𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 5

CAPÍTULO 5

Eu precisava avisar Reginald que eu estaria na reunião dele e de seus filhos do futuro.

Ou então ele acabaria com o nosso disfarce questionando minha presença no jantar.

Eu esperei todos dormirem para sair. Peguei um táxi e voltei para casa, planejando ser rápida antes que eles acordassem. Na mansão do senhor Reginald Hargreeves, eu escrevi uma carta e deixei na mesa de seu escritório. Além de passar o recado para o seu chefe de segurança.

Consegui deixar todas as pistas possíveis para ele não estragar o nosso plano. Um lado anti-profissional de mim se sente mal pela sensação de estar traindo os irmãos Hargreeves, passando respostas facilmente para o pai deles quando o contato que eles querem parece distante e inacessível.

Acho que eu não tive os devidos treinamentos emocionais.

Os primeiros raios de luz do dia já aparecem. Quando eu volto para a casa de Elliott, piso na ponta dos pés, evitando qualquer barulho. Fecho a porta que dá acesso ao beco devagar, e ela quase não emite som. Eu subo as escadas com cuidado, deixando a madeira não ranger por muito tempo embaixo dos meus pés.

Assim que eu termino o lance de degraus, fazendo a curva para subir mais, vejo um par de sapatos sociais na minha frente. Eu sigo os meus olhos para encontrar o corpo do indivíduo, na mesma hora que ele agarra o meu braço.

— Onde você estava? — Cinco pergunta, a voz baixa como se também não quisesse incomodar quem está dormindo, mas ainda assim demonstrando toda sua irritabilidade. Seus passos obrigam os meus a ir contra a parede, e a ponta de seus dedos geram marcas fortes em meu braço.

— Que susto! Merda! — Eu reclamo. Sinto as palpitações do meu coração mais fortes, um frio na barriga pelo espanto me deixando tonta. Acho que preciso desse tempo para inventar outra desculpa.

— Você não me respondeu.

— Eu fui tomar café, tá bom? Eu não preciso ficar comendo os pães solados do Elliott.

— Você tá mentindo na minha cara? — Ele cerra os olhos, me apertando ainda mais.

— O que você quer, hein?

— Se você quer continuar sumindo no meio da noite, então nem precisa continuar aqui. Pode ir embora. — Cinco solta o meu braço de uma vez. Ele não pode estar falando sério. Lá no fundo, não é isso o que ele quer.

Dessa vez, sou eu que me aproximo dele, encarando os seus olhos.

— Quer mesmo que eu vá embora?

Ele toma fôlego para responder, mas se interrompe. Ele lembra do que tem a perder, lembra do porquê ainda estou na equipe, e que sem meus poderes, salvar o mundo será uma tarefa ainda mais complicada.

— Foi o que eu pensei.

Lillian.

— Você não tem muito tempo, Cinco. Se quiser perder esse tempo vigiando até a padaria que eu vou, sua missão vai ser um fracasso.

— Eu posso muito bem fazer as duas coisas.

— Boa sorte.

Eu passo por ele, esbarrando os nossos ombros, não propositalmente. Abro a porta com acesso a casa de Elliott e sinto que posso respirar melhor aqui dentro, exceto quando estou perto dos sapatos dos meninos. Cinco é tão hostil que sua presença é carregada, e respirar perto dele parece uma tarefa que demanda muito esforço.

°•°•°•°•°•°• ◆ •°•°•°•°•°•°

Depois que todos os irmãos Hargreeves acordaram, fizeram uma pequena reunião sobre como abordarão Reginald.

Eu não saí da sala de Elliott, porque sei que Cinco estaria atrás de mim para onde eu fosse, então me deitei no sofá e fui inútil até o horário do jantar. Cinco me avisou que não queria chegar atrasado, e que era melhor eu me arrumar logo. Deixou claro que eu iria de qualquer jeito, apenas para não estar longe do seu campo de visão.

Coloco o meu vestido mid e brincos, nada mais do que isso porque eu tenho certeza que não participarei desse jantar. Quando estou prendendo meu cabelo num coque, percebo a chegada de um homem pelo reflexo do espelho. Diego não disfarça — ou não quis — a forma como olha para o meu vestido.

Ele se aproxima devagar, com uma das mãos no bolso, e parece não saber dizer o que quer dizer a mim. Então eu quebro o gelo.

— As mulheres do futuro usam vestidos mais curtos, não é?

— É.

— Eu sei.

— Você devia tentar.

— Tenho reputação. — Prendo o meu coque com um elástico de cabelo. — E se quiser ver minhas pernas, vai ter que fazer mais do que só pedir para me vestir como uma prostituta.

— Calma aí, eu não quis te ofender.

— Diego… — Eu respiro fundo, porque pensar sobre o dia que estou prestes a mencionar me causa dores de cabeça e constrangimento. — Me desculpa por aquele dia. Você sabe que eu só precisava de um disfarce, e não foi certo da minha parte te beijar de repente.

— Tudo bem. Eu não reclamei.

— Não quero que crie expectativas.

— Eu não sou assim. Mas saiba que estou aberto a uma segun…

— Do quê vocês estão falando? — Cinco entra no quarto, desconfiado. Ele levanta o colchão de Elliott e tira de lá a minha arma, colocando-a em sua cintura.

— Estou querendo dizer a Lillian o quanto ela é atraente — seu irmão responde, sem fazer ideia de que não é o único desse quarto que já sentiu minha boca.

— Ah… Desistiu da Lila?

— Ela sumiu.

É tão engraçado como Diego faz questão de não esconder que sou sua segunda opção. Me sinto aliviada de não me interessar por ele.

— Então tome cuidado com Lillian. Eu acho que ela é uma grande mentirosa — Cinco alerta o irmão.

— É, eu sou muito perigosa — Concordo com ele, irônica.

— Sério?

— Aham. Nível Jake Ruby.

Diego cerra os olhos, os lábios se abrindo aos poucos, entendendo todo o sarcasmo da conversa.

— É inofensiva, entendi. Estou indo, espero vocês no carro.

