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ÀS DEZ E TRINTA E CINCO da noite, uma multidão saía afoita das portas estreitas do prédio do cinema da pequena cidade de Crescent Hollow, e uma senhora, de aproximadamente cinquenta e cinco anos, aparência enxuta e óculos finos no rosto igualmente fino caminhava apressada para fora do estabelecimento, cumprimentando algumas crianças aqui e ali.
Sua presença era quase inexistente, passos rápidos e pequenos, mas sutis pelas frias e escuras ruas até adentrar seu veículo, um Chevrolet antigo, que rugiu seu motor mostrando a sua imponência mesmo depois de tantos anos quando a mulher virou a chave na ignição do mesmo.
E pelas ruas escuras dirigia, os faróis iluminando a placa da cidade, seguida por pura escuridão e silêncio. A mulher ligou o rádio, ouvindo a previsão do tempo do dia seguinte soar clara para seus ouvidos; dias chuvosos, novamente.
Quando menos esperava, uma sombra se espreita a sua frente, fazendo-a parar o carro subitamente, sentindo o tranco da velha engenhoca, que cuspia fumaça. A mulher ajeitou os óculos no rosto, saindo do carro.
— Você precisa de ajuda? — Ela perguntou, a mulher a sua frente parecia suja, com as roupas molhadas por barro ou alguma outra coisa. — Está tudo bem?
O ser, inicialmente parecendo inocente, apenas concordou, e a mulher, piedosa, deixou que a menina suja entrasse no banco de trás de seu carro, e partiu viagem até sua residência.
— Pobrezinha... vamos te dar um belo banho e amanhã podemos ligar para o médico.
A mulher dirigia com cuidado pelas estradas escuras e sinuosas que levavam à sua casa, os faróis cortando a noite com feixes de luz que revelavam as árvores altas e sombrias de ambos os lados. O rádio agora tocava uma melodia suave, tentando trazer um pouco de calma ao ambiente. A senhora, de vez em quando, olhava pelo retrovisor, observando a menina que permanecia em silêncio, olhando para o vazio com um olhar perdido.
Finalmente, chegaram à sua casa, uma construção antiga, de dois andares, com janelas grandes e uma varanda que parecia abraçar a entrada. A mulher estacionou o carro e ajudou a menina a sair, levando-a pela mão até a porta. Dentro, o ambiente era acolhedor, com móveis antigos e uma lareira que ainda guardava vestígios do último fogo aceso.
— Vou preparar um banho quente para você — disse a senhora, guiando a menina pelas escadas até o banheiro. — Espere aqui um momento.
Enquanto a garota misteriosa se banhava, a mais velha preparou chá calmante a base de ervas e biscoitos de manteiga sobre a mesa, o aroma doce invadindo o ar, misturando-se ao som da lareira, crepitando afim de aquecer o clima frio da cidade.
A menina desceu as escadas com passos leves, vestindo as roupas que foram-lhe oferecidas pela mulher anteriormente. A sua presença era quase inexistente.
— Fiz um pouco de chá para se esquentar... Vamos, sente-se. — A menina ficou parada, observando a mulher, que tentou puxar um assunto para quebrar o clima. — Bem... Como foi parar no meio da estrada? Lá é perigoso.
— Floresta.
— A floresta é perigosa durante a noite. Já ouviu falar sobre Salém? A Inquisição? Dizem que aconteceu o mesmo aqui, e que os espíritos raivosos das bruxas repousam lá. Devia tomar cuidado. Você deve ser nova aqui...
— Como sabe tanto sobre bruxas?
— Oh, bem... — Ela começou, ajeitando os óculos. — Digamos que sou a historiadora não oficial da cidade. E dou aula na escola, também.
— Você conhece a Jennie?
— Jennie? Não sei... acho que vi esse nome. Ela é a menina nova que chegou na cidade, vai para a escola amanhã.
— Você é inútil. — A menina respondeu, simples. Sua expressão endureceu, e seus olhos ganharam um brilho estranho, quase malévolo. Antes que a mulher mais velha pudesse reagir, ela avançou contra a mulher, alcançando uma faca sobre a mesa. Ela lançou-a contra a mais velha, acertando-a em seu pescoço e fazendo-a cair, sangrenta, sobre o chão.
Ela então sumiu.
"MULHER É ENCONTRADA MORTA ESTA NOITE EM SUA CASA, APARENTEMENTE UM ASSASSINATO"
A minha tia Morgan, fechou o jornal com força, jogando-o sobre a mesa de madeira e assustando nosso gato gordo, que soltou um miado alto e correu para debaixo da cadeira. Levantei os olhos do meu livro, surpresa com a reação dela.
— O que foi, tia? — perguntei, tentando entender sua preocupação.
— Eles estão vindo. Precisamos ficar à espreita, querida. Preciso começar o seu treinamento antes que seja tarde.
Tia Morgan se levantou, caminhando pelo nosso pequeno chalé, procurando algo nas estantes bagunçadas. A cozinha estava cheia do cheiro das ervas que ela sempre usava, enquanto um pão assava no forno, trazendo um conforto que contrastava com a tensão no ar. Eu a segui, tentando ver o que ela procurava, mas logo me afastei, tossindo por causa do pó.
