Prólogo
DAEMION
No que Rhaegar estava pensando? A segurança de Elia deveria sempre vir em primeiro lugar. Já não bastava ela ter deixado sua casa, seus costumes e até mesmo partes de sua própria essência por ele. O que mais Rhaegar Targaryen desejava tirar de Elia Martell?
Essas perguntas sempre rondavam a mente de Daemion, trazendo um amargo incômodo que ele já conhecia bem. Elia sacrificara tanto para se tornar a esposa perfeita para seu irmão, mas ele parecia cego a esses sacrifícios. Por que não valorizava o que tinha? A raiva fervia em seu peito. Rhaegar era tão estúpido, tão insensível, que às vezes Daemion desejava poder dar-lhe uma surra e fazê-lo enxergar a verdade.
Sentado em seu aposento, a luz suave das velas iluminava o livro que repousava sobre seu colo, mas ele não conseguia se concentrar. A quietude da noite apenas intensificava o tumulto de seus pensamentos. Foi então que batidas suaves à porta o arrancaram daquele turbilhão interno.
— Entre. — respondeu, endireitando-se e fechando o livro em um gesto contido, tentando parecer tranquilo.
A porta se abriu devagar, revelando Daella, sua irmã gêmea, com uma expressão curiosa, mas ligeiramente preocupada.
— Não irá jantar? — perguntou ela, inclinando levemente a cabeça enquanto a luz do corredor projetava sua sombra delicada no chão do aposento.
— Estou sem fome, mas não pularei a refeição. Não quero dar esse gosto a ele. — respondeu Daemion com a voz carregada de amargura. A afiada resposta não era direcionada a Daella, mas ao peso do descontentamento que sentia por Rhaegar.
Daella fechou a porta atrás de si com um movimento suave, o som discreto abafado pelo ambiente acolhedor do quarto. Caminhou com passos medidos até a cama e sentou-se na borda, próxima o suficiente para sentir a tensão que emanava dele.
— Não deveria deixar que as atitudes de Rhaegar te afetem tanto. Eu entendo que esteja com raiva, eu também estou, mas não devemos dar razão a ele. — disse ela, sua voz calma contrastando com a turbulência que ambos sentiam. Deslizou a mão delicadamente pelo braço de Daemion, em um gesto de conforto, tentando aliviar a dor que sabia que ele carregava.
— Você está certa, Day, mas nem sempre consigo evitar. — admitiu ele, sua voz agora mais contida, mas ainda marcada pela frustração.
— Eu sei, irmão. — respondeu Daella com ternura, inclinando-se para repousar a cabeça na curvatura do pescoço dele, um gesto íntimo que dizia mais do que palavras. Era sua forma de dizer que estava ali, que entendia, e que enfrentariam tudo juntos, como sempre haviam feito.
O silêncio que se seguiu não era desconfortável, mas cheio de compreensão mútua. A chama da vela tremeluzia, projetando sombras suaves nas paredes, enquanto os dois compartilhavam aquele momento de cumplicidade em meio ao caos que parecia dominar suas vidas.
Daemion e Daella nasceram em uma noite chuvosa, marcada pelo breu que envolvia os céus e pelo som constante das gotas que caíam, encharcando a terra e transformando tudo em um mar de barro molhado e escorregadio. Daemion veio ao mundo primeiro, depois de incontáveis horas de trabalho de parto, preenchendo o quarto com um choro agudo que parecia ecoar pelas paredes. Momentos depois, foi a vez de Daella. Diferente do irmão, ela era calma como as águas de um lago em uma manhã tranquila. Foi necessário um leve tapa para que a pequena chorasse, e mesmo assim, o som que escapou de seus lábios era suave, quase contido, em contraste com o irmão mais velho.
Desde pequenos, havia uma conexão única entre os dois. Vestiam-se de forma combinada, sempre usando as mesmas cores, como se quisessem mostrar ao mundo que eram inseparáveis. Esse hábito os acompanhou até a vida adulta, refletindo o laço inquebrável que compartilhavam. Daemion e Daella eram como duas metades de um mesmo coração, sempre prontos para apoiar um ao outro, mesmo nas circunstâncias mais adversas.
Rhaegar, por outro lado, sempre teve o destaque. O primogênito, o herdeiro, cercado por atenções e expectativas, tornou-se mimado com o passar dos anos. E quando soube da profecia que lhe dizia respeito, sua arrogância apenas cresceu.
