34. Poker Face
Acordei antes do sol nascer, mas não foi porque dormi o suficiente. Na verdade, mal preguei os olhos. A ansiedade corroía meu estômago, e cada vez que eu tentava fechar os olhos, a imagem de Calista aparecia. A forma como ela murmurou "gênio" na noite anterior não saía da minha cabeça. Era como um fio solto que eu queria puxar até entender tudo.
Eu sabia que ela estava começando a lembrar. Era sutil, mas estava lá, nos pequenos gestos, nos olhares demorados. Ela não admitiria, claro. Teimosa como sempre. Mas eu sentia. E não ia deixar isso escapar.
Levantei do colchão inflável, que mais parecia uma cama de pregos, e fui até o banheiro improvisar minha rotina matinal. Escovei os dentes e lavei o rosto, tentando me preparar mentalmente para o dia. O plano era simples, levar Calista para um lugar que pudesse despertar algo, qualquer coisa. Queria forçar a mente dela, mas sem a pressão que a irritava. Dessa vez, seria diferente.
Quando voltei ao quarto, ela ainda dormia. Ou pelo menos parecia. Sua respiração estava rápida demais, e o rosto franzido como se estivesse lutando contra algo. O suor escorria pela testa, deixando claro que, seja o que fosse, não era um sonho bom.
— Calista? — Chamei, sem resposta.
Aproximando-me, dei um leve toque em seu ombro, mas ela não reagiu. Então a sacudi de leve, mas firme, a voz ganhando um tom de urgência.
— Calista, acorda.
De repente, ela se ergueu com um movimento brusco, os olhos arregalados e assustados.
— Kwon! — Gritou, como se meu nome fosse a única coisa em que conseguia se segurar naquele momento.
Por um segundo, fiquei paralisado. Ver Calista daquele jeito, vulnerável, assustada, mexeu comigo mais do que deveria. Eu me ajoelhei ao lado da cama e coloquei as mãos nos ombros dela, tentando estabilizá-la.
— Ei, você está bem? — Perguntei, minha voz um pouco mais suave do que o habitual.
Ela não respondeu. O olhar perdido, como se ainda estivesse presa em algum pesadelo. A ponta de irritação começou a surgir, mas era mais preocupação do que qualquer outra coisa.
— Calista, fale comigo — Insisti, apertando levemente os ombros dela, tentando chamar sua atenção.
Ela finalmente se mexeu, mas não como eu esperava. Com um movimento rápido, afastou minhas mãos e se levantou, caminhando até o banheiro.
— Calista, espera — Tentei chamá-la, mas ela nem olhou para trás. — Mas que droga.
A porta bateu com força, e o som ecoou pelo quarto. Soltei um longo suspiro, esfregando a nuca enquanto tentava processar o que acabara de acontecer. Eu odiava a sensação de não saber o que fazer. De não poder ajudar. Que diabos ela tinha sonhado? E por que parecia tão difícil para ela me deixar ajudar?
Sentei-me na beirada da cama dela, batendo os dedos contra a perna em frustração. Eu queria forçar a barreira dela, mas não sabia se era o momento certo. Não depois de vê-la naquele estado.
Respire, Kwon, pensei. Eu precisava de paciência, mas isso nunca foi, e acho que nunca será meu forte.
Alguns minutos depois, ouvi a porta do banheiro abrir levemente. Olhei na direção, curioso, e vi a cabeça de Calista surgir.
— Aí, Kwon, pega minha bolsa ali na cadeira — Ela disse, apontando para o canto do quarto.
Levantei-me, mas ela imediatamente levantou a mão.
— Não chega perto da porta.
Não consegui segurar o sorriso.
— Ah, qual é, Calista. Nunca vai me deixar te ver tão... À vontade? — Disse com um tom zombeteiro, arqueando uma sobrancelha.
Ela apenas levantou o dedo do meio com a maior naturalidade do mundo, e eu não pude evitar uma risada curta. Peguei a bolsa e, virando o rosto para evitar mais provocações, estendi para ela.
— Obrigada — Murmurou, com a voz carregada de irritação.
— Sempre às ordens, Dinamite — Devolvi com um sorriso.
Ela bateu a porta com mais força do que precisava, me deixando encostado ali, tentando segurar outra risada.
— Ei, você não tem que usar a roupa do hospital? — Provoquei, minha voz carregada de diversão.
Do outro lado da porta, ela resmungou algo sobre a roupa ser "exposta demais".
— E com você zanzando por aqui, invadindo meu quarto sem permissão, não vou ficar mostrando as pernas para um desconhecido.
A palavra "desconhecido" me atingiu de leve. Engoli a pontada incômoda e decidi disfarçar com mais uma brincadeira.
— Então fica só com o avental hospitalar — Soltei, rindo sozinho da própria ousadia.
A porta abriu com um tranco tão rápido que me fez dar um passo para trás, desequilibrado. Antes que pudesse reagir, ela esticou o pé com precisão, me derrubando de vez no chão.
— Mas que merda, Calista! — Resmunguei, me espalmando para não bater a cabeça.
Ela passou por cima de mim com um sorriso de pura diversão no rosto, como se tivesse acabado de ganhar uma luta.
— Você é impossível! — Reclamei, esfregando o cotovelo enquanto me levantava. — E Parece estar ainda pior agora.
— Sempre fui e sempre serei, meu bem. — Respondeu sem olhar para trás, andando casualmente em direção à cama.
Quando me ergui e virei na direção dela, precisei de um segundo para processar a visão. Calista parecia mais saudável agora. Usava uma regata com listras coloridas que destacava seus ombros e braços definidos, e um short marrom que abraçava perfeitamente sua cintura. Não era novidade que eu a achava linda, mas ali, com a luz suave do sol entrando pela janela e o cabelo ainda úmido, ela parecia... Surreal.
Me dei conta de que estava encarando demais quando ela estalou os dedos, me tirando do transe.
— Aí! Será que dá pra parar de me secar ou tá difícil?
Fui pego no flagra e senti o rosto esquentar. Ela aparentemente não tinha vergonha alguma de me acusar.
