazia sentir como se o mundo inteiro tivesse ficado em silêncio por um momento.

— Sim. Eu estou.

Aquilo me pegou de surpresa.

A brincadeira que eu tinha na ponta da língua morreu antes de ser dita. Kwon segurou minha mão novamente, mas dessa vez, seu toque estava diferente. Havia algo ali, algo mais profundo, mais intenso. Meu coração deu um pulo no peito, e eu senti minha respiração vacilar.

— Calista... — Ele começou, e havia algo na voz dele que me prendeu completamente. Uma sinceridade crua, despida de qualquer artifício. — Eu acho que nem consigo explicar o que rolou entre a gente desde o começo, mas quando eu te vi pela primeira vez... Foi o momento em que tive a maior certeza da minha vida. Você seria o meu problema.

Eu ri, rolando os olhos.

— Idiota... — Murmurei, mas minha voz saiu mais suave do que o normal.

Ele riu também, abaixando a cabeça por um momento antes de voltar a me encarar. O nervosismo brilhava em seus olhos escuros, mas também havia uma ternura ali que me fez sentir como se meu peito estivesse prestes a explodir.

— Sim, um idiota. Nem sei como você me aguentou por tanto tempo e ainda foi capaz de se apaixonar. Só por isso, já te acho uma guerreira...

Meu coração apertou. Eu sorri, inclinando a cabeça para o lado.

— Sabe que não dá pra controlar o coração. Você era um tremendo babaca, mas era o meu babaca. Sempre foi.

Eu vi sua garganta se mover em um engolir seco. Seus dedos estavam ligeiramente tremendo quando ele enfiou a mão no bolso da jaqueta e puxou algo pequeno. Um estalo aconteceu dentro de mim, uma fagulha de compreensão disparando tão rápido que eu mal tive tempo de processar. E então, Kwon fez algo que eu nunca, nem nos meus sonhos mais distantes, imaginaria naquele momento.

Ele se ajoelhou.

Meu mundo parou.

O elevador, que antes parecia pequeno, agora parecia não ter paredes. Meu estômago despencou como se eu estivesse despencando de uma altura absurda, o coração acelerando em disparada, os pulmões falhando em puxar ar.

— Eu sei que elevadores têm sido nosso maior ponto de encontro, e foi em um que selamos o início de algo... — A voz dele saiu um pouco trêmula, mas firme, cheia de significado. — Então pensei que poderíamos selar o início de outra coisa.

Minhas pernas pareciam feitas de borracha. Minhas mãos foram para minha boca, meus olhos ardiam com as lágrimas que eu sequer percebi que estavam ali.

Ele abriu uma caixinha. Lá dentro, um anel. Brilhante, perfeito, mas não tão perfeito quanto o olhar que ele me lançava naquele momento.

— Dinamite, eu sei que nós já temos algo com rótulo. Mas eu queria um rótulo um pouquinho diferente... Você quer casar comigo?

Eu senti que não conseguia respirar. Meu peito estava tão cheio de emoção, de amor, de felicidade, que parecia impossível conter tudo. Minhas lágrimas finalmente escaparam, quentes contra minha pele.

— Tá brincando? — Minha voz falhou, e eu soltei um riso trêmulo. — É claro que sim, gênio!

O suspiro que Kwon soltou foi audível, e ele colocou o anel no meu dedo com as mãos ainda tremendo. Mas, no instante seguinte, ele se levantou e me pegou nos braços, girando-me no ar.

— Ainda bem, porque eu cogitei seriamente a possibilidade de me achar louco.

Eu gargalhei, passando os braços ao redor do pescoço dele.

— Você é louco. E é por isso que eu te amo tanto.

Seu sorriso foi tão genuíno, tão puro, que eu quase chorei de novo. Ele me beijou.

Mas não era um beijo qualquer. Era o beijo que dizia, estamos noivos.

A porta do elevador se abriu alguns segundos depois, e um casal de idosos estava parado ali, nos encarando com sobrancelhas erguidas. Eu não pensei duas vezes. Agarrei a mão de Kwon e levantei a outra, exibindo o anel com o maior sorriso do mundo.

— EU TÔ NOIVA!

