56. Cobra Kai never dies
A inquietação me consumia.
Eu estava sentado na beirada da cama do hotel, o olhar fixo no chão, as mãos apertadas contra os lençóis, enquanto a impaciência me corroía por dentro. Meu pé batia contra o carpete de forma ritmada, como se aquilo pudesse de alguma maneira aliviar a tensão que percorria cada músculo do meu corpo. Mas não ajudava.
Calista tinha saído há horas para se encontrar com Zara, e ela simplesmente ainda não voltou.
Isso não seria um problema, se não fosse pelo fato de que tínhamos um inimigo à espreita. Um inimigo que se escondia na escuridão, esperando qualquer deslize para atacar.
Terry Silver.
Eu tentava afastar essa preocupação da mente, tentava racionalizar, pensar que ela sabia se cuidar, que ela era forte, que Zara também era... Mas era impossível.
Desde o momento em que aquele maldito velho entrou em nossas vidas, tudo virou um jogo de xadrez doentio, onde ele mexia as peças sem que percebêssemos. Ele estava sempre um passo à frente, sempre antecipando nossos movimentos, sempre sabendo exatamente onde nos atingir.
E era isso que me assustava. Porque se Silver decidisse que queria fazer algo contra Calista hoje... Eu não estava lá para protegê-la.
Meu estômago embrulhava com esse pensamento, e uma onda de frustração e impotência me atingiu como um soco no peito.
Levantei-me abruptamente, passando as mãos pelos cabelos em um gesto nervoso. O quarto parecia pequeno demais, sufocante demais. Eu precisava fazer alguma coisa, precisava me distrair, precisava parar de pensar.
Então decidi tomar um banho.
O banheiro estava cheio de vapor quando entrei, e o som da água caindo no chão de azulejo me envolveu por alguns instantes, proporcionando um alívio momentâneo. Mas assim que meus olhos desceram para o meu braço, aquela mesma sensação de derrota voltou com tudo.
A tala.
A droga daquela tala no meu braço, agora um lembrete físico da minha derrota. Engoli em seco, encarando o próprio reflexo no espelho enevoado. Eu estava cansado. Não só fisicamente, mas mentalmente. Eu sentia o peso daquela luta, e não apenas da última.
Silver vinha nos perseguindo desde o primeiro momento em que nossos caminhos se cruzaram. Como se sua única motivação fosse nos destruir. Como se nos fazer sofrer fosse sua maior fonte de prazer.
E agora, ele conseguiu. Não apenas me fez perder a luta. Não apenas me machucou fisicamente. Mas me fez sentir algo que eu nunca tinha sentido antes.
Uma sensação sufocante de que, dessa vez... Eu perdi para sempre.
Fechei os olhos, tentando afastar esse pensamento, mas era difícil. Porque quando meu cotovelo bateu contra o chão naquele impacto brutal, foi como se meu corpo inteiro tivesse sido tomado por um choque. Um raio que percorreu cada fibra dos meus músculos, me deixando completamente vulnerável, incapaz de continuar.
E agora?
Agora, além de carregar essa derrota, eu sequer poderia lutar pelos próximos meses.
O médico foi bem claro.
"A luxação foi severa. Vai levar um tempo para se recuperar completamente. Mas você vai ficar bem."
Sim, eu ficaria bem fisicamente. Mas e o resto? E todo o resto que estava dentro de mim, se acumulando como um turbilhão de raiva, frustração e impotência?
Respirei fundo, deixando a água escorrer pelo meu rosto, enquanto tentava focar em algo positivo.
E então me agarrei às palavras de Calista.
"Aquela não foi uma vitória justa para Axel."
Ela estava certa. Axel jogou sujo. Ele se deixou levar por Silver, pela pressão, pelo veneno que aquele homem despejou em sua mente. E por mais que eu quisesse sentir raiva dele... No fundo, eu não conseguia.
Porque eu sabia exatamente como era isso. Eu tentei matar Axel.
E o fiz porque dei ouvidos a Kreese, porque deixei que ele me manipulasse, porque deixei que seu ódio envenenasse minha mente até que eu não conseguisse mais pensar por conta própria.
Eu entendi esse sentimento. E era por isso que, mesmo querendo odiar Axel, mesmo querendo colocar toda minha raiva sobre ele, eu não conseguia. Porque no fundo, eu sabia que essa merda toda nem era culpa dele.
Silver moldou Axel exatamente como tentou me moldar.
Mas a diferença era que Axel cedeu.
E agora?
Agora, eu estava aqui, com o braço fodido, enquanto ele avançava para as próximas lutas.
Ótimo.
Mas pelo menos Yuri também se ferrou.
Eu não ia mentir... Saber que ele tinha quebrado o nariz na luta com Miguel Diaz fazia com que eu me sentisse minimamente melhor.
E agora, tudo o que eu queria era ver Calista segurando aquele troféu.
Ela merecia. Ela lutou por isso. E acima de tudo? Ela merecia esfregar a cara daquela maldita no tatame. Se havia alguém que precisava de uma lição, esse alguém era Xiao Meng, a troglodita que Silver acha que pode derrubar Calista.
Mas Calista ia dar uma lição nela. Eu sabia disso. Então, por agora, eu apenas precisava esperar. Mesmo que a espera esteja me matando.
Assim que eu saí do banho, terminando de vestir a camiseta, o clique da porta ecoou pelo quarto, um som quase insignificante, mas que para mim teve o impacto de uma tempestade se aproximando. Levantei a cabeça de imediato, o coração batendo com força contra as costelas. Lá estava Calista, parada na soleira, e por um breve momento senti um alívio imenso.
Mas algo na expressão dela não me permitiu relaxar completamente. Seu semblante estava carregado, os olhos brilhando com uma mistura de raiva e incredulidade, e então ela riu. Não um riso verdadeiro, mas um daqueles repletos de ironia e indignação, um riso seco que deixava claro o quão absurda a situação devia ser. Meu corpo ficou tenso automaticamente.
— O que foi? — Minha voz saiu firme, mas por dentro eu sentia aquele aperto familiar no peito, a antecipação de uma notícia ruim.
Ela riu de novo, cruzando os braços e balançando a cabeça antes de finalmente dizer:
— Silver ameaçou a Zara com dinheiro. — As palavras dela saíram como uma acusação, carregadas de frustração e repulsa. — Ele é o responsável pelo patrocínio da faculdade dela, Kwon. Sem isso, ela não iria pra lugar nenhum, então ela teve que desistir de lutar. — O olhar dela queimava de indignação, e eu senti meu estômago revirar com o golpe da informação. — E sinceramente? Ela nem queria mesmo continuar no Iron Dragons, mas Silver usou aquelas táticas manipuladoras de sempre para fazê-la seguir exatamente o que ele queria.
Eu apertei os punhos. Aquilo era nojento, previsível, e ainda assim revoltante. Silver não jogava limpo, nunca jogou. Ele sempre soube como envenenar tudo ao redor, transformar situações em jogadas calculadas e cruéis. Mas o que mais me preocupava era que Calista não tinha terminado. Eu via no olhar dela que havia mais.
— Não é só isso. — Ela respirou fundo, como se tentasse organizar os próprios pensamentos.
Eu franzi o cenho, o peito se apertando ainda mais.
— O que foi? — Minha voz saiu mais baixa, carregada de tensão.
Ela me encarou por um momento antes de soltar a bomba.
— O Miyagi-Do desistiu de continuar lutando.
Meus olhos se arregalaram no mesmo instante. Meu cérebro levou alguns segundos para processar aquelas palavras, e quando finalmente entendi, foi como levar um soco no estômago.
— O quê? — Minha voz saiu quase rouca. — Isso significa que... você não vai mais lutar? E Miguel? O que acontece com ele? — A confusão e a indignação transbordavam dentro de mim. O Miyagi-Do desistindo? Algo assim não fazia sentido. Isso mudava completamente o torneio. Isso mudava tudo.
Mas então, algo nos lábios de Calista me fez pausar. Um sorrisinho de canto, quase travesso. Era um sorriso de alguém que ainda tinha uma carta na manga.
— A gente encontrou uma solução. — Os olhos dela brilhavam com determinação, e antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ela se inclinou e beijou minha bochecha de leve. O toque foi rápido, quase casual, mas carregado de algo mais. Algo que me fez perceber que ela sabia que eu ficaria enlouquecido com a falta de informações. — Te vejo no ginásio do All Valley.
Ela já estava se virando em direção à porta quando me levantei abruptamente, o desespero crescendo dentro de mim.
— Que solução?! — Minha voz foi carregada de frustração enquanto eu dava um passo em direção a ela. Meu peito subia e descia rapidamente, a ansiedade queimando como fogo em meu estômago. — Calista, que solução?
Ela apenas parou por um segundo, segurando a maçaneta. Seus olhos encontraram os meus por cima do ombro, e um brilho de mistério dançou em seu olhar antes que ela finalmente respondesse:
— Você vai ver, amor. Vai ver.
E com isso, saiu, fechando a porta atrás de si e me deixando ali, completamente indignado.
