cap. vinte
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Vell se sentou na margem do grande lago de Cair Paravel, seus olhos fixos na linha do horizonte, onde o céu e a água se encontravam em uma união serena. O vento suave balançava as árvores ao redor do castelo, mas, dentro de si, uma tempestade de sentimentos se formava. Ele havia esperado por dias, depois por noites, que se transformaram em semanas e, finalmente, em meses. Cada instante parecia se arrastar, cada amanhecer parecia mais distante do que o anterior. Mas ele não poderia se afastar. Ele não poderia deixar o lugar onde os irmãos Pevensie haviam partido.
Os primeiros dias foram os mais dolorosos. A ausência deles era uma sombra constante, uma marca de saudade profunda que Vell não conseguia dissipar. Ele se lembrava das conversas animadas que compartilhavam ao redor da mesa, das risadas que ecoavam pelos corredores de Cair Paravel, e da promessa que haviam feito: voltar sempre que o destino de Nárnia precisasse deles. Vell acreditava nessas palavras. Ele acreditava que a magia que unia Nárnia aos Pevensie era mais forte do que qualquer tempestade.
Mas os dias foram se estendendo em uma espera interminável. A primeira semana passou com a esperança de que, em algum momento, os quatro irmãos retornariam, como se algum evento grandioso os chamasse de volta. Ele lembrava-se de Aslan, e de como o leão sempre havia feito com que Nárnia fosse um lugar de significado, onde até mesmo a espera tinha um propósito. Mas à medida que as semanas se tornaram meses, o coração de Vell foi se apertando. O peso do silêncio era quase insuportável. Ele podia sentir que algo havia mudado, algo que ele ainda não entendia completamente.
Nos primeiros meses, Vell se manteve ocupado, tentando manter Cair Paravel em ordem. Os súditos do castelo, embora respeitosos e leais, notavam sua inquietação, e alguns começaram a perguntar se os irmãos Pevensie voltariam. Eles sentiam o vazio que os cinco haviam deixado. Vell respondeu a essas perguntas com um sorriso triste, sem nunca perder a esperança de que eles retornariam. Mas, enquanto os dias se passavam, sua fé começou a ser desafiada. Ele sentava-se nas altas torres do castelo, olhando para o vasto mar de Nárnia, e perguntava a si mesmo: Onde estão? Por que ainda não voltaram?
O inverno chegou, cobrindo as terras de Cair Paravel com uma camada de neve suave. A neve parecia esconder todos os vestígios de Nárnia, tornando a espera ainda mais longa, mais silenciosa. Vell passeava pelos jardins congelados, conversava com os velhos amigos de Nárnia — faunos, centauros, e criaturas místicas —, mas ninguém sabia dar resposta à sua pergunta. Havia um vazio em suas palavras, uma falta de certeza que Vell não podia ignorar. Eles diziam que Nárnia era um lugar onde o tempo corria de maneira diferente, mas mesmo isso não confortava Vell. O tempo, aqui, era eterno, mas também um espectro de incerteza.
À medida que os anos passaram, Vell começou a questionar se os irmãos Pevensie realmente voltariam. Ele nunca havia duvidado deles antes. Eles haviam sido os heróis de Nárnia, a esperança da terra que ele tanto amava. Mas e se o destino deles, assim como o de Nárnia, estivesse em outro lugar? Havia algo que o impedia de entender totalmente o que acontecia. A magia de Nárnia, que sempre havia sido clara e palpável, parecia agora distante, como uma lembrança vaga.
Numa noite, quando o céu estava especialmente claro e as estrelas brilhavam intensamente acima de Cair Paravel, Vell se encontrou diante da grande porta do castelo. Ele tocou a madeira fria, o som reverberando através do silêncio. Eles nunca prometeram que voltariam — pensou ele. Talvez o verdadeiro propósito de Nárnia seja nos ensinar a viver sem depender daquilo que amamos.
Ele olhou para a lua, que parecia cheia de sabedoria. Talvez, como a lua, ele também estivesse preso entre dois mundos: o de Nárnia, com todas as suas maravilhas, e o mundo que os Pevensie haviam deixado para trás, o mundo de onde, por algum motivo, não retornaram.
Mas no fundo, Vell sabia que o amor por Nárnia era incondicional. Ele aceitaria a espera, mesmo que ela nunca tivesse fim. A espera se tornava, com o tempo, um ato de devoção, um lembrete de que, mesmo na ausência, Nárnia continuaria a viver no coração daqueles que a chamavam de lar.
Anos se passaram, e os cabelos de Vell ficaram mais brancos, mas ele ainda se sentava nas margens do lago, olhando para o horizonte. Ele esperaria. Porque, assim como o mar, a esperança em seu peito nunca deixaria de retornar, não importa quanto tempo levasse.
Até que, um dia, ele sentiu uma presença. Não era como as outras, que vinham e iam com o vento. Esta era diferente. Era a mesma presença que ele havia sentido quando conheceu os irmãos Pevensie pela primeira vez, aquela sensação de que algo grandioso estava prestes a acontecer. Seus olhos se brilharam com uma chama de esperança renovada. Algo no ar estava mudando.
Ele se levantou, sentindo o coração bater mais rápido, enquanto uma parte de si já sabia: a espera estava prestes a terminar.
[...]
O céu estava pesado e cinza, como se a própria Nárnia estivesse de luto. Os ventos fortes arrancavam as últimas folhas das árvores, deixando Cair Paravel em um estado de desolação silenciosa. Durante três longos anos, a vida no castelo continuara de maneira relativamente pacífica, mas Vell sempre soubera que a tranquilidade que tomava conta das terras de Nárnia não poderia durar para sempre. O mundo, assim como o tempo, era mutável, e em um instante, tudo poderia mudar.