Os idosos riram, e eu simplesmente puxei Kwon para fora do elevador, correndo pelo corredor do nosso andar como se eu estivesse flutuando. Ele ria atrás de mim.

— O que tá fazendo, Dinamite?

Eu parei no meio do caminho, me virei para ele, ainda rindo de pura felicidade.

— Vamos na cobertura! Quero anunciar pra Seul que eu vou me casar com o amor da minha vida!

Ele riu, mas me puxou contra ele, me abraçando por trás. Senti o calor do corpo dele contra minhas costas, seus lábios roçando minha bochecha antes de ele murmurar:

— Eu te amo tanto que você não tem ideia.

Eu me virei nos braços dele, encarando-o.

— Eu te amo mais, gênio.

Ele ergueu uma sobrancelha, com um sorriso torto provocante.

— Isso soou como um desafio. Quer apostar?

Eu mordi o lábio inferior, antes de puxá-lo para mais um beijo. Porque agora, ele era meu noivo.

⋆౨˚ ˖

O sol pairava alto no céu, derramando sua luz dourada sobre a areia quente da praia, onde a brisa salgada do oceano dançava entre nós, trazendo aquele cheiro característico de maresia e liberdade. O som das ondas quebrando contra a costa misturava-se com as risadas, os gritos de empolgação e o farfalhar dos passos apressados sobre a areia. Era um daqueles dias em que tudo parecia simplesmente... Certo.

A água era cristalina, um azul profundo que se dissolvia em tons mais claros conforme se aproximava da margem. Eu podia sentir o toque frio e refrescante da espuma batendo contra minha pele enquanto me equilibrava nos ombros de Kwon, o olhar fixo na garota à minha frente. Zara. Minha melhor amiga, minha rival momentânea naquela batalha de titãs.

— Você não tem chance, Calizinha. — Ela provocou, o sorriso astuto iluminando seu rosto enquanto seus dedos se fechavam em punhos, como se estivesse prestes a me empurrar para a água.

Eu arqueei uma sobrancelha, sentindo a adrenalina pulsar.

— Eu que devia dizer isso.

Zara estava equilibrada sobre os ombros de Axel, e era quase injusto. Ele era mais alto que Kwon, mais forte fisicamente, e aquilo claramente lhe dava uma vantagem. Mas eu nunca fui do tipo que recua diante de um desafio. Nunca fui do tipo que aceita perder.

O jogo começou.

Nossos braços se entrelaçaram em um empurra-empurra agressivo, mas carregado de risadas e provocações. Eu tentava derrubá-la, ela tentava me fazer perder o equilíbrio. Os gritos de incentivo ecoavam da areia, onde Robby, Tory, Han e Joon-ho estavam envolvidos em uma partida de vôlei, a bola cruzando o ar em saques velozes.

Além deles, Chozen e a sensei Kim estavam ali. Eu ainda não acreditava que tinha conseguido convencê-los a virem, e mesmo que eles não estivessem envolvidos nas brincadeiras, ainda estavam ali, como parte da nossa celebração.

E isso significava muito para mim.

Kwon se movia firme sob a água, segurando minhas pernas com segurança, como se soubesse exatamente quando me apoiar e quando se ajustar. Eu confiava nele para me manter de pé. Era quase uma metáfora do que éramos.

Eu fiz um movimento rápido, empurrando Zara para trás com mais força do que ela esperava. Ela se desequilibrou.

— Não, não, não! — Ela gritou, tentando se segurar em algo, mas Axel não conseguiu sustentá-la a tempo.

Um estrondo na água.

Vitória.

Eu ergui os braços em comemoração, rindo enquanto Zara emergia cuspindo água salgada, os cabelos grudados no rosto.

— AXEL! — Ela exclamou, indignada, jogando água no rosto dele.

Ele riu, erguendo as mãos em rendição.

— Ei, a culpa não foi minha! Você que não segurou o tranco.

Zara revirou os olhos, resmungando algo antes de pegar mais água e atirá-la nele. Axel arqueou uma sobrancelha.

— Ah, é assim? Você só tá inventando desculpas porque perdeu feio.

— Você que não soube me segurar, palerma!

Ele riu, inclinando a cabeça.

— Foi mal, então. Aqui, deixa eu refrescar a sua memória de como se perde.

