39. Alone again

Estava deitado na cama do hotel, com as luzes apagadas e o som abafado da televisão ligada no canal de esportes. Minha mente, no entanto, estava longe dali. O dia havia sido intenso, desde a pressão do torneio até as lutas, cada golpe e movimento ainda vívidos na memória. A competição estava ficando mais acirrada, e agora era tudo ou nada.

Rolei na cama, encarando o teto enquanto um suspiro escapava dos meus lábios. Era engraçado como, mesmo com a adrenalina da luta, minha mente insistia em voltar a um momento específico, a vitória de Calista. A maneira como ela se movia no tatame, confiante e precisa, era de tirar o fôlego. Quando anunciaram o nome dela entre os semifinalistas, o brilho nos olhos dela foi algo que eu nunca esqueceria.

Senti meu peito aquecer ao lembrar do abraço apertado que ela me deu depois que finalmente nos encontramos. Por mais rápido que tenha sido, aquele momento foi só nosso, e era como se o resto do mundo desaparecesse. Ela sempre tinha esse efeito sobre mim, mesmo quando éramos só rivais em treinamento.

Dei um sorriso largo, um daqueles que você não consegue controlar, por mais que tente. Quem diria que a garota que me irritava tanto no início acabaria se tornando a pessoa que mais me fazia querer vencer? Era quase irônico.

Porém, eu sabia que nada disso seria possível sem a intervenção de Kim. Parte de mim entendia as intenções dela. Ela era estratégica, sempre pensando em como manter o Cobra Kai na vantagem. Ajudar Calista e eu era, para ela, uma forma de manter o equilíbrio na equipe e garantir o foco. Kim sabia que, sem Calista, eu não teria o mesmo controle emocional. Eu precisava dela, e Kim, com toda sua frieza, sabia disso.

Ainda assim, havia algo mais. Kim podia ser dura, mas eu via o jeito que ela olhava para Calista. Um lampejo de respeito, talvez até de preocupação, que ela raramente mostrava a alguém. Por mais que nunca admitisse, Kim se importava com Calista, assim como eu.

Senti o sorriso sumir por um momento ao pensar onde Calista estava agora. O lugar dela era no Cobra Kai. Aqui, ela estaria protegida, longe daquele lunático do Silver e, principalmente, daquele idiota do Axel. Só de pensar nele, minha mandíbula travou. A maneira como ele ficava em cima dela, agindo como se tivesse algum direito sobre ela...

Passei a mão pelo rosto, tentando afastar esses pensamentos. Eu sabia que não adiantava ficar remoendo isso, mas era inevitável. Calista merecia estar cercada de pessoas que realmente se importassem com ela, que quisessem vê-la crescer sem segundas intenções. No fundo, eu sabia que ela era forte o suficiente para se cuidar sozinha, mas isso não fazia o desejo de protegê-la desaparecer.

Respirei fundo, fechando os olhos e tentando relaxar. Ainda havia muito pela frente, e amanhã seria outro dia de lutas e tensão. Mas, enquanto o sono não vinha, minha mente insistia em voltar a ela. Ao sorriso confiante que ela deu ao derrotar o último adversário, ao jeito como me olhou de canto de olho no ginásio, como se dissesse que tínhamos isso sob controle.

De alguma forma, só pensar nela tornava tudo mais fácil. Era como se, com ela ao meu lado, mesmo que em segredo, eu pudesse enfrentar qualquer coisa.

Eu estava tentando ignorar os murmúrios de Yoon, que parecia estar travando uma batalha verbal com alguém nos sonhos. Era sempre a mesma coisa com ele, o cara falava dormindo e às vezes até se levantava para andar pelo quarto, mas dessa vez ele parecia decidido a vencer uma discussão imaginária. Revirei os olhos, ajustando o travesseiro e pegando o celular para me distrair.

Quando a tela acendeu, vi a notificação. Era uma mensagem da Calista. Um sorriso surgiu instantaneamente no meu rosto. Não importava o cansaço do dia, ela tinha esse poder de iluminar qualquer momento, mesmo que fosse com uma mensagem simples.

Mas, ao abrir a conversa, minha expressão mudou. A mensagem dela dizia:

"Aí, você quer ir num clube de tiro?"

Ri baixinho, meio confuso. Que tipo de convite era esse? Respondi rapidamente, ainda rindo:

"Minha gata, você sabe mesmo como cortar o clima romântico, né? Clube de tiro? Sério."

Logo em seguida, outra mensagem chegou.

"Saber só karatê pode não ser o suficiente, gênio."

