cap. quinze

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O salão estava envolto em um silêncio etéreo, apenas o som dos estalos da lareira preenchia o espaço. A luz das chamas dançava pelas paredes de pedra, projetando sombras sinuosas sobre as tapeçarias que narravam batalhas antigas e glórias esquecidas. No centro da sala, dois homens estavam sentados frente a frente, separados apenas pelo tabuleiro de xadrez. De um lado, o rei Edmundo, conhecido por sua mente tática e calma inabalável; do outro, Vell, estrategista militar, cuja ambição e criatividade eram tão afiadas quanto qualquer espada.

As três partidas anteriores tinham sido vitórias fáceis para Edmundo. Ele movia as peças com a confiança de quem enxergava o tabuleiro inteiro como uma extensão de sua própria mente. Vell, por outro lado, estreitava os olhos a cada derrota, buscando nas entrelinhas dos movimentos do rei a chave para virar o jogo.

Agora, na quarta partida, o clima era diferente. Havia algo no olhar de Vell — uma fagulha de resolução, de desafio — que não estava presente antes. Ele ajustou a postura, inclinando-se levemente para frente, enquanto Edmundo mantinha-se relaxado, com um leve sorriso brincando nos lábios.

— Parece que está determinado desta vez, Vell — comentou Edmundo, movendo um cavalo para ameaçar um peão desprotegido.

— Cada derrota é uma lição, Majestade — respondeu Vell, sem desviar os olhos do tabuleiro. Ele moveu sua rainha, ameaçando um bispo inimigo. — E eu aprendo rápido.

Edmundo arqueou uma sobrancelha, surpreso com a audácia da jogada. Não era comum que seus adversários tomassem iniciativas tão arriscadas, mas ele sabia que subestimar Vell seria um erro.

A partida prosseguiu, cada movimento sendo ponderado com o peso de uma decisão de guerra. O salão parecia prender a respiração a cada jogada, e os serviçais que antes se movimentavam em silêncio agora permaneciam parados, fascinados pelo duelo mental.

— Interessante... — murmurou Edmundo, ao perceber que sua torre estava ameaçada por um cavalo que ele não havia previsto. Ele moveu sua rainha para proteger a peça, mas isso abriu uma brecha em sua defesa.

Vell aproveitou a oportunidade imediatamente, movendo um bispo para uma posição que ameaçava diretamente o rei de Edmundo. O monarca franziu o cenho, inclinando-se levemente para analisar a situação. Pela primeira vez naquela noite, ele sentiu um toque de incerteza.

— Parece que subestimei você, Vell — admitiu Edmundo, movendo seu rei para fora de perigo.

— Apenas devolvendo o favor, Majestade — respondeu Vell, com um sorriso contido.

A dinâmica da partida havia mudado. Edmundo estava na defensiva, enquanto Vell controlava o ritmo do jogo. O estrategista movia suas peças com precisão cirúrgica, explorando cada falha na defesa de Edmundo como um general invadindo território inimigo. Cada peça perdida do rei parecia alimentar a confiança de Vell, enquanto Edmundo mantinha-se impassível, analisando cada movimento com olhar crítico.

— Mate em três movimentos — anunciou Vell, sua voz carregada de satisfação.

Edmundo ergueu os olhos para encontrar o olhar de seu oponente. Ele podia ver a certeza nos olhos de Vell, mas também algo mais: respeito. O rei permitiu-se um leve sorriso antes de inclinar a cabeça em um gesto de aceitação.

— Então, finalize — disse Edmundo, recostando-se em sua cadeira.

Vell moveu sua rainha para a posição final, encerrando a partida com um xeque-mate impecável. Um suspiro coletivo percorreu o salão, como se os serviçais e guardas finalmente tivessem permitido que o ar retornasse aos pulmões.

— Uma partida brilhante — admitiu Edmundo, levantando-se e estendendo a mão para Vell.

— Tive um excelente professor — respondeu Vell, apertando a mão do rei com firmeza.

Enquanto os serviçais começavam a limpar o salão, Edmundo olhou para Vell com um brilho nos olhos.

— Parece que esta não será nossa última partida, meu amigo.

— Não, Majestade. Ainda temos muito a aprender um com o outro.

