𝐢. 𝖠 𝖢𝖧𝖤𝖦𝖠𝖣𝖠
A CHEGADA
25 de agosto, 2010
Jodi conseguia sentir seu corpo começando a entrar em pânico.
Suas mãos tremiam incontrolavelmente, e um suor frio começou ase formar na testa. Sua respiração estava rápida e superficial, e simplesmente incontrolável. Mesmo assim, Jodi tenta, em vão, controlar. Seu coração estava tão descontrolado quanto, com os batimentos tão fortes que formavam um som quase palpável, que parecia ecoar em seus ouvidos.
O turbilhão de pensamentos desordenados em sua mente certamente não estava ajudando, ela sentia o ambiente ao redor começar a desaparecer. Tudo estava sumindo, exceto a visão que fazia seu interior entrar em pânico. Era surpreendentemente como ela não estava sentindo vontade de vomitar.
Jodi não conseguia acreditar que realmente tinha feito aquilo. Desde que tudo começou, ela jurou para si mesma que faria qualquer coisa se significasse fugir desse terror. Qualquer coisa, mas não achou que chegasse a ser isso.
Sua mente gritava para que ela se levantasse e fugisse, para que fosse para longe dali como ela tinha planejado desde o começo. Jodi piscou pela primeira vez ao sentir algo molhado tocando a ponta dos seus dedos. Ela não precisava olhar pra baixo para saber o que era: o sangue que escorria do corpo estirado no chão, começando a manchar os seus dedos.
Foi assim que ela saiu do seu pequeno transe e começou a correr.
A mulher de vinte e sete anos ─ vinte e oito em alguns meses ─ acordou com um salto, buscando ar em um ofego desesperado. O suor escorria pelas suas costas e testa, criando uma mistura de sensações nauseantes junto de seu coração batendo rápido demais e do seu estômago embrulhado. Jodi olhou para a sua direita, vendo o despertador em sua mesinha de cabeceira: 05:57, três minutos antes do seu alarme.
─── Caralho. ─── Jodi resmungou consigo mesma, passando uma mão pelos seus cachos amassados e volumosos. Conteve um outro palavrão ao sentir os fios levemente pegajosos devido ao suor. Aquele pesadelo havia roubado tudo que ela não havia recarregado durante a noite, e ela sentia seu corpo querendo despencar. Era nítido que ele implorava por uma nova tentativa de descanso.
Jogando seu tronco de volta na cama, Jodi pegou seu travesseiro atrás da sua cabeça. Assim que seu corpo aterrissou novamente, ela enfiou o travesseiro no rosto e gritou. Geralmente, era ótima em controlar suas emoções, mas tinha passado a noite inteira tendo pesadelos.
Aquilo teria seu preço, e ela já conseguia sentir o quão ruim seria aquele dia.
Jodi sentou na cama mais uma vez, colocando seu travesseiro de volta ao lugar em que pertencia. No mesmo instante, seu despertador tocou, e ela apenas bateu a mão cegamente na sua direita, atingindo o pequeno dispositivo de primeira. Pegando um amarrador, Jodi prendeu seus fios no melhor coque que conseguia fazer naquele momento.
O sol sequer havia surgido no horizonte, faltava pelo menos uma hora para isso. Mas era a hora em que ela acordava. Sempre, sem exceções.
Hora de começar o dia, Jodi pensou ao se levantar.
🦋
Jodi havia acabado de liberar sua última paciente, uma mulher de cinquenta e sete anos que se feriu no no tornozelo com sua enxada enquanto capinava o jardim. Por pior que parecesse, só havia ocorrido um corte que por pouco não precisaria de pontos. Depois de passar vários minutos tranquilizando a mulher, chamada Sheila, de que a ferida não era profunda e não apresentava nenhum risco, Sheila começou a compartilhar histórias de família com Jodi.
Quando terminou de tratar a ferida, Jodi sentia que havia aprendido tudo sobre os cinco filhos de Sheila. Inclusive, tinha quase certeza de que um deles era um de seus pacientes recorrentes, Jeremy. "Paciente" entre aspas, na verdade. O homem ia à emergência sempre que algo acontecia ou quando sentia algo diferente, e muitas vezes sequer precisava de um tratamento. Justamente por isso, era Jodi quem ficava encarregada de sua triagem, por ser a interna ─ até um mês atrás, quando completou seu primeiro ano.
