57. Childhood memories

⋆౨˚ ˖

𝙁𝙇𝘼𝙎𝙃𝘽𝘼𝘾𝙆 - 𝐍𝐀𝐑𝐑𝐀𝐃𝐎𝐑 𝐏𝐎𝐕.

A brisa salgada da praia soprava suavemente contra o rosto de Calista, brincando com seus cabelos escuros, enquanto ela se movia entre as ondas com uma energia incansável. O sol do final de tarde lançava reflexos dourados na água, criando um brilho cintilante ao redor da menina de nove anos, que nadava como se pertencesse ao oceano. Seus pequenos braços cortavam a superfície da água com determinação, os pés chutando com força para se manter flutuando. Para Calista, nadar era uma libertação, um momento em que se sentia forte, ágil, indomável, como um tubarãozinho que nunca parava de se mover.

Aquela praia não era um local sofisticado, mas era especial para ela e sua mãe. Desde pequena, sua mãe, Shayene, a levava até ali sempre que o dinheiro permitia uma escapada rápida do dia a dia caótico que levavam. Mas naquela tarde, algo estava diferente. Pela primeira vez, não eram apenas as duas.

Calista ergueu a cabeça da água, os olhos escuros brilhando de curiosidade ao ver Shayene e Terry Silver sentados na areia, observando-a. Ele era o motivo de tudo estar mudando.

Shayene nunca tivera um marido. Desde que Calista podia se lembrar, sua mãe sempre cuidou de tudo sozinha, sem ninguém para ajudá-la, sem ninguém para dividir as responsabilidades, sem ninguém para dar a Calista o que uma criança deveria ter. As coisas eram difíceis, e Shayene carregava isso nos ombros, mas nunca deixava que sua filha percebesse o peso real dessa carga.

A vida das duas sempre foi um corre-corre entre empregos instáveis, contas atrasadas e amizades erradas que traziam mais problemas do que soluções. Shayene conhecia gente perigosa, devia dinheiro para pessoas erradas e, por muito tempo, parecia perdida em um ciclo sem fim de escolhas duvidosas.

Mas então veio Terry.

Ele apareceu como um furacão, com sua elegância impecável, seu sorriso afiado e a promessa de uma vida melhor.

Ele não era só um homem rico. Ele se importava. Pelo menos, era isso que Shayene acreditava. Pela primeira vez em anos, ela estava feliz de verdade. Calista percebia isso. Percebia no jeito como sua mãe sorria mais, no jeito como sua casa parecia mais organizada, no jeito como os problemas pareciam menores.

Mas ainda era estranho.

Calista nunca teve um pai, nunca teve uma figura masculina em casa. Era sempre ela e sua mãe. Agora, de repente, havia alguém ali, tentando preencher um espaço que nunca foi ocupado.

A menina nadou até onde a água alcançava sua cintura, sentindo a areia fria sob os pés. Suas pernas estavam um pouco cansadas depois de tanto tempo na água, mas ela não queria sair ainda.

Então ouviu sua mãe chamando:

— Pimentinha Azeda!

Ela revirou os olhos e riu.

— Mãe, já disse pra não me chamar assim!

Shayene gargalhou, sentada sobre uma canga colorida, vestindo um maiô preto e um short jeans desbotado.

— Vem aqui, pequena, Terry quer falar com você!

Calista torceu os lábios, olhando para Terry com desconfiança. Ele estava sentado ao lado de Shayene, usando uma bermuda bege e uma camisa social branca, com os primeiros botões abertos. Seus cabelos loiros estavam amarrados em um rabo de cavalo e ele usava óculos escuros caros, que refletiam o brilho dourado do sol.

Mesmo com apenas nove anos, Calista já conseguia notar que ele era diferente de todos os outros homens que sua mãe já conheceu.

E isso a deixava inquieta. Mas, no fundo, ela também estava curiosa.

Saiu correndo da água, jogando os braços ao redor da mãe, molhando-a completamente. Shayene gritou em protesto, rindo, e fez cócegas na barriga da filha.

— Você tá encharcada!

— A culpa não é minha se o mar é tão legal! — Calista retrucou com um sorriso travesso, mas logo sua expressão mudou. Virou-se para Terry, cruzando os braços. — O que você quer?

Ele riu. A risada dele era diferente. Não era debochada, nem maldosa, era... Leve. Como se achasse graça no fato de ela estar sendo tão desconfiada.

— Que tal aprender a dar uns golpes? — Ele perguntou casualmente.

Os olhos de Calista brilharam.

— Tipo ninja?

Terry arqueou uma sobrancelha, então, em um movimento rápido, segurou a menina no colo, erguendo-a no ar.

— Exatamente como um ninja. — Ele respondeu, dando um sorriso largo. — Ou melhor... Você vai ser mais forte que um ninja.

Calista riu alto.

— Quero aprender logo!

Terry a colocou no chão e se levantou, batendo as mãos na bermuda para tirar a areia.

— Então vem cá, pimentinha. Vamos começar pelo básico.

Ela estreitou os olhos.

— Se me chamar de pimentinha de novo, eu te dou um soco.

Ele soltou uma gargalhada.

— Ótimo. É esse espírito que eu gosto!

Calista olhou para a mãe, esperando que Shayene dissesse alguma coisa, mas ela apenas observava com um sorriso. Talvez ela achasse engraçado. Talvez achasse que isso era apenas uma brincadeira boba.

Mas Calista não via aquilo como brincadeira. Se Terry Silver estava disposto a ensiná-la a lutar, ela aprenderia. Porque, no fundo, ela sempre quis isso. Sempre quis ser forte, imparável.

Ele caminhou alguns passos até uma área onde a areia era mais firme e fez sinal para que Calista o seguisse.

— O primeiro passo é a base. Sem uma base forte, você não tem equilíbrio, não tem firmeza nos golpes.

