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04. a descoberta

Nova Iorque, Parque Municipal
(Terra-616)

── Oi, gatinha. Que saudades de você. ── A voz calorosa de sua madrinha preencheu seus sentidos assim que Violeta atendeu o celular.

Os últimos dias tinham sido difíceis, e Violeta estava tendo dificuldades em lidar com tudo o que tinha descoberto e com os sentimentos que estavam à flor da pele. Não esperava receber uma ligação de sua madrinha, ainda mais depois de tanto tempo sem contato, mas foi uma boa surpresa. Era disso que ela estava precisando.

── Eu também senti sua falta. ── Violeta sussurrou ao telefone. Engoliu em seco, tentando segurar os sentimentos que queriam vir à tona. Era sempre assim com Edna: só de ouvir sua voz, Violeta voltava a se sentir uma criança. Seus olhos se voltaram para Flecha, que estava brincando de bola com alguns amigos da escola, a alguns metros de distância.

Ela estava apenas acompanhando seu irmão enquanto ele saía para brincar. Sua mãe não gostava que ele saísse sozinho, pois Flecha era uma verdadeira ímã de confusões. ── Tá tudo bem? Parece meio cabisbaixa. ── Edna percebeu, sua voz suave, mas atenta.

── Tô, eu só... ── Violeta respirou fundo, parando por um momento. Não podia contar as coisas para sua madrinha, não ainda. Mesmo confiando nela, sabia que não estava pronta para falar sobre o que estava acontecendo. ── Só tô cansada. Muita tarefa da escola. Não dormi muito bem.

── Hm. ── Violeta quase podia ver o olhar de Edna. Mesmo por telefone, a madrinha conseguia fazer com que Violeta sentisse como se estivesse sendo observada de perto. Ainda bem que não estavam cara a cara, ou teria aberto a boca ali mesmo. Edna era bem intimidadora quando queria. ── Se você diz.

── Por que você tá me ligando? Quer dizer, foi muito de repente.

── Estava muito ocupada essas semanas, gatinha. Muitos desfiles acontecendo e você sabe que eu gosto de marcar presença. ── Violeta murmurou em concordância.

Edna era uma das figurinhas mais importantes no mundo da moda atual, e a mais cativante de todas. Era uma verdadeira lenda e se destacava tanto pela sua habilidade quanto pelo seu mistério. Ela vivia longe dos holofotes, isolada para trabalhar em paz, mas sempre que aparecia em público, se tornava o centro das atenções.

── Mas quis te ligar por um motivo específico. O que acha de vir aqui? Preciso matar essas saudades da minha afilhada favorita. ── Edna jogou a isca, e Violeta conseguiu ouvir claramente o sorriso na voz de sua madrinha. Não conseguiu resistir.

── Eu sou sua única afilhada.

── E é a melhor! ── Sua madrinha exclamou, entusiasmada. O sorriso veio ao rosto de Violeta tão naturalmente quanto sua respiração. Não havia como resistir à energia contagiante da madrinha. ── O que acha do próximo fim de semana?

── Tenho viagem com o time de decatlo... Não vou conseguir. ── Violeta falou rapidamente, lembrando-se da programação do time. Quando descobriram que Violeta era campeã, praticamente foi arrastada para o clube. Não era que não queria participar antes, só estava um pouco constrangida de entrar. Mas, claro, Ned não deu muita escolha.

── Então quando voltar. Vou estar te esperando, gatinha. ── Edna finalizou a conversa com um tom de carinho, e então desligou.

Violeta ficou por um momento com o celular na mão, refletindo sobre a ligação. Ainda estava precisando de um tempo para processar tudo o que estava acontecendo em sua vida. Quando finalmente guardou o celular, olhou para o lado e percebeu que estava sendo observada por um colega da escola.

Ela imaginava que ele iria apenas cumprimentá-la, como sempre faziam por educação, mas acabou se surpreendendo quando ele engatou uma conversa. Violeta, desconfortável, não sabia exatamente o que dizer, mas ele parecia não se importar com a falta de respostas.

── Ei, Vi! ── Ouviu seu irmão chamando seu nome.

Violeta queria chorar de alívio. ── A gente se vê por aí. ── Seu colega disse, com um sorriso que Violeta sabia que destruía corações por aí. Deu um aceno tímido, sentindo-se estranha pela interação não esperada, e foi até o seu irmão.

── Oxi, quem que era aquele? ── Flecha perguntou, seus olhos curiosos seguindo o garoto que se afastava.