Daemion ainda lembrava vividamente do gosto ferroso em sua boca quando Rhaegar, em um acesso de raiva, o golpeou por ousar questionar a importância daquela profecia. Ele também nunca esqueceu a forma como Daella correu ao seu auxílio. Mesmo sendo apenas uma menina de dez anos, ela não hesitou. Pegou uma espada de madeira caída no chão e acertou Rhaegar no braço. O herdeiro ficou três dias e três noites com o braço machucado, e Daella, embora castigada severamente, não mostrou arrependimento.
Ela sempre esteve ao lado de Daemion. Desde o nascimento, eram um só. Onde um estava, o outro também estava, unidos em uma parceria inabalável.
— Daemion, temos que ir. — A voz suave de Daella trouxe-o de volta à realidade. Ela se levantou calmamente, ajeitando a postura com a mesma elegância que sempre lhe acompanhava.
— Tudo bem. — respondeu ele, fechando o livro que repousava sobre seu colo e devolvendo-o à pequena estante de madeira no canto do quarto.
Os dois deixaram o aposento lado a lado, caminhando com passos tranquilos pelos corredores de pedra da fortaleza. O som de suas botas ecoava suavemente, misturando-se com o murmúrio distante das vozes no salão. Quando chegaram, os servos já estavam ocupados servindo o jantar, a mesa sendo posta com cuidado, enquanto a luz das tochas iluminava o ambiente com uma atmosfera cálida e dourada.
Sempre juntos. Sentaram-se juntos, como de costume, lado a lado, como se o simples ato de estarem próximos fosse suficiente para enfrentar qualquer tensão. A mesa estava parcialmente ocupada: Aerys e Rhaella não apareceram, mas Rhaegar e Elia estavam presentes. Os pequenos Rhaenys e Aegon já haviam sido alimentados e dormiam em seus aposentos, poupados da atmosfera carregada que dominava o salão.
Os ânimos à mesa eram visivelmente tensos. Daemion mal conseguia disfarçar a raiva que ainda fervia dentro dele, e Daella compartilhava o mesmo sentimento. Ambos sabiam que a fonte daquela tensão era mais do que apenas as atitudes de Rhaegar. Daella, afinal, fora um dos motivos para o desentendimento entre os dois irmãos.
Rhaegar, sentado do outro lado da mesa, carregava em seu olhar um ressentimento silencioso. Ainda sentia-se roubado pelo irmão mais novo. Daella deveria ter sido sua esposa, a via mais sólida de realizar a profecia e, aos olhos dele, a escolha mais adequada. No entanto, ela se casara com Daemion, o gêmeo que sempre esteve ao lado dela, enquanto Rhaegar se viu forçado a buscar outra união.
Elia Martell, a mulher que Rhaegar escolhera por necessidade, estava ao lado dele, a postura graciosa mascarando o desconforto que sentia. Apesar do respeito que Rhaegar demonstrava em público, ela sabia que ele não a amava. Era um fardo que aprendera a carregar, mas as cicatrizes estavam lá, invisíveis, porém profundas. A incapacidade de ter uma terceira criança apenas intensificava o distanciamento entre eles, alimentando as palavras duras que Rhaegar reservava para momentos de solidão.
Daemion observava tudo em silêncio, a mandíbula tensa, os dedos tamborilando levemente na borda da mesa. Ele sabia que Rhaegar não via Elia como deveria, que a tratava como uma sombra ao invés de como a luz que ela era. E saber que o ressentimento de Rhaegar por ele vinha, em parte, por causa de Daella, só tornava tudo mais difícil.
Daella, por sua vez, mantinha a postura serena, mas seus olhos traíam a irritação. Era como se ela pudesse sentir o peso do olhar de Rhaegar sobre ela, o julgamento, a amargura. Mas não se permitia recuar. Ela fizera sua escolha e não se arrependia. Daemion era sua outra metade, o homem que sempre esteve ao seu lado, e nada mudaria isso.
O jantar transcorria em um silêncio tenso, os talheres tilintando contra os pratos, preenchendo o vazio deixado pelas palavras não ditas. As chamas das tochas dançavam nas paredes de pedra, mas o ambiente estava longe de acolhedor. Era um campo de batalha silencioso, onde olhares substituíam espadas, e o ressentimento pairava como uma névoa densa.
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