31. End of beginning
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
❝ End of beginnig - djo ❞
O mundo ao meu redor era um borrão de vermelho e preto.
Tudo parecia coberto por um véu denso, sufocante. Não havia som claro, apenas ecos, vozes que reverberavam na minha mente como fantasmas distantes. Eu não conseguia reconhecê-las, mas elas estavam lá, repetindo frases que eu não compreendia. Algo em mim dizia que aquelas palavras eram importantes, mas meu corpo não me deixava parar para ouvi-las. Eu estava no tatame, ou pelo menos parecia estar. O chão abaixo de mim era firme, mas coberto de algo escorregadio. Sangue. Sangue por toda parte.
Meus punhos se moviam sozinhos, e cada impacto era sentido na pele, como se eu estivesse socando concreto. Meu oponente estava à minha frente, mas o rosto dele era uma mancha disforme, borrada, como uma pintura arruinada. Por mais que eu tentasse focar, tudo que eu conseguia enxergar era um brilho nos olhos dele, frio, quase cruel. Havia algo familiar nele, algo que me provocava uma dor profunda no peito, mas eu não conseguia lembrar.
A luta era violenta.
Eu girei, chutando com toda a força que restava em mim. Senti meu pé encontrar algo sólido, um impacto que vibrou pelo meu corpo inteiro, mas ele não caiu. Ele contra-atacou, rápido como uma cobra, um soco certeiro no meu estômago que me arrancou o ar. Vacilei, dobrando-me, mas não parei. Meu instinto gritou mais alto do que a dor, e eu dei um passo para trás, desviando de outro golpe que passou raspando pela lateral do meu rosto.
Havia uma voz em minha cabeça, minha própria voz, mas mais jovem.
"Você nunca será forte o suficiente."
Eu balancei a cabeça, tentando afastar a lembrança, mas ela estava lá, persistente como uma sombra.
Meu coração estava disparado. Cada golpe era uma batalha entre desistir e continuar. Minhas pernas doíam como se fossem feitas de chumbo, e meus braços estavam cobertos por hematomas que latejavam a cada movimento. O cheiro de ferro preenchia minhas narinas. Eu me perguntava de quem era o sangue. Meu? Dele? Do tatame? Tudo parecia mesclado em um só pesadelo.
"Por que você está aqui, Calista?"
Essa voz soou diferente. Mais profunda, mais amarga. Não era minha. Parecia vir do meu oponente, mas sua boca não se movia. Ele atacou novamente, um chute baixo que acertou minha perna direita, me derrubando no chão. Caí com força, o impacto ecoando no meu crânio.
Meu corpo gritava para que eu parasse. Mas eu não podia. Algo em mim me obrigava a continuar. Não era sobre vencer, não mais. Era sobre sobreviver.
Me levantei com dificuldade, usando as mãos para me apoiar no chão. Quando olhei para cima, ele já estava ali, acima de mim. Um chute direcionado à minha cabeça estava a caminho, mas consegui rolar para o lado no último instante. Levantei-me em um movimento instável, aproveitando o desequilíbrio dele para girar e acertar um soco na lateral do seu rosto. Dessa vez, ele cambaleou, mas não caiu. Era como se ele fosse feito de pedra, indestrutível.
O vazio estava me consumindo.
A cada golpe trocado, sentia que algo dentro de mim se despedaçava. As vozes continuavam, mais altas agora. Algumas eram ríspidas, outras suaves, mas todas carregavam uma urgência que eu não conseguia ignorar.
"Lute, Calista."
"Você não pode parar agora."
"Você é mais do que isso."
Mas então, outra voz cortou as outras. Mais familiar. Mais quente.
"Você não precisa fazer isso sozinha."
Aquilo me paralisou por um instante.
O rosto do meu oponente parecia começar a tomar forma, mas antes que eu pudesse ver com clareza, ele avançou novamente. Dessa vez, seus golpes eram mais rápidos, mais intensos. Ele parecia lutar com um propósito que eu não compreendia, como se estivesse tão desesperado quanto eu. Eu me defendia como podia, cada bloqueio enviando ondas de dor pelos meus braços. Ele girou, chutando minha lateral com tanta força que senti algo estalar. Cambaleei, caindo de joelhos, mas não soltei um grito.
Não porque não doeu, mas porque minha voz parecia perdida em algum lugar.