Jeremy sempre rendia boas risadas para a equipe, com o quão carismátio e dramático era todas as vezes. Mesmo sendo exagerado, era divertido.
─── Paciente chegando! ─── Lilian, a enfermeira de emergência, exclamou do outro lado da sala. Jodi virou seu quinto, ou talvez mais ─ ela tinha perdido a conta ─, copo de café naquele dia. Quando Lilian anunciava assim, era algo sério, e Jodi jogou o copo vazio na lixeira próxima.
Pelo canto do olho, viu a Dra. Stewarts, a médica atendente que havia guiado Jodi em seu primeiro ano, se aproximando com passos rápidos. Jodi já estava de pé, e seguiu atrás da mulher de cabelos claros até saírem da emergência e aguardarem a chegada da ambulância. Já era possível ouvir a sirene se aproximando.
A ambulância estacionou com um estrondo abafado, parando na frente da emergência. As portas traseiras abriram, e Jodi deu espaço para os paramédicos descerem a maca. Ela permaneceu um pouco atrás da atendente, que começou a andar até a maca que estava sendo deslocada da ambulância. Ainda era o suficiente para Jodi ver seu perfil e, por isso, a reação da mulher foi clara quando olhou para o paciente.
O primeiro sinal claro para Jodi foi o súbito congelamento no seu passo, e os olhos se arregalando quando ela claramente reconheceu o paciente. Jodi viu a médica segurar a maca com força, os dedos brancos demonstrando um esforço para manter a compostura.
Stewarts rapidamente se recompõe, ajustando os ombros e respirando fundo. Sua expressão mudou tão rápido que Jodi quase duvidou do que tinha visto.
─── O que temos aqui? ─── A mais velha perguntou, andando com a maca quando ela alcançou o chão. Foi nesse momento que Jodi deu um passo pra frente, e observou o homem deitado. A pele estava pálida e suada, e os seus olhos estavam arregalados, apesar de não parecerem focados em nada.
Mesmo assim, Jodi conseguiu reconhecer o xerife que costumava ver durante suas caminhadas matinais. Ela o tinha visto naquela mesma manhã, treinando no mesmo parque e horário de sempre. Jodi sempre reparava como ele parecia tão consistente e certo com sua rotina, assim como ela. Era estranho vê-lo quase desacordado em uma maca no seu trabalho apenas algumas horas depois, mas era assim que uma cidade pequena funcionava.
Nos raros casos de ferimentos graves, você já deveria saber que provavelmente conheceria seu paciente. No seu um ano ali, Jodi já havia substituído quatro membros da equipe em cirurgia pelo paciente ser um familiar, não apenas conhecido. Um membro da família. Jodi se perguntou se esse seria o caso ao se lembrar da reação inicial da médica atendente.
Os paramédicos trabalharam com precisão, era óbvio. Jodi observou o curativo pressionado pela outra paramédica. Parecia estar absorvendo o sangue, mas a aparência pálido do xerife e sua condição geral indicavam um quadro mais grave.
Rápida em se mover com sua superior, Jodi agarrou um dos lados da maca, ajudando a levar a maca para dentro da emergência. Enquanto isso, o paramédico encarregado começou a explicar a situação.
─── Rick Grimes, 31 anos. Sofreu um ferimento de bala na região inferior das costas, na lateral esquerda do tronco, com ferimento de saída no abdômen inferior esquerdo. Apresenta sinais de hemorragia interna significativa e aplicamos pressão direta para controlar o sangramento visível. ─── O paramédico falou enquanto passavam pelas portas abertas da emergência, e Jodi ajudou a transferir o paciente para a maca interna. ─── Ele está recebendo oxigênio suplementar para manter a oxigenação, e administramos morfina. A pressão está em 95/65.
