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O DESPERTAR
22 de outubro

─── O qu- ─── O xerife começou a falar ao tentar se levantar, mas ele mesmo se interrompeu quando fraquejou e sentou na cama mais uma vez. Jodi havia se afastado depois de tirar o tubo de alimentação e estava encostada na parede próxima da porta, olhando-o com cautela. Ela não imaginava que ele realmente acordaria, e agora ela teria que descobrir como lidar com essa merda sem fazer o xerife surtar.

─── Você dormiu por muito tempo, cara. Pega leve. ─── Jodi murmurou, suas sobrancelhas franzindo conforme ela pensava quando intervir.

─── O que aconteceu? ─── A pergunta saiu baixa, mas não era uma surpresa. Com o tanto de tempo que ele esteve em coma, Jodi estava surpresa por ele sequer ter conseguido lutar contra o tubo por tanto tempo até ela chegar.

─── Teve um acidente, e você precisou ficar em um coma induzido pra se curar. ─── Jodi respondeu, respirando fundo antes de desencostar da parede.

─── Você é a enfermeira? ─── O homem perguntou com a voz rouca, e o tom confuso, mas Jodi não se virou para olhá-lo. Estava muito focada abrindo o armário para retirar uma muda de roupas que a esposa dele havia deixado dias antes, dizendo que era a roupa que ele usaria quando saísse dali. Na época, Jodi viu como a mulher tentando enganar sua mente afirmando que aquilo significaria que o xerife acordaria, e hoje ela estava grata pela mulher ter feito isso. Seja qual for o motivo.

─── Sou Jodi. Sua médica. De nada, inclusive. ─── Ela disse com um sorriso travesso, lançando-lhe um olhar antes de se voltar novamente para o armário. Com as roupas em mãos, empurrou a porta do armário com os pés, e ouviu o leve baque do armário fechando quando se virou para o xerife mais uma vez. Ele estava com as mãos na cabeça, como se estivesse doendo. ─── Vai passar, mas veste isso aqui. Você tem uma boa esposa. ─── Jodi podia jurar que viu o corpo do xerife tensionar, mas ignorou. Tinha coisas mais importantes do que focar em possíveis brincadeiras da sua mente.

Os olhos azuis do xerife estavam fixados na muda de roupas, mas parecia perdido mais uma vez. Jodi trocou o peso de pé, soltando um respiro impaciente.

─── Não é por nada não, mas dá pra vestir isso logo? Você é bonito, e tudo, mas não quero ter que ficar olhando pra sua bunda branca quando a gente sair daqui. ─── Jodi falou sem hesitar, arqueando uma sobrancelha e vendo o olhar perdido do xerife se voltar para o seu.

Ele pareceu ainda mais confuso, e era como se sequer tivesse processado as palavras de Jodi. ─── Você precisa ligar pra minha- casa. ─── As sobrancelhas de Jodi se levantaram automaticamente, percebendo a hesitação dele antes de dizer a última palavra. ─── Eu quero ver a minha família. ─── O xerife pareceu começar a ficar agitado mais uma vez, e Jodi soube que precisava dar um jeito de controlar a situação.

─── Vai trocar de roupa, e eu ligo pra eles. ─── Jodi falou, usando toda a sua força para manter sua paciência intacta. Mas, é claro, que tudo foi pra casa do caralho quando Jodi tentou se abaixar para deixar a muda de roupas na cama e o xerife viu o revólver na sua cintura. ─── Que porra. ─── Jodi xingou. ─── Eu posso exp-

─── Você tá armada?! ─── O xerife exclamou, dessa vez totalmente agitado, e tentou se levantar, mas ainda estava tão fraco que fraquejou de volta para a cama.

─── Para de tentar se levantar, cara! Pelo amor de Deus! ─── Jodi falou com estresse correndo pelas suas veias, tentando se aproximar para ajudá-lo. E, mais uma vez, é óbvio que o xerife não deixou com que ela chegasse perto, e ela conseguiu ver seus olhos calculando uma maneira de tomar o controle da situação. Ela conhecia bem o seu olhar, era o que via todas as vezes que se olhava no espelho. ─── Olha, eu preciso disso, tá bem? Veste essa merda enquanto eu te explico o que tá acontecendo.