Meu coração estava despedaçado, mas minha mente estava em caos. Eu queria entender o que estava acontecendo, por que estava ali, mas tudo era confuso. Havia flashes de memória, risadas, gritos, um toque suave no meu rosto. Mas eles desapareciam tão rápido quanto surgiam.
Ele estava parado à minha frente, me observando com uma intensidade que fazia meu estômago revirar. Eu levantei a cabeça, encarando-o, tentando não demonstrar o medo que estava crescendo dentro de mim. Meu corpo estava em frangalhos, mas eu ainda tinha algo dentro de mim, algo que ele não poderia tirar.
— Por que você está aqui? — A voz dele repetiu, mas dessa vez foi clara, audível.
Eu engoli em seco, respirando com dificuldade, mas não respondi. Em vez disso, me levantei novamente, ignorando a dor que me dominava. Minha perna falhou por um momento, mas me firmei. Ele deu um passo à frente, e eu avancei. Nossos golpes se encontraram no ar, um impacto surdo que reverberou no meu corpo inteiro.
Foi então que percebi algo. A luta não era com ele. Era comigo mesma.
Ele não era meu inimigo, mas uma parte de mim que eu precisava enfrentar. A parte que carregava a raiva, a dor, o medo. Eu o odiava porque ele era tudo que eu não queria ser, e ainda assim, ele era eu.
Com isso, minha visão começou a clarear. O rosto dele se desfez em fragmentos, e no lugar surgiu algo inesperado. Kwon.
Eu tropecei para trás, ofegante, enquanto lágrimas começavam a escorrer pelo meu rosto. Não fazia sentido, mas fazia todo o sentido do mundo. Ele estava lá, lutando comigo, mas também por mim.
— Você nunca foi meu inimigo — Sussurrei, mas não sabia se ele podia me ouvir.
Foi então que o mundo começou a desmoronar ao meu redor.
As vozes ficaram mais distantes, o chão parecia ceder, e tudo se transformou em uma escuridão silenciosa. Mas havia algo diferente dessa vez. No meio daquela escuridão, havia uma luz fraca, quente, como um farol me chamando.
Eu sabia que precisava alcançá-la. Não importava o quanto doesse, o quanto eu estivesse cansada, eu precisava continuar. Por mim. Por ele. Por todos que acreditavam que eu poderia ser mais do que a dor que carregava.
E então, com um último suspiro, eu segui a luz.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
A luz no teto parecia fria e distante, como um sol opaco preso em uma manhã nublada.
Quando abri os olhos, um peso esmagador me envolvia, como se estivesse submersa em água densa, sufocada por algo invisível. Minha respiração vinha em arfadas curtas e descompassadas, e meu peito doía com a pressão de uma angústia que eu não sabia de onde vinha. Tentei puxar o ar mais fundo, mas ele parecia escapar pelos meus pulmões, como se não fosse suficiente.
Minha mente era um campo vazio.
Tentei me apegar a qualquer pensamento, qualquer memória que me dissesse onde eu estava ou por quê. Tudo que encontrei foram flashes desconexos, como fragmentos de um filme desgastado pelo tempo. Luta. Dor. Algo quente e escuro... Sangue? Não sabia dizer. As imagens se embaralhavam em formas e sons que não faziam sentido. A cada tentativa de relembrar, minha cabeça latejava como se punisse meus esforços, e o vazio que isso deixava era ainda pior.
Tentei me mover, mas senti uma tensão no braço. Fios. Segui o trajeto deles com os olhos até um soro preso a uma máquina ao meu lado. Meu coração acelerou. Meu corpo todo parecia pesado, cansado, mas a adrenalina me empurrou a tentar me ajustar. Meus músculos protestaram, e uma dor pulsante começou a irradiar da lateral da minha cabeça, como se alguém estivesse martelando meu crânio por dentro.
Estava em uma cama de hospital.
O cheiro antisséptico e o bip contínuo das máquinas ao meu redor confirmavam isso. Mas por quê? A pergunta ecoava na minha mente como um grito que ninguém respondia. Olhei para minhas mãos, meus braços, procurando sinais de ferimentos. Havia arranhões e manchas de roxo nos meus punhos, como se tivessem sido espancados ou... Usados para espancar. E eu sentia uma dor no abdômen que parecia como se uma lâmina tivesse atrvessado minha pele. Isso me fez engolir em seco.