Stewarts sequer levantou o olhar, se movendo ao lado da paramédica para observar o curativo. Sua expressão permanecia séria e focada. ─── Montes, manda prepararem a sala de cirurgia, e a equipe. ─── Falou enquanto checava a extensão da ferida de entrada, ao passo que Jodi se movia para monitorar os sinais vitais do paciente. ─── Dillard, eu quero uma tomografia pra ver com o que a gente tá trabalhando.
Jodi acenou, começando seu trabalho.
O som de monitores e conversas apressadas preencha o ar. Cada segundo contava enquanto a equipe trabalhava para estabilizar, e tratar, Rick. Se Jodi, que estava na cidade há pouco mais de um ano e quase não socializava com os membros da comunidade, conhecia o xerife, ela não queria nem imaginar quão bem os outros ali o conheciam.
Dava para perceber na maneira como se moviam, como suas expressões estavam ainda mais concentradas do que o normal. Jodi fingiu não ouvir quando a atendente respirou fundo, e sussurrou baixinho enquanto trabalhava: ─── Você vai voltar pra sua família, querido. Vamos cuidar para que isso aconteça.
Algumas horas depois, Jodi se dirigiu até a sala de antecâmara. Ela retirou as luvas ensanguentadas antes de tirar sua máscara e roupa estéril, jogando todas as coisas no descarte. Seus músculos reclamavam em dor pelas horas que passaram auxiliando na cirurgia ─ apesar de que para Jodi, essa dor era ainda mais satisfatória do que as dores de um exercício físico intenso.
Era o resultado de conseguir exercer seu trabalho, e ser bem-sucedida nele.
O xerife iria sobreviver, apesar de precisar ser colocado em um coma induzido. Era necessário, mesmo que a cirurgia tenha sido um sucesso, já que os ferimentos tinham sido mais graves e o corpo tinha passado por muito estresse.
O outro motivo para seu bom humor era: Jodi não atualizaria a família. Stewarts insistiu em tomar as rédeas dessa responsabilidade, provavelmente porque já os conhecia. Era uma das partes que Jodi menos gostava, mesmo quando as noticias eram boas, como nesse caso ─ menos a parte da indução de um coma, claro.
Sentimentos não faziam parte da sua zona de conforto.
Enquanto andava até a sala da equipe, Jodi ouviu os outros funcionários conversando nos corredores. A noticia de que a cirurgia tinha ocorrido bem viajou em questão de minutos, e ela tentou ignorar as vozes ao seu redor enquanto sentia seu corpo tomado pelo cansaço.
Foi difícil, principalmente quando abriu a porta da sala e todos estavam falando sobre isso. Será que todos estavam interessados porque conheciam o xerife, ou porque o tiro fez aquele ser o caso mais interessante que receberam durante o ano inteiro?
Jodi andou diretamente até a mesinha de café e encheu o maior copo que achou, bebendo tudo em um gole.
─── Eu ouvi que você tava na cirurgia do xerife! Bom trabalho, Dillard ─── uma outra médica disse para Jodi, que apenas deu um sorriso fechado. Era óbvio que estava feliz por ter salvo seu paciente, mas o corpo de Jodi já gritava "me dá um descanso, porra". Mesmo sendo alguém que aguentava plantões de 42h, aquela madrugada havia sido terrível.
─── Stewarts foi incrível. ─── Jodi fez uma leve pressão nos lábios, tentando manter o sorriso que mal se sustentava no rosto. Suas sobrancelhas se ergueram sutilmente, um gesto quase imperceptível que passava a impressão de um "pois é" desinteressado. A outra mulher abriu a boca para falar algo, mas Jodi a cortou assim que percebeu. ─── Eu preciso ir checar alguns pacientes. ─── Jodi tentou ser educada, quase suspirando de alívio quando a médica sorriu e fez um gesto largado com a mão.
─── Relaxa, sei como é. Quando você acabar a gente te procura pra saber tudo da cirurgia. ─── A médica agitou os ombros fazendo uma pequena dancinha antes de se virar e sair da sala ainda sorrindo. Era como uma criança descobrindo que o Papai Noel chegaria logo com seu presente de natal. Sério, Jodi tinha que dar um jeito de sair dali o mais rápido possível.