Fiquei parado, encarando a tela por alguns segundos. Meu sorriso desapareceu, substituído por uma preocupação crescente. O que ela queria dizer com isso? Meu coração acelerou, e comecei a digitar uma série de mensagens.

"Calista, tá tudo bem?"

"O que tá acontecendo?"

"Você tá com algum problema?"

Ela demorou alguns segundos para responder, o que só aumentou minha ansiedade. Quando finalmente a notificação apareceu, era apenas um endereço e um horário, 22h30. Olhei para o relógio do celular. Dez horas.

— Droga. — Murmurei, já me levantando.

Fui até a mala e peguei qualquer roupa que parecesse confortável, mas ao mesmo tempo discreta. Enquanto me vestia, minha mente trabalhava a mil por hora. Por que ela queria ir a um clube de tiro, e por que agora? Algo estava errado. Eu podia sentir.

Calista sempre foi impulsiva, mas isso parecia mais do que uma simples curiosidade ou desejo de aventura. Havia uma urgência na mensagem dela, algo que me fazia pensar que ela poderia estar em perigo. Minha mente imediatamente voltou às palavras de Kim mais cedo naquele dia.

"Vocês precisam ser mais discretos, Kreese e Silver são mais traiçoeiros do que você imagina. Eles podem estar só encenando, quando na verdade já suspeitam da verdade."

Será que alguém estava realmente ameaçando Calista? A ideia me deixou inquieto. Se fosse o caso, eu precisava estar lá por ela, precisava garantir que nada acontecesse.

Peguei meu celular e dei mais uma olhada na mensagem, memorizando o endereço. Era um lugar no subúrbio da cidade, longe do hotel e do ginásio. Tinha algo estranho nisso tudo, mas eu não ia ignorar. Não quando se tratava dela.

Saí do quarto com passos firmes, tentando não fazer barulho para não acordar Yoon, ou pior, ter que explicar o que estava fazendo. Peguei as chaves de um dos carros alugados pelo Cobra Kai e saí em direção ao endereço.

Enquanto dirigia pelas ruas tranquilas e iluminadas pelas luzes fracas dos postes, meus pensamentos estavam fixados nela. Calista era forte, disso eu sabia. Mas também sabia que ela era teimosa, e às vezes assumia mais riscos do que deveria. E se algo acontecesse com ela? Não, eu não podia deixar isso acontecer.

Cheguei ao local alguns minutos antes do horário marcado. Era um prédio discreto, com uma placa que dizia "Clube de Tiro Marietta". O estacionamento estava quase vazio, exceto por alguns carros. Desci do veículo, tentando parecer calmo, mas meu coração estava disparado.

Olhei ao redor, procurando por ela. E então a vi, encostada em um dos pilares perto da entrada, os braços cruzados, me esperando. O cabelo dela estava preso, e ela usava uma jaqueta preta que a fazia parecer ainda mais determinada do que o normal.

Quando nossos olhares se cruzaram, ela abriu um pequeno sorriso, como se tudo estivesse normal. Mas eu sabia que não estava.

— Aí, gênio, chegou rápido. — Ela disse, despreocupada, mas eu não consegui disfarçar minha preocupação.

— Calista, o que tá acontecendo? — Perguntei, me aproximando. — Por que isso agora?

Ela ergueu uma sobrancelha, ainda com aquele meio sorriso provocador.

— Relaxa, Kwon. Só achei que era uma boa ideia a gente aprender a usar armas. Nunca se sabe, né?

— Isso não é coisa que você decide do nada. — Rebati, cruzando os braços. — Tem alguém te ameaçando?

Ela hesitou por um momento, o suficiente para eu perceber que tinha algo a mais ali.

— Talvez. — Ela finalmente admitiu, dando de ombros. — Mas nada que eu não possa lidar.

— Calista... — Comecei, mas ela colocou a mão no meu peito, me cortando.

— É por isso que a gente tá aqui, tá bom? Pra aprender a lidar. Então, vai entrar comigo ou vai ficar aí bancando o protetor?

Suspirei, sabendo que discutir com ela era inútil.

— Tá bom. Mas depois você vai me contar tudo.

Ela sorriu de lado e deu um passo em direção à entrada.

— Vamos ver se você é bom no tiro, gênio.

Mesmo com toda a preocupação, não pude evitar um pequeno sorriso. Calista sempre tinha um jeito único de lidar com as coisas, e, por mais louco que fosse, eu sabia que faria qualquer coisa para protegê-la , mesmo que isso significasse aprender a atirar em uma noite completamente inesperada.