Eu passei as mãos pelo rosto, sentindo um misto de irritação e ansiedade tomar conta de mim. Meu coração ainda batia acelerado, minha mente corria a mil por hora tentando entender que diabos estava acontecendo.
Eu odiava ser deixado no escuro.
Meu corpo estava quente, e não era só por causa da adrenalina, era a frustração me queimando por dentro. Eu andei pelo quarto, as mãos indo até os cabelos, puxando levemente as mechas enquanto tentava pensar. O Miyagi-Do desistindo? Como assim? Que solução era essa que Calista e Miguel tinham encontrado? Será que envolvia Silver de alguma forma? Será que eles estavam planejando algo que podia colocar os dois em perigo?
A possibilidade fez minha respiração falhar por um segundo.
Eu queria confiar nela, e em Miguel também, mas algo sobre essa situação parecia grande demais. Algo estava acontecendo e, seja lá o que fosse, eu não gostava nada de não ter controle sobre isso.
Dei um chute no pé da cama, sentindo a frustração transbordar de mim de forma física. O impacto reverberou pelo meu pé, mas eu mal me importei. Minha mente continuava girando em círculos, procurando respostas que eu simplesmente não tinha.
Silver estava jogando sujo. Isso não era surpresa. Mas e Axel? Como ele ficava no meio disso tudo? Ele ainda estava do lado do Silver? Ele tinha escolhido um caminho diferente? Eu me sentia cercado por incógnitas e aquilo me corroía por dentro.
Respirei fundo, tentando me forçar a me acalmar. Eu precisava manter minha cabeça no lugar. Eu precisava focar no que eu podia controlar. Amanhã era um novo dia, e seja lá o que Calista e Miguel tinham planejado, eu descobriria em breve.
Mas a verdade era uma só, aquela ansiedade não me abandonaria tão cedo. Eu só podia esperar que, quando eu finalmente descobrisse a resposta, não fosse algo que eu me arrependesse de não ter impedido antes.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
Eu passei a mão pelo rosto, soltando um suspiro pesado enquanto meus olhos escaneavam o ginásio. O lugar estava fervendo de energia, os gritos e aplausos ecoando nas arquibancadas, criando um zumbido constante no ar. As luzes fortes iluminavam o tatame principal, onde, em poucos minutos, as próximas lutas aconteceriam. Mas nada disso importava. Nada disso realmente prendia minha atenção. Porque Calista ainda não estava aqui.
Minha perna batia contra o chão ritmicamente, denunciando minha inquietação. Eu não sabia o que ela estava planejando com essa surpresa toda. Desde ontem, Miguel e Samantha também estavam sumidos, e isso só adicionava mais peso à sensação ruim que pairava sobre mim. Eu tentei afastar os pensamentos negativos, tentei me convencer de que ela sabia o que estava fazendo, mas algo dentro de mim insistia que havia algo errado.
Pelo menos agora, eu não precisava mais me preocupar com lutas. Meu torneio já tinha acabado. Eu não fazia mais parte de equipe alguma, não carregava mais um título. O Cobra Kai estava fora da jogada. Eu e Tory perdemos. No fim, não restou absolutamente nada. Mas, mesmo assim, eu ainda tinha um motivo para estar aqui.
E esse motivo era Calista Silver, a pessoa que mais importa para mim nesse mundo todo.
Ela merecia essa vitória mais do que qualquer um, e eu faria questão de ser a voz mais alta naquele ginásio, gritando por ela. Cada ponto que ela marcasse, cada golpe bem-sucedido, eu faria um alarde. Porque, se tinha algo que eu ainda podia fazer, era apoiá-la até o fim.
Caminhei pelas arquibancadas em busca de um bom lugar. Meus olhos captaram Tory sentada mais à frente, os braços cruzados e a expressão fechada enquanto observava os outros competidores aquecendo no tatame. Do outro lado, vi o pessoal do Miyagi-Do espalhado pelos assentos. Dei um meio sorriso. Engraçado como, há pouco tempo, estar próximo deles seria um problema para mim. Agora? Bom, as coisas mudaram.
Me aproximei de Tory, deslizando para um espaço vazio ao lado dela. Ela nem se deu ao trabalho de olhar para mim, mas eu sabia que ela sentia minha presença.
— Você viu o Miguel e a Sam por aí? — Perguntei, tentando parecer despreocupado, mesmo que a ansiedade estivesse corroendo meu estômago por dentro. — Eles sabem da Calista?
Tory deu de ombros, os olhos fixos no tatame.
— Não sei deles desde ontem. — Sua voz saiu seca, sem qualquer interesse no assunto. Eu sabia que ela estava tão frustrada quanto eu, talvez até mais. Perder nunca foi algo que Tory aceitaria facilmente.
Suspirei e então avistei Demetri um pouco mais à frente, sentado ao lado de Eli. Um sorriso travesso surgiu nos meus lábios quando me inclinei para dar uma cotovelada no ombro dele.
— Ei, seu nerd, sabe onde tá o Diaz e a Calista? — Perguntei, esperando alguma informação útil. Mas tudo o que recebi foi um olhar irritado de Demetri.
— Eu não faço ideia. — Ele bufou, ajeitando os óculos. — E meu nome é Demetri.
Revirei os olhos, soltando um suspiro teatral.
— Tá, tanto faz, nerd. — Dei um meio sorriso, me divertindo com a irritação dele.
Demetri bufou novamente, balançando a cabeça, e Eli apenas riu, murmurando algo sobre como eu nunca mudava. Mas a verdade era que a diversão foi passageira. Minha mente logo voltou para Calista e o fato de que ela ainda não tinha aparecido.
Me ajeitei no banco, cruzando os braços enquanto observava o ginásio novamente. O time do Iron Dragons já estava ali, e Silver estava sentado na área reservada para treinadores, observando tudo com aquele olhar frio e calculista. Eu nunca gostei daquele cara, mas agora, depois de tudo que ele fez, meu desprezo por ele só cresceu. Se Calista estivesse envolvida em alguma coisa por causa dele...
Meu maxilar travou. Não, eu não podia pensar nisso agora.
Eu respirei fundo, tentando me concentrar no momento. Mas a inquietação continuava crescendo dentro de mim. Meu coração batia mais rápido do que o normal, como se estivesse tentando me avisar de algo. Eu não sabia o que esperar, mas algo me dizia que essa surpresa de Calista não era algo simples.
O tempo estava correndo, e a próxima luta estava prestes a começar.
Onde diabos ela estava?
O ginásio fervia com a energia da multidão. Os gritos ecoavam pelas arquibancadas, vibrando no ar com uma intensidade quase sufocante. Eu sentia o suor se acumulando em minhas palmas, mas não por estar calor. Era a ansiedade. Uma ansiedade corrosiva, incapaz de ser acalmada por qualquer respiração profunda. Algo dentro de mim estava inquieto, um nó pesado se formando no estômago conforme eu me levantava do banco da arquibancada para varrer o ginásio com os olhos.
Mas ela ainda não tinha aparecido.
Gunther estava no centro da arena, microfone em mãos, conduzindo a cerimônia de apresentação das finais do Sekai Taikai. Seu tom era carregado com aquela empolgação teatral que apenas narradores de torneios possuíam. Mas, para mim, suas palavras estavam se dissolvendo em ruído branco. Nada do que ele dissesse importava enquanto Calista não estivesse ali.
— O Sekai Taikai sempre foi imprevisível... Mas este ano foi diferente de tudo! — A voz de Gunther ecoou pelo ginásio, amplificada pelo sistema de som.
Eu mal ouvi o que veio depois. Meu coração batia forte demais, martelando contra minha caixa torácica enquanto minha cabeça trabalhava em velocidade máxima, tentando entender o que estava acontecendo. Meu olhar disparou para a área reservada ao Miyagi-Do, mas o que vi lá me deixou ainda mais inquieto. Daniel LaRusso tinha os braços cruzados, uma expressão carregada de algo que eu sequer sabia nomear ou compreender. E finalmente vi Samantha, surgindo atrás dele. Mas nenhum sinal de Calista ou então do Diaz. A equipe parecia sem rumo, murmurando entre si, e então veio a revelação que atingiu como um soco no estômago:
— O Miyagi-Do decidiu não lutar mais... Encerrando oficialmente a impressionante jornada do caratê Miyagi-Do como azarão. Vamos dar uma salva de palmas! — Gunther anunciou, e o ginásio irrompeu em gritos e aplausos.
O barulho ao meu redor se tornou ensurdecedor, mas eu não conseguia me concentrar em nada além do fato de que Calista ainda não estava aqui. Meu peito apertou, minha mente rodopiando entre possibilidades. Ela desistiu? Foi forçada a desistir? Algo aconteceu com ela? Eu podia sentir Silver sorrindo de algum lugar na multidão. Eu sabia o quão manipulador ele era. Isso era o que ele queria o tempo todo, destruir o espírito do Miyagi-Do, obliterar qualquer oposição ao Cobra Kai. E, de algum jeito, ele conseguiu.
— Com isso, nós concluímos as disputas das semifinais... Se nenhuma outra equipe nomear substitutos para a vaga de capitão, significa que Axel Kovacevic e Xiao Meng automaticamente se tornam os novos campeões do torneio! — Continuou Gunther.