Calista assentiu, séria.

Ele posicionou os pés na areia, ligeiramente afastados, os joelhos levemente flexionados.

— Tenta imitar.

Ela fez o mesmo, mas quase caiu para trás.

— Tsc, tsc. Está muito dura. Tem que ser firme, mas relaxada. Como se fosse um bambu no vento. Ele se dobra, mas não quebra.

Ela franziu o cenho, ajustando a postura.

— Assim?

— Melhor.

E então ele começou a mostrar os golpes. Golpes simples. Diretos. Nada de socos exagerados ou chutes altos. Apenas golpes certeiros.

Calista aprendeu rápido. A cada novo movimento, seus olhos brilhavam mais. Seu coração batia acelerado. Ela nunca teve nada assim, nunca teve alguém ensinando algo a ela com tanta paciência e interesse genuíno.

Quando ela acertou um soco bem posicionado, Terry sorriu.

— Acho que temos uma pequena lutadora aqui.

Shayene aplaudiu de longe.

— Isso, pimentinha!

Calista virou para a mãe, indignada.

— MÃE!

Shayene gargalhou, e Terry apenas sorriu.

— Acho que ela vai ser bem mais do que isso, Shayene.

Calista não percebeu na hora, mas naquele momento, algo dentro dela mudou.

Ela amou aquela sensação.

A força.

O controle.

E aquela foi a primeira vez que ela realmente pensou...

"Eu quero ser forte."

⋆౨˚ ˖

CALISTA'S POV

O troféu pesava em minhas mãos, mas eu mal sentia o peso real dele. Era como se estivesse flutuando, como se o mundo inteiro ao meu redor tivesse se dissolvido em um borrão de sons abafados e luzes dançantes. O eco dos gritos ainda reverberava no ginásio, misturando-se ao som dos meus próprios batimentos acelerados, um ritmo que parecia martelar contra meu peito, contra minha respiração ofegante, contra o tremor involuntário dos meus dedos.

Meus amigos vinham até mim, um a um, com expressões eufóricas, envoltos na mesma eletricidade que vibrava pelo ar. Sentia os abraços apertados, os toques de incentivo, os parabéns murmurados e gritados com entusiasmo. Cada contato era uma ancora me mantendo ali, me impedindo de desmoronar por inteiro, porque a verdade era que algo dentro de mim ainda processava o significado do que acabara de acontecer. Eu ganhei. Eu realmente ganhei.

Olhando ao redor, meu olhar varreu as arquibancadas e os rostos que se amontoavam no ginásio. Eu procurava por ele. Terry Silver.

Eu sabia que ele estava ali antes. Eu o vi. Seu olhar frio e calculista acompanhando cada movimento meu, cada golpe, cada desvio, cada ponto conquistado. Ele estava presente. Mas agora, ele sumiu. A sensação de sua presença ainda pairava no ar, como um vestígio de fumaça após um incêndio, como um eco que se recusa a desaparecer.

Ele viu a luta toda? Ele assistiu até o final? Ou partiu assim que percebeu que eu venceria?

Eu não sabia, e isso me incomodava mais do que eu queria admitir. Mas, antes que eu pudesse continuar afundando nesses pensamentos, um rosto familiar chamou minha atenção.

Minha mãe.

Por um instante, o tempo pareceu parar. Ela estava ali. Ela sempre esteve ali.

Os cachos castanhos caíam suavemente sobre seus ombros, seu semblante iluminado por um orgulho inconfundível. Era como se sua presença transcendesse o que eu podia ver ou tocar, como se estivesse aninhada no próprio ar ao meu redor. Um choro repentino subiu pela minha garganta, e eu não tentei segurá-lo.

Era um choro feliz.

Desde que ela se foi, eu nunca tratei sua morte como uma perda definitiva. Nunca acreditei que a morte pudesse separá-la de mim completamente. Era apenas uma distância invisível, uma linha fina que nos separava. Mas agora, mais do que nunca, eu sentia que essa linha se dissolvia. Ela estava ali, de verdade, me assistindo, me acompanhando, testemunhando o momento em que eu, sua filha teimosa e de cabeça dura, conquistava algo grandioso. Campeã mundial.

O pensamento fez meu peito se encher de algo quente e indescritível. Uma certeza. Uma paz.

Voltei minha atenção para minha equipe. Miguel foi o primeiro a me puxar para um abraço forte. Meu melhor amigo. O garoto que de repente, passou a estar sempre ao meu lado, nos bons e maus momentos. Eu queria ter sido amiga dele bem antes de tudo isso, quando ainda éramos rivais de dojô. Eu apertei-o com força, sentindo sua alegria misturada à minha.

Depois veio Tory, e havia algo nos olhos dela que fez meu coração se apertar. Um orgulho sincero. Uma irmandade silenciosa. Quando nos separamos, seu sorriso carregava uma intensidade que dizia mais do que qualquer palavra poderia.

Meus senseis foram os próximos. As palavras "Estamos orgulhosos de você" foram ditas com uma firmeza que ecoou profundamente em mim.

E então Zara. Ah, Zara.

Ela me olhou com aquele brilho travesso nos olhos e disse:

Sempre acreditei em você. E foi maravilhoso ver você esfregando a cara da Meng no tatame.

Eu ri. Eu realmente ri. A apertando em um forte abraço. Zara sempre esteve ao meu lado, desde o começo, ela foi a âncora que me manteve firme e lutando, e mesmo quando o mundo me derrubava, ela estava ali com a mão estendida para eu me reerguer. E eu sempre fui assim para ela também, o apoio, o braço direito.

E então, meu olhar encontrou Kwon. Ele estava lá, me observando, com aquele sorriso que eu adorava. Aquele sorriso verdadeiro, genuíno, cheio de orgulho e admiração. Por mim.