Inicialmente, ela queria deixar ele se trocar no banheiro e depois explicar, ou pelo menos ficar de costas enquanto contava sobre o que aconteceu ─ privacidade e tudo. Agora ela não poderia fazer isso mais, porque era bem capaz do xerife achar que essa era uma chance de desarmá-la, achando que ela era algum tipo de bandida. Que bandido tomaria conta da porra de um hospital de uma cidade no meio do nada?

Num mundo ideal, ela deixaria ele fazer isso, assim teria uma desculpa para contra-atacar e imobilizá-lo. Mas esse não era o mundo ideal, e ele provavelmente se imobilizaria sozinho apenas tentando fazer alguma coisa, e então Jodi teria ainda mais trabalho.

─── Então não veste nada também! ─── Jodi perdeu a paciência, seus olhos irritados olhando para o xerife quando ele não se moveu. ─── Que saco, cara. Pra um xerife de uma cidadezinha você não é nada compreensivo. ─── Jodi resmungou, balançando a cabeça ao revirar os olhos.

Jodi se apoiou na parede mais uma vez, com os braços cruzados e os olhos firmes no xerife.

─── Fica sentado, pelo menos. ─── O tom de voz firme e sério de Jodi não deixava espaço para dúvida: era uma ordem. Felizmente, o xerife pareceu perceber isso. ─── Olha, eu não sei exatamente como te explicar isso da melhor maneira, então a gente vai ter que fazer um combinado. Você tem que ficar calado, e não pode tentar se levantar.

Com um pouco de hesitação, ele concordou com um movimento fraco da cabeça.

─── Tá, é o seguinte...

🦋

─── E então eu liguei pra todas as famílias, mas só três atenderam. Ninguém da sua casa. ─── Ela completou rapidamente, quando viu a boca dele se abrir. ─── Eu tenho cuidado do hospital desde então, mas você é o único paciente que sobrou.

─── E eles... Você sabe se... ─── O xerife tentou perguntar, mas não conseguia completar as frases. Jodi quase sentiu pena, e provavelmente teria sentido se estivesse prestando atenção. Em vez disso, seus olhos estavam fixados no curativo no abdômen do xerife. Por ele ainda estar com a maldita roupa de hospital, Jodi conseguia ver.

Desde que ele se agitou, Jodi tem se preocupado com o ferimento dele. Por mais que já estivesse melhor, o xerife sequer tinha tido tempo de uma recuperação completa.

─── Não sei. ─── Jodi respondeu, porque era ótima em delegar. Mesmo que não estivesse prestando total atenção, conseguia processar tudo que ele estava falando. Suspirando, Jodi levantou o olhar até o rosto do xerife ao mesmo tempo que passou a mão pelo seu rabo de cavalo. ─── A maioria das pessoas deixaram a cidade, e só tem essas coisas rondando por aí.

─── Mortos... ─── O xerife repetiu o que Jodi tinha explicado, parecendo exasperado. Seus olhos estavam fixos no chão, e ela honestamente não soube como ele não tinha desmaiado ainda. ─── Eu- Eu preciso achar eles. Carl- Doze anos... Meu filho- ─── Ele começou a divagar, e Jodi mal conseguia entender o que ele dizia de tão baixa que sua voz estava.

Mais uma vez, ele tentou se levantar. Jodi não sabia por que havia ficado surpresa, e grunhiu ao se mover rapidamente para pegar o xerife mais uma vez. ─── Você não é leve! Para de fazer isso. ─── Jodi resmungou ao fazer ele se sentar. ─── Olha, você acabou de acordar de um coma. Entende isso? Coma. ─── Frisou a palavra, apoiando as mãos em seus próprios joelhos e ficando cara a cara com o rosto pálido do xerife. ─── A única vez que você vai se levantar a partir de agora é quando eu mandar, entendeu?

O xerife pareceu estar em conflito. A essa altura, não tinha como não ter entendido que seu corpo estava frágil.

─── Olha, eu agradeço por tudo, mas eu não posso ficar aqui. Preciso encontrar a minha família. ─── O xerife finalmente se pronunciou, e Jodi grunhiu de frustração ao ver que ele decidiu ignorar suas preocupações médicas mais uma vez.