Eu senti o sangue ferver. Então era isso? Era assim que ia terminar? Sem luta? Sem Calista? Isso não fazia sentido, nada disso fazia.
E então, Gunther falou de novo, e suas palavras me acertaram como um raio:
— No entanto, o Cobra Kai nomeou, sim, substitutos!
Meu corpo inteiro ficou tenso. Minhas mãos se fecharam em punhos automáticos, meus músculos contraídos com a antecipação. Eu praticamente pulei do meu lugar, meu coração disparando, minha mente girando com uma única suposição.
Não pode ser...
— Se juntando à atual equipe do Cobra Kai... Miguel Diaz e Calista Silver!
Por um momento, tudo ao meu redor pareceu desacelerar. Eu vi a fumaça vermelha tomar conta da entrada do túnel, vi as luzes se alterarem, piscando no padrão icônico do Cobra Kai. O barulho da multidão se tornou distante, como se estivesse sendo filtrado por água. E então, ela apareceu.
Calista simplesmente emergiu da névoa como se tivesse acabado de renascer das cinzas. O quimono preto com as mangas curtas e os detalhes dourados reluzia sob as luzes do ginásio. Era o primeiro design do Cobra Kai, o modelo clássico, e nele ela parecia feita para isso. A faixa de capitã em sua cabeça brilhava como um troféu antes mesmo da luta começar.
E ao lado dela, Miguel Diaz, também vestindo o quimono, carregava a mesma determinação no olhar. Mas minha atenção estava completamente fixada nela. Em Calista. No jeito que ela andava, firme, sem hesitação, como se nunca tivesse pertencido a outro lugar além desse. Ela não estava hesitante, não estava dividida. Ela tinha tomado uma decisão. E essa decisão a trouxe de volta para casa.
Meu peito se encheu de algo quente e orgulhoso. Eu não sabia que precisava tanto vê-la com aquele quimono até o momento em que a vi. E ali estava ela. Não como uma simples lutadora. Mas como parte do Cobra Kai. Como nossa campeã.
Gunther continuou:
— Sendo treinados pelo bicampeão do Campeonato Regional e novo sensei da equipe... Johnny Lawrence!
Eu não consegui conter. Meus pulmões explodiram em um grito.
O ginásio inteiro rugia, mas minha voz se sobressaiu na multidão. Minhas mãos foram automaticamente para os cabelos, puxando-os enquanto eu sentia meu corpo tremer com a adrenalina. Eu não sabia se ria, gritava ou chorava. Talvez tudo ao mesmo tempo. Eu senti uma energia elétrica correr pela minha pele, como se cada célula do meu corpo estivesse celebrando essa vitória antes mesmo dela acontecer.
Calista sempre foi do Cobra Kai. E Johnny Lawrence sempre será o seu sensei.
A explosão de emoções dentro de mim era impossível de conter. Se Sensei Kim estivesse aqui agora, ela estaria orgulhosa. Porque ela sempre soube. Assim como eu sempre soube.
O Cobra Kai era o lugar dela. Eu nunca tive tanta certeza de algo em toda a minha vida.
O ginásio estava tomado por uma energia quase palpável, uma mistura de excitação, tensão e aquele fervor incontrolável que precede uma batalha importante. Eu sentia o cheiro característico do tatame, um misto de suor e couro, que se misturava com o perfume distante dos produtos de limpeza usados no chão. O ar era carregado de murmúrios ansiosos e vozes agitadas, mas, para mim, tudo parecia abafado, distante, como se estivesse debaixo d'água. Meu foco estava em uma única coisa, Calista.
Eu me sentei na arquibancada, as mãos entrelaçadas e os olhos cravados nela. Quando ela encontrou meu olhar, não precisou dizer nada. Um simples gesto de cabeça foi o suficiente para que ela compreendesse minha mensagem: "Acaba com ela." Era isso. Ela sabia que poderia vencer essa luta. Eu sabia que ela poderia vencer. Seu sorriso determinado foi o bastante para me tranquilizar, mesmo que só por um momento.
O anúncio da pausa para o aquecimento foi feito, e decidi sair por um instante, meu corpo precisando de um ar que não estivesse impregnado pelo peso da competição. Caminhei em direção à área externa do ginásio, passando pelos lutadores que se aqueciam com seus treinadores. O frio leve da noite me atingiu de forma revigorante, ajudando a organizar meus pensamentos. Mas assim que meus olhos captaram Calista abraçando Zara, soltei um suspiro de alívio. Zara estava ali. Ela veria tudo. Ela presenciaria a vitória de Calista. Essa luta era mais do que uma simples disputa por medalha, troféu ou status. Era uma redenção. Uma declaração de resistência contra Silver e tudo que ele representava.
Aproximei-me, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Zara abriu um sorriso genuíno e me abraçou. Fiquei surpreso com o gesto, completamente sem jeito. Não éramos exatamente próximos, mas naquele momento, algo mudou. O riso de Calista foi como um eco de conforto entre nós. Quando Zara se afastou, ergui uma sobrancelha, desconfiado.
— O que foi isso?
Zara cruzou os braços, debochada.
— Achei que você tivesse morrido lá na Coreia. Não queria ficar em luto pelo meu novo cunhadinho...
Revirei os olhos, rindo de leve.
— Cunhadinho? É sério?
Calista foi abraçada de lado por Zara, que respondeu sem hesitação.
— Seríssimo, meu querido. A Calizinha aqui é minha irmã de nascença.
Era impossível não sorrir. Por mais intenso que aquele momento fosse, pequenas interações como essa me lembravam que, no meio do caos, ainda existiam laços que nos sustentavam. Mas então Calista desviou o olhar, e seu semblante mudou. Fiquei alerta. Aquela mudança súbita na postura dela nunca era um bom sinal.
— Vocês podem entrar. Eu preciso conversar com alguém. — Disse ela, sua voz carregando uma hesitação que não passou despercebida.
Franzi o cenho.
— Quem?
Ela respirou fundo antes de responder.
— Preciso falar com o Terry...
Minha reação foi instantânea. Eu ri. Não porque achava graça, mas porque era a coisa mais absurda que eu já tinha ouvido naquela noite.
— De jeito nenhum vou te deixar sozinha com esse maluco. Não adianta insistir em me convencer.
Ela suspirou profundamente, dando um passo em minha direção. Seu tom era firme, porém mais calmo do que deveria ser se tratando de Silver.
— Kwon, vai ficar tudo bem, é sério, mas é um assunto importante.
Me aproximei, o tom da minha voz carregado de irritação.
— E você não vai me contar o que é?
Ela manteve a calma.
— Depois. Eu prometo.
Eu já ia abrir a boca para contestar quando senti um tapinha no ombro, e Zara me empurrou levemente para o ginásio.
— Ela realmente precisa falar com o velhote. Ele não vai tentar matar ela, é sério...
Eu queria discutir, queria insistir que aquilo era um erro, mas algo na forma como Calista me olhava me fez hesitar. Não era medo. Não era nervosismo. Era algo mais profundo. Determinação. Então respirei fundo, tentando acalmar os nervos, e virei as costas, entrando novamente no ginásio ao lado de Zara. Mas meu coração ainda estava apertado.
Assim que passei pela porta, vi Terry Silver saindo.
Meu corpo enrijeceu imediatamente.
Não era mais aquele homem imponente e inabalável que sempre se vangloriava de estar um passo à frente. Havia algo diferente nele. O semblante de confiança, aquela expressão arrogante e debochada que sempre carregava, havia desaparecido. O que vi foi um homem abatido. Não de um jeito físico, mas de um jeito que ia além da superfície.
Meu instinto me disse para não desperdiçar aquele momento de fragilidade. Meus punhos se cerraram, e minha mente quase gritou para que eu aproveitasse essa chance de socar a cara dele, mas me controlei. Porque, no fim das contas, essa luta não era minha. Era de Calista. E de todos que sofreram nas mãos dele.
Segui para a arquibancada ao lado de Zara, mas não consegui afastar aquela sensação inquietante. O que Calista poderia estar dizendo para ele? E por que Silver estava daquele jeito? Algo não se encaixava, e por mais que eu tentasse me concentrar na luta que estava por vir, algo dentro de mim dizia que essa noite ainda guardava reviravoltas que ninguém poderia prever.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
CALISTA'S POV
Um dia antes
Eu sentia cada músculo do meu corpo sendo exigido enquanto corria de um lado para o outro do dojô, minhas pernas queimando a cada impulso que eu dava contra o tatame. O exercício aeróbico era essencial para nos aquecermos antes do verdadeiro treino começar, e Sam levava isso tão a sério quanto eu. O som rítmico dos nossos passos ecoava pelo ambiente, misturando-se com a nossa respiração ofegante.
A cada ida e volta, tocávamos o chão com as pontas dos dedos antes de dar meia-volta e disparar novamente. Meu coração batia forte dentro do peito, e o suor começava a se formar em minha testa. Mas nada disso me incomodava. Era quase um alívio poder me concentrar apenas no esforço físico, esquecer, nem que fosse por alguns minutos, a pressão que crescia dentro de mim com cada novo acontecimento nessa loucura de torneio.
