𝐢𝐢. 𝖭𝖠 𝖡𝖤𝖨𝖱𝖠 𝖣𝖮 𝖢𝖮𝖫𝖠𝖯𝖲𝖮
NA BEIRA DO COLAPSO
27 de agosto
─── Dillard, ainda bem que você chegou!
A emergência estava tão tumultuada que Jodi quase não ouviu a voz da médica atendente. O restante do hospital não estava diferente, e Jodi teve que passar entre várias pessoas para chegar até onde precisava. Mesmo que esse hospital fosse maior do que alguns de outras cidades pequenas pelas quais Jodi passou em sua vida, pareceu ser menor ainda com o tanto de pessoas que estava ocupando o local.
Jodi não sabia de onde estava saindo tantas pessoas assim, principalmente tão histéricas. Havia gritos e sangue para todos os lados da emergência, e Jodi percebeu que quase toda a equipe estava lá. Não foi apenas Jodi que foi chamada quando estava fora de serviço. Mesmo com a terrível noite de sono que teve ─ pela segunda vez ─, seu corpo pareceu renovado por toda a agitação.
Era difícil ficar cansada em meio ao caos.
─── Onde precisa de mim? ─── Jodi gritou para Stewarts, enquanto a atendente pressionava uma ferida em aberto.
Foi assim que Jodi se encontrou em um quarto no hospital, cuidando de um paciente acamado que parecia estar em agonia. Depois de duas horas de trabalho frenético, Jodi finalmente teve um paciente que não estava gritando em seu ouvido enquanto ela tentava cuidar de suas feridas. Aquele foi o dia em que mais teve pessoas na emergência, desde pessoas que tiveram fraturas nas costelas, até alguém que se queimou em uma fogueira ─ e tudo isso enquanto tentavam fugir de pessoas transtornadas, ou drogadas, como alguns afirmaram.
Não sabia o que estava acontecendo naquela cidade, mas nunca viu algo assim. Quando estava caminhando até o quarto em que estava, Jodi ouviu reportagens nas televisões de outros quartos sobre coisas assim acontecendo por todo o país.
Jodi estava administrando os medicamentos do seu paciente quando foi surpreendida pelo seu paciente. Em um segundo, ele estava delirando de olhos fechados, e no outro ele estava se contorcendo na cama. A pele do paciente, que antes estava em um tom pálido, começou a se tornar mais opaca conforme seus músculos começaram a se contrair violentamente, movendo seus membros em padrões desordenados.
Após um choque inicial, Jodi corre até seu paciente para tentar prendê-lo contra a cama. Usando toda sua força para tentar controlar os movimentos, Jodi chama por ajudar. ─── Enfermeira! ─── Jodi gritou, sentindo suas veias saltarem com o esforço para manter o paciente parado.
O paciente de Jodi começa a emitir grunhidos, sua cabeça sendo jogada para trás com a mesma força dos outros movimentos. ─── Dillard? O que você precisa? ─── Jodi olha para a porta, vendo Jim, um enfermeiro que conheceu quando entrou no hospital, correndo até ela. A voz dele se tornou ainda mais urgente quando viu a situação em que a médica estava.
─── Midazolam. 5mg. ─── Jodi ditou para ele, sua voz mais contida por causa de toda a força que usava em seus músculos. Continuou tentando manter o paciente o mais parado possível, tentando dar espaço para Jim se aproximar e administrar a dose. ─── Me ajuda aqui! ─── Jodi pede quando ele consegue, e indica para que ele segure os braços do paciente.
Dando a volta rapidamente após soltar seu aperto, Jodi puxa as faixas de contenção para prender o paciente contra a cama. Foi apenas o começo daquele inferno.
🦋
9 de setembro
Fazia doze dias desde que o presidente declarou estado de emergência.
Jodi estava trabalhando sem parar para garantir que os seus pacientes continuassem vivos, e não se tornassem mais uma daquelas coisas. Estava sendo uma tarefa difícil, principalmente porque o hospital parou de receber suprimentos, e Jodi perdeu a conta de quantas vezes teve que separar uma briga por medicamentos usando força bruta ─ algo que ela tinha de sobra por todas as horas que dedicava aos seus músculos nos últimos anos.
Mesmo assim, seu esforço não era sempre o suficiente e muitas vezes teve que acabar com um dos cadáveres que voltavam à vida após essas brigas resultarem em mortes. Jodi tentou deixar um dos seus internos, Max, com uma das armas que buscou em sua casa para que ele conseguisse proteger o estoque de remédios. Foi uma decisão perigosa, e ela sabia, mas não poderia vigiar o lugar e cuidar dos pacientes ao mesmo tempo ─ e sem remédios, sem pacientes vivos.