Não sabia como era ter uma família, de qualquer maneira, então Jodi não entenderia o que ele estava sentindo.

─── Cara, você- ─── Jodi se conteve no último minuto, segurando sua vontade de xingar. Ela se endireitou novamente, respirando fundo antes de encará-lo com um olhar sério. ─── Se você me deixar te examinar, pode sair e fazer o que quiser. Beleza?

Jodi sorriu para si mesma quando ele finalmente concordou com pelo menos algum dos termos dela, mesmo que ele pudesse morrer mais tarde. Rapidamente, começou o seu trabalho, usando de tudo que conseguia com os seus recursos disponíveis para verificar a saúde do xerife. Não importava se as coisas esgotassem, ele era o último.

Quase uma hora depois, Jodi estava observando Rick, que se movia, determinado.

Todas as checagens que Jodi conseguiu fazer mostravam que ele estava bem, apesar da fraqueza esperada após ter acordado de um coma. Finalmente vestido nas roupas que a esposa trouxe, Jodi percebeu que ele parecia menos morto. Ele mal podia esperar para sair dali e procurar por sua família, e ela podia ver a urgência em cada movimento dele. Ainda que ele tivesse acabado de acordar, Rick não mostrava qualquer hesitação.

─── Você tem certeza que aguenta? ─── Jodi perguntou, sua voz saindo com um tom desapegado, como se não estivesse com o peito apertado. Era estranho ver o único rosto vivo que restava naquele hospital ir embora, e Jodi estava estranhando o quão desconfortável estava com aquilo.

─── Eu preciso fazer isso. ─── O xerife respondeu, como se nada pudesse impedir sua decisão. Sua mente já estava feita, e Jodi sabia disso. ─── Obrigado. ─── Jodi deu um leve aceno com a cabeça, observando o xerife.

Ele deu um último olhar a ela, devolveu o aceno, e então começou a se afastar.

No começo, Jodi ficou parada, observando a ele se afastar pelo corredor. Ele era o último paciente, o último motivo para ela ficar ali... Agora, o hospital estava totalmente vazio e tudo o que restava era o silêncio e os ecos das tragédias que aconteceram.

Jodi suspirou, cruzando os braços enquanto trocava impacientemente o peso dos pés. ─── Isso é uma péssima ideia, Jodi ─── Ela murmurou para si mesma, percebendo o rumo dos seus pensamentos. Mas Jodi sabia que já era tarde demais. ─── Ah, que droga! ─── Jodi exclamou, e antes que percebesse estava correndo pelo corredor.

🦋

Jodi observava o xerife por canto de olho.

Ele parecia tentar conter parte das reações, mas ainda era transparente para um caralho. Dificilmente seria diferente, sendo a primeira vez que ele tinha um contato de verdade com essa merda toda. Até mesmo Jodi, que vivia escondendo o que estava dentro dela, não conseguiu disfarçar as suas próprias reações na primeira vez.

─── A gente pode ir na minha casa primeiro. ─── Jodi falou depois de uma longa caminhada silenciosa. Na verdade, nem fazia tanto tempo assim desde que saíram do hospital, mas o tempo parecia passar mais devagar. Talvez porque ela estava atenta a cada segundo que se passava, com medo do xerife colapsar no chão a qualquer momento. ─── Tenho que pegar umas coisas lá. Eu vi seu endereço na sua ficha, fica no caminho, de qualquer jeito. ─── Deu de ombros.

─── Po- ─── O xerife começou a falar, pela primeira vez. Não foi uma surpresa para ela quando ele tossiu. A garganta devia estar mais seca que o deserto. Era uma pena que ela teve que sair correndo para alcançar ele, ou teria conseguido pegar pelo menos uma garrafa de água. E sua outra arma. RIP, ela pensou com certo pesar.

Quando ele parou, tentando recuperar o fôlego, Jodi fez o mesmo. Começou a olhar ao redor com cuidado, a mão parando em cima da sua arma que estava escondida pela blusa. Era estranho o quão pacífico estava ali naquele momento. Jodi não viu uma alma viva, ou morta. Sabia que muitos tentaram ir até a zona de quarentena que o governo anunciou, então fazia sentido estar tão vazio. Mesmo em seu tempo no hospital, só duas pessoas cruzaram seu caminho.

