O avião tocou o solo espanhol pouco antes do amanhecer, e o horizonte começava a ganhar tons alaranjados. Apesar do cansaço acumulado das últimas semanas, eu não consegui pregar os olhos durante o voo. Minha mente fervilhava, repassando cada golpe, cada detalhe do treinamento extenuante. Agora, finalmente, eu estava ali, no Sekai Taikai, o maior torneio de karatê do mundo. E eu já sentia uma ânsia pertinente me invadir.
Ao sairmos do aeroporto, um ônibus nos levou para o local do evento, um enorme complexo esportivo que parecia uma fortaleza. As paredes externas, feitas de um concreto cinzento ornamentado com bandeiras de dezenas de países, eram imponentes, como se guardassem algo sagrado. O logo do torneio, um tigre dourado em posição de ataque, reluzia no topo do edifício, brilhando à luz do amanhecer.
Assim que nossa equipe entrou, o impacto foi imediato. O salão principal era gigantesco, uma cúpula de aço e vidro que deixava a luz do dia inundar o ambiente. Arquibancadas lotadas se estendiam ao redor de oito tatames dispostos no centro, já sendo preparados por equipes técnicas. O som dos passos ecoava no chão lustroso, e o ar estava carregado de tensão e expectativa. Era ali que os maiores lutadores do mundo se enfrentariam, e a grandiosidade do lugar parecia uma homenagem à glória que só os vencedores experimentariam.
Caminhamos até uma área reservada para os competidores, onde equipes de todas as partes do mundo se reuniam. Os uniformes eram variados, brancos tradicionais, pretos intimidadores, e até versões personalizadas com detalhes chamativos. Eu os observava com atenção, memorizando suas posturas, seus olhares, a maneira como conversavam ou treinavam em silêncio. Eram como predadores em um campo de caça.
Silver nos levou até os bastidores, queria ter certeza de que estaríamos preparados o suficiente para pisarmos naquele tatame e fazer jus ao seu nome, mesmo que de início, indiretamente. As últimas semanas têm sido como verdadeiros pesadelos, e Silver tem sido o principal fruto deles.
— Olhe bem para eles, Calista. — Silver sussurrou atrás de mim, me fazendo trincar o maxilar, mas eu tampouco me virei para encará-lo. Seu "apoio" não me serviria de nada. — Um por um. Algum desses pode ser o seu próximo oponente, então deve pisa em cada um deles até alcançar o pódio.
Eu apenas balancei a cabeça positivamente, engolindo meu orgulho de simplesmente ignorar suas palavras, e segui para o tablado central com minha equipe. Não queria vencer para que Silver alcançasse sua glória, e sim, porque queria mostrar a ele o que acontece quando me coloca em meus limites. Destruirei a concorrência, sim, mas ele será destruído junto.
Assim que pisamos naquele tatame, meus olhos percorreram cada participante ali presente. Havia times que exalavam confiança. Uma equipe russa conversava em tom baixo, os rostos sérios como pedra. Os japoneses, impecáveis em disciplina, se curvavam respeitosamente a todos que passavam. Um grupo chileno parecia ser o mais chamativo, zombando e cochichando, como se fossem os reis ali presentes. E havia os brasileiros, cuja energia parecia contagiar o ambiente enquanto aqueciam com chutes rápidos e movimentos precisos.
No entanto, foi quando meus olhos encontraram os de uma competidora solitária que senti um desafio em questão. Ela estava encostada em uma parede, o uniforme branco impecável com uma faixa vermelha em destaque. Seu cabelo curto emoldurava um rosto frio e calculista, e seus olhos, de um tom âmbar intenso, me atravessaram como se já soubessem tudo sobre mim. Um leve sorriso curvou seus lábios, e por um segundo, senti que ela sabia algo que eu não sabia.
— Essa é Aiko Mori. — Zara murmurou ao meu lado, seguindo meu olhar. — Campeã japonesa. Nunca perdeu uma luta em toda a carreira. Dizem que ela pode ler os movimentos do adversário antes mesmo de acontecerem.
Ela parecia a personificação da perfeição no tatame. Uma verdadeira predadora, mas parece que teria de descer do seu pedestal assim que eu a derrotasse.