Violeta fez uma careta, sabendo exatamente o que Flecha iria assumir. ── Ele é da minha escola. ── Violeta respondeu rapidamente, começando a andar. Queria evitar mais perguntas e sabia que seu irmão não deixaria o assunto passar em branco.

Flecha não parecia ter se importado, mas continuou seguindo ao lado dela. Mesmo assim, continuou com os olhos fixos no garoto que se afastava. ── Ah, tá... ── Ele pareceu pensar em alguma coisa, mas logo voltou a atenção para Violeta. ── E como que você conhece ele?

Violeta puxou a mochila mais para frente nos ombros, como se isso fosse ajudar a disfarçar o desconforto que sentia. Ela não queria entrar em mais detalhes sobre qualquer colega com Flecha, que não parecia entender o conceito de "limites". Sempre que conhecia algum amigo, ou colega, de Violeta, assumia que sua irmã estava interessada. ── Eu acabei de falar que ele é da minha escola, Flecha.

── E daí? Você não conversa com ninguém. ── Flecha pareceu desacreditado dela tentar usar aquilo como argumento.

── Eu- ── Violeta começou a falar, mas se interrompeu. Quando percebeu que não tinha uma boa resposta, desistiu de se defender. Seus ombros caíram com a resignação, e parou de andar tão rápido. ── Ele me apresentou a escola. ── Ela disse, com um tom mais baixo e uma careta.

Violeta viu a expressão dele mudando, seus olhos se estreitando enquanto processava a informação. Ele fez uma pausa, com um sorriso travesso começando a se formar. ── Tá namorandoo.. ── Flecha cantou alto, chamando a atenção das pessoas no caminho. Violeta sentiu seu rosto esquentar de vergonha e raiva, passando uma mão pelo rosto antes de jogar mais cabelo na frente. ── Como é que ele chama? Vou ter que contar pro papai.

── Ele não é meu namorado, Flecha. ── Violeta resmungou com a voz baixa, fazendo uma careta pela ideia. Não estava interessada em namorar, muito menos alguém que mal conhecia, mesmo que ele fosse bonito e simpático. Respirou fundo antes de responder a pergunta que ele fez, sabendo o que vinha por aí. ── E ele chama Vitoriano.

Flecha parou, Violeta respirou.

E começou.

Flecha não conseguiu se segurar. Ele explodiu em risadas altas, tropeçando no caminho com o quão forte ele ria. ── Presta atenção no caminho, idiota! ── Violeta repreendeu. Em instinto, sua mão esquerda se aproximou de seu irmão para segurá-lo se fosse preciso. ── E para de rir.

── Vitoriano?! ── Flecha ignorou as palavras de sua irmã, seu rosto ficando tão vermelho que a cor loira de seu cabelo estava se destacando. ── Esse nome é demais pra mim! ── Ele engasgou com a risada, e Violeta sentiu vontade de enfiar a bola de futebol que ele estava segurando na boca dele. Flecha era escandaloso demais, e todos que passavam olhavam para eles.

Violeta estava doida para se esconder.

Nova Iorque, Edifício Aurora.
sala de jantar - apartamento 616
(Terra-616)

── Como foi a escola hoje, filha?

Como sempre, o pai de Violeta falou com ela e ela não ouviu. Igual nas últimas semanas, Violeta estava distraída demais tentando não demonstrar sua tensão, já que ainda não sabia o que deveria fazer com o que descobriu. A cotovelada de Flecha veio e automaticamente Violeta abriu a boca, já sabendo do que se tratava. ── Parada. Química foi legal. ── Resmungou, enfiando uma garfada de frango na boca para não precisar conversar.

Violeta amava Beto, e conhecia o caráter de seu pai. Achava que conhecia, pelo menos. Mesmo depois de ter encontrado o que encontrou, algo ainda parecia errado. Talvez fosse a sensação de descobrir que seu pai não era tão bom assim, mas não sabia dizer. Era a primeira vez que isso acontecia com ela. ── Você levou o Flecha pro parque hoje. Se divertiram? ── Seu pai continuou a puxar conversa.

Isso sim era estranho. Geralmente, deixava Violeta quieta depois de perguntar sobre a escola e ela resmungar a primeira coisa que vinha em sua mente. Dessa vez, ele não parecia querer fazer isso. ── Sei lá. Ele deve ter se divertido, eu acho. ── Violeta falou depois de engolir, sentindo o olhar de todos. Menos de Zezé, é claro. Ele estava ocupado mordendo a própria colher.

── Conta pra eles quem você encontrou, Violeta. ── Flecha cantarolou, parecendo não perceber a tensão de Violeta.

