꘩ . ׅ ❕ capítulo um: infectado ⤻ ׅ ⪨
𓍣 𖧣 ۪ ׄ ᅠᅠᅠtim͟e͟ of 20y after the outbreak
zona de,ᅠᅠ ᅠᅠᅠ ᅠᅠquarentena イ◞ ♡︬
𝕸assach͟u͟s͟etts ᅠ , ᅠ ᅠ𝕭ost͟o͟n ݂̥᎔ׅㅤ✴️ ᪲ ֹㅤ 𓈒
ᅠᅠᅠᅠᅠ𝕬 LUZ DO SOL CORTAVA O AR PESADO do quarto como uma lâmina quente, infiltrando-se pela janela estreita e castigando o rosto da mulher adormecida no chão frio. Os fios loiros colados à testa reluziam sob o dourado do amanhecer, uma falsa beleza em meio ao concreto lascado e ao cheiro permanente de mofo.
Hope despertou com um sobressalto, o peito arfando como se houvesse sido puxada para fora de um mar revolto. Outro pesadelo. Outro reflexo do inferno que há vinte anos não largava o calcanhar da humanidade.
Ela abriu os olhos com brutalidade, apenas para fechá-los de imediato. A luz era cruel demais, como se zombasse da escuridão que ainda pulsava em sua mente. Piscou várias vezes, tentando se adaptar. Cada batida do coração parecia ecoar em sua garganta enquanto se levantava lentamente, os músculos reclamando, o corpo suado grudando na camiseta gasta.
Passou as mãos pelo rosto, num gesto exausto e automático, e caminhou até a bacia de água no canto do cômodo. Enfiou as mãos na água gélida, já turva de tantos usos, e jogou um punhado no rosto. A intenção não era apenas se limpar, era se ancorar na realidade. Afastar os fantasmas. Pelo menos até o próximo pesadelo.
O rangido da porta cortou o silêncio, rouco e familiar. Hope não precisou se virar para saber quem era.
━━━ Hope Jones, de pé. Relatório imediato no pátio. ━━━ a voz ríspida do soldado ecoou do outro lado, cortando o ar abafado como uma agulha fina, ecoando no espaço pequeno.
Os passos pesados e firmes ressoaram no chão como se anunciassem mais um dia de guerra. O homem entrou com a autoridade, e saiu na mesma velocidade do qual entrará, indo até o próximo quarto.
A loira terminou de limpar o rosto e ergueu os olhos para o pedaço rachado de espelho colado à parede. Ali estava ela, o reflexo de alguém que já conheceu demais a dor. Olheiras profundas cavadas pelo tempo, pela insônia, pelas memórias que não pedem licença. Os cabelos grudados à pele, misturados entre suor e gotas de água. E nos olhos… cansaço. Um cansaço que não se descreve, só se sente. Que cresce, que corrói.
Hope inspirou fundo, como se aquilo bastasse para se recompor. Mas no fundo sabia, nada bastava. Não mais.
Ela se virou devagar, cruzando os próprios braços com frieza, encostando-se ao suporte da bacia como se aquilo fosse suficiente para mantê-la de pé. Seu olhar era ácido, atravessando qualquer sombra como uma lâmina cega.
A verdade era que ela estava no limite. Cansada de tudo. Da mesma rotina mórbida, da mesma tortura psicológica unilateral daquele lugar. Da mesma cela mal disfarçada de quarto. Das paredes manchadas que pareciam fechar um pouco mais a cada dia. Dos malditos discursos vazios que saiam de seus lábios todo santo dia, como se tudo o que era obrigada a fazer fosse uma prova de que, mesmo no fim do mundo, a ordem era uma verdade possível.
Não era. Nunca seria.
Era tudo um jogo. Um teatro de boas intenções para manter a bomba-relógio sob controle. Mas Hope estava cansada de ser a bomba que todo mundo fingia não ouvir tocando.
Hope caminhou até a outra metade do quarto, um espaço apertado e abafado, onde o cheiro de mofo pairava no ar, tornando cada respiração mais pesada que a anterior. O quarto, com seus quase três metros quadrados, parecia ser o reflexo de tudo o que ela tinha se tornado. Apertado, sufocante e sem espaço para mais nada.