Assim que Diego sai pela porta, Cinco vem na minha direção, ficando próximo o suficiente para nossas pernas se cruzarem.

— Você não vai ficar com ele. — Diz, firme como uma ordem da qual eu desprezo.

— Ele tem IST's?

— Ele é meu irmão.

— E tá solteiro.

— Lillian, você não pode facilitar as coisas, pelo menos uma vez?!

— Facilitar pra você? — Franzo as sobrancelhas. — Pra você fazer o que bem entende? Fala sério, eu nem sei se o que temos tem algum nome.

Ele fica em silêncio. Respira fundo e então diz:

— Eu não estou brincando com você, tá bom? Me desculpa se foi isso que pareceu, eu só estava confuso. Mas, porra, eu não quero te dividir com o meu irmão.

Entendo a frustração dele e acho totalmente válida, assim como acho que também foi merecida.

— Que tal parar de agir como se estivesse brincando?

Ele me encara, pensativo, e abaixa a cabeça em concordância.

— Tá bom. Eu vou tentar. — Desesperado para tomar posse, uma vez que descobre que há concorrência, Cinco encosta seus lábios nos meus.

Tão rápido que parecia querer que acabasse logo. Um selinho. É com isso que ele quer provar que vai tentar ser um ser humano normal. E não sei porquê, não me convence.

Nós vamos para o carro, junto com Luther, e Cinco dirige para o local indicado nas cartas.

°•°•°•°•°•°• ◆ •°•°•°•°•°•°

Adentramos o prédio com poucos minutos de atraso. É o lugar onde Reginald costuma marcar seus jantares com parceiros, e sei disso porque tive que prever diversas reuniões como essa. É interessante estar aqui presencialmente.

Cinco aperta o botão para chamar o elevador, esperando as portas se abrirem. Eu me sento em um dos sofás do saguão, descansando meus músculos e desejando que o mesmo aconteça com meu cérebro. Eu definitivamente não estou a fim de participar dessa reunião.

As portas do elevador se abrem, e os Hargreeves entram. Assisto cada um de seus irmãos entrarem, atrasados por segundos.

Lillian.

Cinco sai do elevador para puxar meu braço, me levando à força. Não sei como ele consegue dormir em paz se desconfia da sua própria sombra. Eu, num movimento brusco, me solto dele, terrivelmente presa nesse elevador com muitos Hargreeves.

Quando chegamos no andar correto, encontramos uma mesa já reservada. E, surpreendentemente, Reginald esperando por nós, adiantado. Ao lado dele, está Dr. Miller. Não deixo de esconder minha surpresa ao vê-lo vestir outra coisa a não ser seu jaleco, com seu sobrenome bordado no qual traria ainda mais desconfiança de Cinco, arruinando meu disfarce.

— Meu tempo é valioso, sugiro que sejam rápidos — Reginald ajeita seu monóculo.

Os irmãos do futuro tomam seus lugares. Com todos à mesa, não há cadeira restante para mim, visto que eu sequer recebi um convite para esse jantar. Diego faz menção em se levantar para me dar lugar, mas eu recuso, me virando de costas e me afastando da mesa.

É o momento deles.

Os conheço há poucos dias, mas eles se conhecem a vida toda. Conhecem o velho a vida toda. Pode ser que não seja o mesmo Reginald no futuro, mas esses são seus filhos.

Vou para a sacada observar a cidade, trocando a atenção que meus ouvidos dão a conversa atrás de mim e a movimentação nas ruas de Dallas. Quando vejo a discussão esquentar, me apoio no parapeito e assisto Viktor explodir o jantar na cara de todo mundo; Allison fazer seu irmão dar um soco em sua própria cara; Diego se descontrolar e desabafar suas frustrações para Reginald e, por fim, Klaus, que parecia estar tendo uma convulsão.

Ao fim de tudo, o problema não foi resolvido.

Cada irmão vai embora, decepcionados que Reginald é o mesmo do futuro, e que não pôde os ajudar. Só restou Cinco, que foi chamado para conversar em particular com Reginald. Acredito que é agora que minha visão se concretiza.

Dou um sorriso, à mim mesma, pois é um sinal que minhas habilidades continuam intactas, mesmo que muito árduas quando usadas com Cinco. Segurando uma garrafa de cerveja sem álcool, Charles se aproxima, apoiando seus braços sobre o parapeito.

— Como vai, Lily? Sentindo saudade do laboratório?

— É estranho se eu disser que nem um pouco?

Ele solta uma risada rouca, que me contagia.

— E seus poderes? Não está tendo problemas com eles? Sabe que, se tiver, precisa me dizer. Eu que mantenho o relatório para o Sr. Hargreeves e preciso estar informado de tudo.

Eu dou de ombros, torcendo os lábios sem preocupação.

— Estão normais. Nem está me dando tanta enxaqueca — Digo, e então percebo que não é toda a verdade. — Se bem que…

— Eu sabia. Diga, querida.

— Eu tenho muita dificuldade em prever as ações daquele cara ali — Eu aponto com os olhos para trás de mim, onde Reginald está conversando com Cinco. — É tão difícil achar ele, e quando consigo, fica muito embaçado.

— É ele quem tem habilidade de se teletransportar, não é?

— Sim, senhor.

— Isso é uma barreira significante. Ele tem mais poder de locomoção que… bem, o restante do mundo. Pode ser natural essa dificuldade, vou estudar mais sobre.

— Eu pensei a mesma coisa. Mas, Charles, eu não consigo ver absolutamente nada dele quando está perto de mim. Nem dias, nem segundos. É como se eu sequer tivesse poderes!

O Dr. Miller vira-se para mim, deixando apenas um braço se apoiar no parapeito. Seu silêncio e seu olhar me fazem temer pelo o que sua mente de cientista concluiu com meu relato.

— Lillian.

— Estou perdendo os poderes, não é? É a falta de treinamento. Vou precisar levar choques outra vez?

— Lillian, escuta. A parte do seu cérebro que precisamos estimular no laboratório, para ter aquelas imagens na televisão e avançar suas habilidades, fica muito perto do seu sistema límbico, abaixo do seu córtex cerebral.