Quando Calista entrelaçou o braço no meu, senti aquele contraste único que ela sempre trazia, algo entre determinação e carinho, como se estivesse dizendo silenciosamente que estava no comando, mas também queria me ter ao lado dela. Enquanto caminhávamos para dentro do clube de tiro, ela me guiava como se fosse um verdadeiro encontro romântico, mas, claro, com o toque peculiar de "Calista Silver".

— Tá, mas sério... O que tá acontecendo? — perguntei mais uma vez, mesmo sabendo que provavelmente não receberia uma resposta direta.

Ela parou de andar, me lançou aquele olhar característico dela, meio irritado, meio desafiador, e disse com a maior calma do mundo.

— Eu só queria ver você mais um pouco hoje, e, bom, queria treinar minha mira. Então juntei as duas coisas, e cá estamos. Agora, para de pensar no pior, tá bom? — Ela puxou meu braço de leve, sinalizando para continuar andando.

Eu tentei relaxar. De verdade, tentei. Mas era impossível ignorar o peso por trás das palavras dela ou a ideia de que algo mais estava acontecendo. Mesmo assim, decidi não insistir, pelo menos por enquanto. Se era isso que ela queria, então eu faria valer a pena. Eu também queria passar mais tempo com ela, mesmo que fosse em um lugar tão inusitado quanto um clube de tiro.

Fomos guiados por um dos funcionários até a área principal. Era exatamente como nos filmes americanos de ação que eu assistia, paredes isoladas, cabines individuais separadas por divisórias reforçadas, alvos a metros de distância. O som abafado de tiros ecoava pelo lugar, e o cheiro de pólvora no ar era intenso. As armas estavam dispostas em uma mesa, cada uma com uma explicação sobre calibre, modelo e uso.

— Como você conseguiu entrar aqui? Você nem tem dezoito ainda. — Perguntei, observando o ambiente enquanto caminhávamos.

Ela me lançou um olhar divertido, aquele meio sorriso que só ela sabia fazer.

— Às vezes, o sobrenome Silver pode ser útil.

Ah, claro. Silver. Eu entendi imediatamente. Dei uma risadinha e balancei a cabeça.

— Minha gata é muito esperta.

Ela parou de andar por um segundo, revirando os olhos dramaticamente.

— Toda vez que você me chama de 'minha gata', eu quase vomito.

Eu passei o braço pelo ombro dela, puxando-a mais perto, tentando não rir da cara de desgosto que ela fazia.

— Admite. Você ama.

Ela deu um soco leve no meu braço, mas não conseguiu segurar a risadinha que veio logo depois.

— Cala a boca, Jae-Sung.

Seguimos até a cabine que nos foi designada, onde logo um instrutor apareceu. Ele parecia sério, um homem de meia-idade, provavelmente ex-militar, com uma postura firme e profissional. Ele nos cumprimentou e começou a nos instruir sobre segurança, como manusear a arma, e a posição correta de disparo. Eu percebi que Calista estava prestando atenção em cada detalhe, o que era típico dela.

Enquanto o instrutor falava, não pude evitar de observar a expressão dela, focada, determinada, mas com aquele brilho nos olhos que mostrava que ela estava se divertindo com a experiência.

— Pronto para começar? — Perguntei, meio provocativo, enquanto ajustava os protetores de ouvido que o instrutor nos deu.

— Mais pronta que você, meu amor. — Ela respondeu, com o tom competitivo de sempre.

Pegamos as armas, e ela foi a primeira a atirar. A postura dela era impecável, os pés firmes no chão, o braço estendido, o olhar fixo no alvo. Quando ela apertou o gatilho, o som do disparo ecoou pela sala, e o impacto foi preciso. O tiro atingiu bem próximo do centro do alvo.

— Nada mal. — Comentei, impressionado.

Ela olhou para mim por cima do ombro, com um sorriso vitorioso.

— Só nada mal? Tenta superar, gênio.

Peguei a arma e me posicionei, tentando copiar a postura dela. Meu primeiro disparo não foi tão preciso quanto o dela, mas não ficou longe do centro.

— E aí? — Perguntei, olhando para ela.

— Hm... Sete de dez. Dá pra melhorar. — Ela deu de ombros, fingindo desdém.

— Tá bom, dinamite. Quero ver você fazer melhor.

Ela riu, pegando a arma novamente, e o instrutor apenas observava, com um sorriso discreto, enquanto nós dois competíamos para ver quem era o melhor. Cada disparo era acompanhado de provocações, risadas e, no fundo, aquele sentimento único de estarmos juntos, mesmo em um ambiente tão inesperado.