Eu forcei meu corpo para sentar, mas a fraqueza e a tontura quase me fizeram deitar de novo. Segurei nas laterais da cama, os dedos apertando o metal frio, e deixei minha cabeça tombar para frente enquanto respirava fundo, tentando afastar a náusea. Meu cabelo caiu sobre meus ombros, e o toque suave contra minha pele foi um lembrete sutil de que eu ainda estava ali, viva, de alguma forma.
Por que estou aqui?
A pergunta voltou, agora acompanhada de um fio de raiva. Não saber me consumia. Tentei cavar nas profundezas da minha mente por alguma explicação, qualquer detalhe, mas era como procurar em um abismo escuro. Tudo parecia... Errado.
Nada fazia sentido.
Eu me lembro de... Nada. Apenas sensações. O impacto de um golpe. A dor aguda de algo atingindo minha lateral. Gritos distantes. Ou talvez fosse minha imaginação. Minhas mãos instintivamente foram até minha cabeça, pressionando as têmporas, como se isso pudesse aliviar a dor ou ajudar a puxar alguma memória. Mas foi inútil.
A irritação começou a crescer dentro de mim. Por que não consigo lembrar? Minha respiração ficou mais pesada. Minhas mãos se fecharam em punhos sobre o lençol branco, os nós dos dedos ficando pálidos. Eu queria gritar, mas minha garganta estava seca, e isso só piorou meu desconforto. Era como se minha própria mente estivesse me traindo.
Então, fechei os olhos por um momento.
Tentei me concentrar na sensação do ar entrando e saindo dos meus pulmões. No som do bip constante ao meu lado. No peso do cobertor sobre minhas pernas. Era uma tentativa desesperada de me ancorar em algo, qualquer coisa que fosse real.
Um flash me atingiu de repente. Breve, mas intenso. Um rosto. Não era claro, mas era nítido o suficiente para me fazer parar. Havia olhos. Escuros, intensos. E uma voz... Uma voz que eu não conseguia distinguir as palavras, mas sentia o peso delas. Era importante. Algo nele era importante.
Meus olhos abriram de novo, e eu senti o início de uma lágrima escorrer pelo canto do meu olho. Limpei rapidamente com as costas da mão, irritada comigo mesma por isso. Não era o momento para fraqueza. Seja lá o que tivesse acontecido, eu precisava entender.
Olhei ao redor do quarto, procurando por pistas. Não havia nada de pessoal ali. Nenhuma roupa minha. Nenhum objeto que me fosse familiar. Apenas a cama, as máquinas, as paredes brancas e um relógio que marcava um tempo que parecia não me pertencer. Era como se eu fosse uma intrusa em minha própria vida.
A solidão do momento logo me atingiu como uma onda gelada.
Por que não havia ninguém ali? Se eu estava em um hospital, alguém deveria estar comigo. Um amigo. Um parente. Alguém que pudesse me dizer o que tinha acontecido. Mas o silêncio era minha única companhia, e ele parecia me engolir.
— Quem sou eu agora? — Me perguntei em um sussurro que mal reconheci como minha própria voz. A resposta não veio, mas a pergunta ficou, ecoando na minha mente enquanto eu fechava os olhos novamente, tentando encontrar a parte de mim que parecia perdida.
A porta abriu lentamente, e uma enfermeira entrou no quarto. Seus passos eram leves, mas ecoavam no silêncio do espaço. Ela tinha um olhar gentil, mas profissional, enquanto segurava uma prancheta e se aproximava da cama. Sem dizer nada inicialmente, ela começou a ajustar os fios do soro, verificando a máquina ao lado e observando o monitor cardíaco que mantinha seu bip ritmado.
— Que bom que acordou, querida — Ela disse com um sorriso, enquanto enrolava o manguito do medidor de pressão no meu braço. Seus movimentos eram hábeis, rápidos, mas não bruscos. Havia algo reconfortante no tom de sua voz, mesmo que minha mente ainda estivesse em um redemoinho de confusão.
— H-há quanto tempo eu estou aqui? — Perguntei, minha voz rouca e quase irreconhecível. Parecia que não a usava há dias, e talvez fosse verdade.
A enfermeira terminou de ajustar o equipamento antes de se virar totalmente para mim. Seu rosto demonstrou um pouco de hesitação antes de responder.
— Você está aqui há quase três dias.
Franzi o cenho, assustada com a informação. Três dias? Como era possível? Minha cabeça latejava levemente enquanto tentava processar.