Foi então que, no meio de um movimento, Sam quebrou o silêncio, sua voz entrecortada pela respiração acelerada:
— Meu pai quer tirar o Miyagi-Do da competição.
Eu parei no meio do caminho, minha testa franzindo de imediato.
— O quê? — Perguntei, me endireitando e limpando o suor da testa com o antebraço. — O que você quer dizer com isso? Quer dizer que ninguém mais vai lutar? E os Iron Dragons vencem?
Sam respirou fundo, como se estivesse escolhendo as palavras certas. Seus olhos tinham uma preocupação evidente, e ela passou a mão pelo rosto antes de olhar diretamente para mim e balançar a cabeça negativamente.
— Não precisa ser assim. Vocês ainda podem lutar. Você e o Miguel. A jornada do Miyagi-Do pode acabar, mas isso não significa que a de vocês precise terminar junto.
Ela falava com convicção, mas eu não conseguia entender exatamente onde queria chegar. Meu coração já estava batendo mais rápido, não pelo exercício, mas pela incerteza.
— Eu não sei como isso seria possível... — Comecei, mas uma voz cortou meu raciocínio antes que eu pudesse terminar.
— Eu sei como é possível.
Minha cabeça girou na direção da voz, e assim que reconheci a figura parada ali, um sorriso largo tomou conta dos meus lábios.
Johnny Lawrence.
Ele estava ali, de braços cruzados e um sorriso confiante no rosto, o olhar cheio de algo que eu não sabia exatamente o que significava, mas que me fez sentir uma centelha de esperança. E então, atrás dele, apareceu outra figura que eu não esperava ver naquele momento, Daniel LaRusso.
O contraste entre os dois era quase engraçado. Johnny parecia sempre pronto para uma briga, sua postura relaxada, mas cheia de uma energia indomável, enquanto Daniel tinha aquela expressão séria, pensativa, como se estivesse carregando o peso do mundo nos ombros.
Eu olhei para Sam, que apenas assentiu para mim, indicando que eu devia ouvir o que eles tinham a dizer. Então voltei minha atenção para os dois senseis.
— Eu queria te levar para um lugar. — Daniel disse, direto ao ponto.
Meu cenho se franziu de leve.
— Que lugar? O que está acontecendo? — Questionei, meu olhar alternando entre os dois homens à minha frente.
Johnny apenas deu de ombros, aquele típico meio sorriso ainda estampado no rosto.
— Você vai ver. — Disse ele.
Aquilo não me dava nenhuma resposta, mas eu sabia que, se eles estavam ali e queriam que eu fosse com eles, era por um motivo importante.
— Onde está o Miguel? — Perguntei, tentando entender mais um pouco da situação.
Johnny trocou um olhar rápido com Daniel antes de responder.
— Ele já está esperando por você.
Minha curiosidade apenas aumentou.
Eu respirei fundo e decidi confiar. Se Miguel já estava envolvido, então fosse lá o que fosse, eu precisava ver por mim mesma. Então, sem mais perguntas, apenas segui com eles.
O trajeto foi silencioso por um tempo. Caminhamos para fora do dojô, e um carro já estava nos esperando. Entrei no banco de trás, Daniel no banco do passageiro e Johnny no volante. Eu podia sentir a tensão no ar, um tipo de energia carregada de significados que ainda me escapavam.
— Podem pelo menos me dar uma pista? — Perguntei, olhando pelo retrovisor para Johnny.
Ele riu de leve, mas não respondeu de imediato. Foi Daniel quem quebrou o silêncio.
— Estamos levando você para um treino... Um treino diferente.
Minha curiosidade apenas crescia.
— Diferente como? — Continuei.
Johnny finalmente olhou para mim pelo espelho retrovisor, sua expressão mais séria agora.
— Um treino que pode ser a chave para vencer esse torneio.
Meu coração bateu mais forte. Eu não sabia exatamente o que eles tinham planejado, mas uma coisa era certa, algo grande estava prestes a acontecer.
E então o carro parou, eu conhecia bem aquele lugar.
E assim que coloquei os pés no centro comercial, meu coração disparou em um ritmo descompassado, uma mistura de ansiedade e excitação tomando conta de mim. Meus olhos imediatamente encontraram a logo do Cobra Kai, e foi como se eu tivesse sido transportada de volta no tempo. Tudo ali parecia inalterado, como se estivesse congelado em uma bolha do passado, esperando apenas pelo meu retorno.
Era estranho pensar em como a vida havia me levado por tantos caminhos diferentes, apenas para me trazer de volta ao ponto onde tudo começou. Esse não foi o primeiro dojô em que treinei, mas foi o primeiro onde senti que realmente pertencia a algo maior do que eu mesma. Lembrei-me dos meus dezesseis anos, da garota que eu era, do tempo em que minha única preocupação era vencer o Regional no All Valley. O tempo em que tudo se resumia às rivalidades acirradas entre Cobra Kai e Miyagi-Do, ao suor e à dor nos treinos, à adrenalina dos combates, à euforia de sair vitoriosa ao lado dos meus amigos. Naquele tempo, eu achava que lutar era tudo. E agora, depois de tudo que vivi, depois de cada escolha que fiz, depois de cada caminho que percorri, eu voltava para o lugar de onde nunca deveria ter saído.
Se a Calista de dezesseis anos pudesse me ver agora, ela estaria orgulhosa? Ou simplesmente não acreditaria em tudo que passei?
Um sorriso se formou nos meus lábios antes que eu pudesse conter.
— Pronta para o treino que vai fazer de você uma campeã? — Johnny perguntou, cruzando os braços e me observando com aquele olhar afiado de sempre.
Eu me virei para ele e para Daniel, sentindo meu peito se inflar de confiança e entusiasmo. Curvei-me respeitosamente diante deles.
— Sim, sensei.
Johnny assentiu com um pequeno sorriso de aprovação, enquanto Daniel apenas manteve sua expressão séria e impenetrável, mas com um pequeno sorriso no canto dos lábios, um daqueles sorrisos que demonstrava orgulho. Então, sem mais demora, eu adentrei o dojô, sentindo aquela mesma energia pulsante de antes vibrar no ar ao meu redor.
E então, vi Miguel. Ele estava parado ali, com um sorriso tranquilo, vestindo o quimono branco do Cobra Kai que costumávamos usar nos treinos.
— Eu ia perguntar se estava pronta, mas seu sorriso idiota já respondeu por você. — Ele brincou, estendendo um quimono idêntico para mim.
Ri de leve, pegando o tecido das mãos dele e apertando a outra mão em um soquinho.
— Vamos vencer essa droga.
Miguel assentiu, e um brilho determinado dançou em seus olhos.
— E vamos segurar os troféus lado a lado. Por todos que mereciam essa vitória.
O peso dessas palavras ecoou dentro de mim. Por todos que mereciam essa vitória. Há alguns anos, eu nunca teria dito algo assim. Mas agora, depois de tudo, eu entendia. Isso não era apenas sobre mim. Não era apenas sobre Miguel. Era sobre todos que treinaram incansavelmente. Sobre aqueles que foram derrubados e se reergueram. Sobre aqueles que partiram sem ter a chance de lutar mais uma vez. Sobre os erros, sobre os aprendizados. Sobre a luta que ia muito além do tatame.
Dei um meio sorriso e assenti.
— Por todos eles.
Com isso, me virei e caminhei até o vestiário, segurando firme o quimono em minhas mãos. Cada passo ecoava dentro de mim, como se eu estivesse atravessando uma ponte invisível entre o passado e o presente.
Assim que entrei no vestiário, inspirei profundamente e me encostei contra o armário de metal por um momento, fechando os olhos. Eu sentia a adrenalina percorrendo minhas veias, o coração batendo rápido e forte.
Finalmente, estava de volta.
Era mais do que estar em um lugar físico. Era estar em casa.
Suspirei, abrindo os olhos e removendo minha blusa, vestindo lentamente o quimono branco, ajustando o tecido contra minha pele. A lembrança dos velhos tempos inundava minha mente enquanto eu amarrava a faixa ao redor da cintura com um movimento firme e experiente. Tudo parecia certo. Como se eu tivesse esperado por esse momento sem perceber.
Me olhei no espelho, encarando meu reflexo. Eu via força. Determinação. Um fogo que nunca se apagou, apenas ficou adormecido.
Eu estava de volta.
Quando saí do vestiário, encontrei Miguel já aquecendo, seus punhos se movendo em socos rápidos no ar. Ele olhou para mim e sorriu.
— Agora sim, parece que a velha Cobra Kai voltou.
Dei um sorriso de canto e levantei um punho.
— Sempre esteve aqui. Assim como você, El Serpiente.
Miguel abriu um sorrisinho e então fomos até Johnny e Daniel, que estavam nos esperando no tatame.
— Bom, agora que todos estão prontos, vamos ver se vocês ainda sabem lutar como verdadeiros campeões. Sem moleza, sem desculpas. Isso é Cobra Kai. Se querem vencer, precisam se provar.
Miguel e eu trocamos um olhar, e um sorrisinho cresceu em nossos lábios. A luta já havia começado, antes mesmo de pisarmos no tatame.