Quando terminamos, Calista olhou para o alvo dela, tiros agrupados próximos ao centro, e depois para o meu, que tinha um ou outro fora de lugar.

— Acho que tá claro quem venceu. — Ela disse, com aquele sorriso provocador.

— Tá, você ganhou dessa vez. Mas foi sorte.

Ela riu, balançando a cabeça.

— Admite, gênio. Eu sou melhor em tudo.

— Vamos ver isso no tatame amanhã. — Retruquei, rindo junto com ela.

Naquele momento, percebi que, por mais preocupante que a situação pudesse parecer inicialmente, Calista tinha esse poder de transformar qualquer coisa em algo especial. E, mesmo com as incertezas que rondavam nossas vidas, pelo menos por essa noite, éramos apenas nós dois, rindo, competindo e aproveitando cada segundo.

Saímos do clube de tiro, o cheiro de pólvora ainda pairando no ar, e eu notei que algo estava errado. Calista me segurou pela mão, mas seu toque, que geralmente era firme e confiante, agora parecia hesitante. Ela me guiou por entre as sombras até um beco ao lado do prédio, um lugar isolado e quase claustrofóbico. O silêncio do lugar só acentuava minha inquietação.

Ela olhou para os dois lados, como se estivesse procurando alguém, seus olhos ágeis analisando cada canto. O nervosismo no ar era palpável, e minha preocupação só aumentava.

— Calista, o que tá acontecendo? — Perguntei, tentando controlar a urgência na minha voz.

Ela suspirou profundamente, segurou meus ombros por um momento como se precisasse de apoio, mas logo se afastou, encostando-se na parede fria do beco. O contraste dela, tão cheia de vida e energia, contra aquele cenário sombrio, fez meu peito apertar.

— Desembucha logo, ou eu vou morrer de preocupação aqui mesmo. — Tentei brincar, mas minha voz falhou, revelando o quanto eu estava preocupado de verdade.

Ela soltou uma risada seca, sem humor, cruzando os braços antes de finalmente dizer.

— É o Terry.

Minha expressão endureceu na mesma hora. Cruzei os braços e dei um passo em direção a ela, cada palavra carregada de tensão.

— O que ele fez agora? Ele te machucou?

— Não muito. — Ela hesitou, e só essa pausa já foi suficiente para a raiva subir pelo meu corpo como um incêndio descontrolado.

O velho maldito. Aquele rabo de cavalo platinado dos infernos. A ideia dele sequer encostar nela me fazia querer quebrar tudo à minha volta. Mas antes que eu pudesse explodir, ela levantou as mãos, tentando me acalmar.

— Kwon, calma. Não foi nada sério.

— Nada sério? — Minha voz subiu um pouco, a indignação transparecendo.

— Escuta, só... Me escuta, tá bom? — Ela pediu, a voz dela estava firme, mas tinha um quê de vulnerabilidade que eu raramente via.

Eu respirei fundo e dei outro passo na direção dela, tentando conter minha raiva.

— Tudo bem. Desculpa, eu só... Estou preocupado, só isso.

Ela assentiu, os olhos fixos nos meus.

— Eu sei. Eu também estou. — Ela suspirou novamente, cruzando os braços como se estivesse tentando se proteger de algo. — O Axel descobriu, de alguma forma, e contou para o Terry.

Minha mente deu um giro completo. Axel. Eu sabia que aquele idiota era um problema, mas isso?

— E...?

— E eu acho que... O que o Terry tava falando com o Kreese no torneio, não eram ameaças entre eles. Eram sobre a gente.

As palavras dela bateram como um soco no estômago.

— Sobre a gente? — Perguntei, minha voz mais baixa, mas cheia de incredulidade.

Ela deu um passo à frente, segurou meu rosto com as mãos, os olhos dela buscando os meus. Eu podia sentir o peso do que ela estava prestes a dizer antes mesmo de ouvir.

— Kwon, a gente precisa dar um tempo.

Eu ri. Um riso indignado, sem acreditar no que acabara de ouvir.

— Você só pode estar brincando.

— Não, eu não estou. — A voz dela era calma, mas havia uma dor evidente em cada palavra. — Olha, a competição tá quase acabando. São só alguns dias, talvez duas semanas, no máximo. Só precisamos manter uma distância equilibrada, sem causar tumulto.

Me afastei, passando as mãos pelo cabelo, sentindo a raiva voltar com força total.

— A gente já tá escondendo isso, Calista! Tá funcionando, não tá? A gente só precisa ser mais cuidadoso.