A cama de solteiro, velha e rangente, estava encostada no canto inferior, seus estofados desbotados por anos de uso. A cada movimento, o som agudo do colchão se queixava de uma dor silenciosa, assim como ela. Ao lado, uma escrivaninha, manchada de umidade, se curvava sob o peso do tempo. Sobre ela, uma bacia de água, suja e turva, refletia a luz tênue que entrava pela janela, quase como se a própria luz tivesse desistido de entrar.
O pequeno armário de canto era praticamente inútil. Continha apenas três peças de roupa, um uniforme da FEDRA que mal se ajustava ao corpo, um casaco verde musgo escuro que tinha a aparência de ser uma peça roubada de alguém mais velho, e uma camiseta preta, larga e desbotada. Tudo parecia ali sem propósito, sem valor. E, do lado da cama, um par de botas escuras, gastas até o limite, tão desgastadas quanto sua própria vontade de lutar.
Hope estava terminando de ajustar o colete, os dedos trêmulos tentando fixá-lo corretamente, quando ouviu os passos pesados se aproximando pelo corredor estreito. O som parou abruptamente à porta, seguido de um bater seco e impessoal.
━━━ Hope Jones, relatório no pátio. ━━━ a voz ríspida ressoou pelo quarto, mais alta, mais autoritária, como se ela fosse nada mais do que uma peça de mobília esperando ser movida.
Ela prendeu a respiração por um segundo, os ombros caindo sob o peso daquelas palavras. Estava tão acostumada com aquilo, tão imune às ordens e ao vazio de sua vida, que já não se importava mais. Mais um dia. Mais ordens. Mais nada.
Hope ficou ali, imóvel, os olhos fixos na porta enquanto esperava que ele se afastasse. Quase podia sentir o eco dos passos pesados se afastando pelo corredor estreito, transformando-se gradualmente em uma vaga lembrança de outro dia de treinamento.
Outro dia de gritos que cortavam o ar como lâminas afiadas, ressoando dentro de sua mente muito tempo depois que a última palavra era dita. Cada instrução, cada ordem, soava mais como uma prisão do que como um comando. Era sempre assim, a falsa máscara de manipulação, aquela fachada de disciplina e controle que eles usavam para esconder a crueldade por trás da cortina de ferro.
Ela estava cansada disso. Cansada de ser tratada como uma peça descartável no jogo deles, de ser reduzida a uma marionete cujas cordas eram puxadas com precisão e frieza. Aquele ritmo repetitivo, o som dos pés arrastando-se pelos corredores, os ecos dos chamados incessantes… Tudo se fundia em uma melodia opressiva, uma que ela já sabia de cor. Ela apenas não sabia mais quanto tempo conseguiria continuar dançando conforme essa música.
Os corredores do edifício exalavam aquele cheiro pesado e sufocante de poeira, misturado com o mofo que se enraizava nas paredes e o suor de dias intermináveis. Era o cheiro de um lugar que nunca respirava livremente, como se cada tijolo, cada ângulo de concreto tivesse absorvido a opressão que o invadia, tornando-se parte de uma maquinaria velha e enferrujada.
As paredes, manchadas e descascadas, cobertas por tentativas falhas de reformas, remendos apressados que tentavam esconder o estrago deixado pelos anos de guerra e abandono. Como se as cicatrizes da luta fossem apenas detalhes a serem disfarçados, ignorados.
Mas o que mais prendia o olhar, o que mais dilacerava a alma de Hope, eram os rostos. Cada um deles, mais vazio que o anterior, refletia uma vida sem cor, sem chama, sem propósito. Pessoas caminhando sem olhar, sem sentir, como se fossem sombras que se moviam de um lado para o outro, presas em um ciclo sem fim. Seus olhos, sem brilho, passavam desapercebidos, sem jamais se encontrarem com os de alguém, como se, ao olharem para o outro, temessem se reconhecer nas mesmas correntes invisíveis que os mantinham aprisionados.
Eles seguiam os mesmos caminhos, obedeciam às mesmas ordens, eram forçados a se moldar ao mesmo sistema retrógrado que se alimentava de suas almas, sugando qualquer vestígio de esperança ou individualidade.