— Aham… — Se isso apareceu em alguma aula de anatomia, eu não me lembro.

— E, bem, essa parte é responsável por criar memórias, controlar comportamentos, processar emoções, dentre outras coisas. O que estou vendo, no seu caso, é que a área do seu cérebro que possui as habilidades pode estar sendo deixada em segundo plano. Agora me diga a verdade: você gosta dele?

A pergunta me atinge como um soco, mesmo que eu não saiba o motivo. Dr. Miller deve saber mais do que eu o porquê mencionar que gosto de Cinco me faz ter uma reação aversiva.

— Nós… ficamos. Uma vez.

— Você gosta dele. — Charles não pergunta, afirma.

— Não, ele é insuportável! Mas também é muito bonito. Eu não gosto dele.

— Lily, querida, você ainda não. Mas seu cérebro está gostando. E disso não tem como negar.

— Ele é tão desconfiado e perigoso que penso que é capaz de me matar se eu errar uma previsão. É possível gostar de alguém em tão pouco tempo e com essas condições?

— É claro que é. Se quiser, use as expressões populares. Troque sistema límbico por coração. Seu coração está sentindo, mas seu cérebro não.

— Ah, caramba…

— Lily está apaixonada! — Charles cantarola, como um sussurro alto para não ouvirem. Eu posso sentir que meus ombros se reprimiram de constrangimento e decepção comigo mesmo.

— Eu nem devia. Se eles conseguirem mesmo salvar o mundo, vão embora daqui. Não de Dallas, mas de 1963.

— Quem sabe seu namorado não te leva junto — Charles me dá uma cotovelada de brincadeira, saltando suas sobrancelhas e dando um gole em sua bebida.

— Não é meu namorado. E aquele homem só me leva para todo canto porque não confia em mim. No momento que não precisar mais da minha ajuda, nem meu nome vai lembrar.

— Não seja tão pessimista, querida. Você pode muito bem ser inesquecível para ele, só tem que querer. — Charles apoia sua mão em meu ombro, me entregando seu olhar e seu tom de voz conselheiro, do qual não preciso de superpoderes para identificar. — Quer uma dica? O melhor que você faz para o seu cérebro é assumir este sentimento. Não confunda sua máquina.

— Assumir os sentimentos que eu nem acredito?

— Isso mesmo. Facilite as coisas e deixe essa área trabalhar menos. Eu garanto que vai conseguir prever melhor.

— Tá, eu posso tentar.

— Você vai conseguir.

Eu dou um sorriso, meu olhos parecem querer produzir lágrimas, mas não vou deixar.

— Obrigada, doutor.

Ele retribui o sorriso e me abraça pelo ombro, me dando tapinhas depois. Em partes, acho nossa relação bastante justa. Ele tem esse amor paternal pela sua ciência, que está em mim, e às vezes eu até sinto ser seu experimento de estimação. Do outro lado, minha gratidão por todo o seu cuidado e atenção, do qual deveria vir de Reginald, me faz guardá-lo como uma pessoa especial.

Aproveitamos poucos instantes de silêncio antes de Cinco chamar minha atenção.

— Lillian, vamos.

Eu aceno com a cabeça para o Dr. Miller, querendo mesmo lhe dar um abraço forte. Ele acena de volta, levantando a palma de sua mão para se despedir de Cinco.

Nós saímos daquele restaurante, entrando no elevador. O ar entre nós dois é preenchido com silêncio, mas não me importo porque acabei de sair de uma conversa profunda demais para o que eu esperava.

Saímos do elevador e Cinco vai na frente, apressado, até parar em um certo ponto com as mãos na cabeça.

— Cacete, eles levaram o carro!

— Ah, não…

— Filhos da puta! — Cinco chuta uma lata de lixo, que cai deitada, rolando pelas escadas da faixada. — Eles vão ver só!

— Ei, calma aí, é só pedirmos um táxi.

— Táxi?

— É.

Cinco percebe que a minha ideia é totalmente lógica e sem nenhum espaço para contestamento.

— Tá.

— Vem, acho que tem um ponto aqui perto — Eu seguro o antebraço dele, puxando-o comigo pela calçada.

Não dura muito tempo até ele se soltar de mim, mas nos poucos segundos em que seu braço estava dentro da minha mão, eu senti meu coração palpitar. Doutor Miller diria que é alguma parte do meu cérebro reagindo ao toque e mandando adrenalina para as minhas veias, ou qualquer outra coisa de doutor.

Quero negar, mas preciso fazer o que ele disse.

Então é isso.

Meu coração está acelerado porque encostei em Cinco, e está assim porque meu corpo anseia pelo dele na maior parte do tempo.

— É aqui — Eu aponto para a parada de táxi.

— Está tarde, vão demorar para aparecer!

— Por que você tá tão reclamão? — Eu acho graça, vendo-o sentar no meio-fio. Ao invés de me insultar ou ameaçar minha vida, Cinco fica quieto. E isso é bem mais preocupante. — Como foi a conversa de vocês?

Me sento ao seu lado, cobrindo minhas pernas com o vestido. Ele não responde de imediato, só parece muito, mas muito decepcionado.

— Ele não ajudou em nada.

— Então ele não tá por trás da causa do fim do mundo?

— Pelo visto, não. Ele não sabe muito sobre viagem no tempo na prática. E era a minha ideia: tirar meus irmãos daqui com o meu poder, mas não quero errar pela terceira vez.

— Tem um plano B, não tem?

Ele respira fundo. Algo pesa sobre o meu ombro e meu rosto se transforma em espanto quando vejo que é a cabeça de Cinco.

— Tem, mas eu não queria.

Cinco Hargreeves está deitado em meu ombro, desolado. Eu quero muito falar sobre como é bom sentir essa proximidade.

— E o que é?

— Você não precisa saber, Lily.

Claro.

Ele retira sua cabeça de cima de mim, talvez irritado com meu tom sarcástico. Cinco se levanta de uma vez, batendo em sua calça para tirar a poeira.