— Não dá mais pra arriscar, Kwon. — A voz dela continuava baixa, mas firme. — Eles podem machucar a gente. Não são só palavras. Você sabe disso tanto quanto eu.

— São só duas semanas. — Ela deu mais um passo na minha direção, como se quisesse me fazer entender à força. — A gente já lidou com coisas piores.

Eu fiquei em silêncio por um momento, os pensamentos embaralhados, a raiva e o medo se misturando até eu não saber mais o que sentia. Então explodi.

— DUAS SEMANAS? E SE NÃO FOR SÓ ISSO? ELES SEMPRE VÃO TENTAR NOS SEPARAR, CALISTA! SEMPRE! MAS QUE MERDA!

Minha voz ecoou pelo beco, e eu vi o reflexo do meu próprio desespero nos olhos dela. Mas não esperei uma resposta. Eu simplesmente virei e comecei a andar, sentindo o calor da raiva queimando meu peito.

Ela me chamou, sua voz soando quase frágil atrás de mim.

— Kwon, espera!

Eu levantei a mão, sem olhar para trás.

— Não me segue. Só... Não me segue.

Continuei andando, cada passo mais rápido que o anterior, tentando escapar daquela sensação sufocante de impotência. Eu estava furioso, mas não com ela. Não completamente. Era a situação. Era o Terry, o Kreese, o Axel, todo mundo. O mundo parecia feito para nos manter separados, e eu não sabia mais como lutar contra isso.

Tudo o que eu queria era um mundo onde Calista e eu pudéssemos existir sem ter que esconder quem éramos um para o outro. Sem essas ameaças, sem esse medo constante. Mas parecia que esse mundo era tão distante quanto um sonho impossível.

Andei sem rumo pelas ruas escuras da cidade, com os punhos cerrados e o peito queimando. A raiva, o desespero, a confusão, tudo parecia se misturar dentro de mim, criando um turbilhão de emoções que eu não conseguia controlar. Cada vez que tentava respirar fundo, sentia minha garganta apertar ainda mais.

Tentei segurar, juro que tentei. Mas, quando cheguei a um parque vazio, longe de qualquer olhar curioso, as lágrimas começaram a escorrer. Primeiro, silenciosas. Depois, vieram acompanhadas por soluços que eu não conseguia conter.

Me sentei em um dos bancos, escondendo o rosto nas mãos, tentando sufocar os sons de uma dor que parecia rasgar meu peito. Não era apenas o "término", porque nem sabia se era isso que realmente estava acontecendo. Era a sensação de impotência. De não conseguir protegê-la, de não poder fazer nada para mudar a situação.

Calista. Ela nem explicou direito. Não disse o que realmente aconteceu. Só soltou aquela bomba e esperava que eu aceitasse. Mas como eu poderia? Como eu poderia me afastar dela sabendo que algo muito errado estava acontecendo?

A cada pensamento, minha mente voltava para a mesma conclusão, o Terry. Ele deve ter feito algo terrível. Deve ter a ameaçado de uma forma que ela não viu outra saída além de nos afastar. Porque eu conheço a Calista. Sei como ela é. Ela não foge. Ela enfrenta. Sempre enfrentou tudo de cabeça erguida. Então, o que foi tão grave que a fez recuar assim?

Minha raiva voltou com força, mas dessa vez não era direcionada a ela. Era para ele. Para aquele desgraçado que sempre achava uma maneira de manipular tudo ao redor. Eu queria machucá-lo. Queria acabar com ele. Mas, ao mesmo tempo, sabia que era isso que ele queria. Ele queria que eu perdesse o controle.

Passei as mãos pelo rosto, tentando limpar as lágrimas, mas parecia inútil. Meu corpo ainda tremia, o peso de tudo esmagando meus ombros.

Eu não queria ter gritado com ela. Não queria ter saído daquele jeito, deixando-a sozinha naquele beco. Mas as palavras saíram antes que eu pudesse pensar. Movido por uma raiva cega, eu explodi. E agora, pensar no olhar dela enquanto eu a deixava para trás fazia meu estômago revirar.

Talvez... Talvez eu precisasse de um tempo. Não de Calista, mas para processar isso tudo. Para organizar os pensamentos e entender o que diabos estava acontecendo. Porque, no fundo, eu sabia que ela não estava sendo sincera comigo. Não completamente.

Calista estava escondendo algo, e seja lá o que fosse, era grande o suficiente para fazê-la acreditar que se afastar era a única solução.

Eu queria correr de volta até ela. Queria exigir que me contasse tudo, que confiasse em mim. Mas, ao mesmo tempo, sabia que não podia. Não agora. Eu estava descontrolado demais, e não queria correr o risco de machucá-la mais com minha raiva.