Jodi estava prestando atenção nos menores cantos escondidos entre as casas. Em King County, as casas de estilo fazenda tradicional, com suas varandas rodeando a frente da casa, grande parte decoradas por plantas e cadeiras de balanço. Quando se mudou, enxergava como um lado ruim de King County o grande número de árvores cercando as casas, diferente de outras cidades pequenas pelas quais Jodi passou. Isso fazia Jodi reviver as memórias de sua infância.

O lado bom era que cresceu em um lugar cercado de árvores, e tinha desenvolvido uma habilidade muito boa de sobrevivência em lugares assim. Conseguia enxergar o menor movimento entre as árvores, mesmo de uma maior distância. Ou seja, era um traço muito bom de se ter quando estava sendo caçada por seres irracionais que atacariam a qualquer momento. Os mortos eram mais fáceis de detectar do que os vivos.

─── Por que não foi embora?

Jodi virou o corpo rapidamente para o xerife, esquecendo que ele estava tentando falar alguma coisa antes de toda a crise de tosse. Tinha se distraído observando os arredores, e foi pega de surpresa quando ele se recuperou sem ela ver.

Mesmo nas roupas casuais que a esposa tinha deixado no hospital, o xerife ainda estava pálido e com a pele brilhando de suor. Ele estava com a aparência bem melhor quando tinha acordado, mas é claro que quis ir contra Jodi e fazer esforço que não deveria. Não era uma surpresa que estivesse assim. Sinceramente, era um pouco patético como ele tentava se segurar em pé. Jodi tinha perguntado várias vezes se ele estava bem, e ele insistia que sim.

─── Não tinha outro lugar para ir. Ou motivo para sair. ─── Jodi disse, dando de ombros. Voltou a olhar para a frente, retomando seus passos. ─── Minha casa é logo ali.

Ouviu os passos do xerife atrás, mas continuou com o olhar fixo na varanda conhecida. Não tinha apego algum à sua casa em si, era apenas mais um bem imóvel que iria abandonar em algum ponto de sua vida, mas estava aliviada de ver o ambiente familiar. Quando saía do hospital para buscar um suprimento ou outro que faltava, o que era relativamente raro, Jodi não ia longe por medo de acontecer alguma coisa com seus pacientes ─ mesmo quando restou apenas o xerife.

Por isso, fazia semanas que não via aquele lugar.

Sua boca quase tremeu querendo sorrir, pensando em tudo que pegaria dentro da casa. Basicamente seu kit de fuga, que era algo real ─ tinha um motivo para Jodi ter conseguido sobreviver por tanto tempo desde que fugiu da fazenda ─, e o colar que sua tia lhe deu. Teve tanta pressa na última manhã em que esteve em casa que sequer teve tempo de pegar o colar. Naquela época, pensava que voltaria logo para sua casa.

Teria buscado mais cedo, mas sabia o que sua tia faria se estivesse aqui e visse Jodi negligenciando pessoas em necessidade para buscar uma peça de joalheria. Claro que para ela era mais que isso, mas ainda assim.

Assim que começaram a chegar perto de sua casa, Jodi tirou a arma de sua cintura e empunhou a arma. ─── Você devia estar carregando isso por aí? ─── O xerife perguntou, e Jodi olhou para o lado e viu como ele encarava a arma.

Jodi revirou os olhos. ─── Eu tenho porte legalizado, xerife. Pode ficar tranquilo. ─── O sarcasmo foi inevitável. E a mentira também. Jodi não tinha porte legal, mas era treinada. Isso devia servir de alguma coisa, certo?

─── Se o que você me disse for verdade- ─── Ele parou de falar por um segundo, tossindo mais uma vez. Dessa vez, pelo menos, o xerife parecia estar esperando, e logo se recuperou. Até mesmo conseguiu continuar andando. Que maravilha!. ─── acho que a lei é o menos importante. ─── Jodi parou na frente de sua casa e olhou para ele, esperando terminar o raciocínio. ─── Sabe mesmo usar isso?

Jodi piscou algumas vezes, querendo ter certeza de que ouviu certo. ─── Eu fui uma adolescente numa fazenda no meio do nada em Nebraska. É claro que eu sei usar uma arma.