— Três dias? — Perguntei, minha voz quase um sussurro. — E como... Como eu vim parar aqui?
A enfermeira inclinou a cabeça, como se ponderasse a melhor forma de me responder. Mas foi o modo como seus olhos ficaram um pouco mais preocupados que me deixou desconfortável.
— Você não se lembra? — Ela perguntou delicadamente.
Balancei a cabeça lentamente, desviando o olhar para minhas mãos. Era humilhante admitir, mas a verdade era que eu não fazia ideia. Nada fazia sentido. Era como tentar segurar areia fina que escapava pelos dedos.
— Isso é normal — Disse ela rapidamente, tentando me tranquilizar. —, você bateu a cabeça muito forte. Nos primeiros minutos ou horas, é comum a mente estar em branco. Parece assustador agora, mas é só uma questão de tempo. Quando começar a ver rostos familiares ou estiver em um ambiente que reconheça, as memórias podem voltar. É um processo natural.
Ela parou por um instante e me olhou de cima a baixo, como se quisesse ter certeza de que suas palavras estavam me acalmando.
— E, pelos exames que fizemos, sua cabeça está boa agora. Foi um milagre você ter escapado de algo mais grave.
Suspirei aliviada, mas apenas em parte. Ainda havia um buraco na minha mente que eu não conseguia preencher, e isso me incomodava profundamente. Mas, pelo menos, parecia que havia esperança de que minha memória voltasse.
— Posso deixar sua primeira visita entrar? — Perguntou a enfermeira, sua voz um pouco mais animada, como se soubesse que aquilo poderia me ajudar.
Meu coração acelerou, mas não de maneira reconfortante. Quem viria me visitar? Quem esperava por mim do lado de fora dessa porta? Talvez fosse alguém com todas as respostas que eu precisava, mas a ideia de encarar um rosto desconhecido — ou mesmo um familiar que eu não conseguisse reconhecer — me dava um nó no estômago.
Engoli em seco e, hesitante, assenti com a cabeça.
— Sim, pode deixar.
A enfermeira me deu um sorriso tranquilizador antes de se dirigir à porta. Com a mão na maçaneta, ela se virou brevemente para mim.
— Vai ser bom para você. Não se preocupe.
E, com isso, ela saiu, fechando a porta atrás de si por um momento que pareceu durar uma eternidade.
Meus olhos ficaram fixos na porta, meu coração batendo forte contra o peito. Quem estaria prestes a entrar? E, mais importante, eu seria capaz de me lembrar?
A porta abriu lentamente, e por um momento, minha respiração se suspendeu. Meu coração disparou quando Terry Silver entrou no quarto. Ele estava diferente do que eu lembrava. Seus passos eram calmos, quase hesitantes, mas sua presença ainda carregava aquele ar que sempre me deixava em alerta. Havia algo em seus olhos que parecia... Assombrado. Um peso que eu não costumava ver nele, como se estivesse carregando algo maior do que seu habitual ar de superioridade.
Meu corpo reagiu automaticamente. Recuo para trás na cama, meus dedos se agarrando ao lençol, o franzir no meu cenho se intensificando à medida que ele se aproximava. Tudo parecia se misturar na minha cabeça, flashes de memórias, sensações, e, de repente, um único evento se cristalizou na minha mente. Minha mãe. A lembrança do dia em que ela morreu veio como um golpe seco no peito. Era tão nítido, tão dolorosamente recente que parecia ter acontecido ontem. O aperto em meu coração era esmagador. A visão de Silver apenas intensificava aquilo. Ele era parte desse capítulo sombrio.
Ele parou a alguns passos da cama, mantendo uma certa distância. Seu rosto estava mais sério do que o normal, mas havia algo... Diferente. Não o olhar frio e calculista que eu conhecia, mas um cansaço que quase parecia humano.
— Como você está? — Ele perguntou, sua voz soando mais baixa do que de costume, talvez até desconfortável.
Meu peito parecia apertar mais ainda, como se as palavras ficassem presas na garganta. Senti meus olhos arderem, lágrimas se acumulando rapidamente. Tentei falar, mas as palavras saíram como um murmúrio sufocado.
— Minha mãe... — Consegui dizer, minha voz tremendo.
O rosto dele endureceu por um momento, sua testa franzida como se estivesse tentando entender onde eu queria chegar.