— Só estava vendo se você tinha hematomas, preocupação, sabe? — Tentei brincar, rindo nervosamente.
Ela arqueou uma sobrancelha, com um "sei" sutil escapando de seus lábios antes de se sentar na cama.
Eu sabia que tinha perdido completamente qualquer tentativa de disfarçar, mas, enquanto passava a mão pelo rosto para controlar a vergonha, uma coisa ficou clara, eu estava mais fissurado por ela do que jamais admitiria.
Eu estava inquieto, andando de um lado para o outro no quarto. Não era algo que eu fazia conscientemente, mas parecia que o peso da expectativa estava começando a me esmagar. Calista, sempre tão sutil, soltou um longo bufo de irritação, cruzando os braços.
— Aí, coreano azedo, quando você pretende ir embora, hm? — Perguntou, com aquele tom seco e direto que parecia feito para me desarmar.
Olhei para ela e dei de ombros, um sorriso carregado de provocação no rosto.
— Não tão cedo. — E me sentei na ponta da cama dela, bem mais perto do que eu sabia que ela gostaria.
Ela franziu o cenho imediatamente, claramente desconfortável com a proximidade, mas não recuou. Apenas cruzou os braços, como se tentasse reforçar uma barreira invisível entre nós.
— A gente vai sair — Soltei, casualmente.
Ela riu, o som mais sarcástico que já ouvi.
— Sair? Eu não posso sair, queridinho. Não sei se percebeu, mas estou num hospital. Preciso de alta primeiro.
— Detalhes. — Dei de ombros. — Ninguém precisa saber.
— Nem pensar. — O tom dela era definitivo, como sempre.
— Ah, mas você vai sim. — Eu a olhei nos olhos, desafiando-a com um sorriso atrevido.
A troca de provocações continuou, como sempre acontecia entre nós, até que decidi colocar todas as cartas na mesa.
— Olha, você já vai embora hoje de qualquer jeito — Disse, cruzando os braços e encarando-a. — A enfermeira me disse que vai finalizar a papelada mais cedo. Então você vai sair daqui comigo agora, vamos a alguns lugares e, à noite, você embarca no avião com Zara pra Califórnia.
Calista ergueu uma sobrancelha, uma mistura de ceticismo e curiosidade dançando no olhar.
— E onde exatamente você acha que a gente vai?
Dei um sorriso.
— Você vai ter que confiar em mim.
Ela soltou uma risada curta, carregada de incredulidade.
— Confiar? Isso é meio difícil de fazer quando eu mal te conheço.
Tentei não revirar os olhos, mas foi impossível conter a pontada de frustração.
— Calista, você pode parar de ser tão teimosa por cinco minutos? — Perguntei entredentes, a paciência quase no limite. — Cinco minutos.
Ela me olhou com aquela expressão que só ela sabia fazer, como se estivesse considerando cada palavra com precisão cirúrgica. Por fim, soltou um suspiro exasperado e jogou as mãos para cima.
— Tá bom. Mas só porque quero sair daqui. — Ela se levantou, indo até a cadeira onde estavam suas coisas.
Antes que pudesse se preparar completamente, a porta do quarto se abriu, e a enfermeira entrou, trazendo a prancheta com os papéis da alta.
— Vamos finalizar isso agora, senhorita? — Perguntou a mulher com um sorriso simpático.
Calista olhou para mim, claramente ainda duvidando da ideia, mas não protestou. Eu apenas dei um sorriso satisfeito. Ela havia cedido. E eu tinha um plano.
Meu coração estava acelerado, a ansiedade me consumindo como um fogo incontrolável. Não conseguia ficar parado enquanto a enfermeira preenchia os papéis, então comecei a pegar as coisas de Calista e a organizar tudo o mais rápido que podia.
Ela olhou por cima do ombro, com aquela expressão irritada que só ela conseguia fazer tão bem. O tipo de olhar que, antes, talvez me fizesse hesitar. Mas agora? Só me fazia sorrir, como se o desafio fosse combustível para o meu ânimo.
Assim que terminei de fechar a mochila dela, a segurei na mão e me aproximei, puxando-a pela outra mão sem nem pensar.
— Vamos logo — Murmurei, tentando soar casual, mas a pressa era evidente no meu tom.
Ela rapidamente se soltou, bufando com uma irritação genuína.
— Dá pra ir mais devagar, Romeu? — Reclamou, cruzando os braços e me olhando com as sobrancelhas arqueadas. — Eu ainda estou com dor, e, caso você tenha esquecido, sem memória também. Você poderia, pelo menos, fingir que somos amigos até eu me acostumar com a ideia de que já tivemos... Algo?
As palavras dela eram como um soco no estômago, mas eu sabia que ela não falava por mal. Estava tentando processar tudo à sua maneira, e eu precisava respeitar isso. Respirei fundo, engolindo a frustração que ameaçava transbordar, e dei um passo para trás.
— Tudo bem. — Levantei as mãos em um gesto de rendição, forçando um sorriso leve. — Mas como seu grande amigo, vou segurar a sua mão. Só por segurança.
Antes que ela pudesse protestar, segurei sua mão novamente, dessa vez com mais cuidado. E, sem dar tempo para objeções, comecei a guiá-la para fora do quarto.
— Kwon, você é impossível, mas que saco! — Ela exclamou, tentando puxar a mão de volta, mas eu a segurei firme, mantendo o olhar à frente.
— Ignora, Dinamite. Só confia em mim, ok?
A verdade é que eu não queria dar ouvidos às reclamações dela. Não agora. Tudo o que eu queria era tirá-la daquele lugar. Aquela cama de hospital, aquele cheiro estéril... Parecia que tudo ali só piorava a situação dela.
Enquanto caminhávamos pelo corredor, senti a resistência dela diminuir gradualmente. Talvez fosse cansaço, ou talvez... Só talvez... Ela estivesse começando a aceitar.
Nós disparávamos pelos corredores do hospital, o som dos nossos passos ecoando pelos azulejos frios. Ao nos aproximarmos da saída, Calista desacelerou abruptamente, ofegante, e se apoiou contra a porta com uma das mãos, a outra indo direto à cintura.