Dei mais um suspiro, sentindo as lágrimas cessarem aos poucos, mas o peso continuava. O nó na garganta, o aperto no peito, a sensação de estar caindo em um abismo sem fim.

Eu precisava descobrir o que estava acontecendo. Precisava entender. Porque, por mais que ela tivesse tomado essa decisão, eu sabia que não conseguiria simplesmente aceitar e seguir em frente. Não com ela. Não com nós.

E, mais do que isso, eu sabia que não poderia deixar Terry vencer.

⋆౨˚ ˖

Passei o dia inteiro em um impasse comigo mesmo. Meu dedo pairava sobre a tela do celular, hesitante, enquanto o nome de Calista brilhava ali como uma ferida aberta. Mandar mensagem? Deixar pra lá? Não sabia se ela queria me ver, e muito menos se estava pronta para me ouvir depois do show que eu dei na noite anterior. Fui um idiota completo, deixando a raiva me dominar e fugindo como um covarde.

As horas passaram, e antes que eu percebesse, Yoon estava do meu lado, se arrumando para o bar onde todas as equipes haviam combinado de se encontrar. Ele me olhou de canto de olho, percebendo que eu estava perdido em pensamentos.

— Tá tudo bem? — Ele perguntou, franzindo a testa.

— Só pensando na competição — Respondi, tentando soar casual, mas minha voz entregou meu desconforto.

Ele ficou me encarando por alguns segundos, claramente sabendo que eu estava mentindo, mas, para minha sorte, não insistiu. Apenas deu de ombros e continuou ajustando a jaqueta.

Quando chegamos ao bar, o lugar estava lotado. O som das conversas e risadas enchia o ambiente, junto com uma música alta que parecia vibrar em cada parede. Era um lugar até agradável, com luzes coloridas e um clima descontraído, mas nada disso parecia importar.

Meu olhar vagou automaticamente pelas mesas, procurando por ela. Por Calista. Cada segundo que não a encontrava fazia meu peito apertar ainda mais. Talvez ela não viesse. Talvez tivesse decidido que não valia a pena estar no mesmo espaço que eu depois da forma como agi.

A raiva contra mim mesmo começou a crescer, aquela sensação familiar de autopunição. Passei as mãos pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais. Minha cabeça estava uma bagunça pior do que o barulho ao meu redor. Não conseguiria suportar essa noite se não a visse, se não tivesse pelo menos uma chance de falar com ela, pedir desculpas, explicar...

Com um suspiro pesado, fui até o balcão e pedi a bebida mais forte que tinham. Um whisky, talvez, ou qualquer coisa que pudesse anestesiar a dor no meu peito e calar a voz irritante na minha cabeça que continuava repetindo, Você estragou tudo.

Quando o primeiro copo chegou, virei sem pensar duas vezes. O líquido queimou minha garganta, mas a dor física era quase reconfortante. Pedi outra dose, e mais outra.

— Kwon, tá bom, já deu — Yoon colocou a mão no meu ombro, preocupado.

— Eu tô bem — Murmurei, afastando sua mão.

Ele tentou insistir, mas eu o empurrei levemente, o suficiente para ele entender que não queria ser incomodado.

Cada dose que virava parecia alimentar ainda mais a raiva. Não só contra mim, mas contra toda a situação. Contra Terry, Axel, e tudo o que nos cercava. Se Axel tivesse dado as caras aqui hoje, eu provavelmente teria o arrastado para fora do bar e acabado com aquela cara de idiota dele. Só de imaginar isso, sentia meus punhos formigarem, prontos para o impacto.

Mas ele não estava lá, e Calista também não. E, no fim das contas, era isso que importava. Eu estava sozinho de novo, afogado em pensamentos que só me puxavam para baixo.

Minha cabeça caiu sobre a palma da mão, enquanto o barulho do ambiente se tornava apenas um som de fundo abafado. Tudo que eu queria era um sinal de que ainda havia alguma esperança, alguma chance de consertar as coisas. Mas, por enquanto, tudo o que tinha era um copo vazio e um coração pesado demais para carregar.

No entanto, a voz de Zara cortou o ar do bar como um raio.

Cali, você veio! — Ela gritou, e o tom animado dela soou alto o suficiente para fazer algumas cabeças se virarem.

Levantei no mesmo instante, quase tropeçando no banco alto em que estava sentado. Meus olhos foram direto para a porta, onde Calista acabava de entrar. Ela estava com um casaco grande, as mãos enfiadas nos bolsos, o cabelo preso de forma simples, e a expressão abatida era impossível de ignorar. Mesmo assim, ela estava ali, e isso fez meu peito apertar com uma mistura de alívio e dor.