— Quer saber? Vá para casa. Eu vou dar um jeito nisso agora.

— O quê? Pra onde você vai?

— Encontrar minha antiga empregadora.

— Eu quero ir junto.

Cinco agarra o meu antebraço, me fazendo levantar do chão e me levando para longe do asfalto.

— É minha missão, tá bom? Assassinato. Você não pode ir, vai me atrapalhar.

— Também não vou pegar um táxi sozinha a essa hora.

Ele recua sua cabeça, notando o perigo do qual estou me referindo. Quero dizer, entre um assassino que não confia em mim e um motorista de táxi desconhecido à noite, eu fico com o assassino.

— Que merda, Lillian…

— É uma merda mesmo.

— Tá bom, amanhã nós vamos. Mas não me atrapalhe.

— Tudo bem.

Seus ombros caem, em cansaço. Avistamos um carro amarelo perder a velocidade e encostar do nosso lado. Cinco vai junto comigo para casa, alguns assassinos tem bom senso. E, por conta disso, não deixo de pensar que está fazendo isso porque considera o meu medo.

Que está adiando sua missão para me acompanhar.

É o tipo de emoção que me faz grudar meus olhos nele, abrir um sorriso sem perceber, e sentir meu coração se aquecer por dentro.

Ah, caramba.

É só a porra de um favor.

Por que eu tenho que passar todas as ações desse homem no filtro da graciosidade e colocar esses atos num pedestal? Ele nem merece.

É isso que a paixão faz? Por que é tão humilhante?

Reviro os olhos para mim mesma e abro a porta do carro. Cinco dá o endereço de Elliott para o motorista, e em alguns minutos, chegamos sãs e salvos.

°•°•°•°•°•°• ◆ •°•°•°•°•°•°

Cinco Hargreeves está com sua típica expressão da qual não existe um nome. Ele deve ter criado. É o tipo de expressão que revela através do tédio o maior ódio por tudo o que vê. Desprezo pelas pessoas ao seu redor e um toque egocêntrico que o faz pensar ser o único ser humano racional na Terra.

Curiosamente, é bonito vê-lo assim. Porém nada saudável para a integridade física de quem está por perto.

Nunca sabemos se na roleta russa de Cinco Hargreeves ele irá nos ferir com suas palavras insensíveis ou se decidirá amputar uma perna alheia.

Se eu não tivesse feito ele adiar sua missão para me acompanhar até em casa, com certeza deixaria ele ir sozinho e preservaria pela minha vida. Entretanto, ele não me deixaria tomar tal decisão.

Estamos a caminho do consulado do México em Dallas, e creio que se eu disser qualquer palavra, Cinco arrancará a minha língua com um alicate enferrujado. Mais cedo, antes de ordenar para que eu entre no carro, Cinco conseguiu o endereço para da reunião dessa tal diretoria.

Ele tomou um gole de café, usou o banheiro, e saímos às pressas.

Agora estou tendo que assistir Cinco trocar sua nota de dois dólares por moedas, para assim poder usar na máquina de vendas e conseguir o chocolate que quer. Nós voltamos para a máquina, onde Cinco deposita todo o seu dinheiro, e clica no botão do número referente ao chocolate.

Não perguntou se eu queria um.

Mas tudo bem, eu nem queria mesmo.

Só espero que essa máquina roube o dinheiro dele e que um curto circuito a faça explodir na cara dele.

— Ah, não… — Cinco solta o ar, desacreditado. Ele começa a dar tapas no vidro, chacoalhando a máquina para destravar a mola que prende seu doce. — Porcaria de chocolate!

Me sinto incrivelmente mais feliz agora.

— Máquina filha da puta!

— Você quer que eu…

— Eu quero que você saia da minha frente agora!

Eu arregalo os olhos vê-lo pegar impulso, e por segurança, faço o que ele pede imediatamente. Cinco quebra o vidro expositor da máquina em centenas de pedaços com um chute. Posso supor que a ardência que sinto no meu braço e bochecha se deve a um desses estilhaços.

Após descontar sua raiva, Cinco leva a mão para a nuca, coçando. Não como quem se arrepende do que fez, mas como quem está pensando em como escapar dessa. Assim que pousa os olhos em mim, Cinco me encontra tentando tirar o vidro alojado em meu braço, fazendo uma pinça com os dedos.

— Lillian? Eu…

— É melhor você ficar calado — Eu falo, porque agora tenho um bom motivo para estar brava com ele. E se desculpar por ser um babaca descontrolado não vai fazer meus machucados arderem menos.

— Que seja. Me espere aqui, eu não vou demorar.

Lhe dou um último olhar de revolta e o vejo seguir o corredor. Ele sacia sua vontade por açúcar passando seu dedo sobre o chantilly do bolo no corredor, e a última coisa que vejo é ele arrancando um machado de emergência na parede.

Eu dou meia volta e me sento em uma cadeira do consulado, usando papel higiênico para limpar meu braço do sangue que escorre. Espero não ter ficado estilhaços dentro de mim, e que minha simples retirada faça cicatrizar bem.

É possível ouvir gritos graves e pancadas contra a parede. Sinais fortes de violência no cômodo ao lado. É apavorante escutar Cinco em serviço, e assistir ou se tornar vítima, é com certeza muito pior.

As pessoas não prestam atenção porque estão distraídas com a música e a comemoração do consulado, e por outro lado, eu não consigo focar em outra coisa que não seja aos gritos de socorro e baques contra parede e chão. É tão fora da realidade, tão violento, tão…

— Poxa, gata, o que aconteceu?

A voz feminina surge do meu lado e eu me viro para encontrar seu rosto. Ela está cínica, sorrindo para o meu braço machucado e para a montanha de papel vermelho, tão satisfeita que parece ela quem causou isso em mim.

— Achei que você tinha sumido de vez.

— Só dei um tempo para Cinco pensar melhor — Lila se senta ao meu lado, de um jeito desleixado. — Ele está por aqui?

— Não sei. Você viu ele por aqui? — Me faço, o que faz Lila cerrar os olhos.

— É melhor dizer onde ele está. Ou então eu levo você.