— Espera aí! — Ela arfou, inclinando-se levemente para a frente.
Imediatamente, parei ao lado dela, preocupado.
— Você tá bem? — Perguntei, inclinando-me um pouco, os olhos tentando captar qualquer sinal de que algo estivesse errado.
Ela levantou o olhar, aquele típico brilho irritado nos olhos, e respondeu com sarcasmo.
— Claro, eu estou ótima. Só tenho um buraco na droga da barriga e você me faz correr uma maratona às oito da manhã.
Tentei, mas não consegui conter a risada que escapou.
— Foi mal, Dinamite — Murmurei, sem esconder o tom divertido. — Mas olha, você tem que ficar em forma e saudável pra competir daqui a algumas semanas, certo?
Ela bufou, endireitando-se devagar, ainda com uma expressão de dor.
— Competir daqui a algumas semanas? Isso se eu não morrer antes, né?
Ajeitando a postura, cruzou os braços e olhou para mim com expectativa.
— E então, gênio? Pra que direção agora?
O apelido fez meu coração disparar por um momento, como se as coisas voltassem ao eixo por um momento, mas contive a ansiedade. Logo apontei na direção do shopping, que ficava a alguns quarteirões de distância. Ela me lançou um olhar de puro desgosto, os lábios se franzindo levemente.
— Você tá brincando comigo, né? — Perguntou, mas a indignação na voz dela era meio cômica.
— Para de reclamar e só me deixa fazer o meu trabalho, tá bom? — Respondi, começando a andar.
Ela balançou a cabeça, murmurando algo que, apesar do tom baixo, ouvi perfeitamente.
— Coreano azedo e sem noção.
Revirei os olhos, mas sorri, e continuei andando. Quando percebi que ela hesitava atrás de mim, virei e estendi a mão sem pensar duas vezes.
— Anda logo, vai.
Ela hesitou, seus olhos alternando entre a minha mão estendida e meu rosto. Por um momento, achei que ela fosse simplesmente ignorar, mas para minha surpresa, senti os dedos dela tocarem os meus. Aproveitei a oportunidade e entrelacei nossas mãos, um gesto que fiz de maneira quase automática, mas que significava mais do que eu queria admitir.
Ela tentou puxar a mão de volta quase imediatamente, um constrangimento claro no seu rosto.
— Kwon... — Começou, mas sua voz morreu antes que completasse a frase.
E, para minha felicidade, não insistiu. Deixou a mão onde estava.
Por alguns minutos, caminhamos em silêncio. A sensação do toque dela na minha mão era ao mesmo tempo familiar e nova, como se estivéssemos ensaiando um passo antigo em um cenário diferente. Eu podia sentir a tensão inicial dela diminuir, ainda que um pouco.
— Você é irritantemente persistente, sabia? — Ela murmurou, olhando para frente.
Sorri de canto, satisfeito.
— E você é irritantemente teimosa. Acho que estamos empatados.
Ela balançou a cabeça, mas não respondeu, o que, para mim, era quase como uma vitória.
Entramos no shopping e logo senti Calista diminuir o passo ao meu lado, provavelmente ainda um pouco exausta depois de tudo. Eu estava à frente, meus olhos avaliando rapidamente as opções ao nosso redor. Foi então que notei o Starbucks. Apontei na direção do lugar e disse.
— Que tal ali?
Ela arqueou uma sobrancelha, a expressão entre o ceticismo e a curiosidade.
— Starbucks? Sério? — Perguntou.
— Você tá precisando de café, Dinamite — Respondi, com um sorriso convencido.
Ela bufou, mas não conseguiu disfarçar o pequeno sorriso que escapou.
— Tá... Na verdade, eu estou mesmo com sede de café.
— Eu sabia. — Dei de ombros, ainda exibindo o mesmo sorriso presunçoso.
Ela revirou os olhos, mas me acompanhou até o local. Assim que chegamos, apontei para uma mesa próxima.
— Senta lá. Eu cuido disso.
— Nem vou discutir — Murmurou, indo na direção indicada enquanto eu seguia para o balcão.
Esperei minha vez na fila, já decidido sobre o pedido. Assim que foi minha vez, pedi dois frappuccinos de caramelo, um para mim e outro para ela. Quando os copos ficaram prontos e o barista os entregou com um sorriso, dei uma olhada no que tinha escrito neles e não consegui evitar um sorriso ainda maior.
Voltei até a mesa onde ela estava sentada, apoiando os cotovelos no tampo enquanto olhava distraída para o movimento do shopping. Coloquei o copo dela à sua frente e me sentei.
— Aqui está, madame.
Ela ergueu os olhos para mim e, ao ver o frappuccino, um sorriso genuíno surgiu em seu rosto.
— Como você sabia que caramelo era o meu preferido?
Antes que ela pudesse terminar a pergunta, já a respondi.
— Eu sei tudo sobre você. Mesmo que isso te irrite profundamente.
— Engraçadinho. — Ela bufou e puxou o copo para si. Porém, ao dar uma olhada no nome escrito no copo, começou a rir sarcasticamente.
— Ok, mas quem diabos é... — Fez uma pausa, apontando para a inscrição — "Caliwon"?
Sorri, divertido, e dei um gole no meu frappuccino.
— O nome de nós dois juntos.
Ela simulou um vômito, fazendo uma careta exagerada e colocando a mão no peito.
— Ah, mas que coisa mais nojenta! — Ela deu uma risada alta, e a conteve com uma mão na boca, que me tirou um sorriso pelo gesto — Não esperava algo tão doce e fofo vindo de você. Tá me embrulhando o estômago.
Rindo, me sentei ao lado dela, já que o banco era em formato de meia-lua e circundava a mesa redonda. Me inclinei um pouco na direção dela, ainda com o mesmo tom provocativo.
— Essa era a ideia. Fazer você revirar o estômago.