Meu peito se aqueceu novamente, e eu avancei, jogando meus braços ao redor dele, segurando-o com toda a força que eu tinha. Eu o beijei, e o mundo desapareceu por alguns segundos. Nós vencemos.

Quando nos afastamos, eu ergui o troféu entre nós dois, olhando dentro de seus olhos enquanto dizia:

Como em nossa promessa, vamos carregar essa vitória juntos. Porque eu não teria conseguido sem você.

Kwon abriu um sorriso maior, genuíno, e segurou o troféu comigo.

A multidão explodiu em aplausos. Tudo parecia tão certo. Tudo parecia resolvido.

E de repente, tudo ficou mais calmo.

O silêncio no ginásio era quase ensurdecedor. Gunther segurava o microfone com aquela expressão impassível e calculista, os olhos avaliando a multidão que prendia a respiração, aguardando seu próximo anúncio. Meu coração martelava contra minhas costelas, e eu podia sentir a tensão pulsando no ar ao redor de todos os competidores e espectadores. Kwon apertou minha mão com força, e eu retribuí o gesto, sentindo o calor reconfortante da palma dele contra a minha. Era um momento decisivo.

A voz de Gunther ecoou pelas caixas de som:

— Este ano, pela primeira vez na história deste torneio...

A pausa dramática foi suficiente para elevar os batimentos de qualquer um. Um murmurinho se espalhou pelo público, e pude ver até mesmo os senseis inclinando-se um pouco para frente, como se tentassem antecipar o que viria a seguir. Meu peito subia e descia rapidamente, e minha mente já tentava prever todas as possibilidades. Meu corpo estava tenso, e eu sentia o suor frio escorrer pela nuca.

— Tivemos um empate de pontos.

Meus olhos se arregalaram, e ao meu lado, Kwon reagiu da mesma forma. Nos viramos um para o outro, incrédulos. Como assim, um empate? Eu e Miguel vencemos nossas respectivas categorias, derrotamos nossos adversários. Axel perdeu para Miguel de forma justa, sem sujar as mãos. Foi uma luta limpa, bem disputada, e eu sabia que Axel lutou com honra. Mesmo assim, havia um empate.

Respirei fundo e deixei meus olhos se voltarem para o telão gigante no centro do ginásio. A resposta estava bem ali, em números inquestionáveis:

Cobra Kai — 200 pontos.
Iron Dragons — 200 pontos.

Meu estômago se revirou. Meus olhos varreram a multidão, mas nem Axel nem Terry estavam mais ali. Ambos desapareceram depois da luta. Terry Silver, com seu olhar sempre astuto e aquela maldita confiança arrogante, simplesmente sumiu sem dizer nada. E Axel... Axel lutou de forma limpa contra Miguel, então por que ele foi embora? Eu queria acreditar que ele estava processando a derrota, que precisava de um tempo para si, mas não pude evitar uma pontada de preocupação. E se houvesse mais alguma coisa acontecendo nos bastidores?

Antes que eu pudesse pensar mais nisso, Gunther retomou a palavra:

— De acordo com as regras tradicionais do torneio, quando ocorre um empate de pontos entre dois dojôs, há apenas uma maneira de decidir quem é o vencedor...

O ar ficou pesado. Eu já sabia o que ele diria.

— Um confronto entre os senseis. Três pontos. Um único round. Sem limite de tempo.

O ginásio explodiu em gritos e murmúrios, pessoas se levantando das cadeiras, treinadores cochichando entre si, lutadores trocando olhares ansiosos. Minha garganta ficou seca. Me virei para Kwon novamente, e ele compartilhava minha expressão atônita. Eu sabia que existia essa regra, mas nunca imaginei que realmente aconteceria. Não nesse torneio.

Olhei para o outro lado da arena, onde Wolf se encontrava com os braços cruzados, um sorriso satisfeito e convencido nos lábios. Era como se ele já soubesse que isso aconteceria. Como se já tivesse planejado tudo.

Ele sabia que enfrentaria Johnny Lawrence, e já parecia confiante com isso.

Pisquei algumas vezes, sentindo meu corpo entrar em alerta. Eu conhecia Wolf. Eu sabia exatamente do que ele era capaz. Ele era mais jovem que Johnny, seu estilo de luta era agressivo e imprevisível, e seu nível técnico era perigoso. Ele não brincava em serviço. Nunca brincou. Johnny teria que dar tudo de si nessa luta.

Engoli em seco, tentando afastar o nervosismo que subia pela minha garganta. Eu confiava em Johnny, mas Wolf não era um adversário qualquer.

A multidão continuava eufórica, e eu me forcei a manter a compostura. Isso aconteceria amanhã. O dojô vencedor seria decidido nesse último combate.

Respirei fundo e fechei as mãos em punhos. Independentemente do que acontecesse, nós lutaríamos até o fim. Não havia outro caminho.

A multidão saía do ginásio, os sons de conversa ainda enchendo o ambiente, mas para mim, tudo parecia mais calmo agora. Kwon passou o braço em torno dos meus ombros, e sem hesitar, encostei a cabeça no ombro dele, sentindo o conforto da proximidade. Depois de toda a tensão daquela noite, estar ao lado dele dessa forma trazia uma paz que eu nem sabia que precisava tanto.

— E então, campeã, o que quer jantar? — Ele perguntou, o tom casual e brincalhão, mas eu percebia o orgulho em sua voz. Kwon não era do tipo que derramava elogios fáceis, mas eu sabia que ele estava feliz por mim. E eu também estava feliz por ele. Ambos vencemos nossas batalhas, físicas e emocionais, e agora só queríamos aproveitar.

Estreitei os olhos para ele, um pequeno sorriso se formando no meu rosto antes de responder.

— Conheço um restaurante de comida coreana que não fica tão longe.