Foi rápido. Ele jogou um jato de água nela, mas o problema foi que a força do movimento fez com que o jato acertasse em cheio não só Zara, mas também eu e Kwon. A água fria bateu contra meu rosto e escorreu pelo meu corpo, me pegando desprevenida. Kwon, ao meu lado, arqueou uma sobrancelha, os olhos brilhando em puro divertimento.

— Você quer guerra, Axel?

Axel deu de ombros, um sorrisinho travesso puxando o canto da boca.

— Cai dentro.

E foi assim que começou.

Em um segundo, estávamos todos atirando água uns nos outros, gargalhando como crianças. Zara esqueceu sua frustração da derrota e se juntou a Axel, enquanto eu e Kwon retaliávamos com força total. A água voava em todas as direções, respingos brilhando sob o sol, e eu podia sentir meu coração martelando no peito, não de cansaço, mas de pura felicidade.

Por alguns instantes, nada mais importava.

Não importavam as lutas, as cicatrizes do passado, as responsabilidades. Não importava a distância que nos separava de algumas pessoas que amávamos. Naquele momento, só existia a risada, a competição boba, a sensação da água fresca contra a pele quente e o olhar cúmplice de Kwon, que sempre parecia saber exatamente o que eu estava sentindo.

Foi quando eu olhei para o horizonte. Minha respiração falhou por um instante. Ali, na areia, sentada como se sempre tivesse pertencido àquele lugar, estava minha mãe.

Ela usava um chapéu enorme, espalhafatoso, exatamente como costumava usar quando eu era criança. Sempre achei graça daquele acessório ridiculamente grande, mas agora, vê-lo ali, mesmo que apenas em minha mente, trazia uma onda de nostalgia que quase me engoliu.

Ela me olhava com um sorriso terno, o olhar cheio de orgulho.

Ao lado dela, Terry.

Ele vestia uma bata leve, sobre um short branco impecável, exalando toda a riqueza que sempre o acompanhou. Mas, mais do que isso, ele também estava sorrindo. Um sorriso que dizia que ele sabia.

Ele sabia que eu tinha me tornado exatamente o que ele previu.

Uma lutadora nata.

Engoli em seco, sentindo a emoção se misturar à felicidade. Eu queria que eles estivessem ali de verdade.

Queria poder correr até minha mãe e sentir seus braços ao meu redor, ouvir sua risada doce e suas palavras encorajadoras. Queria que Terry estivesse ali para fazer algum comentário sarcástico sobre como eu finalmente tinha me metido num casamento, quando ele sempre brincou que eu nunca seria paciente o suficiente para isso.

Mas eu sabia. Sabia que, de alguma forma, eles estavam ali. Sabia que estavam vendo tudo isso, de algum lugar lá de cima. E, mais do que isso, sabia que eu não estava sozinha.

Eu tinha Kwon. Tinha meus amigos. Meus senseis. Tinha tudo o que eu precisava.

O coração se aquietou dentro do peito. Uma paz tomou conta de mim. Voltei meu olhar para Kwon, que, naquele exato momento, me puxou para um abraço apertado, ainda rindo.

— Você não tem ideia do quanto eu te amo, dinamite. — Ele sussurrou contra meu cabelo.

Fechei os olhos, absorvendo aquele momento.

— Eu te amo mais, gênio.

Ele afastou um pouco o rosto, um sorriso provocante surgindo em seus lábios.

— De novo essa história? Isso ainda soa como um desafio pra mim...

Antes que eu pudesse responder, ele me beijou.

E ali, entre risadas, amigos, amor e memórias, eu soube. Eu era feliz. Completamente, irrevogavelmente feliz.

Saímos da água ainda rindo, a pele salgada e os cabelos pingando sobre os ombros. O vento soprava suavemente pela praia, secando as gotas que escorriam pelos meus braços enquanto caminhávamos em direção à área onde o churrasco estava sendo preparado. O cheiro da carne grelhando no fogo misturava-se com a brisa do mar, criando um aroma quente e convidativo. O crepitar das chamas ecoava suavemente, preenchendo o ambiente com um som reconfortante, como se aquele momento fosse intocado pelo tempo.

Minha barriga roncou baixinho, e eu nem tentei disfarçar.