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A brisa fria daquela tarde me envolvia como um abraço áspero enquanto eu permanecia do lado de fora do ginásio, sentindo cada segundo se arrastar como se estivesse presa em um limbo sufocante. Minhas mãos tremiam levemente, então eu as entrelacei, tentando conter o impulso nervoso de continuar estalando os dedos. A respiração escapava dos meus lábios em ritmos descompassados, como se meus pulmões estivessem divididos entre a necessidade de oxigênio e o desejo de parar de respirar por um instante, apenas para silenciar tudo dentro de mim.
Eu não sabia que precisaria falar com ele. Sequer imaginava que esse encontro seria necessário. Mas então, Daniel me contou. Me contou que Terry estava muito doente. Doente o suficiente para que esse torneio fosse uma das últimas coisas que ele faria. O choque percorreu meu corpo como um choque térmico, e tudo dentro de mim se partiu em milhares de fragmentos invisíveis.
Ele não foi o padrasto do ano. Longe disso. Mas ele foi minha única família por um tempo. Antes do Sekai Taikai, antes de toda a corrupção, antes de ele se afundar completamente em sua obsessão pela vitória... Eu achava que ele se importava. Não com troféus, não com títulos. Comigo. Com a garotinha que ficou sozinha no mundo depois que sua mãe morreu. Com a criança que um dia olhou para ele com admiração, vendo um homem que parecia imbatível. Agora, esse mesmo homem estava prestes a desaparecer da face da Terra, e eu não sabia como processar isso.
O ginásio parecia um monstro adormecido atrás de mim. O sol refletia no vidro das portas, criando um brilho intenso que me forçava a manter o olhar fixo no chão. O concreto áspero sob meus pés era a única coisa que me ancorava à realidade enquanto o peso da espera se tornava insuportável.
E então, ele apareceu.
Terry estava com o olhar baixo e se aproximou com a mesma postura imponente de sempre, mas havia algo diferente em seus olhos. Algo que antes parecia inabalável agora mostrava rachaduras finas, quase imperceptíveis. Ele me encarou com aquele olhar que sempre carregava um ar de superioridade calculada, mas agora... Agora parecia que ele estava apenas estudando minha reação. Como se tentasse medir o quão frágil eu estava.
— Então, reconsiderou voltar para o Iron Dragons? — A voz dele era baixa, controlada, mas ainda carregava a mesma persuasão de sempre. — Depois de ver como Meng destruiu aquela lutadora do Cobra Kai, Nichols?
Eu apertei os punhos, sentindo a raiva fervilhar sob a superfície. Ele não perdeu tempo. Mesmo diante da morte, ele ainda insistia nisso. Ainda insistia nessa guerra sem sentido.
— O Cobra Kai não fará de você uma campeã, Calista. Você sabe disso.
As palavras dele bateram contra mim como facas afiadas. Mas eu não deixaria que cortassem mais fundo. Eu levantei o olhar, firme, e antes que pudesse me conter, as palavras saíram.
— Eu sei que você está morrendo.
O silêncio caiu entre nós como um trovão abafado.
Terry ficou estático. Pela primeira vez, eu o calei. Pela primeira vez, ele não tinha uma resposta pronta, um discurso calculado, uma manipulação cuidadosamente planejada. Ele abriu a boca, mas nenhum som saiu. Apenas choque. Eu nunca o tinha visto assim. Nunca o tinha visto sem palavras.
Eu dei um passo à frente, cruzando os braços, tentando controlar a onda de emoções que se chocava dentro de mim como uma tempestade furiosa.
— Por que você nunca me contou?
Ele suspirou pesadamente, desviando o olhar.
— Não era relevante.
Uma risada amarga escapou dos meus lábios.
— Não era relevante? — Minha voz tremia, mas eu não me importava. — É porque a única coisa que importa pra você é a vitória, não é?
Senti meus olhos arderem, mas eu me recusei a piscar. Me recusei a deixá-las cair.
— Você me machucou por tanto tempo, e eu nunca vou te perdoar por isso. — Minha voz ficou mais baixa, mas o peso das palavras era esmagador. — Mas isso não significa que eu não me importe, merda!
Terry ainda parecia em choque. Ele engoliu em seco, deu um passo à frente, como se quisesse dizer algo. Mas eu recuei. Eu não sabia se conseguiria suportar mais qualquer tentativa de manipulação. Não agora.
Então, ele falou. E pela primeira vez, ele não parecia o homem imbatível que eu sempre vi.
— O karatê foi tudo o que me restou. — Ele admitiu, e sua voz soava diferente. Cansada. — Eu nunca soube a real sensação de ter uma família, porque eu não sabia como lidar com isso. Sempre foi mais fácil gastar meu dinheiro com aquilo que sempre caminhou comigo desde cedo. O karatê. Desde a guerra, Kreese, o Cobra Kai. Foi isso que me salvou. E quando o Cobra Kai voltou para minha vida, eu soube que aquele sempre foi o meu lugar.
Eu ri. Uma risada repleta de ironia e lágrimas contidas.
— Você fez uma escolha, Terry. Só que nunca olhou para sua volta. Minha mãe gostava de você. Ela te amava. E quando eu era só uma garotinha, eu era fascinada por você. Você era um herói pra mim. Até se tornar o monstro da história.
Eu não conseguia mais conter o choro. As lágrimas caíram, quentes e furiosas.
— Você tirou tudo de mim e nunca me deu apoio. Você só me via como um peão. Um peão útil para que você vencesse. Você nunca quis uma família, senão não teria me rejeitado assim.
E então, eu vi.
A lágrima que escorreu dos olhos de Terry Silver, o último homem que eu imaginei que choraria. Essa era a única prova de que, pela primeira vez, minhas palavras o atingiram. Ele tentou esconder, mas era tarde demais.
— Eu te escolhi para ser minha campeã porque sabia que você conseguiria. — Ele disse, a voz falhando pela primeira vez. — Você é a garota mais forte que eu conheço. Sempre foi.
— EU NUNCA QUIS ISSO! — Eu gritei, sentindo cada palavra rasgar minha garganta. — Eu nunca quis seu dinheiro. Nunca quis que apostasse em mim. Nunca quis ser sua campeã. Eu só queria um pouco de carinho. Eu só queria um pai.
O silêncio depois da minha confissão foi ensurdecedor. Terry suspirou, e sua próxima frase soou como uma sentença final:
— Me desculpe, Calista. Você merecia mais do que isso.
Eu balancei a cabeça, lágrimas escorrendo sem controle.
— Não acha que é tarde demais para tentar se redimir?
Ele negou lentamente.
— Não estou tentando me redimir. Estou sendo sincero. Sempre acreditei em você. Porque sabia que era uma vencedora.
Eu queria odiá-lo. Queria afastá-lo. Mas, quando ele me puxou para um abraço, eu percebi que, no fundo, o ódio nunca foi a única coisa que senti. Bati em seu peito, me debatendo contra o peso das emoções. Mas, por fim, desabei contra ele, chorando tudo que segurei por anos.
— É aqui que tudo se encerra. — Terry murmurou. — Vença. Ou então todos esses anos terão sido em vão.
Eu engoli em seco, me afastando. Minhas mãos tremiam, mas meus olhos estavam determinados.
— Assista com seus próprios olhos.
E então, eu me virei e entrei no ginásio, levando comigo a dor, o peso e a determinação. Eu daria tudo de mim. Eu não perderia.
Eu inspirei profundamente enquanto caminhava de volta ao ginásio, sentindo o piso sob meus pés e o leve zunido do burburinho da multidão reverberando nos meus ouvidos. O ar estava carregado de eletricidade, uma mistura de expectativa e tensão que parecia se acumular sobre mim como uma onda prestes a quebrar. Assim que passei pela entrada, Miguel se aproximou e me olhou diretamente nos olhos. Era um olhar determinado, cheio de confiança. Assenti para ele, compreendendo o que aquelas pupilas castanhas queriam me dizer. Eu não estava sozinha. Não importava o que acontecesse ali dentro, eu tinha pessoas que estavam comigo, que queriam ver minha vitória.
Mas meus olhos vagaram pela arquibancada, minha atenção sendo tragada para uma única pessoa no meio daquela multidão. E lá estava ele.
Kwon.
Ele estava sentado entre os outros membros do Cobra Kai, mas seu olhar estava fixo em mim. Assim que nossos olhos se encontraram, um sorriso se formou em seu rosto, e ele ergueu o punho no ar. Meu peito se aqueceu, uma centelha de confiança queimando dentro de mim.
Repeti seu gesto, erguendo meu punho também. Um acordo silencioso. Uma promessa de que eu lutaria com tudo o que tinha. De que eu não recuaria.
Meus olhos percorreram o ginásio, absorvendo cada rosto conhecido. Zara, sempre cheia de energia, ergueu os polegares de forma exagerada, um sorriso largo iluminando seu rosto. Eu não consegui conter a risada. Olhei na direção de Samantha, Tory e os outros do Miyagi-Do. Todos estavam torcendo por mim, me incentivando. Amanda LaRusso, Sensei Daniel e Sensei Chozen estavam na lateral, observando atentamente. O apoio deles era algo que eu jamais imaginaria ter um dia, quando eu era só uma pirralha que nem mesmo sabia que faria parte do Myiagi-do, a equipe adversária, um dia, mas agora eu sentia como se fizesse parte de algo muito maior.