Não teria que se preocupar com a polícia de qualquer jeito, porque quase toda a cidade havia sido condenada. Tentou usar isso para convencer Max, mas no final quem ficou com a arma foi Jim, para o alívio da consciência de Jodi. Ele sabia usar uma arma ─ era filho de xerife ─, e era um dos poucos funcionários daquele hospital que ainda parecia ter uma cabeça.
Na verdade, ele era uma das poucas pessoas naquele hospital que ainda tinha a capacidade de pensar.
Jodi tinha certeza disso, porque o hospital estava cheio de militares imbecis que atiravam em qualquer coisa que se movia ─ incluindo os vivos! Essa ideia era uma merda. Não precisava ter muitos neurônios para entender que matar uma pessoa significava trazer uma dessas coisas. Nos últimos dias, Jodi perdeu a conta de quantos pacientes teve que amarrar na cama após perceberem que todos os que morriam voltavam assim.
Os corpos fora do hospital eram a prova disso. Todos os dias, Jodi e a equipe embrulhavam os novos cadáveres em sacos de proteção dados pelo governo ─ antes de tudo ir pro caralho, óbvio.
Jodi correu pelos corredores do hospital, fazendo tudo que podia para não esbarrar nas pessoas que estavam fugindo assustadas. Era o mesmo que navegar contra uma corrente, já que Jodi estava correndo na direção dos tiros. Seu esforço era quase inútil, mas ela ainda tinha trabalho a fazer. Quando virou o corredor, viu uma das internas paralisada de medo, e Jodi conseguia ouvir os barulhos de tiro ficando mais altos à sua frente.
Mesmo sem realmente querer, Jodi se obrigou a parar na frente da interna. Sem hesitar, deu um tapa forte no rosto pálido de Siena, e viu os olhos verdes se arregalarem na sua direção. ─── Sai dessa, porra! Tá com vontade de morrer? ─── Jodi falou com tanta força que quase cuspiu no rosto da interna, mas não poderia ligar menos.
O corpo de Siena vibrou quando os tiros ficaram mais altos, e Jodi olhou para o final do corredor mais uma vez. Já conseguia ver as luzes das balas disparadas.
─── Caralho! Mas que merda! ─── Jodi xingou sem parar, olhando para os quartos ao seu redor. O tempo estava mais curto do que ela imaginava. Precisava dar um jeito de esconder essa idiota para que ela não acabasse morta e tentasse atacar Jodi, ou algum dos pacientes.
Seus olhos passaram rapidamente pela figura familiar de um homem uniformizado protegendo a porta de um dos quartos com uma maca. Mais tarde, Jodi entenderia exatamente o que aconteceu. Naquele momento, entretanto, era apenas um mero detalhe.
─── Vem comigo. ─── Jodi falou, puxando a interna consigo para dentro do próximo quarto. Praticamente jogou a mulher no chão, se virando rapidamente para trancar a porta por dentro com sua mão esquerda ─ a direita pesava com o seu revólver, uma precaução necessária. Jodi manteve o rosto encostado na porta, ouvindo cuidadosamente.
Foi assim que ela conseguiu saber exatamente quando os militares viraram a esquina para entrar no corredor dos quartos onde ela estava.
Jodi se virou, agarrando Siena mais uma vez ─ a mulher havia começado a chorar, mas pelo menos era um choro baixo. Com seus passos silenciosos, Jodi entrou no banheiro e escondeu Siena consigo. Prensou a mulher entre a parede e o seu corpo, tampando a boca de Siena para que seu choro não chamasse a atenção dos militares. ─── Fica quieta, para o bem de nossas vidas. ─── Jodi sussurrou, desviando o olhar somente quando Siena mexeu a cabeça em concordância.
Sequer sabia se isso funcionaria. Seu plano era esconder todos os pacientes que pudesse para que não fossem mortos pelo exército, mas obviamente não conseguiu.
As lágrimas de Siena molharam os dedos de Jodi, se infiltrando debaixo de sua mão que bloqueava parte do caminho. Jodi sentiu a tensão preencher seu corpo quando ouviu os passos pesados pelo corredor. Para evitar suspeita caso algum militar caso chegasse a arrombar a porta do quarto, ela tinha deixado a porta do banheiro aberta. Não conseguiriam vê-las daquele ângulo, mas a porta aberta poderia mostrar que não estava sendo usado de esconderijo.
Mesmo que estivesse.