— Você tá morrendo de fome, né? — Kwon riu ao meu lado, cutucando minha cintura de leve.

— Culpada. — Admiti, dando de ombros enquanto me aproximava mais da fogueira.

A visão de Sensei Kim ali, com uma pinça firme na mão, virando pedaços suculentos de carne e legumes perfeitamente cortados sobre a grelha, me pegou um pouco de surpresa. Eu nunca tinha imaginado vê-la nesse tipo de cenário, longe da rigidez dos treinos e da atmosfera intensa do dojô.

Cruzei os braços e ergui uma sobrancelha, analisando a cena com diversão.

— Não fazia ideia de que a senhora tinha dotes culinários, sensei.

Kim levantou o olhar por um instante, os olhos estreitos em um brilho quase desafiador.

— Sou uma mulher de muitas qualidades, Calista. — Respondeu, sua voz carregada de um tom seco, mas não sem um resquício de diversão contida.

Antes que eu pudesse retrucar, Chozen se aproximou e, sem cerimônia, beijou a bochecha de Kim, os olhos cheios de carinho genuíno.

— Realmente.

Eu revirei os olhos.

— Ok, isso foi meloso demais pra mim. — Murmurei, mas no segundo seguinte, uma risadinha escapou dos meus lábios. No fundo, eu gostava daquilo. Gostava de ver que, mesmo com toda a severidade que Kim carregava, ela tinha alguém que enxergava além disso.

Meu olhar percorreu o ambiente por um momento. Todos estavam ali. Kwon, ao meu lado, os amigos espalhados em torno da fogueira, sentados na areia ainda quente. Tory, Robby, Han e Joon-ho falavam animadamente sobre o jogo de vôlei. Zara ainda reclamava baixinho da competição de briga de galo, enquanto Axel ria de cada nova desculpa que ela inventava. E ali estavam Chozen e Kim, os pilares que formavam essa base que, de alguma forma, se tornou minha casa.

Meu peito aqueceu com um sentimento difícil de nomear. Eu respirei fundo e sorri, genuinamente.

— Obrigada por estarem aqui. — Minha voz saiu mais suave do que eu esperava, e eu senti o peso do significado por trás das palavras.

Kim ergueu as mãos em um gesto tranquilo, como se aquilo fosse óbvio.

— Você sabia que isso seria inevitável — Disse, voltando sua atenção para a carne na grelha, mas sua voz mantinha aquela firmeza típica dela. — O destino de vocês sempre foi estarem juntos. É isso que os torna mais fortes.

Houve um breve silêncio antes que ela acrescentasse, em um tom que parecia mais sincero do que qualquer outra coisa que ela havia dito antes:

— E eu sempre torci por vocês. Torci pela sua volta, Calista. Minha melhor aluna, de volta ao meu dojô.

Senti uma pontada no coração com aquelas palavras. Eu sabia que Kim não era o tipo de pessoa que oferecia elogios gratuitos. Se ela dizia algo assim, era porque realmente acreditava nisso. Sorri, mas com um brilho travesso nos olhos.

— Ah, pronto, agora vai começar a bajulação. — Abanei a mão no ar. — Se continuar assim, eu vou acabar ficando mal acostumada.

Kim bufou levemente, mas antes que ela pudesse rebater, me aproximei sorrateiramente e a abracei por trás, envolvendo seus ombros com os meus braços ainda úmidos da água do mar.

Ela imediatamente se enrijeceu.

— Você está me ensopando! — Resmungou, tentando se soltar, mas eu segurei firme, rindo.

— Relaxa, sensei. Você precisa tirar essa carranca da cara de vez em quando.

Ela revirou os olhos, o semblante carregando aquela exasperação característica, mas, no fim, uma risadinha escapou de seus lábios.

E isso bastava.

Quando finalmente nos sentamos ao redor do fogo, a noite já começava a se instalar, pintando o céu com tons alaranjados e rosados. As primeiras estrelas despontavam timidamente no alto, e o calor das chamas nos envolvia, afastando qualquer resquício do frio da brisa noturna.

Kim terminou de assar as carnes e os legumes, distribuindo os pratos com a mesma precisão calculada que usava em seus golpes. Peguei minha parte e suspirei de satisfação ao sentir o cheiro irresistível da comida.