Seu tom ameaçador, entretanto, não me assusta. Não há nenhum instinto de sobrevivência acionado, não como quando estou perto de Cinco. E se não sinto perigo iminente, é porque no futuro nada acontece.

— Não quer tentar outro dia? Ele tá meio chatinho hoje — Eu falo, destratando completamente sua abordagem.

Ela fica confusa do porquê não estou levando a sério. A nossa frente, alguns metros no corredor, Cinco corre atrás de um homem com… cabeça de aquário e um peixe. Bem, estou em um mundo onde pessoas se teletransportam e destroem a superfície da Lua.

Cinco, chatinho, usa um pedaço de madeira para bater nas pernas do homem, fazendo-o cair de joelhos em agonia. Em seguida, destruindo o aquário com um golpe. Ele respira fundo, recuperando o fôlego, se mostrando coberto de sangue. Sangue que não é dele.

Carregando um saco plástico com água e o peixe dentro, Cinco se aproxima de mim, prestes a dizer que vamos embora quando nota a presença do meu lado.

— O que você está fazendo aqui?

— Ela disse que vai me levar — digo, tranquilamente, e se eu tivesse lixa para unhas agora seria ainda mais cômico.

— Levar? Levar pra onde?

— Minha mãe tá interessada nas habilidades da Lillian, e ela queria ter uma reunião.

— Reunião? Ah, por que não me falou antes…? — Eu digo, quando Cinco me interrompe.

— Ela está falando sobre sequestro e trabalho forçado, Lillian. — Cinco encara Lila, e certamente é esse olhar que dá às suas vítimas antes de assassiná-las. — Eu fui bem claro quando disse que te mataria se visse de novo.

Tenta.

Eles dão um passo adiante entre si, encarando um ao outro, criando um suspense sobre quem atacaria primeiro. Isso está melhor que muitos filmes, eu poderia estar comendo pipoca enquanto assisto.

— Vamos, Lillian.

Não. — Cinco diz entre os dentes, se sobrepondo na voz de Lila. A cada segundo o ar fica mais tenso.

— O que foi? Você é o pai dela?

— Lillian não vai embora até o apocalipse ser impedido. — Diz ele, como se lesse termos e condições de um contrato do qual não estou informada.

— Ainda nessa história? — Debocha ela, soltando uma risada, um tipo de movimento corporal que me diz que ela fará seu possível para ter o que quer. E se isso for dar uma surra em Cinco, então ela está preparada.

Apesar de mínima, existe a chance de Cinco sair mal dessa briga, então me levanto e me coloco no meio dos dois.

— Lila, eu não vou com você. E Cinco, vamos embora agora.

Eu o seguro pelo braço, porque Cinco não tira seus olhos assassinos de Lila, e começo a arrastá-lo para a porta. Sinto uma pressão no peito que me deixa enjoada quando percebo que o líquido viscoso embaixo dos meus dedos é sangue.

— Fique longe dela — ele cospe as palavras na direção de Lila, que não se vê em posição de derrota.

— Tranquilo. Eu vou ter outras oportunidades.

Cinco treme. Posso sentir seu braço se conter para Lila se juntar ao grupo de pessoas que foram suas vítimas hoje, e que a única coisa que o impede é a minha mão puxando-o para trás. E o peteleco que dou em sua orelha. Cinco enfim desiste de levar essa discussão adiante, largando seu braço de mim como se eu fosse o motivo pelo qual ele está furioso e coberto de sangue.

Já do lado de fora do consulado, preciso correr para alcançá-lo. Suas pernas não são do tipo gigantes, mas ele consegue ser bem rápido sem parecer estar correndo.

— Tá com pressa, é?

— Você me deu um peteleco?

An

— Não.

Ele me encara com os olhos cerrados.

— Sim, mas é tipo estalar os dedos.

— Hein?

— Você estava hipnotizado de raiva…

— Eu estou.

— …e é como estalar os dedos. Funcionou, antes que você reclame.

— Entra no carro.

Diz ele, após abrir a porta para mim. Depois que fecha com um baque, posso ver Cinco abaixar a sua cabeça para esconder um sorriso, enquanto dá a volta na parte dianteira do carro. Ele toma seu lugar em frente ao volante e voltamos para a casa de Elliott. Eu precisei abrir os vidros e passar o caminho todo com o rosto na janela, ou eu não iria aguentar e vomitaria meu café da manhã dentro do carro.

Porque o cheiro dele está muito forte.

Cinco deve estar acostumado, porque não faz uma careta sequer para o cheiro de ferro e matéria orgânica em decomposição grudado em seu próprio corpo. Substância da qual está sendo transferida para o volante, banco e pedais.

Grande profissionalismo, tenho que reconhecer.

Assim que chegamos, somos surpreendidos pela presença de uma mulher com longo vestido roxo, chapéu do ano na mesma cor, e seus lábios sorriem ao encontrar o homem ao meu lado.

Somos apresentadas brevemente, onde Gestora se surpreende ao me ver com Cinco e não com — atenção — sua filha. Cinco não me disse que se tratavam das mesmas pessoas. Gestora fica entusiasmada ao receber o plástico que abriga o peixe dourado que Cinco capturou. A troca acontece quando o pagamento que Cinco recebe é a maleta que está pousada no chão, ao lado dos tornozelos da mulher.

— Toma, eu tô cumprindo nosso acordo. Isso vai levar você e seus irmãos de volta a 2019. Vocês têm… 90 minutos.

Cinco torna o olhar para a mulher.

— Você não disse nada sobre um limite de tempo!

— Na verdade, você tem 89 minutos e 30 segundos. É melhor correr.

— Isso é impossível, tá? Meus irmãos estão espalhados pela cidade. Eu preciso de mais tempo!

Tic-tac, tic-tac…

Percebendo que não há nada que possa fazer, e que foi enganado, Cinco simplesmente se teletransporta, apressando-se para reunir os irmãos. Eu olho para a mulher da cabeça aos pés, querendo julgá-la por jogar sujo, mas me dando conta que ela me dá medo. Calafrios. Passo por ela, entrando pela porta do beco que dá acesso à casa de Elliott.