Infelizmente, parecia que sua postura não estava tão fechada quanto queria. Jodi teve que interagir com mais quatro pessoas até finalmente conseguir encher o copo novamente. Geralmente ela se esforçava um pouco mais em ser agradável com seus colegas de trabalho, mas estava realmente cansada naquele momento.
Além disso, não havia mentido. Ela tinha dois pacientes de pós-operatório para checar, e gostaria de começar logo para fugir dos colegas que com certeza a abordariam. ─── Preciso ir agora. ─── Jodi falou para os outros, dando um sorriso fechado enquanto levantava seu copo com café.
Foi um alívio quando Jodi conseguiu checar seus pacientes sem qualquer interrupção. Geralmente, ela não se importava de ouvir seus pacientes falarem desde que não atrapalhasse seu trabalho, ou não obrigassem ela a falar. Porém, seu alívio foi tanto que ela participou da conversa.
Apenas um pouco, é claro, e nada que fosse pessoal.
Depois de sair do quarto do segundo paciente, Jodi acabou passando pelo corredor onde ficava o quarto atribuído ao seu paciente mais recente. Jodi ouviu uma voz infantil dizendo: "eu posso doar meu sangue! é o mesmo tipo do papai", seguido por uma voz feminina tranquilizando o garoto claramente agitado.
Foi apenas por isso que ela não entrou. Se sentimentos não eram sua coisa, Jodi com certeza evitaria a família de um paciente que foi colocado em coma após uma cirurgia. Foi por isso que ela apressou seus passos e foi o mais longe possível daquele quarto.
🦋
26 de agosto
O xerife estava indo muito melhor do que o esperado, Jodi percebeu. Era o dia seguinte da cirurgia, e os sinais continuavam estáveis. Disso ela tinha plena certeza, porque Stewarts fazia ela checar os sinais a cada hora. Jodi descobriu, ouvindo conversas nos corredores, que a atendente tinha sido babá do xerife quando ela estava no ensino médio.
Aquilo explicava tudo, provavelmente enxergava o xerife como um primo. Talvez até como um irmão mais novo, dependendo de quanto tempo ela cuidou dele.
Jodi parou na frente do quarto 450, que já estava começando a ficar familiar demais. E isso em apenas um dia. Jodi não estava ansiosa para descobrir como ficaria até o final da semana ─ talvez se tornasse mais familiar do que sua própria casa.
Tinha sido uma surpresa o quão profissional, e emocionalmente desapegada, a atendente havia sido na cirurgia. Não admitiria em voz alta, mas havia subestimado a mulher quando viu a reação dela ao ver o xerife chegando na emergência.
Jodi empurrou a porta com sua mão livre, já usando a outra para levantar a prancheta com a ficha hospitalar do xerife. Seus olhos estavam focados nas informações que já havia decorado desde o dia anterior, passando os olhos por elas apenas por mania.
Aquele foi seu erro.
Se estivesse olhando para dentro, ou se pelo menos sua audição não estivesse focada na conversa das enfermeiras ao lado, Jodi não teria sido pega por surpresa. Em sua defesa, Jodi estava ouvindo a conversa porque era sobre o memorando publicado pela OMS sobre como descartar os restos mortais de indivíduos afetados com o novo vírus que estava atacando a população mundial.
Ela ainda lembrava do memorando em 15 de abril sobre esse vírus.
O conselho do novo memorando incluía que os médicos deveriam ignorar as ordens de DNR, e que eles deveriam priorizar manter os pacientes vivos a qualquer custo. Era uma surpresa ver a organização da saúde dizendo para ignorar pacientes que pediram para não serem ressuscitados, mas o hospital iria seguir a ordem.
Jodi finalmente havia desfocado da conversa quando seus olhos se afastaram da ficha. Foi nesse momento que sentiu seu corpo congelar.
Ela parou cerca de dois passos dentro do quarto, uma mão segurando a prancheta e a outra parada estranhamente ao lado do seu corpo. Ao lado do xerife, uma mulher de cabelos escuros segurava uma das mãos dele entre as suas, lágrimas escorrendo de seus olhos. Jodi tinha a visto no dia anterior, passou pelo quarto antes de ir embora. Ela sabia que era a esposa do xerife, mas não sabia o seu nome.