Ela apenas balançou a cabeça, mas não conseguiu disfarçar o sorriso que crescia lentamente em seu rosto enquanto tomava um gole do frappuccino. Por mais que tentasse resistir, eu sabia que estava conseguindo alcançar um ponto ali. E, sinceramente, ver aquele sorriso, mesmo que ela tentasse escondê-lo, era melhor do que qualquer outra coisa.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas saboreando os frappuccinos. Era um momento estranho, quase tranquilo, mas eu sabia que não ia durar. Calista tinha esse jeito dela de pensar demais, e a qualquer momento ia soltar algo que faria meu coração acelerar.
— Por que você está fazendo tudo isso? — Ela perguntou de repente, sua voz cortando o silêncio.
Eu levantei o olhar para ela, percebendo a seriedade em seu rosto.
— Tudo isso o quê? — Tentei suavizar, mas já sabia o que ela queria dizer.
— Isso. — Ela gesticulou com a mão livre, indicando tudo ao nosso redor. — Todo esse esforço, todo esse... Drama. Sem nem ter a certeza de que vou me lembrar. Por quê?
Eu respirei fundo, meu peito apertando. Era agora ou nunca.
— Você quer mesmo saber? — Perguntei, hesitando.
— Quero. — Ela se inclinou levemente para frente, apoiando os cotovelos na mesa. Sua voz estava firme, mas sua expressão mostrava que estava pronta para qualquer coisa, ou pelo menos era o que ela queria parecer.
Engoli em seco, tentando encontrar as palavras certas. Mas, no fundo, sabia que não precisava complicar tanto. Era simples, mais simples do que eu queria admitir.
— Porque eu amo você.
A reação dela foi imediata. Ela piscou, como se não tivesse certeza de que tinha ouvido direito. Sua boca se abriu, como se fosse dizer algo, mas ela hesitou. Então desviou o olhar, um suspiro profundo escapando.
— Me desculpa.
— Pelo quê? — Perguntei, franzindo o cenho.
— Por não me lembrar de você. Por não conseguir... Responde que também te amo agora. Isso deve ser difícil pra você.
Senti uma pontada no peito, mas balancei a cabeça.
— Não é sua culpa. — Minha voz era firme, mas baixa. — Eu era um babaca antes de conhecer você, Calista. Já te machuquei muito... E, de certa forma, isso que está acontecendo agora é culpa minha. Talvez eu mereça.
Ela finalmente olhou para mim, seus olhos carregados de algo que parecia ser um misto de tristeza e frustração.
— Não, Kwon. As coisas não deveriam ser assim. Não é justo.
Eu respirei fundo, tentando manter o controle.
— Eu sei que não é justo. Mas você vai se lembrar. Porque você prometeu que a gente incendiaria o mundo juntos.
Minhas palavras a atingiram como um raio. Ela congelou, seu corpo ficando tenso. Sua mão foi direto para a cabeça, os olhos fechados com força.
— Calista? — Minha voz saiu apressada, a preocupação crescendo rapidamente. — O que tá acontecendo?
Ela estalou a língua, respirando fundo várias vezes, como se estivesse tentando se controlar. Finalmente, abriu os olhos, e havia algo neles que não estava lá antes.
— Eu te vi.
Meu coração quase parou.
— O que você viu?
— Você. — Ela me olhou, sua voz cheia de uma certeza que não estava ali antes. — Eu te vi. Estávamos juntos... E você me disse isso. Que incendiaríamos o mundo.
Minha respiração ficou presa na garganta. A sensação era como se todo o peso que carreguei até aquele momento tivesse ficado mais leve, mas, ao mesmo tempo, meu coração parecia prestes a explodir.
— Calista... — Foi tudo o que consegui dizer, minha voz tremendo.
Ela ainda parecia atordoada, como se estivesse tentando processar tudo. Mas, naquele momento, eu sabia que algo havia mudado. Ela estava começando a se lembrar. E, para mim, isso significava tudo.
Calista passou a mão pelos lábios, o movimento nervoso chamando minha atenção, e depois levou a mão ao peito, como se estivesse tentando aliviar um peso invisível.
— O beijo... — Ela murmurou, quase para si mesma.
Minha respiração falhou por um instante. Eu me inclinei levemente para frente, meu coração batendo mais rápido do que eu queria admitir.
— Você lembrou? — Perguntei, um sorriso surgindo, mesmo enquanto eu tentava soar casual. — Daquele dia no quarto?
Havia uma pontinha de provocação na minha voz, e eu sabia disso. Não conseguia evitar.
Ela virou o rosto na minha direção, e nossos olhos se encontraram. Ficamos assim, em um silêncio tenso, os rostos próximos o suficiente para que eu sentisse a respiração dela. E o mais surpreendente? Ela não recuou.
Por alguns segundos, apenas nos encaramos. Era como se o tempo tivesse congelado, e tudo ao redor tivesse desaparecido. A única coisa que importava era ela, tão perto, Tão... Perfeita.
Minha vontade de beijá-la tomou conta de mim. Me inclinei mais um pouco, com cuidado, tentando não assustá-la. Mas, no último instante, ela virou o rosto, colocando a mão na frente.
— Já disse pra ir com calma, Kwon. — A voz dela era firme, mas havia uma leveza ali, uma doçura escondida nas palavras. — Foi só uma lembrança breve.
Eu pisquei algumas vezes, tentando processar a rejeição suave. Era frustrante, mas ao mesmo tempo... Tão Calista.
— Você tá dificultando, sabia? — Eu ri, tentando quebrar o clima, mas era sincero. — Ainda mais quando você tá assim... Tão perto. Tão... Beijável.
Ela soltou um suspiro, um riso escapando logo em seguida. Era meio indignado, mas também carregado de algo que me fez sentir um calor no peito, algo que parecia esperança.
— Você não presta mesmo, hein? — Ela balançou a cabeça, um pequeno sorriso nos lábios.
— Só quando se trata de você. — Minha resposta saiu sem pensar, mas não havia como voltar atrás.
Ela não respondeu, apenas desviou o olhar para o frappuccino esquecido na mesa, o sorriso ainda brincando em seu rosto. E naquele momento, apesar do pequeno passo para trás, senti que também tínhamos dado um passo à frente. Ela estava começando a abrir a porta, mesmo que só um pouco, e eu estava determinado a entrar, até a arrombar, se fosse preciso.
