0.5

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DESDE QUE NASCI, minha vida sempre foi rondada de mistérios e perguntas cujas quais nunca recebi respostas decentes, visto a superproteção de minha mãe e a ausência de um pai. Eu sempre me perguntava por que as outras crianças podiam brincar sozinhas na rua, ou irem sozinhas para a escola e eu não podia. Era como se minha mãe tivesse um constante medo de que eu sumisse ou algo de ruim acontecesse comigo, eu era presa e até mesmo privada de várias coisas.

Esse era um dos motivos pelos quais eu cresci uma criança desconfiada, com medo do mundo ao meu redor, constantemente em alerta. Tais comportamentos eram comuns para mim, que era apenas uma criança, mas com o tempo fui condicionando a mim mesma a pensar de uma outra forma. Cresci para ser alguém corajosa, mas ainda, no fundo de mim, quero chamar pelo colo de minha mãe quando me sinto ameaçada, quando me sinto perdida, na esperança de que ela volte subitamente e me acolha em seus braços.

Estava em minha cama, pensativa enquanto escrevia em você, meu diário. Sei que você não vai me julgar, até porque o papel julga menos do que as pessoas costumam fazer, mas hesitei ao pressionar a caneta no papel pela primeira vez. E foi aí que eu comecei a refletir sobre mim mesma.

Nasci em New Orleans, em um inverno congelante. Minha mãe, uma bruxa chamada Grace Vatore-Mikaelson deu a luz a mim, uma menininha pequenininha, e, nas palavras dela, extremamente frágil e temperamental. Desde então, mudamo-nos para Dallas, San Antonio, mais algumas cidades dentro e fora do Texas e então para Fort West, onde eu passei a maior parte da minha vida. Acredite em mim, quando você é criança, você sofre com as mudanças. Sofre em criar vínculos. Ter que refazer todo o meu círculo de amizades era complicado, o que me fazia me fechar ainda mais. Tinha medo de perder os outros.

Mamãe nunca me contou realmente o motivo de nós nos mudarmos tantas vezes, mas mencionou ser "para nossa própria segurança", ou "a trabalho" e nunca cheguei a questionar, talvez por bobeira mesmo, mas olhando para trás, me arrependo. Mamãe nunca me escondia nada, a não ser por isso, e por, aparentemente, o fato de eu ser uma bruxa. Ela me ensinou algumas poucas coisas e disse algumas outras antes de sair por aquela porta de madeira e nunca mais voltar. Mas eu nunca soube a minha verdadeira história. Nunca soube como bruxas de verdade eram até duas semanas antes daquele fatídico dia.

Ela julgava que eu era diferente. Pensava que eu estivesse com minha "magia adormecida", até o dia em que eu acidentalmente coloquei fogo no meu tapete. Foi aí que mamãe percebeu que precisava fazer minha iniciação — que já era tardia — o mais rápido possível.

Talvez eu também nem estivesse pronta para saber tudo ainda. Acho que meus conflitos internos são maiores do que isso, e talvez eu deva focar neles.

Naquela manhã, por ironia do destino resolvi pegar um dos flyers sobre a reserva que o Eunwoo havia me trazido dois dias atrás. Era interessante, continha imagens sobre o local e alguns chamados para os atrativos naturais da região de Crescent Hollow, uma das cidades mais chuvosas dos Estados Unidos, seguida de Forks e La Push, que ficavam por aqui perto. Pelo que li, juntas, essas três cidades fazem parte de um círculo protegido por uma tribo, os Quileutes, que se encontram principalmente em La Push, e os Takwilas, uma organização de historiadores locais cuja qual a família do Eunwoo fazia parte.

Virando o papel, analisei um pouco sobre a história delas. Me parecia interessante o fato de que haviam contadores de história na reserva, e me vi tentada a ir até lá depois das aulas.

— O que está fazendo? — Chan se virou para mim depois de calçar suas botas no degrau da porta de entrada do chalé.

— Ah, só lendo um pouco. Acho que vou fazer uma visita ao Eunwoo depois da aula. — Comentei, pegando minha mochila. — A história dos Takwila parece ser bem interessante.

Chan concordou, se levantando com as chaves do carro na mão.

— Você dirige hoje. Mas me mantenha em segurança, pelo amor dos Deuses.

Eu ri. Era um desastre no trânsito.

— Pode deixar, Christopher Mikaelson Bang! Eu sou a melhor motorista daqui.

Não sou.

Hoje a aula de biologia foi um pouquinho diferente.

Uma vez dentro da sala de aula, eu vi aliviada que a minha mesa continuava vazia, depois de ter visto Taehyung ontem no cais, acho que me senti levemente desconfortável com a sua presença repentina e o seu olhar, distante.

O Sr. Bates estava andando pela sala, distribuindo um microscópio e uma caixa de slides para cada mesa para a matéria que ele iria passar hoje, cuja qual precisávamos analisar algumas chapas e anotar no caderno o que cada uma era. A aula não começou por alguns minutos enquanto ele distribuía os itens e a sala zumbia com a conversa. Eu mantive os meus olhos longe da porta, rabiscando á toa na capa do meu caderno algumas letras de rock, meu gênero musical favorito.