🦋

Jodi testou o peso da mochila em suas costas. Um kit de primeiros socorros, duas mudas de roupas, um isqueiro, barras de cereais e de granola, um kit de higiene pessoal, uma faca de caça, munição, um caderno e uma caneta. Precisaria de mais? Com certeza, mas dava pra sobreviver com isso. Seus documentos ─ falsos ─ e dinheiro estavam escondidos em algum dos bolsos. Não sabia se precisaria, mas não doeria carregar eles. Não pesava, e não ocupava espaço.

─── Ô, xerife! Não vai entrar mesmo? ─── Jodi chamou enquanto descia as escadas, encarando a faca extra em suas mãos. Girava com cuidado, assegurando-se do corte afiado, antes de devolvê-la à bainha escondida em uma de suas botas militares. Jodi amava essas botas. Sentia que seus passos estavam até mais leves, com a felicidade que sentia usando-as.

Desceu os últimos degraus, parando na frente da escada e encarando a porta fechada.

─── Vai nem responder? Que ingrato. Era eu quem trocava a fralda ridícula que ele usava. ─── Resmungou sozinha, seguindo até a cozinha. Suas frutas estavam podres na cesta que deixava na mesa de jantar, uma mera formalidade ─ Jodi nem usava a mesa.

Foi direto até a geladeira, que obviamente não funcionava mais, e agarrou a primeira garrafa de água que viu. Duvidava que o xerife conseguiria chegar bem até a casa dele sem beber um pouco de água antes. Além disso, quanto mais garrafas, mais água. Fechou a porta da geladeira com um barulho alto, sem se preocupar, porque sua casa estava vazia de mortos. Além disso, os mortos faziam grunhidos sempre que se mexiam, e lá fora estava bem silencioso.

Jodi parou abruptamente, seu pé travado na entrada da cozinha. Silencioso até demais, ela percebeu. Focou sua audição o máximo que podia, sequer respirando, mas não encontrou nenhum som lá fora. Puta que pariu, Jodi pensou. Só falta ele ter desmaiado.

Mesmo assim, Jodi já havia aprendido que precaução nunca era demais. Por isso, andou com passos lentos e silenciosos até a janela da cozinha. A cortina ainda estava fechada, igual Jodi sempre deixava por não querer que vissem dentro de sua casa. Jodi afastou o mínimo possível para enxergar o exterior, e rapidamente viu o xerife jogado no chão. ─── Por- ─── Começou a xingar em um sussurro, até seu olhar subir e ela ver uma segunda figura.

Era um homem desconhecido por ela. Careca, pele escura, barba rala, alto, aparentemente em forma. Jodi olhou de cima a baixo, tentando tirar o máximo da aparência dele. Queria descobrir se tinha qualquer familiaridade, ou qualquer possibilidade de ameaça. Pelo menos não era um morto, foi o que ela pensava até ver a arma na mão dele.

Sua mente começou a trabalhar ainda mais rápido. A arma não tinha silenciador, e Jodi não ouviu um tiro. Ele estava sozinho no meio da rua, mas poderia ter visto Jodi entrando e mandado um possível colega para buscá-la. Isso não era ruim, porque todas outras entradas estavam trancadas e qualquer pessoa teria um tempo ruim tentando destrancar. A única entrada possível era a porta da frente, e Jodi teria ouvido.

O homem continuava a se aproximar. Jodi parou de segurar a cortina, fechando os olhos em um aperto antes de decidir sair pela porta. Não tinha tempo de abrir outra entrada sem aumentar a chance do xerife tomar um tiro. Foda-se, teria que ser isso.

Jodi pegou sua arma na cintura. Não era sua favorita, já que havia deixado a sua querida com o xerife por precaução. "E toma cuidado com ela. Assim que eu sair, vou pegar ela de volta e te dar a outra", Jodi explicou logo antes de entrar na casa mais cedo.

Abriu a porta devagar, não querendo causar uma surpresa grande o suficiente para o desconhecido atirar nela. Assim que abriu, voltou a mão para manter a firmeza da arma e começou a sair com passos lentos. O homem percebeu ela, é claro, e a arma logo foi apontada para ela. ─── Quem é você? ─── Perguntou.

─── Eu quem pergunto. A casa é minha. O estranho aqui é você. ─── Jodi respondeu, parando na escada quando um movimento chamou sua atenção.