Aquele dia, porém, parecia diferente. As sombras sobre o castelo eram mais densas, como se uma presença desconhecida e ameaçadora estivesse se aproximando. As sentinelas na muralha haviam avistado uma frota de navios a quilômetros de distância, mas ninguém conseguiu prever o desastre que se aproximava. Nárnia, que antes era sinônimo de liberdade e harmonia, agora parecia prestes a se perder para sempre.
Vell estava no salão do trono, seus olhos fixos nas antigas tapestries que adornavam as paredes de Cair Paravel. Ele não era mais o jovem e animado conselheiro que havia recebido os irmãos Pevensie. O peso dos anos e da responsabilidade o haviam transformado, mas a dor de esperar por algo que não vinha, o incômodo de um vazio que nunca seria preenchido, permanecia. Ele sentiu, com um calafrio, que aquele era o fim de uma era.
O som de tambores pesados cortou o ar, seguido pelos gritos apavorados dos guardas. Algo estava acontecendo.
— Vell! — gritou uma voz familiar, interrompendo seus pensamentos. Era Ivor, um dos comandantes das forças de Cair Paravel. Ele entrou apressado, com o rosto pálido. — Os inimigos chegaram! Eles estão invadindo a costa. A batalha já começou!
Vell se levantou rapidamente, sentindo um aperto no peito. Não havia mais tempo. Ele seguiu Ivor até a grande sala de guerra, onde os mapas de Nárnia estavam espalhados sobre a mesa. As linhas que indicavam as rotas de defesa estavam sendo rapidamente desfeitas, e os soldados se preparavam para o confronto inevitável.
— Quem são? — perguntou Vell, sua voz calma, mas carregada de uma tensão quase palpável.
Ivor olhou para ele com olhos sombrios, mas não respondeu. Todos sabiam que, naquele momento, a identidade dos invasores importava pouco. O que importava era a luta pela sobrevivência.
Vell, com o coração acelerado, se dirigiu à sala de armas. Ele vestiu sua armadura, as peças de metal pesadas, como o fardo que agora carregava. Seus pensamentos estavam em Nárnia, em tudo o que eles haviam construído, e na promessa que ele fizera de proteger aquele reino até o fim. Mas, em meio ao caos, uma sensação crescente de impotência tomava conta dele. O castelo não era mais a fortaleza que um dia fora. Os irmãos Pevensie, que haviam defendido Nárnia com coragem e força, haviam partido, e agora, sem seu retorno, Cair Paravel estava vulnerável.
A batalha foi brutal. O som das espadas se chocando, o grito das criaturas e o rugir dos inimigos invadiam o castelo. As muralhas foram quebradas e as forças de defesa, embora corajosas, eram insuficientes para deter o ataque. Vell lutou ao lado de seus soldados, sua espada cortando o ar, mas o peso da luta era imenso. Eles estavam sendo derrotados, a grande cidade de Cair Paravel sendo reduzida a escombros.
No auge do combate, Vell viu uma figura familiar no campo de batalha. Ele não conseguia acreditar em seus olhos, mas o homem diante dele era inconfundível: um antigo inimigo, um traidor de Nárnia, que havia sido expulso muitos anos atrás. Agora, ele estava de volta, liderando os invasores com uma fúria implacável.
Vell avançou em sua direção, sem pensar. O confronto entre os dois foi intenso. Mas, apesar da habilidade de Vell, ele foi subjugado. Com um golpe certeiro, o traidor derrubou Vell, que caiu no chão, a dor intensa queimando seu corpo. Ele tentou se levantar, mas não conseguiu.
A última coisa que viu antes de desmaiar foi a bandeira de Cair Paravel sendo derrubada, uma bandeira que sempre representou a esperança de Nárnia, agora pisoteada pela força dos inimigos.
Quando acordou, Vell estava amarrado, em um local desconhecido. Ele não sabia quanto tempo havia se passado desde a batalha, mas a sensação de desolação ainda o envolvia. O que restara de Cair Paravel estava perdido, e a derrota era clara.
Ele olhou ao redor e percebeu que estava em um navio, o balanço da embarcação indicando que estavam longe da costa de Nárnia. O céu estava nublado e a água, fria e infinita, refletia o estado de sua alma.
Os invasores, que haviam tomado o castelo, agora o levavam para o exílio. Vell estava em cativeiro, longe de sua terra natal, sem saber o que o futuro lhe reservava. Tudo o que ele sabia era que Cair Paravel estava em ruínas e que o destino de Nárnia estava, por agora, em mãos desconhecidas.
— Você é o último remanescente de uma era perdida — disse uma voz atrás dele. Era o líder dos invasores, o homem que Vell conhecia. Ele se aproximou e olhou com desdém para o ex-conselheiro. — Cair Paravel caiu, e com ela, qualquer esperança de resistência. Agora, Nárnia será minha. E você... você vai viver para ver isso acontecer.
Vell olhou para o horizonte, o oceano escuro se estendendo até onde seus olhos podiam alcançar. Ele não sabia o que o futuro traria, mas uma coisa ele sabia com clareza: enquanto ele respirasse, enquanto houvesse vida em seu peito, a luta por Nárnia nunca terminaria. A resistência não se apagaria, mesmo que estivesse exilado, distante das terras que um dia chamou de lar.
E assim, com o peso do exílio e da derrota no coração, Vell jurou que um dia retornaria. Não importava quanto tempo passasse. Nárnia sempre seria dele, e ele de Nárnia.
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