E então, o vi.
John Kreese.
Meu coração deu um salto inesperado. Ele estava ali, de braços cruzados, com a expressão dura e avaliadora que eu já conhecia tão bem. Quando treinei com ele, aprendi a esperar exigência, rigidez, cobrança. Mas ali, naquele momento, quando ele se inclinou ligeiramente e juntou as mãos em um gesto respeitoso para mim, um arrepio percorreu minha espinha. Ele não estava apenas me observando. Ele estava me respeitando.
Meu peito apertou com uma emoção inesperada, e sem hesitar, curvei-me de volta para ele, demonstrando o mesmo respeito. Aquela troca silenciosa era uma confirmação de que eu havia conquistado algo que ia além da força física. Eu havia conquistado o reconhecimento de um homem que não se curvava facilmente.
E, por um breve momento, pensei na minha mãe.
Ela estaria orgulhosa de mim agora?
Minhas mãos se fecharam em punhos, e eu respirei fundo, afastando qualquer dúvida.
Foi quando meus olhos encontraram Axel.
Ele estava ali, próximo à área reservada ao Iron Dragons, mas sua postura estava tensa. Seu rosto carregava uma expressão de arrependimento. E eu soube. Ele sentia culpa pelo que fez com Kwon.
Meu instinto me mandava ficar com raiva, mas, ao mesmo tempo, eu sabia que já estive no lugar dele. Eu já fiz escolhas das quais me arrependi, já fui manipulada a agir contra minha própria consciência. Então, em um gesto pequeno, mas significativo, abri um leve sorriso para ele.
Axel pareceu surpreso, mas logo abriu um sorriso largo em resposta. Aquilo não mudava o que ele fez, mas significava que ele ainda tinha escolha. Ele ainda podia se redimir.
A voz de Johnny Lawrence cortou o ar ao meu lado.
— Aquela garota tem o dobro do seu tamanho, mas não deixe que isso seja uma desvantagem. — A voz dele era firme, direta. — Use seu tamanho e sua agilidade para acertar primeiro. Você já enfrentou coisas bem piores nessa vida, garota. Então acaba com ela.
Minhas lábios se curvaram em um pequeno sorriso. Aquele era o estilo de Johnny. Direto, sem rodeios. Mas também sem dúvidas. Ele acreditava em mim.
Curvei-me para ele com respeito.
— Sim, sensei.
Me virei para Miguel, que me olhava com orgulho. Curvamo-nos um para o outro, e eu senti um pouco mais de força se acumular dentro de mim. Eu estava cercada de pessoas que queriam me ver vencer. Eu não podia decepcioná-las.
E então, entrei no tatame.
A atmosfera ao meu redor pareceu mudar instantaneamente. Era como se todo o barulho ao redor se tornasse um zunido distante, enquanto eu me concentrava no momento.
Gunther tomou seu lugar no centro da arena, a voz ecoando pelo ginásio.
— A final feminina do Sekai Taikai! De um lado, Xiao Meng, do Iron Dragons!
Houve uma salva de palmas e alguns gritos de incentivo quando minha oponente entrou no tatame.
— E do outro lado, Calista Silver, do Cobra Kai!
O som da torcida para mim foi ensurdecedor. Mas eu mantive meus olhos fixos em Xiao Meng. Ela era alta, imponente, com um olhar afiado que me analisava da cabeça aos pés. Seus movimentos enquanto caminhava até a posição de luta eram calculados, firmes.
Isso não seria fácil.
Mas nada na minha vida jamais foi.
Eu senti meu coração martelar contra minhas costelas quando pisei no tatame. O chão parecia mais firme do que nunca sob meus pés, como se quisesse me lembrar que eu estava ali, real, no presente. Meu olhar encontrou Meng, e a expressão no rosto dela era pura confiança, um sorriso de escárnio dançando em seus lábios. Quando ela começou a se aproximar, pude ouvir sua voz carregada de um sotaque terrível, uma tentativa de provocar-me que apenas alimentou minha determinação.
— Se prepare para engolir sangue, americana.
A risada escapou dos meus lábios sem que eu precisasse forçá-la, um som afiado e cheio de certeza. Minha resposta veio rápida, uma lâmina afiada de desafio.
— Vamos ver quem vai sangrar primeiro.
Nenhuma de nós desviou o olhar. Não havia medo, apenas a promessa de um combate que seria lembrado. Assim que ficamos em posição, meu corpo se enrijeceu em expectativa. O árbitro levantou a mão e sinalizou.
— Lutem.
Meng avançou sem hesitação, mas eu já esperava por isso. As palavras de Johnny ecoaram na minha mente: Você é mais rápida, use isso a seu favor. Assim, quando ela desferiu um chute alto, sua perna cortando o ar como uma lâmina, eu deslizei para baixo, sentindo o deslocamento do vento acima da minha cabeça. Meu pé disparou em um chute baixo, acertando suas costas. Meng tropeçou para frente, seu corpo absorvendo o golpe enquanto o primeiro ponto era marcado a meu favor.
Sem perder tempo, levantei-me num pulo, mantendo-me em movimento. Não daria espaço para Meng recuperar o controle. Parti para uma sequência brutal de golpes, meus punhos e pernas atacando em um ritmo feroz. Mas ela era resistente. Seus braços se moviam como escudos de aço, bloqueando a maioria dos meus ataques. Eu precisava de uma brecha.
Esperei o momento certo. Girei seu braço para o lado, torcendo-o, e aproveitei a abertura para um golpe direto no rosto dela. O som do impacto foi nítido, e vi Meng cuspir sangue. Mas ela não fraquejou. Seus olhos, antes carregados de confiança, agora queimavam com algo muito mais feroz, raiva.
Mas ainda assim, era meu ponto. Placar: 2 a 0.
Nos reposicionamos. Meng me encarou de um jeito diferente agora. Havia algo mais perigoso nela, algo que me dizia que a luta não seria tão simples. Quando o árbitro sinalizou para continuarmos, ela não perdeu um segundo.
Avançamos ao mesmo tempo, dois furacões colidindo no epicentro da tempestade. Meu corpo estava pronto, meus músculos tensos, minha mente focada. Eu precisava de mais um ponto, só mais um, e a vitória seria minha.
Então senti.
O impacto foi brutal. O pé de Meng cravou-se no meu peito com uma força implacável. O ar foi arrancado dos meus pulmões em um instante. Era como se um choque tivesse atravessado meu corpo, um tremor que fez minhas pernas fraquejarem. Meu equilíbrio me traiu, e antes que eu percebesse, estava no chão.
O baque foi seco, minha visão tremeu. O mundo ao meu redor pareceu se distorcer por um momento, sons tornando-se abafados. Meus ouvidos zumbiam, um ruído irritante que se sobrepunha a qualquer outra coisa. Eu vi o teto do ginásio acima de mim, luzes brilhando de forma ofuscante enquanto minha mente tentava processar o que acabara de acontecer.
Eu precisava levantar.
Meus punhos pressionaram o chão, buscando força. Mas meu peito queimava, a dor irradiando em ondas. Meu corpo protestava, meus pulmões imploravam por ar que parecia impossível de alcançar. Pisquei algumas vezes, tentando dissipar o nevoeiro que ameaçava tomar conta da minha consciência. Eu não podia desmaiar. Não agora.
Eu senti a presença de Meng perto de mim, mas não conseguia olhar para ela ainda. Não conseguia olhar para ninguém. Tudo o que eu conseguia ouvir era o som do meu próprio coração martelando, o eco das palavras de Silver em minha mente: Vocês não vão vencer.
Mas não. Eu não aceitaria isso.
Fechei os olhos por um segundo, puxei o ar com tudo o que tinha, mesmo que isso fizesse meu peito arder ainda mais. Meu corpo tremia de leve, mas meus braços firmaram-se. Com um gemido baixo, forcei-me a levantar.
Eu ainda estava na luta.
Eu respirei fundo, sentindo o ar encher meus pulmões e, por um momento, tentar apagar a dor que pulsava em cada fibra do meu corpo. Minhas costelas latejavam com uma dor quente e incômoda, e minha cabeça zunia como se um sino tivesse sido tocado bem dentro dela. Mas nada disso importava. O primeiro round tinha terminado, e eu ainda estava de pé. Isso era tudo o que importava.
Minha visão ainda estava um pouco embaralhada, e meus ouvidos captavam apenas um eco distante das vozes ao meu redor. O estalo do chute de Meng contra minhas costelas ainda reverberava em minha mente, me fazendo travar o maxilar. O placar era 10 a 2. Eu estava perdendo. Mas isso não significava que a luta estava acabada. Muito pelo contrário.
Cambaleei levemente ao me virar e caminhar até a lateral do tatame. Minhas pernas estavam firmes, mas ainda sentia os resquícios do impacto. Olhei ao redor, buscando por Kwon, e quando meus olhos o encontraram, ele me olhava com um misto de preocupação e orgulho. Ele sabia que eu não desistiria. E isso me deu a centelha de força que eu precisava para ignorar a dor.