Era difícil não notar o quanto o xerife era realmente amado, ou pelo menos respeitado, devido ao número de visitas que havia recebido em apenas um dia. Nem todos podiam entrar no quarto, é claro, mas naquela mesma manhã uma grande parte da força policial da cidade ─ Jodi nem sabia que tinham tantos ─ apareceu com um cartão de melhoras para o xerife.
Era simples, claro, mas aparentemente todos fizeram questão de ir até o hospital.
Jodi sabia que nem conhecia tantas pessoas assim. Tinha certeza de que as únicas pessoas que a visitariam nessa situação seriam seus médicos para verificarem seu estado. Não era uma certeza que incomodava Jodi, afinal foi sua escolha. Ela trilhou seu caminho sabendo exatamente quais eram as consequências.
─── Eu preciso checar os sinais vitais. ─── Jodi falou, a voz rouca pelo enorme desconforto que sentia. Seu corpo mexeu duramente até o lado da cama, e Jodi manteve seu olhar fixo no seu paciente. A mulher estava do outro lado da cama, perto da janela, então Jodi não teve que se preocupar em passar perto dela.
A mulher acenou, mantendo-se ao lado do marido. Jodi fingiu não perceber quando a mulher tentou secar as lágrimas discretamente, ou o sorriso tremido que recebeu junto do aceno.
Jodi não sabia se eram as lágrimas ou o luto escondido que estavam incomodando mais. Não era como se o homem estivesse morto, ou como se o seu coma não fosse induzido. Ela sentiu um arrepio passando pelo seu corpo, e não sabia se era uma pessoa ruim por se incomodar com isso. De qualquer maneira, não importava.
O ar estava tão pesado naquele quarto que Jodi sentia seus pulmões trabalhando em dobro enquanto ajustava o estetoscópio ao redor do pescoço e o colocava sobre o peito do paciente, ouvindo os batimentos cardíacos com atenção. Nem isso conseguiu abafar as fungadas da mulher do outro lado da cama, e Jodi sentia sua atenção saltando a cada som.
Em seguida, verificou a pressão arterial, observando a leitura no manômetro. Jodi anotou tudo para sua supervisora enquanto sentia cinquenta anos da sua vida indo embora. Só faltava verificar a frequência respiratória e a saturação de oxigênio através dos monitores, e então poderia ir embora.
─── Quando ele vai acordar? ─── A voz chorosa e rouca chamou a atenção de Jodi.
Jodi congelou mais uma vez, e torceu muito para que sua tentativa de disfarçar tivesse dado certo. Tarde demais, porque um sonoro 'ahem' saiu de sua garganta. Para parecer mais humana, ela levantou o olhar para olhar a mulher nos olhos enquanto falava.
─── Estamos monitorando. ─── Jodi falou, mordendo o interior de sua bochecha ao ver o olhar da mulher caindo. Caralho, ela não sabia mesmo lidar com situações assim. Ele estava bem, porra, não precisava se estressar. Mas, ao mesmo tempo, Jodi nunca teve a oportunidade de se importar com alguém assim. Não era como se ela fosse capaz de entender. ─── Seu marido está indo bem. Ele está estável, e a cirurgia teve sucesso. ─── Jodi tentou consertar, mas sua voz saiu mais dura do que o esperado.
A mulher, com o rosto pálido e o olhar perdido, lutava para manter a compostura. Seu corpo tremia levemente, e as mãos estavam brancas pela força que segurava as mãos do marido.
─── Eu nem imagino o quão patética eu devo parecer. ─── A mulher deu uma pequena risada, fungando. ─── É só que.. nós tínhamos discutido ontem de manhã antes que ele.. bem, você sabe. Eu discuti, na verdade. Na frente do nosso filho. ─── A última frase saiu fraca, a voz da mulher cortando. ─── Meu Deus... ─── A mulher sussurrou, balançando a cabeça com os olhos fechados.