Um morto, ou o tal colega. Jodi virou rapidamente, apontando a arma para o recém-chegado. Seus olhos se arregalaram quando viu que era uma criança. ─── Abaixa isso aí! ─── O desconhecido falou. Embora tivesse mantido o tom normal, Jodi sentiu a ameaça tão fortemente que sentiu um arrepio correndo pelas suas costas. Provavelmente era o pai.

A criança estava com os olhos tão arregalados quanto Jodi, que já voltava ao normal. Devagar, Jodi abaixou a arma e começou a guardá-la de volta em sua cintura. Quando conseguiu, levantou as mãos. ─── Eu só vou guardar. Devagar. ─── Jodi explicou, narrando seus movimentos. ─── Não sabia que tinha uma criança. Mas, em minha defesa, meu amigo tá desmaiado aí no chão. ─── Jodi apontou para o xerife com uma das mãos.

─── Tá andando com um transformado? ─── O homem perguntou, soando indignado.

─── Como assim transformado, cara? ─── Jodi perguntou de volta, confusa. Suas sobrancelhas franziram enquanto ela tentava entender. ─── Ele não é um dos mortos.

─── Então explica aquilo. ─── Ele retrucou, apontando para Rick.

Virando-se devagar para conseguir enxergar o xerife, Jodi desceu seu olhar até encontrar o motivo de apreensão, ou medo, do homem desconhecido. Olhou o cabelo desarrumado, o rosto suado e pálido, o braço jogado para o lado ─ segurando a querida arma de Jodi ─ e parou na blusa levada pela esposa. Caralho, Jodi pensou ao ver sangue manchando a parte da frente.

─── Resumo. Aquele cara era um xerife, tomou um tiro um tempo atrás, tava hospitalizado. Eu sou a médica dele. Aquilo ─── Jodi falou rapidamente, sem querer perder mais tempo, e apontou para o sangue. ─── é a ferida da bala. Preciso checar. Agora.

Talvez fosse a urgência na voz de Jodi, ou o olhar determinado em seus olhos, mas o homem acenou lentamente com a cabeça. Quando Jodi começou a se mexer, ele balançou a arma. ─── Devagar. Eu quero ver.

─── Pelo amor de Deus. Tá! ─── Jodi andou o mais rapidamente que conseguia sem que o homem mexesse a arma mais uma vez. Pelo canto de olho, viu a criança. Não parecia assustada pelo provável pai estar segurando a arma, ou apontando para duas pessoas. A criança estava assustada e encarando a mancha de sangue, segurando uma pá.

Finalmente alcançou o xerife, e levantou a blusa dele devagar. Em frases tão baixas que pareciam resmungos ─ e provavelmente eram, porque Jodi estava puta com o xerife por ter mentido dizendo que estava bem, e com o maldito que estava apontando uma arma para a cabeça dela ─, Jodi narrou tudo que estava fazendo. Por precaução. Quando levantou o curativo, xingou mais uma vez, pouco se importando se tinha uma criança ali.

Já não estava ligando mais para a arma, e jogou sua mochila rapidamente no chão da rua ao seu lado. ─── O que v- ─── O homem começou a falar, o tom mais alto como um aviso, mas a criança interrompeu.

─── Deixa ela, pai. ─── Saiu baixo, mas os dois ouviram. Jodi não se preocupou em olhar para cima, abrindo sua mochila para pegar gazes e álcool para limpar o sangue. Começou a limpar a ferida, tomando cuidado para não pressionar muito, e suspirou de alívio ao ver que não saía mais sangue. Provavelmente foi culpa do esforço desnecessário que Jodi avisou que ele não deveria fazer. Deveriam ter esperado mais um dia ou dois, antes dele sair todo-todo do hospital.

Trocou o curativo mais uma vez, e finalmente abaixou a blusa do xerife de novo. Deixou seu peso cair para trás, mantendo-se de joelhos e olhando o desconhecido. Em algum momento, ele havia se aproximado da criança. Enquanto o homem olhava Jodi com atenção, a criança olhava os arredores.

─── Então, tem uma blusa pra emprestar pra ele? ─── Jodi perguntou, sem qualquer cara de pau.

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