Era quase impossível não sentir o olhar de Siena queimando a lateral de seu rosto enquanto olhava para dentro do quarto. Mais uma vez, conseguiu ouvir quando os passos se tornaram mais altos, dessa vez indicando que estavam na frente do quarto. Jodi apertou a palma mais forte contra a boca de Siena, comunicando que estavam no momento mais crucial de todos.
Conseguiu ouvir a maçaneta da porta se mexendo, e alguém tentando abrir a porta.
Jodi prendeu sua respiração, sentindo o próprio coração de Siena batendo contra o seu peito por causa da proximidade. Um, dois, três, contava mentalmente até qualquer dica de que os militares passariam direto por elas, ou entrariam no quarto e acabariam com elas.
Quando menos esperava, ouviu os passos se afastando novamente. Eles não tentaram invadir, alguns tiros sendo disparados na distância confirmaram isso. Seu peito encheu de ar quando ela respirou aliviada, soltando Siena e se afastando da interna. Jodi encostou suas costas na parede oposta ao dar passos para trás, passando sua mão pelos seus cachos. Pelo canto de olho, viu Siena abraçar o próprio corpo, mas Jodi estava ocupada demais tentando normalizar seus batimentos.
─── Obrigada. ─── Siena sussurrou, soluçando.
─── Me agradece quando essa merda acabar. ─── Jodi resmungou, segurando a vontade de chutar a porta do banheiro.
O que fez, entretanto, foi sentar no chão, mantendo seus braços em cima de seus joelhos. Dentro do quarto, cada tic tac do relógio na parede era responsável por um aumento no pico de tensão de Jodi. Encarava a porta do banheiro com atenção, como se pudesse ouvir qualquer som que indicasse uma nova ameaça, sentindo o suor escorrer por sua testa.
Com o tempo, Siena acabou se aquietando e sentando no chão assim como Jodi. Não teve mais barulhos no corredor, ou tiros no hospital depois de pouco mais de uma hora ─ Jodi verificou seu relógio de pulso para checar.
─── Eu vou sair e dar uma olhada. ─── Jodi falou para Siena, já se levantando. ─── Vai ficar? ─── Perguntou, passando as mãos pelo seu uniforme, tentando limpar da pouca sujeira do chão do banheiro. Quando não obteve uma resposta, olhou pelos cílios na direção de Siena, encontrando a mulher encarando o chão. ─── Ei. Quer ficar ou sair? ─── Jodi perguntou mais uma vez, estalando os dedos para chamar a atenção da outra.
Recebeu um balanço de cabeça desorientado, e Jodi acenou. Seria melhor assim, caso tenha alguém lá fora. Jodi ajeitou seu revólver em suas mãos, vendo o olhar de Siena subir para a arma. Era impossível perder o medo no rosto da outra médica.
─── Só vou usar isso se precisar. Você viu como lá fora estava. ─── Jodi falou para a mulher, sua voz quase tão rouca como a de sua tia ─ e era o único pedaço de Jodi que não tentava mudar, apesar de que não teria como nem se quisesse. ─── Eu volto quando ver se a barra tá limpa. Lava o rosto se precisar. ─── Jodi acenou com sua cabeça na direção da pia.
Não esperou uma resposta, e saiu do banheiro sem olhar para trás.
Quando destrancou a porta e pisou fora do quarto, Jodi deu de cara com um abandono surpreendente. Uma hora atrás, era quase impossível andar pelos corredores sem esbarrar em dezenas de pessoas. Agora, a única dica daquilo eram os corpos deixados sem vida no corredor.
Jodi levantou seu revólver ao começar a andar, olhando para os lados em busca de algum militar ou alguma daquelas coisas transtornadas. Andou de um lado para o outro do corredor, entrando nos quartos que antes abrigavam seus pacientes, mas que agora apenas guardava seus cadáveres. Marcas de tiros eram visíveis nas testas e nos peitos de todos os seus pacientes, e Jodi sentiu sua raiva aumentar.
Qualquer esperança que Jodi tinha de salvar aquelas pessoas evaporou.
Antes de chegar nesse corredor uma hora atrás, Jodi tinha conseguido esconder poucos pacientes em banheiros e almoxarifados na sua corrida que começou na pediatria. Trancou todas as portas, e instruiu que ficassem quietos ─ na verdade, acabou gritando isso por causa da pressa. Para as crianças, Jodi fez com que levassem seus brinquedos preferidos e pediu que as crianças tampassem os ouvidos.
Quando alcançou o quarto 450, Jodi viu que a porta do xerife permanecia fechada pela maca. Os militares não entraram lá, então voltaria até lá depois de chechar os outros.