O rei sorriu, satisfeito. O desafio não estava apenas no jogo, mas na troca de ideias, na compreensão das mentes que moldavam o reino. E naquela noite, enquanto as chamas da lareira continuavam a dançar, tanto Edmundo quanto Vell sabiam que estavam forjando algo muito maior do que simples vitórias no tabuleiro.

[...]

O sol poente banhava o quarto de Susana com tons dourados, criando um ambiente aconchegante e sereno. No centro, uma grande mesa de madeira estava coberta com tecidos coloridos, linhas e agulhas cuidadosamente organizadas. Vell estava sentado, um tanto desconfortável, com uma agulha entre os dedos e uma expressão de concentração profunda no rosto.

— Não estique muito a linha, senão o tecido vai enrugar — disse Susana, sentada ao lado dele. Sua voz era paciente, quase musical, enquanto guiava o aluno inesperado em sua primeira aula de bordado.

— Parece mais difícil do que planejar uma estratégia de batalha — murmurou Vell, franzindo a testa enquanto tentava passar a linha pela agulha. — Como você consegue fazer isso com tanta facilidade?

Susana sorriu, pegando uma outra agulha e demonstrando o movimento com graça.

— Como em qualquer habilidade, a prática é essencial. E um pouco de paciência ajuda muito. Às vezes, bordar é como resolver um enigma: requer calma e precisão.

Vell soltou um suspiro, mas não desistiu. Ele tentou novamente, desta vez seguindo os movimentos de Susana com mais atenção. Depois de algumas tentativas frustradas, conseguiu finalmente passar a linha pela agulha. Um sorriso de satisfação iluminou seu rosto.

— Consegui! Agora, o que eu faço?

— Agora, começamos o bordado. Pegue o tecido — ela indicou um pedaço de linho claro — e faça pequenos pontos assim — disse ela, demonstrando com um movimento suave e firme. Cada ponto parecia formar uma pequena parte de uma flor.

Vell tentou imitá-la, mas seus pontos saíram desajeitados e irregulares. Ele olhou para o trabalho de Susana e depois para o seu, soltando uma risada nervosa.

— Não é exatamente uma obra de arte.

— Não no início — respondeu Susana com um sorriso encorajador. — Mas veja, você já conseguiu alinhar os pontos. Isso já é um progresso. O importante é continuar praticando.

Enquanto trabalhavam, Susana contava histórias sobre como aprendeu a bordar quando era mais jovem, ensinada por sua mãe e avó. Ela falava sobre como cada ponto podia carregar um significado, desde simples decorações até mensagens escondidas em lenços e roupas. Vell ouvia com interesse crescente, impressionado pela profundidade do que antes parecia ser apenas um passatempo.

— Então, bordar também pode ser uma forma de comunicação? — perguntou ele, enquanto tentava melhorar seus pontos.

— Exatamente. Cada linha conta uma história, mesmo que não pareça à primeira vista. E agora, você está criando sua própria história aqui — disse Susana, apontando para o trabalho de Vell.

Ele olhou para seu bordado com novos olhos, vendo mais do que apenas pontos imperfeitos. Havia um certo charme em sua simplicidade, uma representação tangível de sua tentativa de aprender algo completamente fora de sua área de experiência.

— Talvez eu deva usar isso como minha nova arma secreta — brincou ele. — Imagine, um estrategista militar que também sabe bordar.

Susana riu, um som leve que parecia iluminar ainda mais o quarto.

— Quem sabe? A criatividade que você usa no tabuleiro de xadrez pode ser muito bem aplicada aqui.

A tarde passou rapidamente, e quando o sol finalmente se escondeu no horizonte, Vell havia completado seu primeiro bordado: uma símbolo simples, mas significativo, que representava a aliança entre ele e Susana naquele momento de aprendizado. Ele olhou para o trabalho com orgulho misturado à diversão.

— Obrigado por me ensinar, Susana. Acho que aprendi mais do que apenas bordado hoje.

Ela sorriu, guardando os materiais e colocando o tecido bordado de Vell em um lugar de destaque na mesa.

— Foi um prazer, Vell. E lembre-se, a paciência e a atenção aos detalhes são virtudes que você pode levar para qualquer área da vida.

Ele assentiu, sentindo-se estranhamente revigorado. E enquanto deixava o quarto de Susana, uma nova determinação brilhava em seus olhos — tanto no tabuleiro quanto fora dele, ele sabia que sempre haveria algo novo a aprender.

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