Por um momento, esqueci que tinha bebido mais do que devia. Me movi na direção dela, passando pela multidão com os ombros tensos, sentindo minha cabeça girar levemente.

— Cali... — Murmurei, parando diante dela. Minhas palavras saíram mais arrastadas do que pretendia. — Podemos conversar?

Ela me olhou de cima a baixo, as sobrancelhas franzidas com desgosto e algo mais que parecia irritação.

— Você tá bêbado, né? — Ela perguntou, cruzando os braços. A pergunta tinha mais uma confirmação implícita do que real interesse na resposta.

— Não tô... Tão bêbado assim. — Tentei argumentar, mas meu tom vacilou, traindo a tentativa.

Ela soltou uma risada curta, mas sem humor, balançando a cabeça.

— É melhor conversarmos outro dia. Pela manhã. Você sabe que sempre dá errado quando você tá assim.

Antes que eu pudesse rebater, Zara apareceu do lado dela, segurando seu braço e lançando um olhar de advertência na minha direção.

— Deixa ela em paz por hoje, Kwon. Amanhã, quando você estiver sóbrio, vocês conversam.

— Mas eu quero agora! — Gritei, apontando para elas, minha voz mais alta e firme do que eu planejava.

Calista me lançou um olhar de desgosto tão intenso que me atingiu como um golpe no peito. Foi o suficiente para me silenciar. Aquele olhar. Como se ela mal me reconhecesse.

Sem dizer mais nada, ela deixou que Zara a puxasse para uma mesa em um canto mais afastado do bar. Elas se sentaram, e logo outro garoto, um japonês da equipe espanhola, Yuri, se não me engano, se aproximou da mesa com aquele sorrisinho irritante.

Voltei para o balcão, minha respiração pesada e o peito queimando. A raiva, o ciúme, o ressentimento... Tudo se misturava como uma tempestade dentro de mim. Quando o bartender olhou na minha direção, levantei a mão.

— Outra dose — Pedi, minha voz mais baixa agora, mas ainda carregada de frustração.

— Você já bebeu o suficiente, amigo — Ele respondeu, franzindo o cenho.

— Não tô perguntando — Rebati, e ele deu de ombros, virando-se para pegar a garrafa.

Enquanto esperava, ouvi uma voz feminina ao meu lado.

— Ei, você tá bem?

Virei a cabeça lentamente, minha expressão cansada, e dei de cara com uma garota de cabelos castanhos longos e olhos escuros. Alvarez. Lembrei do sobrenome dela vagamente, era da equipe espanhola.

— Parece que tô bem? — Perguntei, com uma risada amarga escapando.

— Bom, não parece, mas quem sou eu pra julgar? — Ela riu também, inclinando-se ligeiramente na direção do balcão. — Posso te pagar uma bebida?

Minha primeira reação foi franzir o cenho, confuso. Olhei na direção de Calista instintivamente, e meu estômago deu um nó. O japonês agora estava sentado com ela e Zara, aparentemente contando alguma história engraçada, porque as duas estavam sorrindo.

A raiva voltou com força total, junto com algo mais quente e pulsante: ciúmes. Meu punho cerrou automaticamente, e virei para Alvarez, minha mente movida por puro impulso.

— Tudo bem — Disse, minha voz cortante. — Mas só se for whisky.

Ela riu, claramente achando que estava no controle da situação, e piscou para mim.

— Pode deixar, gatinho — Respondeu, antes de se afastar para pedir a bebida.

Fiquei ali, com o punho ainda cerrado, olhando de relance para a mesa onde Calista estava. Ela não olhava na minha direção, completamente absorta na conversa com o tal japonês. Era como se eu nem estivesse ali, e isso só fazia o buraco no meu peito parecer ainda maior. Eu não vou deixar as coisas assim. Não mesmo.

Maria voltou com a bebida, mas eu mal percebi. Minha atenção estava cravada na mesa onde Calista estava. Cada detalhe parecia amplificado, o jeito como ela jogava os cabelos para trás enquanto ouvia alguém falar, o sorriso que surgia em seu rosto, pequeno, discreto, talvez falso, mas ainda assim lá. Meu peito estava em chamas, cada risada naquela mesa parecia um golpe direto no que restava da minha paciência.

Maria me seguiu com o olhar e, claro, percebeu.