Terminamos nossos frappuccinos, e eu estendi a mão para ela, esperando que Calista aceitasse. Ela olhou para minha mão e depois para os meus olhos, hesitando por um instante. Senti meu coração apertar naqueles segundos, mas, para minha felicidade, ela finalmente segurou minha mão.
Um sorriso vitorioso se espalhou pelo meu rosto, e fiz questão de não esconder. Segurar sua mão assim, mesmo que de forma casual, era um pequeno passo, mas, para mim, significava muito. Começamos a caminhar pelos corredores do shopping, nossas mãos ainda entrelaçadas, e ela me lançou um olhar desconfiado, o tom de ironia inconfundível quando perguntou:
— E então, qual é a surpresa da vez?
Eu ri, aproveitando o momento.
— Tá pronta pra adicionar umas músicas novas à sua playlist?
Calista arqueou uma sobrancelha, obviamente curiosa, mas não disse nada enquanto eu a guiava até o cinema. Quando paramos na frente do pôster de Moana 2, vi seus olhos se arregalarem. Ela tentou conter, mas deixou escapar um pequeno gritinho de empolgação, que me fez sorrir ainda mais.
Ela deu um passo à frente, parando bem diante do pôster. Seus dedos tocaram o canto do cartaz, como se estivesse tentando confirmar que aquilo era real.
— Até onde eu me lembro, isso ainda não tinha lançado... — Ela franziu o cenho, parecendo se perder em seus próprios pensamentos. — Mas, bem, já se passaram duas semanas desde que eu "voltei", então...
Eu a observei atentamente enquanto ela falava, fascinado por vê-la reagir tão genuinamente.
— Vamos? — Perguntei, indicando a entrada do cinema com a cabeça.
Ela virou para mim, os olhos brilhando de animação, e assentiu com vigor.
— Podemos pegar o balde do filme? — A empolgação em sua voz era palpável.
Fiquei surpreso, mas de uma forma boa. Ver Calista tão vulnerável, tão livre naquele momento, era algo raro. A expressão dela, quase infantil de tão inocente, era como um raio de sol depois de semanas de nuvens pesadas.
— Claro que sim. — Sorri, impressionado.
Enquanto íamos comprar os ingressos e o combo, minha mente não parava de pensar no quanto aquele lado dela me deixava feliz. Eu sabia o quanto ela havia sofrido no hospital, trancada com seus próprios pensamentos, seu corpo tentando se curar enquanto sua mente lutava para juntar os pedaços. Ver essa versão dela, mais leve, me dava esperança de que ela estava começando a melhorar, de que estávamos indo na direção certa.
Ela segurou o balde personalizado com o sorriso mais genuíno que eu já tinha visto. Enquanto nos dirigíamos para a sala, ela fez questão de puxar meu braço, dizendo
— Se você dormir durante o filme ou ficar conversando, eu juro que te jogo esse balde na cabeça.
Eu ri alto, levantando as mãos em rendição.
— Nem em um milhão de anos, dinamite.
Entramos na sala de cinema, e enquanto as luzes começavam a apagar, olhei para ela ao meu lado. Calista parecia tão concentrada no que estava por vir que eu não resisti a um sorriso pequeno e satisfeito. Essa era a Calista que eu queria ao meu lado. Essa era a Calista que eu queria proteger e ajudar a lembrar quem ela era.
Pegamos as coisas e entramos na sala de cinema, cada um segurando seu próprio balde de pipoca e bebida, e Calista parecia animada. Assim que nos sentamos, ela ajeitou o balde no colo e olhou para a tela com olhos curiosos, claramente ansiosa para o filme começar. Eu, por outro lado, tinha outros planos.
Enquanto as luzes diminuíam e o logo da Disney aparecia na tela, comecei a provocá-la.
— Sabe, esse é o tipo de filme que a gente vê abraçado... — Sugeri, deslizando meu braço lentamente para tentar colocá-lo sobre os ombros dela.
Ela olhou para mim de canto de olho e deu um tapa no meu braço, afastando-o sem nem desviar da tela.
— Nem tenta.
Eu ri baixinho, mas não consegui evitar outra tentativa alguns minutos depois, inclinando-me na direção dela.
— Sério, Calista, filmes assim são melhores quando a gente compartilha o momento, sabe?
— Shiu! — Ela fez o gesto com o dedo na frente dos lábios, o olhar fixo no filme, como se eu não existisse. — Eu disse que ia jogar o balde em você, e eu não estava blefando.
Apesar da aparente indiferença é possível irritação comigo, dava para ver que ela estava maravilhada com o filme. Seus olhos brilhavam a cada cena, e o sorriso que escapava quando uma música começava me fazia esquecer completamente do enredo. Eu estava mais focado em observar as reações dela do que qualquer outra coisa.
Mas aí, em um momento em que a trilha sonora ficou um pouco mais calma, a tentação foi maior. Eu me inclinei de novo, desta vez mirando um beijo. Cheguei mais perto, já sentindo o aroma doce que era tão dela. Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, ela me surpreendeu com um tapa leve na bochecha, me interrompendo.
— Sossega! — Murmurou em um tom firme, mas baixo, para não atrapalhar o filme.
Nossos olhos se encontraram por um momento. Eu fiquei ali, parado, tentando decifrar o que ela estava pensando. Calista suspirou profundamente, revirando os olhos em seguida, como se estivesse rendida.
— Certo, você venceu, mas só isso e só porque está começando a me tirar do sério. — Sua voz saiu em um tom quase resignado enquanto ela se inclinava rapidamente e depositava um beijo na minha bochecha.
Foi tão rápido que quase não tive tempo de processar, mas o calor do gesto ficou ali, marcando minha pele. Minha mente ficou em branco por um instante, e senti meu rosto corar. Eu sabia provocar, flertar, mas não esperava aquilo vindo dela, ainda mais agora.
— Se contente com isso. — Ela murmurou, voltando a atenção para o filme como se nada tivesse acontecido.
Eu senti um rubor subir pela minha bochecha, e, para minha surpresa, perdi completamente as forças para continuar provocando. Apenas sorri de lado, incapaz de esconder minha felicidade. Encostei-me no assento, ainda sentindo o lugar onde ela me beijou, e pela primeira vez em muito tempo, fiquei quieto, saboreando o momento.