Violeta sentiu seu rosto esquentar, o que provavelmente fez as coisas parecerem pior do que deveriam. Ela estava constrangida pela situação, não porque havia algo além de amizade acontecendo entre ela e seu colega. Era apenas sua reação natural a qualquer tipo de interação social. ── Cala a boca, Flecha. ── Resmungou, dando uma cotovelada em seu irmão.

Também não foi a melhor resposta, pela maneira como seus pais trocaram um olhar. ── Quem era, Violeta? ── Sua mãe perguntou com a voz calma, antes que Beto pudesse falar qualquer coisa. Helena mexeu em seu prato com serenidade, como se não fosse nada demais, mas Violeta percebeu o olhar dela. Estava fixo em Violeta, fazendo com que ela se sentisse como se estivesse sendo observada com lupa.

Violeta virou o rosto para seu próprio prato, deixando um pouco de cabelo cair sobre a frente do rosto, como se isso fosse ajudar a esconder seu desconforto. ── Só um colega, mãe. O Flecha que tá viajando.

── Só um- ── Beto começou a falar, e Violeta se preparou para o discurso de "pai preocupado" e a lição sobre "não se envolver com qualquer pessoa que conhece", até que ele fez uma careta de dor. Ela olhou de canto de olho e viu seu pai esfregar o braço com cuidado. Parece que Helena havia dado uma lembrança de sua autoridade, sem que Violeta tivesse percebido. ── Só um colega, querida? ── Beto mudou o tom, depois de coçar a garganta.

── É. Ele tava sendo simpático. Só isso. ── Violeta resmungou, sentindo vontade de estrangular Flecha por pegar algo tão simples e transformar em algo maior.

── É. O Toninho é muito simpático. ── Flecha falou com um sorriso travesso, tomando um gole do seu suco, e claramente adorando a situação..

── Toninho? ── Seus pais repetiram, confusos, sem entender de onde ele tinha tirado aquele nome.

── Flecha! ── Violeta praticamente gritou, agora ficando totalmente envergonhada. Ela fechou os olhos e apertou os dedos da mão, tentando se controlar para não gritar de verdade.

── O nome dele é Vitoriano. ── Flecha explicou e começando a rir, sem ligar sobre como estava deixando Violeta ainda mais desconfortável. ── Mas Toninho é mais legal.

── Só porque seu nome é Flecha, não significa que pode sair zoando o nome dos outros. ── Violeta repreendeu. No caminho de volta, quando saíram do parque, Flecha ficou tentando criar apelidos para o colega de Violeta, até decidir que Toninho era o melhor de todos. Sinceramente, era difícil ser irmã mais velha às vezes.

Os pais de Violeta não pareceram preocupados com a crise de riso de Flecha, continuando a olhar para ela. ── E quem é esse, filha?

Violeta resmungou internamente, escorregando pela cadeira para tentar se esconder mais ainda. Esse era o jantar mais normal que estavam tendo em semanas, e era justamente porque Fleche era idiota o bastante para fazê-los acreditar que ela estava interessada em alguém. Violeta não sabia se queria ficar invisível para fugir da situação constrangedora e desnecessária, ou para fugir do sentimento nostálgico que esse jantar estava trazendo.

Depois do que descobriu, sabia que as coisas não seriam as mesmas. Era estranho ter um momento normal.

Nova Iorque, Edifício Thompson
apartamento 4D - sala de estar
(Terra-616) - duas semanas atrás

── Você sabe como invadir o celular de alguém? ── Foi a primeira coisa que saiu da boca de Violeta quando a porta do apartamento de Peter foi aberta e ele apareceu em sua frente, com o pijama amassado e o cabelo bagunçado, mas ele não parecia sonolento. Violeta não se preocupou com a estranheza da situação, nem com a expressão de Peter, que parecia totalmente perdido ao ver ela em sua porta tão tarde.

Era quase madrugada, mas Violeta não conseguiu pensar muito antes de sair de sua casa. A senha alterada no celular de seu pai ficou em sua mente, e provavelmente a falta de sono ajudou na decisão quase impulsiva.

Ela não era impulsiva.

Peter franziu a testa, completamente confuso. ── Eu- O quê? Você quer- O quê?── Ele piscou, tentando processar a pergunta. Mesmo assim, seu amigo deu um passo para o lado para deixar Violeta entrar, e foi o que ela fez. ── Eu vou querer saber o por quê? ── Violeta ouviu o barulho da porta fechando, mas estava ocupada demais para ver. Já estava andando até o sofá e sentando, encarando a televisão desligada em sua frente.

Conhecia seu pai. Ele não era capaz disso. Então por quê?