A dor e a culpa eram palpáveis, uma sensação de desolação pairando no ar, enquanto o cheiro de desinfetante e o barulho ocasional de um monitor distante preenchiam o silêncio pesado. Isso fez a garganta de Jodi secar, sem saber o que fazer mais uma vez.
A mulher estava literalmente se abrindo para ela, e Jodi só conseguia ficar parada.
─── Olha, não é patético. ─── Falou depois de um minuto desconfortável de silêncio, mas estava sendo sincera. Jodi achava estranho, principalmente porque o xerife estava relativamente bem, mas dizer que a mulher estava sendo patética era um pouco forte demais até para Jodi. ─── Seu marido levou um tiro. Seria mais estranho se você não estivesse chorando.
Jodi se surpreendeu ao ouvir a mulher rir. Era uma risada anasalada, um pouco ofegante e rouca devido ao choro. ─── É, você tem razão. ─── A mulher disse depois, com um pequeno sorriso enquanto encarava seu marido.
Pareceu íntimo demais, e algo do qual Jodi não fazia parte, então ela voltou ao seu trabalho e verificou a frequência respiratória e a saturação do oxigênio. Seu estômago estava embrulhado enquanto fazia aquilo, e ela sabia que seu rosto estaria verde se fosse possível. Não apenas de enjôo, mas de.. inveja.
'Como era ter alguém?', ela se perguntou.
Balançando a cabeça, Jodi recobrou seus sentidos. Aquilo não era importante, ou algo que ela precisava. Além disso, era impossível. Seria apenas mais um empecilho que poderia arruinar tudo que ela construiu.
Jodi revisou a ficha mais uma vez, e deu um breve aceno de cabeça para a mulher antes de virar as costas para sair. Seu olhar, antes tenso, agora transmitia uma mistura de profissionalismo e empatia, mesmo que o desconforto ainda estava visível em seus olhos. Com o choro cessado, apenas os barulhos baixos dos monitores ecoavam junto dos passos de Jodi até a porta.
─── Obrigada. ─── Jodi ouviu baixinho das suas costas, mas apenas encostou a porta. Seu andar era firme e constante, e ela não olhou para trás enquanto o som de seus passos desaparecia pelo corredor.
🦋
Mais um dia de trabalho finalizado, e Jodi andou com passos leves até o seu carro no estacionamento.
Com sua rotina de sempre, Jodi olhou ao redor enquanto andava até o seu carro, prestando atenção em qualquer movimento. Sempre parava o seu carro em uma vaga na área menos ocupada, já que assim ninguém a surpreenderia ao se esconder atrás de algum dos outros carros.
Assim que parou ao lado de seu carro, checou o interior do carro através das janelas, e somente após ver que estava tudo certo destrancou o carro. Jodi entrou do lado do motorista, jogando sua bolsa no banco passageiro após se sentar, e trancou as portas do carro assim que fechou sua porta. Checou o espelho e retrovisores, e viu que estava pronta para sair.
O caminho até sua casa foi tranquilo, e rápido como sempre.
Destrancando a porta de sua casa, Jodi entrou rapidamente para trancá-la novamente. Seguiu até a cozinha de sua casa, deixando a bolsa em cima da bancada da ilha, para pegar uma garrafa de água dentro da geladeira. Jodi só conseguia beber água gelada, sentia que dava mais gosto, além de ser mais refrescante.
O toque do seu celular chamou sua atenção, fazendo a mulher assustar pelo barulho repentino preenchendo o silêncio. Jodi andou até a bancada, deixando a garrafa ao lado de sua bolsa antes de buscar seu celular no bolso lateral.
Número sem identificador de chamada. Mais uma vez.
Jodi deixou o telefone tocar. Era melhor não desligar, assim pelo menos não saberiam que ela estava perto de seu celular. Era uma precaução necessária. Sequer atendia chamada de números desconhecidos, muito menos de números sem identificação, e somente naquele mês ela já havia recebido oito ligações.
Naquela noite, Jodi checou a sua casa e as trancas cinco vezes antes de ir dormir. E, quando finalmente dormiu, foi com sua arma debaixo do travesseiro.
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