Kwon ergueu uma sobrancelha.

— O que você quer insinuar com isso?

Ri, sabendo que ele estava apenas se fazendo de desentendido. Me virei um pouco para olhá-lo melhor enquanto caminhávamos para fora do ginásio.

— Quando fomos para a Coreia, não foi exatamente nas melhores circunstâncias. Eu praticamente só comi um cachorro-quente de palitinho, e isso não conta como experiência gastronômica, certo? Quero conhecer de verdade um pouco da sua cultura.

Ele riu baixinho, depois se inclinou para dar um beijo na minha bochecha.

— Quando voltarmos para Seul, vou te levar em todos os restaurantes que eu conheço. Mas numa viagem mais tranquila, eu prometo.

Meu coração aqueceu com aquela promessa, e assenti, satisfeita. Ele topou a ideia da comida coreana e perguntou onde ficava. Antes que eu pudesse responder completamente, meus olhos pousaram em uma figura familiar perto da porta do ginásio.

Axel.

Ele estava parado ali, um pouco afastado das pessoas que saíam, os ombros ligeiramente tensos, o olhar incerto. Quando percebeu que eu o encarava, ele deu um aceno breve, quase envergonhado.

Senti Kwon se movimentar ao meu lado, também notando a presença de Axel. Eu podia perceber a expressão endurecendo um pouco. Ele ainda estava irritado com Axel, e com razão. O cotovelo que Axel havia usado na luta ainda lhe rendia uma tala no braço, e Kwon definitivamente não era do tipo que esquecia essas coisas tão facilmente.

— É melhor você falar com ele sozinha — Kwon disse, sem rodeios. — No momento, ainda estou querendo quebrar a cara dele.

Ele ergueu ligeiramente o braço imobilizado como se fosse uma prova da sua frustração. Ri, apesar da situação, e toquei o peito dele de leve.

— Eu volto logo.

Kwon assentiu, os olhos ainda fixos em Axel.

— Eu fico de olho.

Me afastei de Kwon e fui até Axel, cruzando os braços ao parar na frente dele.

— Achei que não te veria mais.

Ele soltou um suspiro baixo, mexendo no cabelo como sempre fazia quando estava nervoso.

— Foi mal... Eu estava assistindo sua luta. Você foi incrível. Eu só... Fui embora mais cedo porque estava com vergonha do que fiz.

Fiz uma careta leve antes de dar um soco de leve no ombro dele. Ele me olhou, surpreso, e eu revirei os olhos.

— Você deveria mesmo se envergonhar.

Ele abaixou a cabeça, concordando silenciosamente. Um momento depois, ele ergueu os olhos para mim e disse:

— Parabéns pela vitória. Eu sempre acreditei em você. Sempre soube que você seria campeã. Mereceu essa vitória, Cali...

Aquilo fez meu coração apertar um pouco. Axel realmente parecia arrependido. O tempo todo, ele sempre acreditou em mim. O problema era que, no meio do caos, todos cometemos erros. Axel não era exceção.

— Obrigada — Murmurei, e então acrescentei — E eu te perdoo, Axel.

Ele me olhou com surpresa, os olhos arregalando um pouco antes de um sorriso surgir no rosto.

— Sério?

Assenti.

— Sim. Mas você precisa se desculpar pessoalmente com Kwon.

Ele murmurou algo como "eu sei disso", e eu dei dois tapinhas no braço dele antes de sugerir:

— Vem com a gente. Vamos comer comida coreana.

Axel hesitou, passando a mão na nuca.

— Tem certeza? Não sei se Kwon vai gostar muito disso.

Sorri de lado.

— Você ainda é nosso amigo.

O sorriso dele se alargou e ele me acompanhou até onde Kwon estava. Assim que nos aproximamos, Axel ergueu a mão em um aceno meio incerto.

— E aí, cara.

Kwon o encarou por um instante, antes de responder.

— E aí. Temos muito o que conversar, não acha?

Axel riu sem graça e concordou.

Não demorou para que Kenny e Zara também se aproximassem, ambos comentando que estavam famintos. Kenny mencionou que o restaurante ficava perto e que poderíamos ir a pé. Concordamos rapidamente, e assim seguimos juntos, animados, aproveitando aquela noite que, apesar de tudo, parecia perfeita.

Mas no fundo, uma sombra ainda pairava sobre mim.

Terry.

Ele havia desaparecido. Ninguém sabia onde ele estava, e depois do que eu descobri sobre ele, depois de tudo o que ele me disse e fez, não conseguia ignorar aquele aperto no peito.

Seu estado de saúde, as palavras que ele sussurrou para mim, o abraço...

Parte de mim se sentia um pouco vazia, como se uma peça tivesse sido removida sem aviso prévio. Mas eu não deixaria que isso afetasse minha noite.

Essa noite era para celebrar. Para comemorar com meus amigos, as pessoas mais importantes da minha vida.

Shawn, irmão mais velho de Kenny, e alguém que eu fiz amizade na época em que estava no Cobra Kai nos ofereceu uma carona, e mesmo que Kwon tenha ficado relutante por nem conhecê-lo, aceitou com minha insistência, que sinceramente, nem precisou ser muita. Ele costuma ceder fácil, pelo menos comigo.

O carro de Shawn rugiu levemente quando ele girou a chave na ignição, e logo saímos do estacionamento do ginásio. O ar da noite era fresco, um contraste bem-vindo depois da intensidade das lutas. Eu ainda podia sentir o suor frio da adrenalina grudado na minha pele, o eco dos gritos da torcida ressoando na minha mente como um trovão distante. Mas agora, dentro daquele carro, o mundo parecia mais calmo. Ainda pulsante, mas de um jeito diferente.