Eu ouvi muito claramente quando a cadeira ao meu lado se moveu, mas os meus olhos se mantiveram cuidadosamente focados no que eu estava desenhando, ignorando o menino ao meu lado.

— Olá. — disse uma voz calma, musical, e meio rouca.

Eu olhei pra cima, abismada porque ele estava falando comigo mais uma vez. Ele estava sentando tão longe de mim quanto a mesa permitia, mas sua cadeira estava virada pra mim. O cabelo dele estava pingando de tão molhado, desgrenhado - mesmo assim, parecia que ele havia acabado de gravar um comercial de shampoo. Seu rosto estonteante era amigável, aberto, um leve sorriso nos seus lábios indefectíveis. Mas seus olhos eram cautelosos.

— Desculpe, sinto que não me apresentei direito ontem. Me chamo Kim Taehyung. Você é Jennie Vatore-Mikaelson, certo?

Minha mente havia ido em outro lugar agora. Certo, eu inventei tudo na minha mente naquele dia, ou ele estava sendo educado comigo? Jurei que até dois dias atrás ele havia me tratado como se eu cheirasse a lavagem de porcos. E eu juro que sou cheirosa.

Concordei com a cabeça, respondendo a sua fala, e ele, por ironia do destino, riu. Era como se ele soubesse o que eu tinha pensado, o que era esquisito. Por sorte, o senhor Bates começou a aula naquele instante, e eu pude me concentrar na aula e no que faríamos hoje, ao invés de pensar na estranheza do menino ao meu lado. Os slides na caixa estavam fora de ordem. Trabalhando como parceiros de laboratório, nós tínhamos que separar os slides de células de raiz de cebola pelas fases da mitose que eles representavam e etiquetá-las adequadamente. Nós não podíamos usar os nossos livros. Em vinte minutos ele voltaria pra ver quem havia acertado.

— Comecem — Ele ordenou.

— Primeiro as damas, parceira? — Taehyung perguntou. Eu olhei pra cima pra vê-lo sorrindo um sorriso quadrado tão lindo que eu só pude olhar pra ele como uma idiota. O que era aquilo...? — Ou eu posso começar, se você quiser.

O sorriso sumiu; ele estava obviamente pensando que eu não sabia como fazer aquilo. Por sorte, eu era adiantada nas minhas matérias em Fort West, e as aulas em Crescent Hollow pareciam repetidas para mim. Eu não iria deixar ele pensar seja o que ele estivesse pensando.

— Não. — Eu disse, mostrando que era capaz. — Eu vou na frente.

Eu estava me mostrando, só um pouquinho. Eu já havia feito essa experiência, e eu sabia o que eu estava procurando. Ia ser fácil. Eu coloquei o primeiro slide no lugar embaixo do microscópio e ajustei a lente rapidamente para a objetiva de 40x. Eu estudei o slide brevemente. Minha avaliação foi confiante.

— Prófase.

— Você se importa se eu conferir? — ele perguntou quando eu comecei a remover o slide. A mão dele segurou a minha, para me parar, quando ele perguntou.

Os dedos dele eram frios como gelo, como se ele tivesse colocado a mão em uma pilha de neve antes de entrar na sala de aula.

— Não, pode olhar. — Soltei sua mão rapidamente, o olhando de forma julgadora. Não estava tão frio assim lá fora, mas seu cabelo molhado poderia significar que ele pegou chuva no caminho para cá. Decidi puxar assunto. — Você está com frio? Seus dedos estão gelados.

O olhar de Taehyung encontrou o meu, uma expressão indecifrável cruzando seus traços. Por um momento, pensei ter visto uma faísca de preocupação em seus olhos, mas logo ele sorriu, um sorriso que parecia esconder mais do que revelava.

— Ah, não se preocupe. — Ele disse, tirando os olhos do microscópio e devolvendo o slide para mim. — Eu estou bem assim. É só o clima daqui.

Sua resposta deixou-me intrigada. Não era só o frio em seus dedos, mas algo mais, algo que eu não conseguia identificar, como se todo o seu corpo fosse daquele jeito, congelante, um frio que se assemelhava ao tocar em uma pedra de mármore. Antes que pudesse fazer outra pergunta, me concentrei novamente nos slides, tentando afastar as distrações. Não queria que ele percebesse que estava me afetando tanto. Talvez ele até já tivesse percebido.

Nós trabalhamos em silêncio por alguns minutos, alternando entre os slides e anotando nossas observações. O Sr. Bates passou pela nossa mesa algumas vezes, lançando olhares curiosos, mas não nos interrompeu em momento algum. Taehyung parecia saber o que estava fazendo, e isso apenas aumentava a minha curiosidade sobre ele.

Nós terminamos antes que qualquer outra pessoa estivesse perto. Eu podia ver Jisoo e a sua parceira, a Rosé comparando dois slides de novo e de novo, e outro grupo tinha aberto o livro por debaixo da mesa.