Com passos pesados pela tensão, Jodi seguiu até a ala pediátrica que ficava dois corredores abaixo. Checou os quartos como fez antes, recebendo os mesmos resultados decepcionantes. Quando finalmente chegou nos corredores coloridos. As paredes estavam manchadas de sangue, com o corpo de funcionários e visitantes jogados pelo chão.
Jodi apertou seus lábios ao passar pelo primeiro corpo infantil, sentindo sua garganta fechar. Felizmente, não havia muitos outros ─ e isso ser bom já mostrava o quão fodida essa situação era, porque não deveria ter nenhum.
Quando alcançou o almoxarifado em que trancou os pacientes que conseguiu reunir, Jodi levantou sua mão com a chave e percebeu que tremia. Sua respiração prendeu ao colocar a chave, soltando o ar quando a chave virou. Não tinha sido destrancado.
─── Jodi! ─── Uma pequena voz surgiu assim que abriu a porta, e um pequeno corpo pressionou o seu. Jodi sequer teve tempo de reagir antes das outras duas crianças se unirem, falando ao mesmo tempo sobre os barulhos que ouviram. No fundo da sala, viu o Sr. Bennett, Amelia, Estes e Amanda ─ os outros quatro pacientes que conseguiu reunir: três adultos e uma adolescente. Jodi balançou a cabeça quando Estes se mexeu, fazendo a adolescente parar.
Jodi olhou para os lados, vendo os corpos no corredor. Não eram muitos, mas ainda estavam ali. Com cuidado ela empurrou as crianças devagar de volta até o almoxarifado antes que olhassem ao redor. Felizmente, somente olharam para ela. ─── Ei, vocês já brincaram de cabra cega?
🦋
Quando o céu estava em um misto de laranja e rosa, com o sol se pondo, Jodi abriu a porta do quarto do xerife.
Lá estava ele, ainda deitado e em coma. As máquinas estavam novamente ligadas e faziam um barulho de fundo para a cena que parecia pacífica em meio ao restante do hospital. Era como se o caos que tomou conta do hospital tivesse decidido ignorar aquele espaço. Na mesinha ao lado da cama hospitalar do xerife, um buquê de flores coloridas decorava o ambiente, e Jodi não conseguiu evitar a risada ao ver aquilo.
Foi uma risada curta e sem vida. Na verdade, quase incrédula com a situação. Depois de tudo que viu naqueles corredores, aqui estava o xerife ─ deitado em paz, alheio a tudo.
─── Fala sério, xerife. Desse jeito, parece que sua vida tá ótima. ─── Jodi falou com a voz tremida, dando a volta para checar as máquinas e ter certeza de que estavam funcionando normalmente. Depois de checar os batimentos manualmente, Jodi ajusta o travesseiro dele. ─── Tá estável, Grimes. ─── Jodi murmura baixinho.
Com o estômago apertado e o coração pesado, a cadeira ao lado da cama parece muito convidativa para Jodi. Poderia voltar para a sala de descanso dos atendentes, mas algo fez com que Jodi quisesse ficar.
Ela se senta na cadeira ao lado da cama, soltando um resmungo ao sentir suas costas atingirem a superfície dura. Por alguns minutos, Jodi deixa os barulhos das máquinas virarem a trilha sonora e fica observando o xerife. Era difícil desviar o olhar quando ele era a única coisa normal que ela parece ter visto nas últimas horas. ─── Você realmente não tem ideia, não é? ─── Jodi murmura baixinho, em um misto de frustração e alívio. ─── Não sei se tô ficando louca, mas acho que queria estar no seu lugar agora, xerife.
Passando a mão pelo seu cabelo preso, Jodi solta um suspiro pesado. Era carregado por todos os sentimentos que ela estava sentindo agora.
─── Os militares invadiram esse lugar, e mataram todo mundo que conseguiram achar. ─── Jodi soltou uma risada anasalada, sentindo uma queimação por dentro. ─── Eu só consegui ajudar sete pessoas. Sete. ─── Jodi só contou os pacientes que ajudou, não considerando ter ajudado qualquer outra pessoa. ─── Pelo menos o Jim também tá vivo, mas ele já disse que vai ir embora e sair daqui com a família dele. Eu tentei ligar pra casa das pessoas que eu escondi, mas, caralho, só quatro atenderam.. E deles só a família do Sr. Bennett e da Erica vieram. Vou ter que cuidar de duas crianças até a família delas aparecerem, xerife. E isso se aparecerem, se eles não tiverem sido devorados por essas coisas que apareceram.
Jodi se inclinou para a frente, apoiando seus cotovelos nas coxas e escondendo o rosto nas mãos. Sentiu as lágrimas querendo sair, mas não deixou, passando uma mão pelo rosto ao voltar a olhar para o xerife.