Shawn dirigia com uma postura relaxada, uma mão no volante e a outra apoiada no apoio de braço. Ele lançou um olhar pelo retrovisor e, com um sorriso de canto, estendeu o punho fechado na minha direção.

— Como vai, campeã mundial de karatê?

Eu ri, batendo meu punho contra o dele.

— Melhor do que nunca.

E era verdade. O peso da luta tinha ficado para trás. A tensão, o medo, o frio na barriga antes de entrar no tatame... agora tudo parecia distante. Eu tinha vencido. Nós tínhamos vencido. Eu podia finalmente relaxar um pouco. Então me recostei no banco, soltando um suspiro aliviado enquanto sentia o tecido do estofado frio contra minha pele quente.

Só que, ao meu lado, Kwon pigarreou, claramente incomodado.

Virei o rosto na direção dele e arqueei uma sobrancelha.

— Por que a cara amarrada, gênio? — Sussurrei, de um jeito divertido.

Ele me olhou de canto, semicerrou os olhos e respondeu no mesmo tom baixo:

— Quantos amigos você tem, hein?

A resposta foi suficiente para eu entender o que estava acontecendo.

Segurei o riso. O ciúme dele já tinha virado uma marca registrada do nosso relacionamento, e às vezes era até engraçado ver o quanto ele ficava emburrado por coisas que, para mim, pareciam mínimas. O mais cômico era que ele nem tentava disfarçar. Kwon tinha ciúme de todo mundo. Até de Kenny, que era quase três anos mais novo e sempre me viu como uma irmã mais velha.

Mas, no fundo, eu adorava isso. Significava que ele se importava.

Então apenas revirei os olhos com um sorriso, antes de encostar minha cabeça no ombro dele, sentindo o cheiro do sabonete misturado com o suor ainda fresco da torcida. Meus dedos deslizaram pelo braço dele, chegando até a faixa que envolvia seu antebraço machucado. Pressionei de leve, quase sem querer, e senti quando ele ficou tenso.

— Ainda dói muito, né? — Perguntei, a voz saindo baixa.

Ele não respondeu de imediato. Em vez disso, se inclinou um pouco para beijar o topo da minha cabeça, o que fez um calor gostoso se espalhar pelo meu peito.

— Dói menos quando eu lembro que você venceu...

Minhas bochechas esquentaram.

Abri um sorriso genuíno, sentindo um orgulho enorme crescendo dentro de mim. Kwon não era do tipo que jogava elogios no ar sem motivo. Se ele disse aquilo, é porque realmente sentia isso.

Então me aconcheguei ainda mais ao braço dele, fechando os olhos por alguns instantes, deixando que a presença dele me envolvesse como um cobertor quente em uma noite fria.

Na frente do carro, Kenny e Shawn conversavam sobre alguma coisa aleatória, enquanto Axel e Zara lidavam com uma situação completamente diferente.

Zara estava no colo de Axel porque, entre todos nós, ela era a menor. O problema era que Axel parecia um robô programado para entrar em pane caso uma garota se aproximasse demais.

— Pelo amor de Deus, Axel, relaxa! — Zara reclamou, revirando os olhos. — Eu só quero encostar no banco! Minhas costas já estão tortas, você tá tensionado igual uma tábua de madeira!

Axel, que normalmente era uma das pessoas mais confiantes do grupo, estava visivelmente desconfortável, segurando os braços firmemente ao lado do corpo, sem saber onde colocar as mãos.

— Eu só... — Ele pigarreou, o rosto começando a ficar vermelho. — Eu só não quero... Hum... Te incomodar.

Eu e Kwon trocamos um olhar rápido. E então prendemos o riso.

Axel nunca ficava nervoso. Ele era calmo até quando estava prestes a levar um soco no tatame. Mas aparentemente, bastava Zara sentar no colo dele para que ele esquecesse como funcionava a interação humana. Ele costumava agir assim quando o assunto era "mulheres", eu e Zara já estávamos mais do que acostumadas.

— Você é um virgem perto de mulher? — Zara zombou, rindo.

O rosto de Axel ficou ainda mais vermelho.

— Não é isso! Eu só...

Mas ele não conseguiu terminar a frase.

Eu e Kwon finalmente não aguentamos e soltamos um riso baixo, abafado, enquanto Zara resmungava algo sobre homens complicando coisas simples.

O carro seguiu pela estrada iluminada pelas luzes da cidade, os reflexos coloridos passando pelas janelas como flashes. O rádio tocava alguma música que eu não reconhecia, e a conversa entre Kenny e Shawn na frente se misturava aos ruídos do trânsito noturno.

O cansaço começava a se instalar nos meus ossos, agora que a adrenalina da luta tinha se dissipado. Eu sentia cada músculo do meu corpo pedindo descanso, mas ao mesmo tempo, havia uma satisfação indescritível no fundo do meu peito.

Nós vencemos. Nada mais importava.

E então, finalmente, chegamos ao restaurante.

O carro parou suavemente na calçada, e Shawn desligou o motor. O letreiro iluminado do lugar brilhava em tons de azul e vermelho, refletindo no capô do carro. O cheiro de comida quente escapava pelas portas do estabelecimento, despertando imediatamente meu apetite.

— Finalmente! — Zara exclamou, já empurrando a porta do carro para sair. — Eu tô morrendo de fome!

Axel soltou um suspiro aliviado quando ela finalmente saiu do colo dele.

Eu estiquei meus braços, sentindo os músculos protestarem levemente pelo esforço do dia. Kwon saiu do carro primeiro e, como sempre, esperou pacientemente do lado de fora para que eu saísse também.

Quando pisei na calçada, ele me puxou de leve pela cintura, inclinando a cabeça para sussurrar no meu ouvido:

— Se você fizer piada de novo sobre meu ciúme, eu vou te encher de cócegas.

Eu ri, cruzando os braços.

— Eu não prometo nada, gênio.