Sentei-me no banco, sentindo o suor escorrer pela lateral do meu rosto enquanto tentava regular minha respiração. Do outro lado, Meng também se sentou, mas não tirava os olhos de mim. Havia algo predatório nela, uma intensidade afiada, como se estivesse me estudando, buscando uma fraqueza. Mas eu sabia que, no fundo, ela também estava sentindo os efeitos daquela luta. Ela cuspira sangue. Eu a fiz sangrar primeiro.
Isso significava algo.
— Você está bem? — A voz de Johnny me tirou dos meus pensamentos. Ele se abaixou na minha frente, olhando diretamente nos meus olhos. Eu vi a expressão séria dele, o olhar avaliativo. Ele estava analisando minha situação, tentando medir se eu ainda tinha energia o suficiente para lutar. Mas eu já sabia a resposta.
— Óbvio — Sorri de canto, mesmo sentindo minha bochecha pulsar. — Já levei chutes piores do que esse.
Johnny suspirou, mas um meio sorriso se formou em seu rosto. Ele sabia que eu não voltaria atrás. Ele também sabia que eu tinha tomado um golpe pesado, e a dor ainda queimava meu corpo como brasas incandescentes. Mas isso era irrelevante.
— Escuta — Ele disse, sua expressão ficando mais séria. — Meng é forte. Você viu o que ela fez no primeiro round. Ela não vai pegar leve, e Silver e Wolf querem que ela acabe com você. Mas você tem algo que ela não tem.
Ergui uma sobrancelha, esperando que ele continuasse.
— Você é mais rápida — Ele disse, encostando um dedo na minha têmpera. — E mais esperta. Meng luta com brutalidade, mas isso a deixa impulsiva. Ela confia demais na força dela, e isso é um erro. Ela subestimou você, e por isso sangrou primeiro. Use isso contra ela.
Assenti, absorvendo cada palavra. Johnny estava certo. Se eu tentasse lutar contra Meng em um combate de força, eu perderia. Mas eu não precisava vencê-la dessa forma. Eu podia usar minha velocidade, minha técnica. Eu podia fazer com que ela jogasse o jogo que eu queria jogar.
Levantei-me devagar, sentindo cada músculo do meu corpo protestar contra o movimento. Mas eu os ignorei. Era hora de voltar. Era hora de mostrar para Meng que eu não era apenas uma garota qualquer que ela podia esmagar como um inseto.
Do outro lado, Meng já estava de pé, me esperando no centro do tatame. Sua postura era relaxada, mas seus olhos queimavam com uma intensidade que eu reconhecia bem. Ela queria acabar comigo. Ela queria provar que era superior. Mas eu não deixaria isso acontecer.
Caminhei até o centro do tatame, parando a poucos passos dela. O árbitro ergueu a mão e olhou para nós duas.
— Preparadas?
Meng deu um passo à frente, inclinando a cabeça para o lado com um sorriso presunçoso.
— Espero que tenha aproveitado o intervalo, americana. Porque agora eu vou acabar com você.
Sorri de lado, sem me abalar.
— Já disse, Mulan. Vamos ver quem sai viva dessa.
Ela estreitou os olhos, e eu vi a centelha de raiva passar pelo rosto dela.
— LUTEM! — O árbitro declarou.
Meng avançou imediatamente, seu corpo disparando como uma flecha em minha direção. Mas desta vez, eu estava pronta.
Eu não recuei. Não hesitei. Não tentei bloquear. Em vez disso, me joguei para o lado no último segundo, deixando-a passar direto.
Ela girou rapidamente, mas eu já estava me movimentando. Meus pés deslizaram pelo tatame com precisão, e antes que ela pudesse se reajustar, eu ataquei.
Girei no ar e acertei um chute bem no rosto dela. Meng cambaleou para trás, surpresa.
Ponto para mim. 10 a 3.
Eu sorri, sentindo a adrenalina percorrer minhas veias. Isso ainda não tinha acabado. Eu ia virar esse jogo.
O suor escorria pela lateral do meu rosto, misturando-se com o gosto metálico do sangue que se acumulava no canto da minha boca. Minhas pernas tremiam levemente, não de exaustão, mas de pura adrenalina. Minha respiração estava ofegante, e meus olhos se fixaram na garota à minha frente. Meng. Eu a estudava como um predador estudaria sua presa. Ela era ágil, rápida, e cada golpe que lançava vinha com uma precisão quase cirúrgica. Eu não podia subestimá-la. Mas eu também não podia perder.
Meus três pontos pareciam um grão de areia insignificante comparado aos dez dela. No primeiro round, eu mal conseguia acompanhá-la, e cada golpe que tentava desferir era frustrantemente bloqueado, esquivado ou contra-atacado. Mas agora, as coisas precisavam mudar. O segundo round começava e eu não podia mais hesitar. Não havia espaço para dúvidas.
Soltei o ar lentamente, endurecendo meu olhar. Meus dedos se fecharam em punhos, e eu senti a firmeza do tatame sob meus pés enquanto me preparava para atacar. Eu não podia permitir que Meng me acertasse de novo. Precisava virar esse jogo. E eu faria isso agora.
A luta recomeçou e avancei contra ela, explodindo em velocidade. Meng me esperava de guarda alta, como um espelho refletindo minha própria determinação. Quando cheguei perto o suficiente, desferi um chute mirando seu abdômen, mas ela bloqueou com um movimento rápido de braços cruzados. No mesmo instante, ela contra-atacou, lançando um golpe lateral em minha direção. Eu me esquivei por pouco, sentindo o deslocamento de ar do ataque dela roçar minha pele.
Meng era rápida. Mas eu precisava ser mais.
Aproveitei a abertura mínima e deslizei para trás, antes de girar sobre meu próprio eixo, lançando um chute giratório alto. Meng abaixou-se no último segundo, evitando o impacto, e eu senti um arrepio percorrer minha espinha ao perceber o quão por pouco ela desviou. Ela tentou me acertar no flanco com um soco veloz, mas eu girei meu corpo no tempo exato, fazendo-a errar por centímetros.
Eu não podia hesitar. Assim que recuperei o equilíbrio, avancei novamente, disparando uma sequência de golpes rápidos, obrigando Meng a recuar. Cada ataque que eu desferia era meticulosamente calculado. Eu não atacava por atacar, eu atacava para forçá-la ao erro, para empurrá-la até o ponto em que ela não tivesse saída.
E então aconteceu.
Meng tentou me contra-atacar com um chute frontal, mas, dessa vez, eu estava preparada. Inclinei meu corpo para o lado, desviando por pouco, e agarrei sua perna antes que ela pudesse recuar. Com um movimento rápido e preciso, girei meu próprio corpo e puxei sua perna junto, desestabilizando seu equilíbrio. O impacto do golpe foi forte o suficiente para fazê-la tropeçar para trás, cambaleando como se o chão tivesse se movido sob seus pés.
Seu olhar se arregalou em surpresa por uma fração de segundo antes de finalmente perder o equilíbrio e cair.
O som do corpo dela atingindo o tatame ecoou pelo ginásio.
O marcador acendeu. 23 pontos para mim.
Meu peito se expandiu com uma mistura de alívio e triunfo, mas eu não poderia me dar ao luxo de comemorar. Meng não era do tipo que aceitava uma derrota tão fácil. Ela se ergueu quase imediatamente, os olhos brilhando em fúria contida. Seu maxilar estava travado, e a forma como respirava indicava que estava começando a perder o controle.
E isso era bom.
Se ela lutasse com raiva, ficaria mais descuidada. E eu poderia usar isso contra ela.
Assim que o árbitro sinalizou a continuidade da luta, Meng disparou contra mim. Eu quase não tive tempo de reagir. Seu ataque foi feroz e sem hesitação. Senti seus punhos cortarem o ar ao meu redor enquanto eu desviava, me abaixava, girava para os lados, bloqueando apenas o necessário. Mas Meng era como uma tempestade de golpes, atacando de todos os ângulos possíveis, como se tivesse mãos e pés demais para acompanhar.
Minha respiração se tornou mais curta à medida que eu me esforçava para manter o ritmo, cada músculo do meu corpo tensionado ao máximo. Mas mesmo com toda a sua agressividade, Meng estava cometendo erros. Eu percebia padrões nos ataques dela, pequenos momentos de hesitação entre cada investida.
E então, eu encontrei minha abertura.
Ela lançou um soco rápido, e ao invés de me esquivar completamente, permiti que o golpe roçasse minha lateral. Eu precisava disso. Usando a força do próprio ataque dela contra si mesma, deslizei para dentro da guarda dela e desferi um golpe forte com meu cotovelo direto em seu abdômen.
Ela arfou.
Por um momento, seus olhos se arregalaram, o choque da dor a atingindo antes que ela pudesse reagir. Aproveitei a oportunidade e segui com um chute baixo, atingindo a parte interna da perna dela, forçando-a a recuar.
Mas Meng não era alguém fácil de dobrar.
