ESCUTEI O RUGIDO DE LONGE, olhei para o céu e vi três dragões. Suas asas enormes bloqueavam o sol, criando sombras sobre o chão arenoso de Dorne. O som de seus rugidos reverberava no ar, ecoando pelo vale como trovões. Ao olhar para frente, a vi novamente. Ela estava ali, seus longos cabelos brancos fluindo ao vento, uma figura quase etérea.

── Oi ── sussurrei, sem saber o que mais dizer enquanto me aproximava dela.

Ela se virou lentamente, seus olhos violetas me encarando com uma intensidade que me deixou sem fôlego. Não reconheci seu rosto, mas havia algo nela que me parecia estranhamente familiar. Seu olhar transmitia um poder silencioso, algo ancestral, mas ao mesmo tempo distante e fora do meu alcance.

── Quem é você? ── perguntei, tentando encontrar algum sentido naquela visão.

O silêncio que caiu entre nós parecia sufocante. Os dragões no céu cessaram seus rugidos, e o mundo ao redor ficou parado, como se só nós duas existíssemos naquele momento. Eu queria tocá-la, descobrir quem ela era, entender o que aquilo significava, mas antes que eu pudesse agir, o chão sob meus pés começou a se partir.

Uma onda de calor subiu da terra, e o ar ao meu redor começou a esquentar. Os dragões desceram mais perto, suas sombras gigantescas se aproximando de nós. A mulher de cabelos brancos começou a desaparecer em meio à fumaça e ao calor. Eu tentei gritar, correr em sua direção, mas ela se dissolvia diante dos meus olhos, como um fantasma que nunca esteve ali.

E então, tudo se foi.

── Lady Saffira ── a voz suave, mas insistente, da septa a chamou.

Saffira acordou de súbito, suada e ofegante. Seu coração batia descompassado no peito, como se ainda estivesse dentro daquele sonho  perturbador. Levantou-se rapidamente, o calor do sol matinal entrando pelas janelas abertas, mas nada comparado ao calor que sentira enquanto os dragões sobrevoavam em seus sonhos.

── Você está bem, minha lady? ── perguntou a septa, preocupada ao ver o estado de sua jovem senhora.

Saffira levou a mão à testa, tentando se recompor. ── Estou... estou bem, apenas um sonho ── respondeu, mas suas palavras não pareciam convencer nem a si mesma.

── Sonhos podem nos perturbar, mas não devemos dar a eles mais importância do que merecem, Lady Saffira ── a septa disse gentilmente enquanto trazia um pano úmido para ajudá-la a se refrescar. ── Agora, temos muito a fazer hoje. Tem uma reunião no concelho.

A reunião arrancou Saffira de seus devaneios, trazendo-a de volta à realidade e aliviando, ainda que por um breve momento, o peso do sonho que a consumia.

── Muito bem ── disse ela, sentando-se na cama e respirando fundo. ── Vamos.

Mas mesmo enquanto ela se levantava e começava a se preparar para o dia, o eco daquele sonho continuava rondando sua mente, como uma sombra que não a deixaria em paz.

Saffira adentrou a sala do pequeno conselho com a graça de quem domina cada passo, emanando uma elegância natural e uma confiança inabalável. Com um olhar firme e sereno, ela tomou seu lugar ao lado de Doran, posicionando-se de frente para Oberyn, cuja presença parecia incendiar o ambiente com intensidade silenciosa.

── Chegaram notícias de Winterfell ── anunciou Doran Martell, com a voz calma, porém carregada de gravidade. ── Parece que nosso vinho foi amplamente... apreciado pelo rei Robert. 

── Ah, o glorioso Robert Baratheon e sua lealdade à taça ── Oberyn comentou, recostando-se na cadeira com um sorriso cheio de sarcasmo. ── Quem diria que até nossa generosidade seria explorada pelo rei bêbado? 

Saffira, que até então observava a discussão em silêncio, ajustou levemente sua postura, os olhos firmes se voltando para Doran. 

── Não é exatamente uma novidade ── disse ela, com a voz cortante. ── Robert nunca soube medir limites, principalmente com vinho. Mas há algo mais... alarmante nas notícias, não é? 

Doran assentiu, o semblante refletindo preocupação. 

── Sim. Brandon Stark sofreu uma queda de uma das torres. O relato é grave; dizem que o garoto está entre a vida e a morte. 

Oberyn franziu o cenho, endireitando-se na cadeira. O tom casual de antes deu lugar a uma expressão séria. 

── Uma criança caindo de uma torre? Um acidente curioso... ou conveniente demais. 

Saffira estreitou os olhos, sua voz saindo gélida e incisiva. 

── Se os Lannisters estavam lá, então não foi um acidente. Tenho certeza de que o garoto viu algo que não devia. 

Doran manteve a calma habitual, mas havia um leve tom de exasperação em sua voz. 

── Saffira, cuidado. São acusações pesadas. Não podemos agir baseados apenas em suposições. 

Ela ergueu o queixo, enfrentando o olhar cauteloso do irmão mais velho. 

── Conhecemos os Lannisters, Doran. Eles eliminam ameaças sem hesitar. Brandon Stark pode ter se tornado uma peça descartável antes que pudesse falar. 

── Você tem razão, Saffira ── Oberyn acrescentou, agora com um brilho sombrio nos olhos. ── Eles jogam nas sombras enquanto fingem ser bonzinhos. Mas, se é verdade, são apenas leões prestes a atacar. 