Peter ficou parado na porta, claramente surpreso, sem saber se deveria falar ou apenas esperar que ela se explicasse. ── Violeta? Tá tudo bem? ── A voz dele estava mais suave, e preocupada, e ele se aproximou. No instante seguinte, ela sentiu o corpo dele afundando ao lado dela no sofá.

Ela soltou uma respiração pesada, sua perna começando a balançar em um ritmo incessante. ── Eu só- Preciso saber. Se você sabe como. ── Violeta evitou a pergunta, ainda sem olhar para Peter. Teria levado o celular para ele tentar, se pudesse, mas teve que guardá-lo de volta antes que seu pai saísse do banho. Ficou se remoendo em seu quarto desde então, até decidir fugir pela escada de incêndio e ir até a casa de Peter buscar ajuda.

Ele estava sempre mexendo com aquelas coisas estranhas no laboratório da escola. Ele e Ned, mas Ned morava mais longe. Ned provavelmente faria mais perguntas, também. Peter não, principalmente por saber que deve muito à Violeta e Ned pela sua ausência recorrente nas reuniões do trabalho.

── Bem, eu... ── Ele hesitou, como se tivesse tentando formular uma resposta. ── Eu não sou exatamente especialista em invadir coisas, mas... Tem algumas formas, né? Se você souber a senha de alguém, dá pra acessar pela conta no laptop... Então, talvez...

Violeta já havia tentando usar o celular de seu pai pelas costas dele, então entrar na conta pelo computador não seria tão ruim assim, principalmente se estivesse certa. Mas não queria estar. Não sabia se estava ansiosa por não saber, ou por estar com medo de descobrir.

Peter ficou em silêncio por um momento, observando Violeta. Ele podia perceber o quanto isso estava afetando ela. ── Se você quiser, posso te ajudar. ── Ele ofereceu, e Violeta olhou para ele.

Sentiu que seu mundo ficou um pouco mais leve. ── Tem certeza? ── Violeta perguntou, com a voz baixa.

── Claro. Amigos são pra isso. ── Peter sorriu, falando de maneira tranquila. Violeta achou que ele parecia estar tomando cuidado com o que falar e como falar, mas sua mente estava correndo demais para realmente pensar sobre isso. E realmente eram, porque em poucos minutos os dois estavam lado a lado, segurando um laptop e entrando na conta do celular de Beto.

Violeta digitou rapidamente no laptop, a ansiedade crescendo enquanto a tela carregou e o nome "Mirage" apareceu no topo na tela. Ela clicou no chat, os dedos tremendo. Era um chat sem foto e a mensagem mais recente era um endereço em Nova York.

── O que... ── Violeta começou a falar, tentando entender.

Em meia hora, Peter havia trocado de roupa e os dois estavam andando pelas ruas de Nova Iorque com pressa. Violeta mais do que Peter, mas estava grata por ele ter ido até lá com ela. Sabia que não aguentaria sozinha.

A cidade parecia mais fria e o silêncio entre os dois era pesado quando chegaram ao local indicado pelo chat de Mirage: um prédio comum em uma rua movimentada. Não havia nada de extraordinário na área, mas Violeta sentia sentimento de inquietude passando pelo seu corpo, como se estivesse prestes a descobrir algo que não queria saber.

── Olha só, o prédio tá ali. ── Peter indicou, mas Violeta não respondeu. Ela já estava observando o prédio.

Viu uma silhueta familiar saindo do prédio ao lado. Seu pai. Ele estava saindo com pressa, e Violeta teve a sensação de que ele estava tentando se esconder. O pior ainda estava por vir: ele não estava sozinho. Violeta parou no meio da calçada, sentindo seu estômago virar. Viu uma figura com a postura elegante e confiante sair ao lado dele, com cabelos descoloridos que desciam até abaixo dos ombros e usando roupas pretas, tão elegantes quanto ela mesma.

Era uma mulher. Uma mulher linda.

── Pai...? ── Ela murmurou para si mesma, quase sem acreditar em seus olhos.

Peter olhou para ela, mas antes que pudesse perguntar, Violeta se virou abruptamente, seu rosto agora uma mistura de dor e raiva. Ela não queria mais olhar. Não queria mais saber. ── Não, não. Eu não... ── Ela se interrompeu, as mãos fechando em punhos. ── Eu não posso fazer isso. ── Ela virou as costas para o prédio.

── Viol... ── Peter tentou chamá-la, sua voz suave, mas Violeta já estava longe. Ela não queria mais ficar ali, não queria mais ficar perto de nada que a fizesse lembrar daquela imagem.

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