O jantar foi pontuado por conversas animadas.

— Você lembra daquela luta no torneio, Calista? — Han perguntou, os olhos brilhando de empolgação enquanto mastigava um pedaço de carne. — Quando você chutou aquele cara tão forte que ele caiu fora do tatame?

Zara soltou um assobio.

— Ah, sim! Essa foi épica. Você olhou pra ele como se dissesse "levanta e tenta de novo", mas o coitado nem conseguia respirar.

Eu ri, sacudindo a cabeça.

— Foi uma luta difícil. Ele era forte, mas... — Dei de ombros, com um sorriso de lado. — Eu era mais.

— Como sempre. — Kwon sorriu, passando um braço ao redor dos meus ombros e me puxando de leve contra ele.

— Ah, eu também tenho uma boa! — Axel se inclinou para frente. — Aquela vez que o Kwon foi desafiado por um cara duas vezes maior e a gente achou que ele ia levar uma surra, mas no fim, ele derrubou o cara com um único golpe. O chute insano que fez ele desmaiar.

Eu sorri, orgulhosa.

— Meu noivo é um gênio, não tem jeito.

Kwon sorriu de canto, fingindo modéstia.

— Eu sou só um cara talentoso, nada demais.

Todos riram.

E assim, entre histórias, provocações, risadas e lembranças, a noite foi se desenrolando. Meu coração estava cheio. Olhei ao redor, absorvendo cada detalhe daquela cena. A luz do fogo refletindo nos rostos daqueles que eu amava, as faíscas subindo em espirais para o céu escuro, o som das ondas quebrando suavemente ao fundo.

Eu sabia. Sabia que minha vida finalmente tinha encontrado um sentido. Que, depois de tudo, depois de todas as batalhas, todas as perdas, todas as dificuldades... Eu estava exatamente onde deveria estar.

E essa certeza era tudo o que eu precisava.

A lua já brilhava alta no céu quando a noite chegou ao fim. O calor do fogo ainda pairava no ar, junto com o aroma defumado da carne assada, misturando-se ao cheiro salgado do oceano. O vento noturno carregava um frescor gostoso, fazendo a areia sob meus pés parecer mais fria à medida que caminhávamos pela praia.

O momento que eu temia havia chegado.

Ficamos ali, parados perto dos carros, sem pressa, como se prolongar a despedida pudesse amenizar a dor de vê-los partir. Zara e Axel estavam prestes a embarcar em mais uma turnê, e eu sabia que levaria um tempo até que nos víssemos novamente.

— Não fica com essa cara, baixinha. — Axel provocou, bagunçando meu cabelo.

— Aí, sai fora! — Reclamei, afastando a mão dele com um tapa leve, mas não consegui evitar uma risada.

— A gente vai voltar antes do que você imagina. — Zara garantiu, cruzando os braços e me lançando um olhar cúmplice. — E na próxima vez, vamos trazer todo mundo. Miguel, Falcão, Demetri, Kenny... Vai ser a invasão de Marietta na Coreia.

Sorri, sentindo o peito apertar de saudade antes mesmo que eles partissem.

— É bom mesmo. — Murmurei. — Porque se demorarem demais, eu mesma vou até vocês e arrasto todo mundo pelos cabelos.

— Essa é a Calista que eu conheço. — Axel riu, puxando-me para um abraço forte.

Fiquei ali, entrelaçada naquele momento, sentindo o calor do abraço de cada um deles, absorvendo cada palavra de despedida, cada promessa de que logo nos veríamos de novo.

E eu sabia que era verdade. A distância não nos separaria. Não depois de tudo o que passamos.

Quando os carros finalmente sumiram no horizonte, senti um vazio estranho no peito. Não de tristeza, mas de um tipo diferente de saudade, aquele sentimento agridoce de saber que aqueles que amamos estão longe, mas nunca realmente ausentes.

Kwon se aproximou e passou um braço ao redor dos meus ombros, me puxando contra ele de forma protetora.

— Eles vão voltar logo.

Assenti, encostando minha cabeça no peito dele por um momento, ouvindo seu coração batendo em um ritmo calmo.

— Eu sei.

Suspirei e ergui o olhar para ele, forçando um sorriso.

— Vamos para casa.