O filme finalmente acabou, e, para minha surpresa, eu realmente gostei. Não era o tipo de coisa que eu assistiria por conta própria, normalmente, minha ideia de diversão envolvia explosões, perseguições e muito sangue. Mas as músicas e a história eram cativantes. Algumas canções, especialmente, já estavam sendo mentalmente adicionadas à minha lista de treinos.
Calista saiu agarrada ao balde temático como se fosse um troféu, e seu entusiasmo era quase contagiante. Enquanto caminhávamos pelo shopping, ela olhou para mim e perguntou com um sorriso curioso.
— Então, acabou? O passeio terminou, certo?
Eu hesitei por um momento, fazendo uma careta brincalhona.
— Hum... Não exatamente.
Ela suspirou, revirando os olhos com diversão.
— Certo, e o que vem agora, gênio? — Perguntou, o sorriso ainda no rosto, mas claramente desconfiada.
— Confia em mim, você vai gostar — Respondi, pegando sua mão e a puxando levemente na direção do elevador.
No entanto, antes de chegarmos, ela deu um tranco, parando de repente e segurando minha mão com firmeza.
— O que foi? — Perguntei, virando para encará-la.
— Sem elevadores por enquanto — Ela respondeu rapidamente, um brilho de algo que eu reconheci como apreensão cruzando seus olhos.
Eu ri baixinho, entendendo imediatamente o motivo. A última vez que estivemos juntos em um elevador não foi exatamente... Calma. Nem nenhuma das outras vezes.
— Justo — Concordei, ainda rindo.
Ela apontou para a escada rolante e me puxou na direção dela, assumindo a dianteira com passos decididos.
Descemos para o subsolo, e a cada passo ela parecia mais desconfiada. Seus olhos saltavam de um lado para o outro, tentando descobrir onde eu estava a levando, até que viramos um corredor iluminado por luzes coloridas. Foi então que ela viu.
Luzes neon piscavam intensamente, refletindo nas paredes de vidro. A grande placa reluzente com letras brilhantes destacava "Mega Arcade Arena". O fliperama era imenso, quase ocupando todo o corredor, com sons vibrantes de jogos, risadas e máquinas ecoando no espaço.
Calista parou no meio do caminho, seus olhos brilhando como os de uma criança em uma manhã de Natal.
— Isso é sério? — Ela perguntou, apontando para o fliperama, a animação crescendo em sua voz.
— O que acha? — Perguntei, sorrindo de lado, já sabendo a resposta.
Ela soltou minha mão, correndo à frente e se aproximando das portas de entrada. Eu a segui de perto, observando-a absorver cada detalhe, desde as máquinas alinhadas até as luzes dançantes e o som ensurdecedor de fichas caindo e botões sendo apertados.
— É sério, Kwon? — Ela perguntou novamente, ainda maravilhada.
— Ei, eu disse que você ia gostar. — Cruzei os braços, tentando não parecer tão orgulhoso de mim mesmo quanto me sentia naquele momento.
Ela abriu um sorriso de orelha a orelha, virando-se para mim com um olhar decidido.
— Espero que esteja preparado para perder — Disse, com um tom desafiador que fez meu coração acelerar.
— Vamos ver, Calista. — Sorri de volta, já imaginando as próximas horas sendo dominadas por competições intensas e muitas provocações.
O fliperama inteiro parecia vibrar com as luzes piscando e os sons eletrônicos das máquinas ao redor. Eu cruzei os braços, olhando para Calista com aquele sorriso provocativo que ela odiava, e que, no fundo, eu sabia que ela adorava.
— Você quer mesmo competir comigo? — Perguntei, inclinando a cabeça de lado. — Só pra lembrar, eu sou faixa preta em taekwondo... E sei karatê também.
Ela revirou os olhos, batendo no meu peito com a mão aberta, mas sem força de verdade.
— Grande coisa, Kwon. — Meu nome saiu de sua boca com uma pontada de um nítido deboche — Eu também sou faixa preta em taekwondo. E ainda sei um pouco de kung fu, então não vem se achando.
Eu ergui as sobrancelhas, impressionado, mesmo que parte de mim já soubesse disso. Mas vê-la com aquela expressão desafiadora, cheia de confiança, era algo que eu não conseguia ignorar.
— Então prove — Eu disse, dando um passo para trás e apontando para a máquina. — Vai lá, mostra do que você é capaz. Mas não se iluda. Você não vai me passar.
Ela sorriu de um jeito vitorioso, o tipo de sorriso que sempre me fazia sentir como se estivesse prestes a perder.
— Não, não. Você primeiro. Quero ver o que eu estou enfrentando, afinal.
Aceitei o desafio. Caminhei até a máquina que media a força do soco, respirei fundo e dei um chute giratório com toda a força. O impacto fez o visor piscar com números altos, e eu me virei para ela, sorrindo.
— Tá vendo isso? Pode desistir agora.
Mas ela nem piscou.
— Minha vez — Disse ela, ajeitando a postura.
Calista deu alguns passos para trás, respirou fundo, e por um momento, eu percebi que ela estava canalizando algo. Talvez fosse a dor na barriga, talvez fosse a teimosia dela de nunca aceitar perder. Quando ela finalmente deu o chute, o impacto ecoou pelo fliperama, e eu olhei, incrédulo, enquanto os números no visor subiam... E ultrapassavam a minha pontuação.
— O quê?! — Soltei, me inclinando para olhar o resultado de novo, como se o visor pudesse estar errado.
Ela deu um passo pra trás, cruzou os braços e me lançou um olhar vitorioso.
— O que foi, faixa preta? Tá difícil aceitar que eu sou melhor que você?
Eu ri, balançando a cabeça, mesmo indignado.
— Você é impossível.
— Não, gênio. Eu sou incrível. — Ela sorriu e piscou pra mim, e eu senti meu peito aquecer como se tivesse levado um golpe direto.
Antes que eu pudesse evitar, as palavras escaparam da minha boca.