— Ah, aquela é Calista? A famosa Calista... — Disse ela, a voz carregada de um tom casual, mas com uma pitada de curiosidade que me fez franzir o cenho.

Famosa? Por quê?

— Famosa? Como assim famosa? — Perguntei, tentando esconder a irritação crescente, mas era inútil.

Ela deu de ombros, como se fosse algo trivial.

— Yuri não parou de falar dela. Parece que ele vai tentar a sorte hoje à noite.

Meu riso saiu seco, ácido, quase cínico.

— Ah, é mesmo? — Passei a língua pelo interior da bochecha, sentindo a raiva crescer como uma onda prestes a me engolir.

Voltei a olhar para a mesa. Yuri estava lá, inclinado para frente, gesticulando enquanto falava algo para Zara e Calista. Ele parecia relaxado, confiante, como se já tivesse ganhado alguma coisa. Tudo nele me irritava, o sorriso fácil, a postura despreocupada, o jeito de quem acha que o mundo gira ao seu redor.

E o pior? Ele parecia comigo. Era quase cômico, de um jeito doentio. Mesmo com a diferença de nacionalidades, ele tinha a mesma altura, o mesmo tipo físico. Até o cabelo era parecido. Como se fosse uma versão diluída de mim, menos intensa, mais fácil de lidar.

A ideia me corroía por dentro. Será que era isso? Será que ela já tinha me trocado? E, pior, por uma cópia minha, mas sem os defeitos que eu sabia que tinha?

Então ela se levantou, caminhando em direção ao balcão. Por um momento, a respiração ficou presa no peito. Talvez fosse minha chance. Talvez... Mas antes que eu pudesse me mexer, antes que pudesse agir, a raiva falou mais alto.

Sem pensar, passei o braço ao redor de Maria.

— Tem alguma coisa que você queira? — Ela perguntou, com um sorriso que parecia cheio de malícia.

— Talvez... — Murmurei, mas minha cabeça estava longe, meus olhos ainda fixos em Calista.

Foi aí que nossos olhares se cruzaram.

Ela me viu.

E o que eu vi nos olhos dela me atingiu como um soco. Desprezo. Tristeza. Mágoa. Os ombros dela ficaram tensos, os lábios se apertaram, e ela parecia lutar contra as lágrimas.

Algo em mim queria correr até ela, explicar tudo, dizer que eu só estava fazendo isso porque estava com ciúmes, porque a ideia de perdê-la me destruía. Mas, em vez disso, eu sorri. Um sorriso amargo, cheio de ironia, achando que estava retribuindo na mesma moeda.

Maria, vendo minha distração, não perdeu tempo. Ela segurou meu queixo, virando meu rosto em sua direção.

— Você tá olhando pra outra garota enquanto tá comigo? — Ela perguntou, a voz carregada de provocação.

Eu não tive tempo de responder. Antes que pudesse processar o que estava acontecendo, ela me puxou e me beijou.

Fiquei paralisado. Minha mente gritava para empurrá-la, mas meu corpo não reagia. Talvez fosse o álcool, talvez fosse o choque, talvez fosse a confusão de emoções que me consumia. Quando finalmente consegui me afastar, parecia tarde demais.

Olhei para onde Calista estava. Ela não estava mais lá. E nem mesmo na mesa com Zara é aquele maldito.

— Droga... — Murmurei, minha mente girando enquanto tentava processar tudo.

Maria tentou segurar minha mão, puxando-me em direção à pista de dança.

— Vamos, esquece ela.

Deixei-me ser levado por alguns passos, o corpo mole, a cabeça tonta, mas minha mente estava longe. Tudo o que eu conseguia pensar era em Calista, na expressão dela antes de sair, no jeito como ela parecia quebrada.

Mas quando Maria passou os braços ao redor do meu pescoço, algo dentro de mim estalou. Eu olhei para ela, com uma expressão de desprezo. Não era ali que eu queria estar.

— Você não chega aos pés dela, piranha barata. — Sibilei, afastando-a com mais força do que pretendia.

Cambaleei em direção à porta, minha mente girando, e gritei o nome dela.

— Calista!

A rua estava escura, o ar da noite frio contra minha pele quente.

— Calista! — Chamej de novo, a voz quase rouca, mas o silêncio foi a única resposta.

Ela tinha ido embora. Claro que tinha.

Encostei-me na parede do lado de fora, o coração pesado, o peito apertado, enquanto tentava respirar. As lágrimas vieram antes que eu pudesse segurá-las.

Eu sabia que tinha estragado tudo. Mais uma vez. E, dessa vez, eu não sabia se haveria volta.

Obra autoral ©

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top