— Achei. — Ela pronunciou, jogando sobre a mesa um livro velho, intitulado "O Manual da Bruxa Verde". Ergui uma sobrancelha, intrigada.
— Tia, o que é isso? Eu sei o básico da bruxaria. Mamãe me ensinou!
A tia Morgan olhou para mim com uma expressão grave, seus olhos cheios de preocupação. Ela suspirou, sentando-se novamente à mesa e abrindo o livro antigo, as páginas amareladas e desgastadas pelo tempo.
— Querida, sua mãe te ensinou muito, eu sei disso. Mas o básico não é suficiente agora. — Ela folheou as páginas até encontrar um capítulo específico, com ilustrações de plantas e diagramas de círculos mágicos. — O que estamos enfrentando é muito mais perigoso do que qualquer coisa que você já aprendeu.
Inclinei-me sobre a mesa, tentando entender as anotações complicadas. — Mas, tia, eu não entendo. Quem está vindo? E por que precisamos nos preparar tão urgentemente?
Morgan fechou o livro com um estalo, o som ecoando pela cozinha silenciosa. — Os vampiros. Eles sabem que você tem potencial, que é poderosa. E agora que um deles já começou a atacar, outros virão.
Engoli em seco, sentindo o peso das palavras de minha tia. — E o que eu preciso fazer? Como posso me proteger?
— Primeiro, precisamos fortalecer suas defesas. — Tia Morgan apontou para uma série de símbolos desenhados no livro. — Vamos começar com os feitiços de proteção. E depois, vamos praticar a invocação de energias naturais para fortalecer sua magia.
A noite avançava enquanto trabalhávamos juntas, a casa sendo preenchida por uma energia palpável. As chamas da lareira pareciam dançar ao ritmo das palavras encantatórias que a tia Morgan proferia, e eu, absorvendo cada ensinamento, sentia a magia fluindo por minhas veias como nunca antes.
Horas depois, exaustas, nos sentamos novamente à mesa, agora com um senso de urgência e propósito. Olhei para minha tia, os olhos cheios de determinação.
— Eu vou aprender tudo o que preciso, tia Morgan. Vou estar pronta.
Ela sorriu, colocando uma mão reconfortante no meu ombro. — Eu sei que vai, querida.
Na manhã seguinte, acordei com os primeiros raios de sol entrando pela janela. O chalé estava tranquilo, o cheiro do pão fresco e das ervas ainda pairando no ar. Hoje era meu primeiro dia de aula na nova cidade, e eu não sabia o que esperar, até porque eu estava acostumada com a cidade grande, onde tem tantas pessoas que ninguém liga para a sua presença, mas aqui é diferente. Crescent Hollow tem 2.300 habitantes, perto da cidade que eu morava, no Texas, isso aqui é minúsculo!
Tia Morgan já estava acordada, ocupada na cozinha. Ela parecia incansável, sempre cuidando de cada detalhe, especialmente agora que sabíamos da ameaça dos tais "vampiros". Pra ser bem honesta, eu pensei que eles nem existiam, até a tia mencionar sobre eles. Me pergunto se eles, tipo, tomam sangue de verdade e queimam no sol. Queria colocar um no sol. O que ia acontecer? Ele ia secar? Torrar?
— Bom dia, querida. — Ela sorriu ao me ver. — Preparei um café da manhã reforçado para você ir bem na escola.
A mesa estava cheia de frutas, pães e um chá aromático que a minha tia sempre fazia. Me sentei e comecei a comer como se não visse aquele pão da tia Morgan há séculos, enquanto ela se sentou ao meu lado, sorrindo.
— Hoje é um dia importante, Jenn. Não só porque é seu primeiro dia de aula, mas porque precisamos continuar seu treinamento, lembra? — Ela falou, sua voz calma, mas firme. — Vou te dar algo para levar. Um amuleto de proteção. Sempre que precisar, lembre-se dele.
Ela me entregou um colar com um pequeno cristal verde pendurado. O cristal estava envolvido por um delicado fio de prata, e eu podia sentir a energia pulsando nele. Era lindo!
— Este amuleto vai te proteger contra influências negativas e alertar sobre qualquer presença sobrenatural. — Morgan explicou, ajudando-me a colocar o colar. Eu me olhei no espelho, sorrindo com o quanto ele combinava com a minha pele e destacava meus olhos amendoados. — Mantenha-o sempre perto de você.
Depois do café da manhã, subi para o meu quarto e comecei a me arrumar para a escola. Escolhi uma roupa simples: jeans, uma camiseta e um casaco leve, já que o dia prometia ser chuvoso. Enquanto me olhava no espelho, ajustei o colar para que ficasse visível. Senti uma mistura de nervosismo e empolgação. E se me odiassem? E se me linchassem e chamassem de esquisita? E se descobrirem que eu... sou uma bruxa?
A tia Morgan apareceu na porta do meu quarto, segurando uma mochila nova. — Aqui, sua mochila. Eu também coloquei algumas ervas e cristais de proteção, só pra garantir. — Ela sorriu, me entregando a mochila.
Ela era uma fofa!
— Obrigada, tia. — Eu disse, abraçando-a. — Vou ficar bem, prometo.
Será que ia mesmo?
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