— É difícil não me apaixonar mais por você a cada segundo, sabia?
Ela inclinou a cabeça, o sorriso ainda nos lábios.
— Isso é problema seu. Algumas coisas são inevitáveis.
Eu bufei, jogando as mãos para o alto em rendição, mas não consegui esconder o sorriso.
— Tá bom, vitoriosa. Escolhe a próxima máquina. Quero a revanche.
Ela gargalhou, pegando minha mão e me puxando para a próxima competição, e naquele momento, percebi que poderia passar o resto da vida sendo derrotado por ela e ainda assim estaria feliz.
Calista deu um tapinha no meu ombro, assim que paramos perto de algumas máquinas, o sorriso dela era tão provocativo que eu já sabia que algo estava vindo.
— Quero o de dança. — Ela anunciou, apontando para a máquina com luzes neon piscando e uma tela que exibia setas coloridas se movendo ao ritmo da música.
Eu franzi os lábios, não conseguindo disfarçar a hesitação.
— De dança? Sério?
Ela arqueou as sobrancelhas, inclinando a cabeça de lado com uma expressão de puro desafio.
— O que foi, Kwon? Tá com medo?
Medo? Eu? Claro que não. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de me expor dessa forma... Não era exatamente o meu forte.
— Claro que não tô com medo — Rebati, cruzando os braços e tentando parecer confiante.
Ela deu um passo à frente, os olhos brilhando de provocação.
— Ótimo. Porque eu quero ver se você dança tão bem quanto luta.
Eu ri, mesmo sentindo o desconforto aumentar, mas não recuaria.
— Tá bom, desafio aceito. Mas você começa.
Ela parou e me encarou, franzindo a testa.
— Ah, não. Até onde eu me lembro, o desafio foi imposto pra você.
— De jeito nenhum — Retruquei, levantando as mãos. — Eu não vou dançar se você não dançar primeiro. Se é pra ser humilhante, então vai ser pros dois.
Ela revirou os olhos, soltando um bufo irritado.
— Você é muito irritante.
Mesmo assim, ela subiu no piso iluminado da máquina, claramente contrariada. Vi suas mãos irem até o elástico em seu pulso, e ela prendeu o cabelo num rabo de cavalo frouxo. Fiquei observando, e, sem perceber, mordi o lábio. Não era justo. Como ela conseguia ficar mais atraente a cada segundo?
Tentei afastar esses pensamentos quando ela escolheu uma música aleatória. A batida familiar de Poker Face começou a tocar, ecoando pelo fliperama. Ela hesitou, parando no meio do piso e me lançando um olhar que dizia claramente, "Não acredito que estou fazendo isso."
Eu cruzei os braços e levantei as sobrancelhas.
— Vai, Calista. Não vai fugir do desafio agora, né?
Ela abriu um sorriso cínico, do tipo que eu já sabia que significava encrenca.
— Tá bom, esperteza. Segura essa.
E então começou.
Os passos dela começaram hesitantes, mas logo ficaram mais firmes. As setas piscavam na tela, e ela seguia o ritmo com os pés, movendo-se com uma naturalidade que parecia quase ensaiada. A forma como ela jogava o peso de um pé para o outro, sempre no ritmo exato, era hipnotizante. Quando a música acelerou, ela acompanhou, girando o corpo com uma graça que fazia parecer fácil.
Os quadris dela se moveram no tempo da batida, leves e certeiros, e as mãos seguiram alguns movimentos coreografados, como se ela estivesse realmente curtindo o momento. A cada passo acertado, uma pontuação alta surgia na tela, e ela lançou um olhar vitorioso pra mim, sem parar de dançar.
Eu não conseguia desviar os olhos.
Cada movimento dela parecia natural, como se fosse uma extensão de quem ela era. Tinha algo sobre a forma como ela dançava, tão confiante e livre, que me fazia pensar, "Será que tem algo que essa garota não faz bem?"
Quando ela terminou a música com uma pequena pose exagerada e um sorriso triunfante, percebi que estava de boca aberta.
— E aí? — Ela perguntou, saindo do piso e cruzando os braços. — Sua vez.
Eu pisquei algumas vezes, tentando encontrar as palavras, mas nada saiu. Tudo o que consegui fazer foi balançar a cabeça, incrédulo.
— Eu tô ferrado, não tô?
Ela riu alto, me empurrando levemente pelos ombros.
— Anda logo, faixa preta. Mostra do que você é capaz.
Eu subi no piso, sentindo o peso do olhar dela sobre mim. E, mesmo sabendo que provavelmente ia passar vergonha, eu não me importava tanto assim. Afinal, qualquer coisa que me aproximasse de Calista valia a pena.
A música começou, e foi só os primeiros acordes de "(I've Had) The Time of My Life" ecoarem pelo fliperama que Calista soltou um risinho. Tentei ignorar, mas quando ela levou a mão à boca para disfarçar, não me segurei.
— Sério? — Perguntei, já me sentindo derrotado. — Eu tenho que fazer essa baboseira?
Ela arqueou as sobrancelhas, os olhos brilhando com diversão.
— Você insistiu que eu dançasse. Então sim, agora você vai ter que dançar.
Respirei fundo e me posicionei, encarando as setas que piscavam na tela como se fossem um inimigo mortal. Comecei a mover os pés, mas era óbvio que eu estava desajeitado. Meus passos eram rígidos, e eu provavelmente parecia mais alguém tentando evitar uma armadilha do que alguém realmente dançando.
Levantei o olhar para Calista, e ela já não estava mais tentando segurar o riso. A gargalhada dela ecoou, e mesmo que eu estivesse irritado, não consegui não achar aquele som contagiante.
— Para, vai — Ela disse, rindo alto e colocando as mãos nos quadris. — Você tá tenso demais.
Revirei os olhos, parando no meio da música.
— Então me ensina, mestra da dança.
Ela inclinou a cabeça, avaliando-me com um sorriso malicioso.
— Tá bom. Mas agora é você que vai ter que confiar em mim.