Axel se aproximou, segurando uma garrafa d'água, os olhos profundamente assustados, já que dentre nós, ele parecia o que mais estava assombrado com os árduos treinos. Ele sorriu, estendendo a garrafa em minha direção.
— Relaxa, Cali. Cada um deles sangra igual a gente. Lembre-se disso.
O peso de estar ali, no centro do mundo das lutas, era esmagador, mas ele tinha razão, e eu os faria sangrar, se fosse preciso para alcançar a vitória.
— Não esqueçam. — A voz do Sensei Wolf cortou o ar, aproximando-se de nós — Vitória. É tudo o que importa.
Enquanto ajustava minha faixa, que reluzia minha liderança, respirei fundo, sentindo o peso do dragão bordado em minhas costas. Eu não estava ali por Silver. Não estava ali por minha mãe. Eu estava ali por mim. E, pela primeira vez, meu medo e minha raiva começavam a se transformar em algo mais, determinação.
Os rumores começaram antes mesmo de eles aparecerem. Todos no salão cochichavam enquanto olhavam para a entrada principal. Quando as portas duplas se abriram, o Cobra Kai da Coreia entrou, como se fosse uma tempestade atravessando o espaço. Eles caminharam em fila, uniformes pretos impecáveis, adornados com um bordado dourado de uma serpente enrolada. A liderança deles era clara, um homem velho, de cujo olhar parecia sanguinário, que exalava autoridade sem dizer uma palavra. Eu sabia quem ele era. E ao seu lado, a outra sensei, uma mulher de mesmos traços asiáticos, cujo cabelo estava preso em um penteado tenso e aparentemente doloroso. Parecia o pilar necessário para manter o equilíbrio e o foco da equipe.
— Esse é o Cobra Kai — Sussurrou Zara ao meu lado, ela sabia a respeito de tudo e todos, principalmente por sua fama nas redes sociais — Dizem que o sensei deles foi treinado diretamente por Silver anos atrás. Parece que o estilo deles é ainda mais brutal.
Eu sabia exatamente quem eles eram. Sabia que Silver guardava mágoas de Kreese, Larusso e Lawrence, e agora, estava crente de que ele ultrapassaria qualquer limite, almejando essa vitória, seja jogando limpo ou não. A rixa entre esses dojôs é o que trouxe à tona o Iron Dragons, e foi o que fez Silver aposta todas as suas fichas em mim, para ser sua campeã.
Ainda observando a equipe do Cobra kai, os competidores eram um espetáculo à parte. Suas posturas eram perfeitas, firmes como rochas. Cada movimento deles parecia calculado para intimidar. Havia seis no total, todos parecendo mais soldados do que lutadores. O capitão, que se destacava não apenas pelos cabelos desalinhados, mas um maldito sorriso sádico no rosto, carregava uma aura de perigo iminente. Seus olhos varreram o salão, observando todos os adversários com um misto de desdém e autoconfiança.
Quando seu olhar pousou sobre mim, retribui-o na mesma intensidade. Ele não sorriu, nem franziu o cenho. Apenas me analisou, como se já tivesse decidido que eu não era uma ameaça. Era como ser encarada por alguém que já comemorava a vitória antes mesmo de a luta começar, e isso era irritante. Sua equipe inteira parecia compartilhar desse sentimento. Cada um deles olhou para mim com a mesma expressão de quem assiste a uma presa presa em uma armadilha, apenas mais um motivo para eu acabar com cada um deles.
E antes que eu pudesse me recompor, a atenção do salão mudou novamente. Outra entrada se abriu, e o contraste era gritante. O time do Miyagi-Do chegou de forma silenciosa, mas sua presença era igualmente marcante. Diferente do Cobra Kai, eles caminhavam de maneira tranquila, sem pressa, com uma confiança discreta.