Ele estreitou os olhos para mim, mas sorriu de canto.

Então seguimos juntos para dentro do restaurante, prontos para finalmente comemorar nossa vitória.

Entrar no restaurante foi como atravessar um portal para uma versão exageradamente estilizada da Coreia. As luzes pendiam do teto com um brilho quente e alaranjado, iluminando os painéis de madeira escura e os biombos decorados com caligrafias elegantes. Havia uma trilha sonora suave tocando ao fundo, algo que soava tradicional, mas remixado de um jeito moderno. O cheiro era irresistível, alho tostado, carne grelhada, o aroma adocicado de algum molho caramelizado no fogo. Tudo era convidativo, mas ainda assim...

— Sério? — Kwon murmurou ao meu lado, franzindo a testa de um jeito que me fez segurar o riso. — Isso estereotipa a gente demais.

Eu mordi o lábio para conter o sorriso zombeteiro e olhei em volta. Ok, ele tinha um ponto. O restaurante parecia ter sido montado por alguém que consumia muitos doramas e programas de k-pop. As garçonetes usavam hanboks em tons pasteis, os garçons estavam vestidos de maneira impecável e, de tempos em tempos, os telões no canto transmitiam clipes de idols coreanos. Mas, sinceramente, aquilo só tornava a experiência mais divertida.

— Ah, qual é, Kwon! Você não sai por aí fazendo coraçãozinho coreano para qualquer um na rua? — Provoquei, unindo os dedos em formato de mini-coração e o encarando com um olhar brincalhão.

Ele revirou os olhos, mas a sombra de um sorriso puxava o canto de seus lábios.

— Vou deixar essa passar só porque você é linda demais para conseguir me irritar. — Ele disse isso de um jeito casual, como se fosse um fato óbvio.

— Awn, você não resiste aos meus encantos! — Zombei, cutucando o braço dele.

— Não se ache tanto. — Ele beliscou de leve meu queixo antes de entrelaçar nossos dedos e nos guiar até a mesa.

A mesa era grande, redonda e perfeitamente capaz de acomodar todo mundo. O restaurante era rodízio, o que significava que eu teria a chance de experimentar todos os tipos de comida coreana. Eu estava ansiosa. Sempre adorei explorar novos sabores, mas fazer isso ao lado de Kwon tornava tudo ainda mais especial.

Nos sentamos, e logo as conversas começaram a fluir naturalmente. A energia na mesa era vibrante, animada, carregada da excitação pós-torneio. Kwon, Kenny e eu ficamos juntos em um lado, enquanto o resto do grupo se espalhava pelo espaço. O assunto da noite? Lutas. Obviamente.

— Mano, você viu a cara do Meng depois que a Calista deu aquele golpe? A garota vai ficar banguela pro resto da vida. — Kenny riu, pegando uma das tigelas de kimchi da mesa.

Revirei os olhos, mas não pude evitar rir também.

— Exagerado. — Respondi, mas no fundo fiquei orgulhosa. A luta tinha sido intensa e eu tinha dado tudo de mim.

— Exagerado nada. Foi um fatality, mano! Eu juro que ouvi um "KO" ecoando na minha cabeça quando ela caiu. — Kenny continuou, gesticulando para dar mais dramaticidade à história.

Kwon riu, colocando o braço ao redor do meu ombro e me puxando para mais perto.

— Admito que foi lindo de ver. — Ele disse, baixinho no meu ouvido, antes de depositar um beijo rápido no topo da minha cabeça.

Sorri, sentindo um calor confortável se espalhar no peito. Gostava de estar cercada dessas pessoas. Essa era minha família agora, mesmo que às vezes estivéssemos brigando e discutindo entre si. E esse momento... Era um daqueles que eu sabia que guardaria na memória.

Enquanto a comida chegava, continuamos a conversa. Kenny mudou o assunto para algo que estava deixando todo mundo tenso: a luta dos senseis que aconteceria amanhã.

— Cara, vai ser uma loucura. A gente treinou pra isso, mas ver os senseis se enfrentando é outra coisa. — Ele comentou, estalando os dedos ansiosamente. — O que vocês acham?

Engoli um pedaço de bulgogi antes de responder, tentando medir minhas palavras.

— Acho que o dojô que ganhar vai mudar muita coisa. — Respondi, evitando mostrar a preocupação que rastejava dentro de mim. — Mas, seja qual for o resultado... A gente precisa se manter unidos.

Kwon assentiu, mas Kenny parecia distante. Eu percebia o nervosismo dele. Nós todos estávamos nervosos.

Mas, para mim, havia outro pensamento martelando em minha mente. Eu tentava ignorá-lo, afastá-lo, mas ele voltava como um sussurro persistente:

E Terry?

Eu ainda não sabia o que tinha acontecido. Durante o torneio, ele desapareceu. Ninguém sabia ao certo para onde ele tinha ido, e a última coisa que ouvi foram as palavras que ele deixou antes de sumir: "Vença, ou tudo até agora foi em vão." E o sorriso que ele lançou para mim antes da luta, ele estava torcendo por mim, pela primeira vez, eu senti seu apoio.

E isso não saía da minha cabeça.

Meu peito apertou e eu empurrei o prato de comida para o lado, perdendo um pouco do apetite. Algo dentro de mim me dizia que alguma coisa ruim tinha acontecido com ele. Mas eu não sabia o quê.

Respirei fundo e tentei afastar o pensamento. Eu precisava estar aqui. Precisava aproveitar este momento com eles.

Deixei que Kwon puxasse minha atenção de volta para o grupo, rindo de algo que Kenny tinha dito. Eu o observei por um instante. Seu sorriso, seus olhos brilhando enquanto ele zombava do amigo, a forma como ele gesticulava ao falar... Era um alívio vê-lo assim, despreocupado, pelo menos por um momento.