No instante seguinte, antes que eu pudesse continuar meu ataque, senti o impacto brutal de um soco contra minha boca. Minha cabeça girou para o lado e o gosto quente do sangue explodiu na minha língua. Cuspi o líquido metálico no tatame e encarei Meng, que agora esboçava um pequeno sorriso satisfeito.
Ela havia conseguido um ponto. Agora estava 25 a 11.
Mas eu não me importava. Porque agora, eu estava dentro da mente dela. Agora, eu sabia que ela estava lutando com raiva.
O segundo round havia chegado ao fim.
Me afastei, sentindo meu próprio corpo latejar. A dor no canto da boca era incômoda, mas longe de ser o suficiente para me parar. Ao cruzar o olhar com Meng, percebi que ela também estava começando a sentir o desgaste da luta. Suas sobrancelhas estavam franzidas, e a forma como respirava revelava um esforço crescente.
Eu enxuguei o canto da boca com as costas da mão e permiti que um sorriso de canto surgisse.
Se ela achava que essa luta já estava decidida, estava redondamente enganada.
O mundo ao meu redor parecia desacelerar. Minha respiração vinha pesada, sentia cada batida do meu coração vibrando em meus ossos. O suor escorria pela minha testa, misturando-se com o sangue que ainda manchava o canto da minha boca. Meus punhos estavam cerrados ao lado do corpo, e eu podia sentir a tensão nos músculos, a energia pulsando, prestes a explodir.
Meng me encarava do outro lado do tatame, seu olhar era uma promessa silenciosa de destruição. Ela ainda não havia perdido aquele sorriso de deboche, como se estivesse se divertindo, como se minha luta fosse insignificante. Mas não era. Eu sabia que não era.
Minha mente se voltou para o momento em que voltei para minha equipe. Johnny tinha aquele brilho nos olhos, pronto para me instruir sobre a próxima etapa da luta, mas Kwon se adiantou. Ele não precisou dizer muito. Seu olhar carregava tanto orgulho que por um momento, me esqueci do cansaço, da dor e do medo. Quando ele segurou meu rosto entre as mãos, senti todo o peso daquela batalha evaporar por alguns segundos.
— Eu não poderia estar mais orgulhoso de você, dinamite. — A voz dele era cheia de carinho e admiração, e eu apenas suspirei, ainda ofegante.
— Ainda tem mais um round, não posso perder. — Minha voz soou firme, apesar de tudo o que eu sentia por dentro.
Ele me olhou como se não houvesse nenhuma dúvida no mundo.
— E você não vai.
Eu o puxei para um beijo, despejando todas as emoções não ditas naquele momento. Foi intenso, rápido, mas profundo. Quando nos afastamos, ainda sem fôlego, ele murmurou com um sorriso.
— Sem compaixão.
Eu assenti, sentindo uma nova onda de força me inundar. Então, voltei para o tatame.
O ginásio estava em silêncio absoluto por alguns segundos antes do árbitro sinalizar o início do round final. Senti meu olhar se voltar para os Iron Dragons. Para Terry Silver.
Ele sorriu. Um daqueles sorrisos que eu não costumava ver com frequência. Ele queria me ver vencendo. Ele se importava.
A determinação que percorreu minha espinha foi como um estímulo. Eu apertei os punhos e me concentrei, fechando os olhos por um instante. Respirei fundo e comecei a me movimentar em um kata, algo que Daniel me ensinou antes de cada luta. Aqueles movimentos eram como uma língua secreta que apenas meu corpo compreendia, um ritual que organizava meus pensamentos e colocava cada fibra do meu ser no momento presente.
O tempo parecia pausar enquanto eu executava os movimentos com precisão. Cada gesto era um lembrete de quem eu era, de onde eu vim e de tudo o que eu passei.
Quando terminei, voltei à posição de luta, minha mente completamente focada.
Meng não parecia impressionada. Ela apenas sorriu mais, se alongando um pouco antes de se preparar também. Seu corpo estava solto, pronto para explodir a qualquer segundo.
O árbitro ergueu a mão. Meu coração martelava dentro do peito. Um momento. Um segundo de preparação mental. O som da respiração da plateia. O suor escorrendo pelas têmporas. O rugido do silêncio.
— Lutem!
Meng foi a primeira a se mover. Rápida como um raio, seu soco veio direto na direção do meu rosto. Me esquivei por um triz, sentindo o vento do golpe passar por mim. Mas ela não parou por ali. Outro soco, um chute lateral, um golpe ascendente.
Eu defendi todos. Meu corpo parecia agir por instinto agora. Cada movimento, cada reflexo, tudo estava afiado.
Então, foi minha vez. Dei um passo à frente e desferi um golpe reto no abdômen dela. Meng recuou meio passo, mas não caiu. Seu olhar escureceu.
Ela atacou novamente, mas eu já esperava. Desviei para o lado, girei e apliquei um chute giratório na lateral do rosto dela. O impacto ecoou pelo tatame.
Meng cambaleou, caindo no chão.
O ginásio irrompeu em gritos.
Minha pontuação subiu. 36 a 11.
Mas não havia tempo para comemorar. Eu vi no olhar dela que ela não aceitaria essa derrota fácilmente.
Ela rangeu os dentes, os olhos brilhando de raiva enquanto se levantava. E, então, ela atacou com tudo.
Bloqueei um soco no úmero. Outro na costela. Vi o chute vindo e me esquivei no último segundo, me jogando para o lado. Rolei no tatame para desviar do golpe e me levantei rapidamente, em tempo de ver Meng se aproximando como um furacão.
Eu podia sentir o impacto nos meus braços cada vez que eu bloqueava um golpe dela. O som seco da pele batendo ecoava no ambiente.
Minha mente pareceu divagar por um breve momento, era como se eu já estivesse nessa posição antes, a vida já tentou me derrubar várias vezes, assim como muitas pessoas que passaram por ela, eu já enfrentei a morte de frente, mais de uma vez, e isso não foi o suficiente para me derrubar. Meu olhar percorreu a arquibancada, encontrando os olhos de Kwon.
Eu sabia que nossa trajetória até aqui tinha sido um desafio, que o mundo pareceu estar contra nós, e a promessa que fizemos de segurar juntos o troféu ainda estava de pé, mesmo que ele tivesse perdido a luta, todos sabiam que ele merecia ser campeão, e ele foi o principal motivo para me dar forças para lutar, sempre. Então, tínhamos feito uma nova promessa, eu lutaria por ele, honraria seu esforço, honraria todos que perderam em batalhas injustas, onde os grandes venceram, e agora, eu sabia que era minha vez de finalmente vencer todos os desafios que a vida me impôs, sem temer ou hesitar.
Então, vi a abertura.
Girei sobre o próprio eixo e chutei com toda minha força, senti meu corpo eletrizar até o último fio de cabelo, acertando Meng na mandíbula.
Ela caiu, com um impacto seco, que pareceu ecoar pelo ginásio, e eu simplesmente vi o sangue voar de sua boca, junto com um dente, provando que ela não só tinha perdido, ela tinha sido derrotada.
O silêncio durou apenas um segundo antes da plateia explodir em gritos e aplausos.
Meng tentou se levantar, mas suas pernas falharam. Ela caiu de joelhos, respirando com dificuldade, seus olhos se fechando lentamente. O árbitro deu um passo à frente, observando-a atentamente.
Quando ficou claro que ela não poderia continuar, ele ergueu a mão.
— Nocaute. — Ele fez uma pausa, até finalmente levantar meu braço. — Vencedora, Calista Silver!
O som do meu nome sendo gritado ecoou por todo o ginásio, e um calor tomou conta do meu peito. Meus punhos ainda estavam cerrados, como se meu corpo não tivesse processado que a luta tinha acabado.
Eu venci. 46 a 11.
Me virei para olhar minha equipe. Johnny estava sorrindo, satisfeito. Miguel e todos os meus amigos também se aproximaram, mas meus olhos se desviaram para Kwon, parado ao lado dele, me olhava com um orgulho que era quase palpável.
Meu coração acelerou. Era ele quem eu queria abraçar primeiro. Essa vitória era nossa. E sem pensar duas vezes, corri até ele e, sem sequer hesitar, o abracei com toda a força que ainda me restava.
— Eu consegui, Kwon... Nós conseguimos...
Ele segurou meu rosto entre as mãos, os olhos brilhando.
— Eu sempre soube que você conseguiria.
Eu sorri. Um sorriso verdadeiro, aliviado. Então, ele murmurou perto do meu ouvido.
— Sem compaixão, dinamite.
— Sem compaixão, gênio.
E pela primeira vez, eu sabia que aquelas palavras nunca fizeram tanto sentido. Uma vez Cobra Kai, sempre Cobra Kai. E eu finalmente tinha provado a mim mesma, que eu poderia enfrentar qualquer coisa se tivesse o apoio das pessoas que mais amo.
— E anunciamos finalmente... — A voz de Gunther ecoou pelo ginásio, e senti meu corpo todo se arrepiar, enquanto Zara vinha em minha direção para um abraço apertado — Calista Silver é a campeã mundial feminina do Sekai Taikai.
E de repente, tudo pareceu fazer mais sentido.
Obra autoral ©
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