Antes que eu pudesse protestar, ela subiu no piso ao meu lado. Ficou tão próxima que o calor da presença dela era quase palpável. Ela virou de lado, os olhos fixos nos meus, e colocou uma mão sobre o peito como se estivesse assumindo uma pose de luta.
— Pensa no karatê, Kwon. Luta comigo.
Eu pisquei, confuso.
— Lutar?
— Isso mesmo. Lutar em cima das setas.
A ideia parecia ridícula, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela deu um pequeno salto para trás, movimentando os pés no ritmo da música, como se estivesse me desafiando.
Eu me posicionei, entrando na brincadeira, e logo estávamos "lutando" em cima das setas. Cada chute, cada movimento, era como um passo improvisado. Ela estava praticamente me guiando, e, de repente, os movimentos não pareciam tão desajeitados assim.
A música era brega, sem dúvida. Mas havia algo naquele momento, na risada dela, na leveza de tudo, que fazia até eu gostar do ritmo.
Tentei avançar com um chute, mais como provocação, mas ela segurou minha perna com agilidade, me puxando para perto. Foi então que percebi o quanto estávamos próximos. Nossos rostos ficaram a meros centímetros de distância.
Eu senti o coração disparar, a respiração pesada. Meu olhar foi automaticamente para os lábios dela, e por um segundo, o mundo ao nosso redor pareceu desaparecer. Sem pensar, comecei a me inclinar, aproximando-me para beijá-la.
Mas, como se tivesse previsto tudo, Calista aproveitou que ainda segurava minha perna e me derrubou com um movimento rápido, me fazendo cair de costas no piso iluminado. Antes que eu pudesse reagir, ela se posicionou sobre mim, apoiando-se nos meus ombros enquanto eu ainda tentava processar o que tinha acabado de acontecer.
— Ainda não, garanhão — Ela disse, a voz carregada de provocação, enquanto se levantava e soltava o rabo de cavalo.
Eu fiquei ali, caído no chão do fliperama, a mão no peito como se pudesse conter o ritmo frenético do meu coração. Observando-a se afastar, eu sabia que ela estava me enlouquecendo. Talvez mais do que jamais havia feito no passado. E, de algum jeito, eu estava completamente, desesperadamente, apaixonado por ela de novo.
Levantei-me, ainda me recuperando da humilhação anterior, e acompanhei Calista enquanto ela caminhava com passos decididos até a máquina de bichos de pelúcia. Ela parou em frente ao vidro, colocando as mãos contra ele e olhando fixamente para um coelho branco, com orelhas compridas e olhos azuis que pareciam brilhar sob a luz neon.
— Aquele ali. — Ela apontou para a pelúcia como se estivesse declarando uma missão.
Cruzei os braços, arqueando uma sobrancelha.
— Quer?
Ela virou o rosto, me encarando com um sorriso travesso.
— Você não está a mercê de mim?
Suspirei, revirando os olhos.
— Você nunca vai deixar de ser mandona, né?
— Nunca. — Ela riu, inclinando a cabeça. — Nem se eu esquecesse absolutamente tudo, até meu próprio nome. Mandona é o meu estado natural.
Soltei uma risada leve, mas sabia que ela estava certa. Calista sempre teve essa força de vontade inabalável, uma teimosia que era quase admirável. Coloquei as fichas na máquina, assumindo o controle com a mesma intensidade de quem enfrenta um oponente no tatame. O ar parecia tenso enquanto eu movia o gancho, concentrado como se minha vida dependesse daquilo.
Finalmente, com um movimento preciso, consegui agarrar a pelúcia. O coelho subiu lentamente e caiu na saída.
— Ah, moleque! — Comenorei, sentindo uma onda de vitória me invadir.
Calista bateu palmas, rindo.
— Parabéns, senhor.... — Ela se abaixou para pegar o coelho, segurando-o com cuidado e apontando-o para mim. — Obrigada. Vou chamá-lo de... Gênio.
Completamente congelado, senti meu coração quase parar.
— O quê? — Minha voz saiu mais rouca do que eu gostaria. — Como você chamou ele?
Ela hesitou, franzindo levemente o cenho.
— Gênio. Não sei de onde veio. Só... Surgiu na minha cabeça. Acho que é importante, mas não tenho certeza.
Engoli em seco, sentindo um aperto no peito. Claro que era importante. Esse era o apelido que ela me deu semanas atrás, algo que só nós dois compartilhávamos.
— É importante. — Minha voz saiu baixa, mas carregada de emoção.
Ela me olhou com curiosidade, como se tentasse decifrar o significado por trás disso, mas antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, seguimos pelo fliperama. Calista segurava a pelúcia contra o peito, e eu andava ao lado dela, sentindo o coração apertado e esperançoso ao mesmo tempo.
Estávamos nos dirigindo para a máquina de tiros quando, de repente, vi um grupo de pessoas familiares no corredor. Meu humor azedou instantaneamente.
Robby Keene. E o resto do pessoal do Miyagi-Do, com exceção de Kenny e a Larusso, para o meu alívio, sinceramente. Aquele garoto tinha um jeito único de me tirar do sério, como se ele fosse o único "amigo" e o único próximo de Calista.
Cerrei os punhos, sentindo uma onda de irritação subir pelo meu corpo. Eu odiava aqueles caras. Robby, em particular, estava no topo da minha lista negra desde que me deixou com um hematoma gigantesco na última competição. Que diabos eles estavam fazendo aqui? Eu poderia jurar que já deviam estar a caminho da Califórnia.
Mas, claro, esses idiotas sempre apareciam onde menos eram desejados.
Robby me viu primeiro, e pude ver o leve levantar de sobrancelhas antes de ele virar o rosto, como se tentasse ignorar minha presença.
— Ótimo. — Murmurei, já sentindo meus músculos se contraírem.
Calista percebeu minha mudança de postura e olhou para mim, franzindo a testa.
— O que foi?
— Nada. — Minha voz saiu tensa, mas meus olhos não saíam do grupo à frente.
Eu podia sentir o sangue fervendo. Depois de tanto tempo sem uma boa briga, a ideia de trocar socos me parecia quase... Tendadora. Afinal, quem disse que o rancor não pode ser divertido?
Obra autoral ©
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