Cinco está reunindo Diego e Luther, entregando a eles relógios de pulso cronometrados para o tempo que eles têm. A pressa e a agitação tomam conta do lugar, e pelo visto ela já existia antes de Cinco chegar.

Quando Diego se coloca na passagem da porta, me impedindo de ir para a sala, eu questiono:

— O que tem lá?

— Você não vai querer ver.

— Elliott fez gelatina de novo?

Meu tom foi de brincadeira, mas Diego respira fundo desviando o olhar.

— Você vai comigo buscar o Klaus. É melhor não ficar aqui sozinha.

— Vocês dois juntos? Não mesmo. — Cinco resmunga lá da sala. — Ou com Luther ou comigo.

Eu penso nas minhas opções. Não falo tanto com Luther a não ser para avisá-lo dos seus sapatos fedorentos. E Cinco… Bem, estou tendo um certo pânico em pensar que esses podem ser nossos últimos 84 minutos juntos e então nunca mais o verei.

— Tá, eu vou com você.

Cinco assente e vai para o banheiro, perdendo alguns minutos tirando todo o sangue de seu corpo com a água da pia. Eu aproveito que ele está ocupado para procurar um pedaço de tecido, do qual eu possa enrolar em meu braço e me proteger de infecções.

Procuro pela cozinha, pelo quarto e quando coloco meus pés na sala, me deparo com uma poça de sangue formada perto do corrimão. A cadeira da dentista e uma pessoa deitada nela, coberta com uma toalha em seu rosto.

— Quem é que… — Eu nem consigo terminar de falar, assustada com parte do que vejo.

— Eu disse que não era para você vir aqui — Diego implica, com as mãos no quadril. Eu o encaro, esperando que responda o que quase perguntei. — Bem, é… é o Elliott.

É uma boa pista. Eu não preciso mais fazer perguntas porque, através de lembranças do futuro, consigo ver que Elliott não está mais vivo. E nessas imagens, entro em pânico com o estado em que ficou o rosto dele. Grandes sinais de tortura e de que não morreu rápido.

— Foram vocês?

— Quê? Claro que não! Foram aqueles russos. Suecos. Não sei. — Luther se defende.

Eu confirmo com a cabeça e me retiro.

Elliott estava sabendo demais? Isso foi queima de arquivo? Algo em sua morte me traz a gélida sensação de insegurança e de que eu possa estar na mira destes assassinos. Ou qualquer um de nós.

Eu terei que avisar Reginald sobre isso.

°•°•°•°•°•°• ◆ •°•°•°•°•°•°

Diferente de mim, Cinco parece não se importar que nunca mais vai me ver. Sei que sua principal preocupação agora é reunir seus irmãos a tempo, mas não consigo pensar em outra coisa.

Eu não estava preparada para uma despedida tão repentina.

Entramos no carro e Cinco dirigiu para a fazenda onde Viktor está morando há poucos meses. Coincidentemente encontramos seu irmão cruzando nosso caminho, numa esquina, com seu carro. Cinco parou na mesma hora e desceu do carro.

Ele diz ao irmão o motivo pelo qual o chama, e deixa claro a urgência de irem embora na mesma hora. Viktor, no entanto, propõe uma condição: não iria embora sem levar Harlan e Sissy. A mulher de quem ele gosta e seu filho.

Cinco se mostra rígido com sua decisão, de que ninguém além dele e seus irmãos iria embora junto, alegando que ninguém é tão insignificante, e que efeitos cataclismos gerados pelo Efeito Borboleta poderiam acontecer.

Acho que isso também inclui quase-namoradas.

Os irmãos medem suas forças, usando seus poderes e se encarando. Eu poderia sair do carro para acalmar os ânimos deles, mas primeiro eu teria que acalmar os meus. E parar de morder minha língua.

Nem tudo está tão perdido, eu posso implorar para o doutor Charles inventar um procedimento para apagar memórias e ser sua primeira cobaia.

Aos poucos, eles entram num acordo, que consiste em Viktor apenas se despedir da família que o acolheu por dois meses. Cinco reclama, estressado, mas aceita, voltando para o carro. Ele dirige rápido para voltarmos à cidade.

Quando saímos do carro, indo para o ponto de encontro no beco, Cinco vê que faltam apenas seis minutos. Ele guarda o relógio, ansioso, e com seu teletransporte busca rápido a maleta dentro da casa de Elliott.

Quando volta, me encontra sentada no chão, esperando por ele e seus irmãos. Pensando em tantas coisas e não conseguindo ter nenhuma reação. Eu devia correr e avisar Reginald que os invasores do futuro estão indo embora? Ele vai dizer que a culpa é minha por ter deixado eles irem? Não vai ligar?

Eu não sei.

São tantas perguntas e o que eu mais quero agora é abraçar Cinco e me despedir. Brincar que talvez só nos encontramos de novo quando eu tiver 81 anos.

— Ei. Você tá assim por causa do Elliott? — Cinco se aproxima, olhando para mim de cima, vez ou outra conferindo a movimentação da rua.

— Não.

— Da Lila? Olha, relaxa, ela não vai encostar em voc…

— Não.

— O que é então?!

Eu desvio o olhar. Sofrer internamente parece muito plausível, mas quando penso em colocar em palavras, em voz alta, vou soar como uma idiota. Eu me levanto do chão, batendo minhas mãos nas coxas, e assim trago mais dignidade à minha imagem.

— Ninguém pode ir com vocês? — Minhas sobrancelhas se inclinam como um pedido.

— Absolutamente ninguém.

Eu suspiro.

— Eu acho que adoraria fugir daqui — revelo, com uma risada autodepreciativa.

Cinco franze o cenho e de repente se dá conta que é a mim mesma que me refiro. Que estamos a três minutos de nossos destinos mudarem. Que também não me verá mais.

— Lillian… — Ela baixa a guarda, inclinando a cabeça e surpreendentemente com um tom de voz doce. — Eu não posso. Me desculpe.