Doran suspirou profundamente, seu semblante refletindo o peso das decisões que recaíam sobre ele. 

── Precisamos de mais informações antes de agir. Oberyn, monitore os movimentos dos Lannisters. Saffira, fique atenta às informações vindas de Winterfell. Não podemos nos precipitar. 

── Prudência, sim, mas até que ponto? ── desafiou Saffira, o tom de sua voz firme como aço. ── Hesitar é o mesmo que dar vantagem aos Lannisters. Eles prosperam no silêncio de quem hesita. 

Doran lançou-lhe um olhar longo, mas permaneceu em silêncio. Suas palavras ecoaram pela sala, deixando todos com uma sensação de urgência reprimida. A reunião prosseguiu, mas o ar estava carregado, cada membro absorvido pelas implicações do que havia sido dito.

Após a reunião, Saffira deixou o salão e se retirou para os jardins de Sunspear, onde o calor abrasador de Dorne parecia abraçar cada centímetro do ar. Caminhou entre as plantas exóticas, tentando encontrar clareza em meio à confusão que tomava seus pensamentos. O rei Robert Baratheon, os Lannisters, Ned Stark... O jogo de poder estava se desenrolando à sua volta, e ela precisava manter-se à frente de todos.

Foi então que ela viu uma figura familiar se aproximar, a passos silenciosos. Thalia, sua espiã pessoal, veio até ela com a postura tranquila de quem traz notícias cruciais.

── Thalia ── Saffira disse, parando e aguardando que a mulher se aproximasse. ── O que traz a mim?

A espiã se inclinou ligeiramente, retirando o capuz e revelando seu semblante grave. 

── Lady, trago notícias de Winterfell ── Thalia respondeu, a voz baixa, como se quisesse manter o sigilo de suas palavras. ── Robert Baratheon quer Ned Stark como seu conselheiro. E Brandon Stark... permanece desacordado. Só os Deuses sabem o que acontecerá com o pobre garoto. 

Saffira fechou os olhos por um momento, absorvendo a informação. Robert Baratheon querendo Ned Stark como conselheiro? Ela sabia que o rei do Trono de Ferro era impulsivo e sem o devido cuidado, mas isso parecia mais um movimento desesperado do que um plano bem arquitetado.

── Robert... ── Saffira murmurou, seus olhos voltando a se abrir enquanto um sorriso irônico se formava em seus lábios. ── Ele está mais preocupado em amarrar o Norte a si do que realmente em considerar o que Ned Stark fará com essa proposta. Como sempre, Robert tenta agir como se fosse o único que joga o jogo, mas o problema é que ele nunca sabe as regras.

Thalia manteve o olhar fixo na senhora, parecendo entender o tom de descrença na voz de Saffira. 

── Ele provavelmente espera que Ned aceite pela lealdade, minha senhora. Mas, como sempre, Robert subestima os outros ── Thalia disse, com um leve tom de desdém em sua voz. ── Ned Stark não é tolo o suficiente para ser manobrado tão facilmente. 

Saffira assentiu, seu olhar se distanciando por um momento enquanto pensava nas implicações do que ouviu. A proposta de Robert não era tão esperta quanto ele pensava; era um movimento direto, sem sutileza, um reflexo de seu caráter impetuoso. E aquilo dava a Saffira uma vantagem.

── Robert quer dar a impressão de que Ned está em sua rede de controle, mas, na verdade, está apenas criando um campo de batalha onde ele não tem total controle ── Saffira comentou, agora com mais certeza. ── Ned pode ser honrado, mas ele não é estúpido. Ele deve saber que essa proposta é uma armadilha. Ele só precisa decidir em que lado quer cair.

Thalia, com um leve aceno, prosseguiu. 

── E sobre Brandon Stark... O acidente com ele é mais grave do que pensávamos. Se sobreviver, será um milagre. Mas se ele morrer, isso pode complicar ainda mais a situação para os Stark. 

Saffira olhou para o horizonte, sentindo a tensão aumentar. A queda de Brandon não parecia apenas um acidente, e se ele morresse, as consequências seriam graves. Mas, de qualquer forma, ela sabia que os Stark eram peças valiosas no tabuleiro, e nada poderia ser deixado ao acaso. 

── Se ele sobreviver, será uma vantagem para nós ── Saffira disse, sua voz agora mais fria e calculista. ── Se ele morrer... bem, isso apenas fortalecerá a posição de quem quer manipular o Norte. E se os Lannisters estiverem por trás disso, saberemos em breve.

Thalia abaixou a cabeça, sinalizando que compreendia. 

── Vou continuar monitorando tudo, minha senhora. Nenhuma palavra será deixada passar despercebida.

Saffira assentiu, voltando seu olhar para a paisagem ao redor. 

── Continue assim. E lembre-se, Thalia, quando Robert Baratheon age sem pensar, ele nos dá a chance de jogar à sua frente. Vamos aproveitar essa vantagem. 

A espiã se retirou com uma reverência discreta, deixando Saffira sozinha com seus pensamentos. A proposta de Robert, as movimentações dos Lannisters e o futuro de Winterfell estavam todos interligados, e ela não pensava em deixar nada escapar. Em Dorne, quando se trata de jogos de poder, não existe espaço para amadores. E Saffira Martell estava mais do que pronta para lidar com qualquer movimento que viesse em sua direção.

❝Nunca esqueça quem você é, pois o mundo não esquecerá. Faça disso a sua força. Assim, nunca será sua fraqueza.❞

── Tyrion Lannister