— Já faz três meses — Ele respondeu, dando um passo à frente. — Eu sei que é difícil... Mas não estou aqui para discutir nada disso agora. Eu só queria me certificar de que você está bem. Parte disso foi culpa minha.
A confissão, ainda que breve, parecia pesada. Não era algo que ele diria com facilidade, e a forma como ele falou quase parecia forçada. Mas sua admissão só me deixou mais confusa, como se a sala estivesse girando ao meu redor.
— Culpa pelo quê? — Perguntei, minha voz mais firme, mas carregada de confusão.
— Pelo estado em que você está.
Ele deu uma resposta direta, mas sua expressão indicava algo mais profundo.
— Você se esqueceu, Calista? — Ele perguntou, inclinando ligeiramente a cabeça, como se procurasse respostas em meu rosto.
Soltei uma risada nervosa, quase sem acreditar no que ele estava dizendo. Minha mente era um grande vazio, uma sala escura onde eu tateava por alguma luz.
— A última coisa que eu lembro são os treinos para o Sekai Taikai... O torneio já começou?
Minha preocupação era sincera. Três dias fora já era um absurdo. E se o torneio tivesse passado por mim enquanto eu estava aqui, presa a uma cama?
Silver parecia ficar ainda mais assustado com minha resposta. Ele me olhou fixamente, como se procurasse algo que não conseguia entender.
— Começou há três semanas — Ele disse, e suas palavras eram como uma pedra caindo em um poço profundo.
Meus pulmões pareciam se contrair, e eu lutava para respirar. Começou? Três semanas? Nada fazia sentido. Minha mente parecia estar presa em um nevoeiro, e quanto mais eu tentava me lembrar, mais sentia a frustração crescer. As palavras da enfermeira ecoaram em minha cabeça, que minha memória voltaria, que eu só precisava de tempo. Mas, naquele momento, o pânico era mais forte.
— Você realmente não lembra de nada? — Ele insistiu, e sua voz soava menos como uma pergunta e mais como uma constatação.
Eu balancei a cabeça, tentando não entrar em desespero completo, mesmo que fosse difícil. Era como estar presa em um corpo que não era meu, em um tempo que não reconhecia.
— Por favor... Só vá embora — Falei, tentando manter minha voz firme, embora ela tremesse ligeiramente.
Silver hesitou. Ele parecia prestes a dizer algo mais, mas sua expressão estava carregada de algo que eu não conseguia identificar. Talvez fosse preocupação, talvez fosse algo mais. Ele abriu a boca, fechou novamente, e, por fim, murmurou.
— Há mais pessoas esperando para te ver.
Minha paciência já estava no limite, e minha cabeça parecia prestes a explodir com o esforço de tentar entender.
— Eu não quero ver ninguém agora! — Falei, minha voz subindo, mas ainda embargada. — Só... Me deixe sozinha. Quando eu estiver pronta para receber visitas, te aviso, mas agora eu não consigo ver mais nenhum rosto. Vá embora, Terry.
Eu precisava de tempo. De silêncio. De espaço para colocar meus pensamentos em ordem. Minha mente em branco era um turbilhão de emoções — pânico, frustração, raiva —, mas eu precisava de um momento para respirar, para tentar encontrar alguma coisa dentro de mim.
Silver permaneceu imóvel por alguns segundos, antes de finalmente dar um passo para trás. Sua postura parecia menos imponente do que nunca. Ele estava abatido, quase irreconhecível, como se uma sombra tivesse passado por ele. Mesmo assim, manteve a compostura enquanto caminhava até a porta.
— Descanse — Foi tudo o que disse antes de sair, fechando a porta atrás de si.
O silêncio voltou ao quarto, mas ele parecia tão barulhento quanto a confusão dentro da minha cabeça. Eu me deitei de novo, sentindo meu corpo pesar contra o colchão. Tudo parecia fora do lugar. Tudo estava errado.
Eu só precisava de tempo.
Meus dedos tremiam enquanto eu passava as mãos pelos cabelos, puxando de leve na esperança absurda de que alguma fagulha de memória fosse acionada com a dor. Mas nada acontecia. Absolutamente nada. Era como se minha mente fosse uma página em branco, um vazio insuportável onde tudo que eu deveria saber tinha sido apagado.