─── Uma hora as coisas vão acabar, e eu não sei se vou conseguir cuidar deles. Isso sem contar comida, vai saber se alguém vai conseguir consertar essa merda que tá acontecendo. ─── Jodi engoliu em seco, olhando o rosto pacífico do homem. ─── Eu nem sei por que tô falando disso com você. Talvez seja porque você não vai responder, ou porque eu não sei o que fazer. ─── Jodi sussurrou a última parte, descendo seu olhar para o chão entre seus pés.
Ainda assim, Jodi tinha assumido uma responsabilidade ao salvar aquelas pessoas, e sabia disso. Respirando fundo, Jodi deu um último olhar na direção do xerife antes de se levantar. Estava um pouco mais leve por ter falado algo, mas conversar com uma pessoa em coma não era algo que Jodi pretendia transformar em uma rotina. Ela não pretendia, mas foi o que aconteceu.
Aquela foi a primeira vez que desabafou com Rick Grimes, e não foi a última.
🦋
22 de outubro
Jodi estava oficialmente sozinha.
Era o que ela considerava, pelo menos, já que sua única companhia era um homem em coma. Já fazia alguns dias desde que começou a reduzir os medicamentos do xerife, pela melhora que ele havia apresentado. Mesmo assim, Jodi não tinha certeza se estaria por perto para ver se ele acordaria mesmo. Era o dia 59 dessa merda ─ sim, Jodi estava contando ─ e ela já estava sozinha em um hospital daquele tamanho.
Toda a equipe médica se fora, seja por vontade própria ou por terem morrido. Essa era a realidade agora, todas as vidas estavam contadas. Os pacientes não estavam diferentes, e o xerife era o único que restou. Talvez fosse por isso que sequer prestou atenção no caminho que os seus pés seguiram após acordar na sala de plantão, que havia se tornado seu lar temporário.
Quando estava perto do quarto do xerife, Jodi ouviu um barulho alto, e adivinha? O barulho veio exatamente do quarto 450.
Jodi apertou seu revolver em mãos, desejando mentalmente que o xerife estivesse acordado e vivo. Não queria ter que atirar em mais uma daquelas coisas. Se tivesse que ser bem sincera ─ o que ela nunca falaria em voz alta ─ estava torcendo para ele estar vivo porque não queria continuar sozinha. Mesmo que o xerife estivesse em coma quando ela conversou com ele, era o mais próximo que ela tinha de um amigo em anos.
Usando parte da sua atenção para manter seus passos silenciosos e calculados, Jodi andou até a porta. Com cuidado, tirou a maca de frente da porta ─ desde que viu o amigo do xerife usando isso como proteção, manteve a ideia e fazia o mesmo na sala em que dormia. Quando afastou a maca o suficiente para abrir a porta, ajustou a firmeza na arma na mão direita e usou a outra para abrir a maçaneta devagar.
Com o cuidado de quando era adolescente, Jodi abriu a porta sem fazer barulho até conseguir ver dentro.
Não soube o motivo de ter ficado tão surpresa ao ver o xerife engasgando contra o tubo de alimentação que passava pelo seu nariz até o estômago, e retornou sua arma para o lugar na cintura de sua calça jeans. O homem estava tão transtornado que sequer percebeu a porta sendo aberta.
─── Finalmente, Bela Adormecida. ─── Jodi disse com um sorriso de lado, como se o homem não estivesse literalmente engasgando ─ e como se seu coração não estivesse totalmente aliviado com a visão do quase-mas-não-realmente desconhecido na sua frente. ─── Para de mexer, ou vai se machucar, cara. Deixa que eu tiro essas coisas. ─── Disse em seguida, andando até o lado dele.
O homem estava tão transtornado que sequer percebeu a presença da mulher, ou simplesmente decidiu ignorar. Provavelmente a segunda, porque ele continuou assim mesmo quando Jodi tentou segurá-lo. Com cuidado, Jodi retirou o tubo até que toda sua extensão saísse pelo nariz. Sabendo que não precisaria, Jodi não hesitou antes de jogar o tubo no chão.
───E aí, melhorou? ───Jodi perguntou com um sorriso de lado, achando graça mesmo que a situação fosse o total oposto. Foi somente nesse momento que os olhos dele finalmente levantaram em sua direção. Quando seus olhares se encontraram, o olhar do xerife quase a fez parar no meio do caminho.
Ao encontrar os olhos de Rick, despertos pela primeira vez, Jodi sentiu algo que não sentia há muito tempo — a certeza de que, apesar de tudo, ela não estava mais sozinha.
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