Porque, no fundo, uma parte de mim temia que essa calmaria não durasse muito tempo.

⋆౨˚ ˖

A noite estava calma, e o som das ondas quebrando suavemente contra a areia preenchia o ar com um ritmo constante e quase hipnótico. A luz da lua refletia sobre a superfície do mar, criando um caminho prateado que se estendia até onde os olhos podiam ver. O vento leve bagunçava meus cabelos, e a brisa salgada trazia um frescor revigorante depois do jantar farto e das risadas que compartilhamos no restaurante. Por um momento, senti que nada no mundo poderia perturbar essa paz. Mas a verdade era que algo estava me incomodando. Algo que eu tentava ignorar, mas que latejava no fundo da minha mente como uma ferida que se recusava a cicatrizar.

Kwon caminhava ao meu lado, sua presença sólida e reconfortante. Sua mão estava entrelaçada na minha, e eu sentia o calor da sua pele contra a minha, como se ele soubesse que eu precisava desse contato. Ele percebeu meu silêncio, como sempre percebia, e apertou levemente minha mão antes de perguntar, sua voz suave, mas carregada de preocupação:

— O que está acontecendo, Dinamite? Eu sei quando alguma coisa está te incomodando.

Suspirei profundamente. Ele realmente me conhecia bem demais. Não adiantava esconder.

— É o Terry — Murmurei, sentindo um nó se formar na minha garganta.

Kwon parou de andar por um instante e virou-se para mim, estreitando os olhos. Sua expressão mudou imediatamente, e pude ver o músculo em sua mandíbula se contrair. Ele já estava pronto para brigar, para me defender, para enfrentar qualquer coisa que Silver tivesse feito.

— O que esse velho fez agora? — Perguntou, já irritado.

Não pude evitar um pequeno riso diante de sua reação automática, mas logo minha expressão se tornou séria novamente. Balancei a cabeça e olhei para o mar, buscando as palavras certas.

— Não é isso. Quando nós conversamos, ele deu todo um discurso de como se importava. Pela primeira vez... Eu vi ele chorar. — Minha voz falhou um pouco no final da frase. Kwon ficou em silêncio, esperando que eu continuasse. — Ele se desculpou.

Um silêncio pesado se instalou entre nós. O vento brincava com os fios soltos do meu cabelo, e o som das ondas parecia mais distante. Kwon finalmente falou, sua voz mais controlada, mas ainda cheia de sentimentos conflitantes:

— Olha, eu não duvido que ele possa estar arrependido. Mas isso não apaga tudo o que ele fez com você. Com a gente. Comigo. Ou com qualquer outro.

Assenti, sentindo um aperto no peito. Eu sabia disso. Nenhuma desculpa poderia mudar o passado. Nenhuma lágrima poderia apagar as cicatrizes que ele nos deixou.

— Eu sei disso — Respondi, passando os dedos pela lateral da minha testa, pressionando levemente como se pudesse afastar a dor de cabeça iminente. — Mas ele está doente, Kwon. Não tem muito tempo.

Ele estreitou os olhos para mim, estudando minha expressão. Kwon sabia que eu não era do tipo que demonstrava fraqueza facilmente, então minha fragilidade naquele momento certamente o pegou de surpresa. Ele exalou pesadamente, como se estivesse tentando processar tudo isso.

— Silver é tipo imortal. — Ele soltou um meio riso, mas sua expressão não era exatamente divertida. — Ele deve estar bem. Só deve estar envergonhado porque perdeu.

Eu assenti vagamente, mas algo dentro de mim ainda não conseguia aceitar essa explicação. A intuição, ou talvez simplesmente a preocupação, me dizia que havia algo mais por trás do sumiço de Silver.

Foi nesse momento que meu celular vibrou no bolso da minha jaqueta.

Fiz uma careta ao sentir o zumbido contra meu corpo e rapidamente o peguei, franzindo o cenho ao ver o nome de Samantha brilhando na tela. Sam não costumava me ligar assim, do nada. Principalmente à noite.

— É a Sam — Murmurei para Kwon antes de atender, levando o celular ao ouvido. — Alô? Sam? Tá tudo bem?

O silêncio do outro lado da linha durou um segundo a mais do que deveria, e isso foi o suficiente para que meu coração começasse a bater mais rápido.

— Calista... — A voz dela soou hesitante, como se estivesse escolhendo bem as palavras. — Você pode vir pra casa agora? Precisamos conversar.

Meu estômago afundou imediatamente. Algo na maneira como ela falou me fez saber que não era um convite casual. Não era um "vem aqui porque estou entediada". Não era nada leve.

— O que aconteceu? — Perguntei, sentindo minha respiração se tornar superficial. Meu peito estava apertado.

— Só... Só vem logo, tá? — Ela hesitou novamente. — É sério.

A ligação caiu.

Fiquei parada por um momento, encarando a tela do celular, sentindo o frio do vento se infiltrar na minha jaqueta, mas sem realmente registrá-lo. Algo estava errado. Muito errado.

Kwon percebeu na mesma hora.

— O que foi? O que ela disse? — Sua voz estava mais firme agora, e eu podia sentir a tensão em seu tom.

Engoli em seco e balancei a cabeça, guardando o celular de volta no bolso.

— Eu não sei... Mas não parece ser algo bom.

Ele assentiu, sem questionar mais. Apenas apertou minha mão um pouco mais forte e disse:

— Então vamos.

Começamos a andar em direção à avenida, onde poderíamos pegar um táxi. Meu coração batia forte dentro do peito, e minha mente estava uma confusão completa. Por mais que eu tentasse me convencer de que poderia ser apenas algo pequeno, apenas alguma besteira, eu sabia que não era.

Eu sentia.