Os uniformes eram brancos e limpos, com o símbolo de um bonsai bordado no lado esquerdo do peito. À frente do grupo, um competidor aparentemente latino, de cabelos desalinhados e cachos definidos, liderava. Ele era jovem, mas carregava nos olhos algo antigo, quase como sabedoria e desafio ao mesmo tempo. Seu cabelo rebelde balançava levemente enquanto ele caminhava, e seu sorriso — um sorriso quase imperceptível, cheio de ironia — parecia carregar a mensagem de que ele tinha disposição para alcançar a vitória.
Ao lado dele estavam outros lutadores que, embora menos imponentes, exalavam equilíbrio e técnica. Havia uma garota de cabelos curtos ondulados presos em um rabo de cavalo, cujos movimentos enquanto aquecia eram precisos como uma dança. Um rapaz mais robusto, com traços sérios, parecia ser a força bruta do grupo. E, ao final da formação, um garoto franzino, mas ágil, demonstrava que o tamanho não tinha nada a ver com habilidade, e eu me lembrei dele.
Kenny. Ele era apenas um garotinho quando Silver tomou posse de sua personalidade e o fez uma arma para o Cobra Kai. Eu não era próxima o suficiente de qualquer lutador daquele dojô para me lembrar, mas Kenny, eu sentia como se devesse o proteger, por ser tão jovem e manipulável, e nos aproximamos, até Silver nos afastar de novo com sua prisão. Ao menos eu estava feliz por vê-lo fazer uma escolha coerente, que talvez não o traga a vitória, mas traga um caminho mais seguro para sua vida. Nossos olhares se encontram e eu consigo sentir o ar denso, ele parecia um pouco em choque, provavelmente porque eu desapareci do mapa por um bom tempo, então eu abri um pequeno sorriso, em sinal de que não havia esquecido meu pequeno irmão, mas antes que ele pudesse retribuir com qualquer outro sinal, eu voltei meus olhos para o resto da equipe.
Um dos líderes do Miyagi-Do, Daniel, me encarou de uma maneira completamente diferente de Kreese. Não era desdém, e sim, uma eminente preocupação. Ele me conhecia, provavelmente, já que eu era da mesma escolha que sua filha e seus alunos, mas acho que o fato de eu não estar no Cobra Kai o trazia mais alívio, só que ele tampouco espera que entrei em algo bem pior do que isso.
— Parece que você já tem fãs, Cali. — Axel murmurou seriamente, cruzando os braços enquanto observava o Cobra Kai, como se estivesse incomodado com seus olhares. — Não deixa eles entrarem na sua cabeça.
Eu jamais permitiria que os fantasmas de Silver se tornassem os meus também. A única coisa a qual eu almejo, é aquele troféu, e consequentemente, a prova de que posso fazer por força própria, e não porque Silver se infiltrou em minha mente e me fez uma sociopata, assim como ele é.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖ ࣪
Nos bastidores, Silver estava estrategicamente fora de vista. Ele não queria dar as caras ao público ainda, preferindo observar tudo de longe, com aquele sorriso calculista e cruel que eu conhecia tão bem. Ele queria atacar seus antigos adversários aos poucos, usando seu dinheiro para jogar com eles e garantir nossa vitória por debaixo dos panos. Não preciso que ele compre essa vitória, não preciso de um único impasse seu, posso fazer por merecer, e não aceitarei vitória alguma que se atrele ao dinheiro sujo desse maldito velho.
— Vocês vão entrar no tatame e provar o que valem. — Ele disse, as mãos cruzadas nas costas enquanto nos encarava um a um, mas eu sabia que o peso maior de seu olhar se recaía sobre mim. — Deixem que eles subestimem vocês. Isso só vai tornar a vitória mais doce.
Apesar de suas palavras, eu sabia que não havia espaço para erros. No mundo de Terry Silver, a vitória era a única coisa aceitável, e a derrota era uma sentença pior que a morte.
Enquanto nos preparávamos, ouvimos o anúncio das equipes e os gritos da multidão. O som de aplausos e murmúrios ecoava pelos bastidores. Minha mente estava dividida entre o medo e a determinação, mas uma coisa era certa, tanto o Cobra Kai quanto o Miyagi-Do estavam prontos para esmagar qualquer um que ousasse ficar em seu caminho. E eu seria a primeira a provar o gostinho de suas derrotas.
Obra autoral ©
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top