Não demorou muito até chegarmos em casa. E no momento em que entramos, Bolt correu até nós, latindo animadamente e balançando o rabo como se tivesse passado anos sem nos ver. Ele pulou em cima de mim, e eu ri, me abaixando para coçar suas orelhas macias.

— Sentiu saudade, hein, garoto?

Ele latiu em resposta, lambendo minha bochecha antes de ir atrás de Kwon, que também o cumprimentou com um afago no topo da cabeça.

Mas eu já estava focada em outra coisa. Meus olhos foram direto para o corredor. A porta do banheiro estava ali. Me levantei de um pulo e disparei em direção a ela.

— Nem tenta, essa vez é minha!

Ouvi os passos apressados de Kwon logo atrás de mim, mas ele não foi rápido o suficiente. Com um riso vitorioso, girei a maçaneta e me joguei para dentro do banheiro, fechando a porta com um clique antes que ele pudesse sequer tentar contestar.

— Lerdo demais! — Provoquei, encostando a testa na porta, segurando uma risadinha.

Do lado de fora, ouvi Kwon bufar.

— Eu deixei você ganhar.

— Aham, sei. — Retruquei, me afastando e começando a tirar a roupa. — Vai se acostumando com a derrota, gênio.

O silêncio do outro lado me fez rir sozinha antes de finalmente ligar o chuveiro.

A água quente caiu sobre meus ombros, escorrendo por minha pele como um abraço acolhedor.

Fechei os olhos por um momento, deixando a tensão dos músculos se dissolver sob o calor da ducha. O vapor subiu ao meu redor, enevoando o espelho e criando uma sensação de isolamento momentâneo, como se aquele pequeno espaço fosse um universo só meu.

Era engraçado. Por tanto tempo, minha vida havia sido uma batalha constante. Sempre correndo atrás da vitória, sempre treinando para ser mais forte, sempre provando que eu era capaz. Como se meu único propósito fosse vencer.

Mas agora... Agora, pela primeira vez em muito tempo, eu me sentia completa. Não era apenas sobre lutas. Era sobre as pessoas que estavam ao meu lado. Kwon. Meus amigos. Meus senseis.

Era sobre cada momento compartilhado, cada risada, cada pequena vitória que não tinha nada a ver com competições, mas sim com a vida em si. Eu finalmente tinha algo pelo qual lutar que não era apenas um título ou um troféu. E essa era a maior conquista de todas.

Passei as mãos pelo rosto, sentindo a água quente escorrer pelos dedos. Amanhã, voltaria para os treinos. Voltaria a competir, a enfrentar novos desafios. Mas agora... Agora, tudo fazia sentido.

E eu faria cada minuto valer a pena.

Logo saí do banho sentindo o calor reconfortante ainda preso à minha pele, envolvida na maciez do roupão. O vapor do chuveiro ainda pairava no ar, e o cheiro fresco do sabonete misturado ao leve aroma de sal da praia preenchia meus sentidos. Passei a toalha pelos cabelos úmidos, sentindo cada gota de água escorrer lentamente até que meus fios estivessem apenas levemente úmidos.

Foi quando ouvi os passos apressados do lado de fora. Antes que pudesse reagir, Kwon entrou no banheiro em um disparo, como se estivesse sendo perseguido por uma força invisível.

— Finalmente! — Exclamou, já puxando a camisa pela cabeça. — A areia tá começando a pinicar! Você demorou uma eternidade.

Revirei os olhos, cruzando os braços enquanto o observava se apressar.

— Dramático. — Retruquei, soltando uma risadinha.

Ele fez uma careta de exagero, como se eu o tivesse ofendido profundamente, antes de fechar a porta com um clique. Ainda sorrindo, sacudi a cabeça e segui para a sala.

A noite lá fora era tranquila, envolta por aquele tipo de silêncio que só a madrugada proporcionava. Mas ao mesmo tempo, a cidade nunca dormia. Luzes vibrantes piscavam nos telões, refletindo-se nos vidros dos prédios ao redor. O tráfego era mais leve, mas os carros ainda se moviam pelas ruas, faróis cortando a escuridão como pequenos vaga-lumes artificiais.