O aperto no peito aumentava a cada segundo. Meu coração parecia querer escapar do meu corpo, batendo rápido, descompassado, me deixando à beira de um colapso. Era sufocante. Eu me sentia presa, não só à cama, mas à própria escuridão que se formava na minha cabeça. Tentei respirar fundo, mas a sensação de que algo estava errado não me deixava. Meu olhar vagou pelo quarto, buscando qualquer pista, qualquer coisa que pudesse me conectar à realidade.
Foi então que meus olhos encontraram a janela. A luz do sol entrava suavemente, tingindo o chão com reflexos dourados, mas a paisagem além do vidro parecia estranha. Definitivamente, não era West Valley. Não era o lugar que eu chamava de casa. O hospital também não era familiar. As paredes brancas, os equipamentos, tudo parecia clínico demais, impessoal demais. Eu me sentia uma estranha naquele lugar.
A pergunta que me atormentava desde o momento em que acordei voltou a invadir minha mente: Como eu vim parar aqui? Era como um fantasma que me seguia, repetindo a mesma coisa incessantemente, zombando de mim.
Olhei para minhas mãos, ainda sentindo os fios do soro presos ao meu braço. Os pequenos curativos e hematomas mostravam o quanto eu estava vulnerável, algo que sempre odiei. Meu corpo parecia mais fraco do que jamais esteve, mas o que mais me assustava era a minha mente. Por que eu não conseguia lembrar? O que havia acontecido comigo?
O que Silver disse ecoava na minha cabeça. O torneio. Já havia começado. Três semanas. Esse tempo parecia um buraco negro, um espaço perdido na minha vida que eu não sabia como preencher. Treinei tanto para o Sekai Taikai. Cada gota de suor, cada hematoma, tudo tinha sido para aquele momento. E agora... Eu estava aqui, presa a uma cama, sem saber sequer se o esforço valeu a pena. Será que ainda fazia parte do torneio? Será que eles me substituiram? Será que Axel, Zara e os outros ainda estavam competindo? Essas perguntas vinham como tiros rápidos, sem resposta.
Mas havia outra questão mais assustadora do que todas essas: O que aconteceu comigo? Algo ruim tinha que ter acontecido para que eu estivesse aqui. Isso era óbvio. Meus músculos estavam doloridos de uma forma familiar, como se eu tivesse lutado. Mas uma luta normal não me colocaria em um hospital por três dias. Foi um acidente? Um ataque? O pensamento de que poderia ter sido alguém conhecido fez meu estômago se contorcer.
Minha cabeça doía só de tentar montar o quebra-cabeça, mas as peças simplesmente não se encaixavam. As lembranças vinham como flashes desconexos, como se eu estivesse assistindo a uma tela quebrada, treinos, suor escorrendo, o som abafado de gritos e, de repente, nada. O vazio. Era como cair em um abismo e nunca atingir o chão.
Passei os olhos de novo pelo quarto, buscando algum ponto de ancoragem. Minha mente estava caótica, mas meus olhos se fixaram na janela outra vez. Fiquei ali por alguns segundos, tentando absorver a paisagem. Era bonita de uma forma calma, quase reconfortante, mas só me lembrava que eu estava longe de casa, de tudo que conhecia. Isso me deixava ainda mais desconfortável. Eu queria respostas, mas não sabia nem por onde começar.
Será que eu realmente quero saber? Essa pergunta passou pela minha cabeça, me pegando desprevenida. Havia uma parte de mim que estava com medo da resposta. E se eu tivesse feito algo errado? E se fosse minha culpa? Silver parecia... Estranho. Quase culpado. Isso não era algo que eu esperava dele. Ele sempre foi distante, calculista, e a ideia de que ele estivesse assumindo alguma responsabilidade pelo meu estado era desconcertante. Mas ele também parecia sincero, o que era ainda mais difícil de processar.
Minha frustração começou a se transformar em raiva. Por que ninguém me contou nada? Por que não me disseram exatamente o que aconteceu? Eu odiava essa sensação de impotência, de não ter controle sobre a minha própria vida. Fechei os olhos, tentando conter as lágrimas que ameaçavam escapar. O que quer que fosse, eu precisava saber. Precisava lembrar.
De repente, a raiva foi substituída por algo mais sombrio, medo. Eu não era uma pessoa que lidava bem com a ideia de fragilidade, e ali estava eu, presa a uma cama, sem memória, dependendo de pessoas que eu nem sabia se podia confiar. E se eu nunca lembrar? Esse pensamento veio como um soco, deixando minha respiração ainda mais curta.