— Tudo bem — aceno com a mão, virando minha cabeça para o lado oposto porque estou começando a lacrimejar.

Em segundos, sinto a mão dele atravessar minhas costas e se apoiar em meu ombro. Ele tem a coragem de pressionar sua boca em minha cabeça por bastante tempo, sem saber que isso vai ser ainda pior para mim.

Um minuto e quarenta segundos restantes.

Cinco reclama e grita pois o único que está aqui além de nós é Luther. Dez segundos depois, Klaus aparece, se contorcendo e parecendo fora de si, mas está dentro do prazo. Meu coração acelera a cada segundo que passa, que Cinco faz questão de contar em voz baixa.

Na contagem regressiva para zero, a maleta começa a emitir sons estranhos. Cinco xinga, pegando ela e jogando para cima. O objeto brilha numa luz azul intensa, distorcendo tudo ao redor, e desaparecendo em seguida.

Eles discutem que perderam suas chances de salvar o mundo, onde Cinco pontua com ódio o quão simples estava para eles saírem daqui.

Por questão de segundos, novamente, voltei ao estado em que eu estava há noventa minutos atrás: o de que eu sabia que teria a presença dessa família por mais alguns dias.

Eu não consigo lidar bem com as mudanças rápidas de destino e decido buscar Reginald para me ajudar. Qualquer lugar longe dessa família.

— Onde está indo, Lillian?!

— Eu não sei! Respirar um pouco. Não venha atrás de mim!

Dobro a esquina e apresso meus passos para um ponto de táxi longe daqui, sem a possibilidade de Cinco me encontrar.

°•°•°•°•°•°• ◆ •°•°•°•°•°•°

Incomodada com o som dos meus próprios sapatos, toques repetidos e apressados, eu procuro Reginald pela casa inteira. Entrando em salas, abrindo portas, sabendo que a bronca que levarei por esses atos não chega perto do sentimento de frustração e humilhação emocional que estou tendo agora.

Por último, no subsolo, eu abro as portas do laboratório, deixando-as escancaradas. Há pessoas com jalecos brancos mexendo em computadores, e olham em sincronia para mim. Ao fundo da sala, está Grace, Reginald e Charles tendo uma conversa sobre o experimento com Pogo, e eles também voltam seu olhar para mim.

Apesar de ofegante, com um milhão de palavras para cuspir e possivelmente à beira de um desmaio, eu não consigo levantar minha voz para dizer que a causa do meu estado é que a família do futuro, meus alvos e minha missão profissional, estavam há poucos segundos de ir embora daqui.

Não pareceria equilibrado.

Eu primeiro precisaria colocar a cabeça no lugar.

Assim que me vê dando passos para trás, a fim de me retirar do laboratório, Charles deixa sua prancheta velha sobre um balcão e caminha na minha direção. Todos voltam ao serviço porque sabem que ele vai cuidar disso.

O doutor me pega pelo braço e me leva para a sala ao lado, a sala dos experimentos com a mente. Secando os meus olhos, eu me sento sobre a maca, vendo Miller fechar a porta e apoiar-se em pé na mesa.

— O que aconteceu, Lillian?

— Eles quase foram embora.

— O quê? Espera, eu preciso anotar! — Charles pega uma folha de papel já usada e puxa sua caneta do jaleco. — Hum, pode continuar.

— Eles… O Cinco, encontrou uma forma de sair daqui. De 1963.

— Como encontrou e como seria?

— Ele matou a diretoria da empresa que trabalhou. A Comissão. Em troca de uma maleta que levaria eles de volta para 2019. A mulher com quem ele fez o trato deu um prazo de noventa minutos, que ele não conseguiu cumprir e reunir a família.

— Uma… maleta? Que viaja no tempo?

— Sim, doutor.

Miller não me julga por completo, apenas anota com rapidez sobre a folha, e me pede para continuar.

— Quando o tempo acabou, a maleta fez um barulho estranho e sumiu da nossa frente. Acho que eles realmente poderiam ir embora daqui se estivessem todos juntos.

— Quem compareceu? Quero colocar no relatório.

— Além de Cinco, Luther e Klaus.

— Certo — Charles termina de anotar, encarando a folha e pensando em quais perguntas ainda poderia me fazer. — Mais alguma coisa aconteceu?

— An… Não. Mas o Elliott morreu. Ele foi assassinado pelos suecos, que foram enviados pela Comissão.

— Puta merda… — Ele deixa escapar. — Perdão pelas palavras. Devo dizer ao senhor Reginald que você precisa de mais segurança. Cinco é um assassino brutal e esses suecos estão na cola de vocês.

— Mas o Cinco não m…

— Mais quatro, pode ser? No total serão seis te vigiando. Não precisa ter medo.

Eu solto o ar e confirmo com a cabeça. Preciso dizer a ele que meu medo mesmo não é dos suecos, mas de nunca mais ver Cinco?

— É por isso que você tá assustada desse jeito? — Charles me entrega um lenço, do qual uso para assoar o nariz.

— Você estava errado, doutor.

A expressão dele se transforma em curiosidade.

— Onde eu errei, querida?

— Cinco não vai me levar daqui. Ele não vai levar ninguém junto com a sua família. Ele foi muito claro nisso. Ele é muito rígido, desconfiado, é impossível mudar a cabeça dele, ele é… — Eu suspiro. — Ele não vai ceder.

— Não acha que o conquistou por inteiro?

— Estou longe disso, doutor. Talvez um dia eu conseguiria, mas eu ia precisar de mais que dois dias.

Charles olha ao nosso redor, estando ciente que ninguém por perto pode nos escutar.

— Lillian, use seus poderes. Use sempre. Descubra a cada hora se eles vão conseguir ir embora ou não. Se você ainda vê o apocalipse. E, se tudo der certo, diga a ele que você não é uma ameaça para o futuro. Que você pode prevê-lo e moldá-lo, que é seguro te levar. — Charles chega mais perto e apoia suas duas mãos em meus ombros. — Eu quero que você tenha uma vida além de uma maca de laboratório.