A lua ainda brilhava no céu, e o som das ondas ainda estava ali. Mas a paz que senti momentos atrás havia desaparecido por completo. E se algo realmente tivesse acontecido com Terry?

O trajeto de táxi até a casa dos LaRusso foi silencioso. O veículo deslizava pelas ruas de Marietta enquanto as luzes da cidade piscavam em tons amarelados através da janela. O silêncio entre mim e Kwon não era desconfortável, era necessário. Nenhum de nós sentia a urgência de preencher o espaço com palavras vazias. Ele segurava minha mão com firmeza, o polegar traçando círculos suaves contra minha pele, um gesto pequeno, mas que me mantinha ancorada no presente.

Ainda assim, algo dentro de mim remexia inquieto. Uma sensação estranha que eu não conseguia nomear.

Quando o táxi parou em frente à casa dos LaRusso, eu respirei fundo antes de sair. O ar noturno estava fresco, carregado pelo cheiro de grama recém-cortada e um leve perfume floral vindo do jardim bem-cuidado. As luzes dentro da casa estavam acesas, e através da janela eu podia ver Daniel, Amanda e Sam sentados na sala.

Meu peito apertou.

Havia algo de errado.

Kwon percebeu minha hesitação e apertou minha mão um pouco mais forte. Eu me virei para ele, e seu olhar dizia tudo, ele também sentia isso. Era mais do que apenas uma conversa casual. Algo grave nos esperava lá dentro.

Engoli em seco e entrei.

O ambiente dentro da casa estava pesado. Sam estava sentada no sofá ao lado de Amanda, a expressão preocupada. Daniel estava com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos entrelaçadas, parecendo buscar as palavras certas para dizer.

Amanda foi a primeira a falar.

— Cali, querida, o noticiário soltou uma notícia sobre o desaparecimento do Silver e do Kreese...

Meu coração parou por um segundo.

Aquele nome. Ele ainda tinha poder sobre mim, mesmo depois de tudo.

Meu estômago revirou de imediato, como se meu corpo soubesse antes mesmo da minha mente que aquilo não era uma simples atualização.

Amanda continuou, a voz firme, mas carregada de um certo pesar:

— E uma lancha... Explodiu no mar há algumas horas. Você reconhece?

Ela pegou o celular e virou a tela para mim.

Meus olhos encontraram a imagem e, por um momento, tudo ao meu redor ficou em silêncio.

Era ela.

A Mamba Negra.

A lancha de Silver. O xodó dele. Eu me lembrava perfeitamente das vezes que o vi perto dela, orgulhoso, como se fosse um troféu particular. Era um símbolo de sua grandiosidade, de sua presença imponente. Um reflexo de quem ele era. E foi o mesmo apelido que recebi no período em que estava treinando com o Cobra Kai, ágil e extremamente venenosa. Pelo menos, era o que Terry costumava me dizer.

E agora... Tudo o que restava era uma imagem de destroços queimados, flutuando nas águas escuras.

Minha boca secou.

Quando finalmente consegui falar, minha voz saiu mais baixa do que eu esperava, quase um sussurro trêmulo:

— É a Mamba Negra... Essa lancha era tipo o xodó do Terry.

Amanda assentiu devagar, engolindo em seco.

— Olha, ainda não sabemos o que aconteceu, mas é provável que os dois estavam nessa lancha quando explodiu. Eu sinto muito, querida...

Senti um aperto no peito. Uma dor surda, profunda, mas sem forma definida.

Era isso? Ele estava morto?

Silver. Kreese.

Os homens que moldaram meu caminho, para o bem e para o mal. E Terry... A primeira "figura paterna" que eu tive em minha vida, se é que posso chamar assim.

Era estranho, porque eu nunca imaginei que isso aconteceria assim. De forma tão... Repentina. Como um corte abrupto na história.

Fiquei em silêncio por um momento, tentando absorver a informação, mas tudo parecia turvo, distante.

— Tudo bem... Eu só preciso processar isso. Obrigada por me dizerem.

Amanda me lançou um olhar de preocupação, mas não insistiu.

Eu me levantei e caminhei até a porta da frente, sentindo minha respiração ficar mais curta, mais pesada. Eu não sabia o que sentia.

Não era tristeza. Não completamente.

Mas também não era alívio.

A noite lá fora estava fria, mas eu mal senti o vento gelado contra minha pele. Minha mente estava girando, presa entre memórias e pensamentos desconexos.

Antes que eu pudesse me perder demais neles, senti um par de braços ao meu redor.

Kwon.

Ele não disse nada. Apenas me segurou.

E eu não sabia o quanto precisava disso até sentir o calor dele contra mim.

O choro estava entalado. Mas nenhuma lágrima escorria.

Não era justo. Não era justo ele ter partido assim, depois de ter dito aquelas palavras para mim.

"Eu me importo com você."

"Eu sinto muito."

Que ironia do destino. Ele passou a vida inteira sendo o homem mais forte da sala, intocável, inabalável... E agora, tudo o que restava dele eram destroços boiando no oceano.

Fazia sentido? Não. Mas a vida raramente fazia.

Encostei o rosto no peito de Kwon, respirando fundo. Ele não se mexeu, não disse que tudo ficaria bem, porque ele sabia que eu odiava isso. Só me segurou ali, me deixando existir dentro daquela confusão de sentimentos.

E foi o suficiente.

O silêncio entre nós foi preenchido apenas pelo som distante das ondas quebrando na areia, um som que mal se encaixava no cenário, mas que ainda assim parecia certo.

Eu sabia que ia superar. Eu sabia que o tempo faria seu trabalho e um dia essa dor seria só mais uma cicatriz na minha coleção.

Mas, naquele momento, tudo o que eu podia fazer era sentir. E nos braços de Kwon, pela primeira vez naquela noite, eu me permiti fechar os olhos e apenas existir.



Obra autoral ©

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top