A porta do quarto estava fechada, e o silêncio era quase opressor. Eu queria levantar, arrancar todos os fios e sair correndo dali, mas sabia que isso só pioraria as coisas. A enfermeira tinha dito que as memórias voltariam com o tempo, com rostos familiares. Mas quanto tempo? Quanto eu ainda precisaria esperar?
Voltei a olhar para fora, tentando encontrar algum tipo de consolo na paisagem. Não havia ninguém conhecido, nenhum rosto familiar. Só o céu, azul e imenso, e as árvores balançando suavemente com o vento. Aquela cena deveria ser calmante, mas só servia para me lembrar de como eu estava sozinha.
O cansaço começou a pesar sobre mim, mas eu lutei contra ele. Fechar os olhos era perigoso demais. O que eu mais queria agora era respostas, e sabia que não encontraria nada no vazio dos meus sonhos.
Eu vou lembrar. Essa era a única coisa que eu podia me agarrar. As palavras da enfermeira ecoavam como um mantra em minha mente, rostos familiares, lugares familiares. Eu precisava de algo para me conectar, algo que trouxesse de volta o que estava perdido.
Mas, por enquanto, tudo o que eu podia fazer era esperar.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
O tempo parecia se arrastar, cada minuto uma tortura enquanto eu me forçava a enfrentar o vazio em minha mente. A memória continuava um borrão, e a raiva queimava dentro de mim como uma chama que eu não conseguia apagar. A frustração era sufocante, mas, ao mesmo tempo, algo me dizia que eu precisava permitir as visitas. Talvez, só talvez, ver mais rostos familiares ajudasse a clarear a névoa.
Suspirei, cansada, e acenei para a enfermeira, permitindo que ela deixasse os visitantes entrarem. Meu coração batia rápido, quase como se eu estivesse prestes a entrar em combate novamente. Fechei os olhos por um momento, respirando fundo para me acalmar, mas assim que a porta se abriu, senti uma onda de calor invadir meu peito.
E lá estava ela, Zara.
Meu rosto se iluminou imediatamente. A visão dela era como um farol em meio à escuridão, uma lembrança clara e reconfortante que não havia sido apagada. Zara, minha melhor amiga. A garota que sempre esteve ao meu lado, nos treinos, nas derrotas e nas vitórias. A pessoa que, com certeza, havia me incentivado a me levantar mais vezes do que qualquer outra.
Ela gritou meu nome com alegria e correu na minha direção, os braços já estendidos para me envolver em um abraço. Senti meus olhos marejarem, e mesmo com a dor latejante no corpo, deixei escapar um sorriso sincero. Era um alívio indescritível ver alguém que fazia parte de mim, que era uma âncora na tempestade que estava minha mente.
Mas o sorriso não durou muito.
Atrás dela, entrou outra figura.
Meu olhar se fixou em um garoto asiático, os cabelos bagunçados e uma expressão tensa, quase desconfortável. Ele parecia ansioso, mas ao mesmo tempo irritado. Era como se algo estivesse pesando sobre ele, algo que ele não sabia exatamente como lidar. Seu olhar encontrou o meu por um instante, e senti uma pontada de desconforto. Algo em sua presença me incomodava profundamente.
Ele se aproximava devagar, e meu instinto imediato foi recuar. Passei as mãos pelos olhos, tentando limpá-los como se isso pudesse clarear a confusão na minha mente. Ele parecia... Familiar, mas de uma maneira que não fazia sentido. Como uma sombra que você reconhece, mas nunca viu realmente.
Enquanto Zara gritava animada, o garoto abriu um sorriso contido, mas verdadeiro. Seu rosto se suavizou um pouco, e ele começou a caminhar mais rápido em minha direção, com os braços estendidos, como se também fosse me abraçar. No entanto, meu corpo reagiu antes que eu pudesse pensar, e me afastei para trás na cama, instintivamente me protegendo.
— Quem diabos é você? — Minha voz saiu firme, mas carregada de desconfiança.
O sorriso dele desapareceu instantaneamente, dando lugar a um olhar ferido e incrédulo. Zara parou no meio de sua comemoração, o rosto congelado em choque. E, por um momento, o silêncio no quarto se tornou mais pesado do que qualquer coisa que eu já havia sentido.
Obra autoral ©
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top