Fui até a sacada, respirando fundo o ar fresco da noite. O vento frio acariciou minha pele ainda aquecida pelo banho, e um arrepio percorreu minha espinha, mas não me afastei. Ao contrário, deixei que o momento me envolvesse.

Eu estava em paz.

Era um sentimento raro para alguém como eu, que sempre viveu em estado de alerta, sempre buscando o próximo desafio, sempre se sentindo deslocada. Mas agora, naquele instante, tudo parecia se encaixar.

A vida que eu construí aqui, o caminho que trilhei para chegar até esse momento, tudo fazia sentido.

Fechei os olhos por um segundo, apenas apreciando a sensação. Foi quando ouvi o toque do celular. Franzi o cenho no mesmo instante. Olhei para dentro da sala, confusa.

A essa hora? Devia ser quase uma da manhã.

Acelerei o passo até a mesa onde o aparelho repousava, piscando com uma notificação luminosa. Quando olhei para a tela, minha confusão aumentou ainda mais.

Daniel Larusso. Meu antigo sensei.

Hesitei por um instante antes de atender.

— Alô? — Minha voz saiu um pouco ressabiada.

Do outro lado da linha, Daniel respondeu com um tom leve, mas ligeiramente culpado:

— Boa noite, Calista. Desculpa pelo horário... Eu ainda estou me acostumando com os fusos diferentes e... Bem, esqueci que já é madrugada aí.

Sorri, relaxando um pouco.

— Tudo bem, sensei. — Me encostei na mesa, segurando o telefone contra o ouvido. — Como você está?

— Ótimo! — Ele respondeu de imediato, e eu pude quase vê-lo sorrindo do outro lado da linha. — E você? Como andam as competições?

— Bem ocupadas, como sempre. — Respondi, um sorrisinho brincando nos meus lábios. — Mas eu sempre tenho tempo para uma boa conversa com o meu sensei.

Ele riu.

— Isso é ótimo de ouvir.

Por um momento, tudo o que ouvi foi o som baixo da respiração dele do outro lado. O silêncio repentino fez meu peito disparar por um breve instante. Algo estava por vir. E eu não sabia se era exatamente bom.

E então ele disse:

— Eu tenho uma proposta para você, campeã mundial... Topa fazer uma viagem para Pequim?

⋆౨˚ ˖

𝗡𝗢𝗧𝗔 𝗗𝗘 𝗔𝗚𝗥𝗔𝗗𝗘𝗖𝗜𝗠𝗘𝗡𝗧𝗢

É com pesar, porém com muito orgulho venho finalizar oficialmente a fanfic Dangerous Blow. Eu gostaria de agradecer de coração à todos que estiveram nessa jornada comigo desde o início, autoras que me apoiaram, amigos que me incentivaram, tudo isso foi muito importante para chegarmos aqui. E claro, não poderia deixar de agradecer aos maravilhosos leitores dessa história, posso dizer com propriedade que você são os melhores do mundo! Eu me emocionei e senti cada emoção transmitida nessa história, e através dos comentários de vocês, pude ver que também sentiram o mesmo de quando eu escrevi. Uma das minhas maiores felicidades é sempre ler os comentários, as interações nos posts e todo o apoio e carinho de vocês com a história. Acredite, sem vocês, Dangerous Blow nem existiriam mais, então muito obrigada a cada leitor que fez parte dessa jornada incrível comigo. Vocês são maravilhosos e eu espero que continuem me acompanhando para os próximos projetos que virão. Sei que é triste uma fanfic que é um conforto para mim chegar ao fim, mas a história deles sempre estará aqui para lembrá-los de que não importa qual seja o desafio, quando existe a determinação certa, tudo pode acontecer. E como bem sabem, Cobra Kai nunca morre. Esse pode ter sido um fim de ciclo para Calista e Kwon, mas não significa que a jornada deles acabou. Vejo vocês em breve. Beijinhos da Liv <3



GALERIA DE MANIPS

Vou deixar aqui algumas manips feitas por minhas amigas divas e algumas feitas por mim.




































FIM.































OU SERÁ QUE NÃO?












































𝘤𝘰𝘣𝘳𝘢 𝘬𝘢𝘪 𝘯𝘶𝘯𝘤𝘢 𝘮𝘰𝘳𝘳𝘦.
















Obra autoral ©

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