Isso não me deixou outra alternativa a não ser tentar não olhar pra ele... sem sucesso. Era como se ele fosse um ímã que me repelisse, mesmo eu querendo sair dali, ou apontar o dedo na cara dele e perguntar por quê ele estava agindo daquela forma, quando no outro dia foi totalmente diferente.

Eu olhei pra cima, e ele estava me encarando, aquele mesmo olhar inexplicável de tédio e humor ao mesmo tempo nos seus olhos. De repente eu percebi qual era a sutil diferença no rosto dele.

— Você usa lentes de contato? — Eu soltei sem pensar.

Ele pareceu confuso pela minha pergunta inesperada.

— Não.

— Ah... — Eu murmurei. — Eu achei que havia algo diferente com seus olhos... diferente de ontem.

Ele encolheu os ombros e desviou o olhar.

De fato, eu tinha certeza que algo estava diferente. Eu lembrava vividamente da cor negra dos olhos dele na última vez que ele olhou pra mim - a cor contrastava com a sua pele pálida e seu cabelo castanho. Hoje os olhos dele tinham uma cor completamente diferente: um ocre estranho, mais escuro que Whisky, mas com a mesma tonalidade dourada. Eu não entendia como aquilo era possível, a não ser que por algum motivo ele estivesse mentindo sobre as lentes de contato. Ou talvez Crescent Hollow estivesse me deixando louca no sentido literal da palavra. Eu não acreditava naquela segunda hipótese.

E só tinha um tipo de pessoa que os olhos mudavam de cor. Ele não tinha a desculpa da iluminação, não mesmo!

Eu olhei pra baixo. As mãos dele estavam apertadas contra os punhos de novo. Tentei puxar assunto mais uma vez, curiosa. Eu iria tirar algo dele, nem que demorasse.

— Taehyung, você parece saber muito sobre biologia. — Comecei, tentando soar casual. — Você sempre foi bom em ciência?

Ele deu de ombros, um sorriso ligeiro surgindo em seus lábios.

— Eu gosto de aprender. — Ele respondeu vagamente. — E você, Jennie? Parece que você também sabe bastante. É só curiosidade ou algo mais?

A forma como ele virou a pergunta para mim me pegou de surpresa. Eu hesitei, não querendo revelar muito sobre a minha vida, mas também desejando uma conexão mais profunda com ele, afim de que ele me falasse sobre si.

— Minha mãe me ensinou bastante. — Eu disse, olhando para ele diretamente. — Ela sempre achou importante que eu estivesse preparada... para qualquer coisa.

— Preparada para qualquer coisa, huh? — Taehyung murmurou, mais para si mesmo do que para mim. Seus olhos ficaram distantes por um momento, como se ele estivesse refletindo sobre algo. — Entendi.

Novamente abri a boca, formulando uma frase mentalmente, mas antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, o sinal bateu, me tirando do meu foco.

— Foi bom trabalhar com você, Jennie. — Ele disse com um aceno de cabeça. — Nos vemos por aí.

Antes que eu pudesse responder, ele já estava fora da sala, deixando-me com mais perguntas do que respostas. Enquanto eu guardava meus materiais, percebi que a interação com Taehyung havia despertado algo dentro de mim, algo que estava além da simples curiosidade.

Ao sair da sala de biologia, encontrei Chan no corredor, encostado em um armário. Ele me olhou com uma expressão interrogativa, percebendo que algo estava acontecendo. Eu parecia que havia visto alguma coisa.

— Você está bem? — Ele perguntou, sua voz cheia de preocupação.

— Sim, estou. — Respondi, tentando soar convincente. — Só... muita coisa para pensar... A aula foi difícil.

Chan franziu a testa, mas não me pressionou. Ele sabia que eu compartilharia quando estivesse pronta.

— Vamos para a reserva então? — Ele sugeriu, tentando mudar de assunto. — Talvez isso possa ajudar a clarear sua mente.

Assenti, grata por sua compreensão. Saímos juntos do colégio e seguimos para o carro, prontos para explorar mais uma peça do quebra-cabeça que era Crescent Hollow. Chan deu a partida no fusca, que rugiu sobre o frio que subitamente começou de fora da escola. De longe, pude observar Kim Taehyung me encarando, escorado em seu Toyota, junto dos irmãos que conversavam entre si. Aquele menino era um enigma!

No meio da estrada, Chan freiou bruscamente, o que me assustou a quase fez meu livro voar pra fora do carro. Ao longe, ao me atentar, percebi um homem de cabelos vermelhos parado, nos observando.

Ele não falava, muito menos se mexia, mas eu podia sentir ele me chamando, fundo na minha mente, me fazendo ter uma dor de cabeça terrível.

— Saia daí! — Eu abri a porta do carro, andando até ele e ignorando Chan, que vinha até mim. — Eu disse, saia!

A figura continuava imóvel enquanto eu concentrava todas as minhas forças em minhas mãos, criando uma aura roxa a qual desferi contra o homem de cabelos vermelhos. Nada acontecia.

— Jenn... — Chan me chamou, enquanto eu continuava com aquilo. — Jennie, você vai se esgotar desse jeito!

Finalmente, a figura desapareceu, como se nunca estivesse ali.

E eu, apaguei sobre o chão, completamente exausta.

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