Os olhos dele brilham, e a ponta de seus dedos tremem sobre o meu ombro. Prevejo que vou ficar igualmente emocionada em breve.

— Eu nunca concordei com a ideia de Reginald. Quer dizer, tirar pessoas de suas vidas reais para dar a elas tamanha responsabilidade? Não. Pela neurociência, isso é mais fácil desde o nascimento.

Suas palavras então alivia duzentos quilos das minhas costas, penso frequentemente que não fui feita para isso. Porque eu realmente não fui.

— Então vá, minha filha. Se tem essa oportunidade, se está mesmo apaixonada, tente. Você tem o futuro nas mãos. Escolha o que te agrada.

Minhas lágrimas rolam em sequência pela minha bochecha, com um um sorriso esperançoso, eu pulo da maca e o abraço fortemente. Talvez eu tenha soluçado demais e molhado o jaleco dele com minhas lágrimas, mas prefiro não declarar.

— O senhor acha que consigo convencê-lo em dois dias?

— Talvez não pelo coração, mas consegue convencê-lo por razões. Se ele é tão esperto quanto parece, vai entender.

Eu me separo dele, secando meus olhos com os dedos e confiante nas suas palavras. Reginald Hargreeves invade a sala na mesma hora, antes que eu pudesse agradecer pelos conselhos de Miller e ressaltar que, se o plano der certo, sentirei sua falta.

— O que está acontecendo? O que lhe deu motivos para interromper os trabalhos com tanta estupidez? — Reginald questiona, lançando suas palavras afiadas em mim.

— An… Eu fiquei assustada. O dono daquela loja de televisões morreu, e eu pensei estar correndo risco.

— Mas que futilidade! Você sabe que tem seguranças.

— Dado o relato de Lillian, acredito que devemos adicionar mais quatro unidades de apoio. — Miller releva — As atualizações estão completas por hoje, senhor Hargreeves, não se preocupe.

— Anda, volte a sua missão! Não é hora de passear — Reginald ordena e então se retira da sala. Eu levanto minhas sobrancelhas em conhecimento do temperamento de Reginald, e Charles ri da minha expressão.

— Infelizmente ele está certo. Tenho que ir, doutor. Muito obrigada — Eu dou mais um abraço.

— Tome cuidado e lembre-se do que te falei — Ele me abraça de volta, dando tapinhas em meu ombro. — E se não voltar mais, saiba que eu tenho orgulho de você e do que você se tornou.

Eu fungo na barra da minha blusa e aceno para ele, me despedindo.

Volto para casa chorando. De felicidade, de susto, de medo. Pelos conselhos de Charles. Imaginando como seria viver no futuro. Tudo. E quando estou de volta naquele endereço, estou com minha energias renovadas para lidar com a família Hargreeves.

Eu subo as escadas e vou direto para a cozinha, preparando algo para matar a minha fome. O que consegui foi sanduíches com queijo e tomate. Comi no armário da dispensa, transformado em quarto escuro, e tive que me contentar com a iluminação vermelha. A outra opção seria comer ao lado do corpo de Elliott na sala.

Depois de alguns minutos, quando estou terminando a segunda parte do lanche, a porta se abre. Mastigando eu levanto meus olhos para encontrar o rosto. Cinco.

Não me arrisco a iniciar uma conversa, não sei do que ele quer falar. Então me escondo no disfarce válido de estar com a boca cheia demais para falar.

— Aqui é seu cantinho da refeição, é? — Diz ele, soltando uma risada sem graça, por ser a segunda vez que me encontra comendo aqui.

— Aham.

Dou outra mordida. O observo hesitar.

— Vem pra cá, eu preciso da sua ajuda — Cinco aponta para fora da dispensa, então me levanto e levo meu prato junto. Deixo a louça na cozinha e sigo Cinco até o quarto.

Ele fecha a porta, se aproximando de mim.

— Preciso que me diga se o apocalipse ainda vai acontecer.

Eu assinto com a cabeça, me preparando para usar meus poderes. Fecho os olhos e procuro eventos à frente do meu presente, mergulhando em memórias das quais ainda não vivi, mas são tão reais quanto.

Encontro os irmãos de Cinco, que estão lutando em meio destroços, e quando tento procurar Cinco, sinto minha visão esbranquiçar, me afastando daquela realidade como um imã me puxando para o presente.

Tudo bem.

Está tudo bem gostar de Cinco.

Eu não preciso ficar nervosa toda vez que eu o encontro, mesmo que isso signifique que, no futuro, ele olha diretamente para mim. Ele me encara na minha visão. Ele sabe exatamente onde estou. Tudo bem ficar maluca com isso.

Respiro fundo.

Consigo me acalmar e enxergar Cinco com nitidez, escutar que ele diz que não tem mais volta. Pedindo para seus irmãos se protegerem. E em seguida, uma forte explosão acabando com o mundo.

Abro os olhos depressa, puxando o ar e dizendo a mim mesma que não estou morta. Ainda.

— Lillian? — Cinco me segura, pelo ombro e cintura, procurando em meus olhos alguma resposta. — E aí?

— A mesma coisa.

Ao invés de explodir em fúria, como eu esperava, Cinco abaixa a cabeça, depois de me dar um olhar como se agradecesse pelo meu trabalho.

— Você não tem outra ideia?

Ele apenas balança a cabeça, dizendo que não.

Eu puxo seus ombros para mim, abraçando-o contra o meu peito e vendo ele se entregar naturalmente. Não sei se o que aquece meu coração é vê-lo vulnerável comigo ou sua cabeça trazendo seu calor para o meu corpo.

Ele beija meu colo, retribuindo meu abraço e subindo sua boca até meu pescoço. Eu sinto o ar quente de sua boca me arrepiar, e quando Cinco se afasta para encontrar meus olhos, tenho a certeza que ele só está começando.

◆ 7.725  palavras

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nossa Lillian aqui

eu disse que um dia eu voltaria, agora só posto outro capítulo ano que vem

(peço perdão pela piada, vocês não merecem ler isso.

bjs curupirinhas dourados, e feliz ano novo adiantado 🧡✨️

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