Era uma máquina que continuava a girar, implacável e silenciosa, enquanto todos ao redor pareciam se desfazer, um pedaço de si de cada vez.
Enquanto Hope caminhava pelos corredores, os soldados a observavam de longe, seus olhares pesados e carregados de julgamentos não ditos. Alguns encaravam com desdém, como se ela fosse apenas mais uma presença inconveniente, um obstáculo em seu caminho. Outros, no entanto, a observavam com uma repulsa silenciosa, quase palpável, uma espécie de desconforto que parecia se estender no ar, tornando a atmosfera ainda mais densa.
Era uma repulsa disfarçada, como a que se reserva a uma fera solta, uma criatura perigosa que, por algum motivo desconhecido, escolheu não atacar, mas que ainda assim mantinha todos em alerta, prontos para reagir a qualquer movimento.
Ela podia sentir o peso de seus olhares, como se cada um deles estivesse tentando calcular o limite entre o medo e o desprezo, tentando entender o que fazia alguém como ela continuar ali, em pé, sem ceder. Como se o simples fato de ela existir naquele espaço fosse uma afronta, uma lembrança de algo que eles não conseguiam controlar.
E, no entanto, Hope apenas seguia em frente, ciente de que, por mais que os olhares a incomodassem, nada mais importava além do próximo passo, da próxima ordem que ela teria que seguir, até o momento em que, finalmente, conseguiria quebrar aquele ciclo.
Ela parou em frente a todas aquelas garotas, alinhadas em uma fileira única e perfeitamente ereta, como se fossem esculturas feitas de carne e osso, não de almas e vontades. Seus queixos estavam elevados, os olhares vazios fixos à frente, como se a dignidade que um dia possuíram tivesse sido arrancada delas, deixando apenas a postura rígida e mecânica. Os braços estavam firmemente posicionados atrás das costas, como se aquela fosse a única maneira de manter o controle sobre seus próprios corpos, forçando-os a não cederem ao cansaço ou à dor.
Marionetes, Hope disparou mentalmente, sentindo a repulsa subir em sua garganta. Era como se as garotas fossem nada mais do que peças de um tabuleiro, movidas por fios invisíveis que as controlavam sem misericórdia. Seus rostos estavam pálidos, seus olhos sem brilho, como se o mesmo sistema que as mantinha ali tivesse apagado qualquer vestígio de humanidade que restava nelas.
Hope observou por um instante, a raiva e a frustração crescendo dentro de si. Elas estavam ali, imóveis, presas em um ciclo que parecia não ter fim. E ela sabia que se não fosse por um erro de destino, se não fosse por essa pequena fagulha de rebeldia que ainda queimava dentro dela, ela poderia facilmente estar ali também.
Mas não seria. Não daquela maneira. Ela se negava a ser mais uma marionete.
Quando Hope se prontificou a ocupar seu lugar de comandante à frente das garotas, pronta para começar a sequência de treinamentos, um peso familiar se instalou sobre seus ombros. Ela sabia o que estava prestes a acontecer, uma sequência de movimentos mecânicos, ensaiados, onde todas as olhadas e os gritos seriam apenas ecos vazios, sem mais propósito do que manter a máquina funcionando.
Ela respirou fundo, preparando-se para o papel de líder que lhe fora imposto, quando, de repente, uma mão forte agarrou seu braço, interrompendo o fluxo do que seria mais um dia de treino. O guarda a puxou com firmeza, a força de seus dedos gelados contra sua pele como um lembrete de que ela não estava no controle, que suas ações nunca seriam inteiramente suas.
━━━ Jones, me acompanhe. ━━━ a voz dele foi seca e autoritária, sem espaço para questionamentos.
Hope hesitou por um momento, o olhar frio e desinteressado desviando para as garotas que, mesmo em sua rigidez, pareciam quase mais livres do que ela. Uma parte de si queria ignorar a ordem, continuar com o que começaria a ser um simples espetáculo de comando. Mas o peso da mão sobre seu braço a forçou a ceder.
Ela olhou para o guarda com um ódio silencioso, mas obedeceu. Mais uma ordem, mais um passo para sua prisão invisível.
O guarda a conduziu pelos corredores sombrios, o som dos passos ecoando contra as paredes frias e opressivas, enquanto Hope sentia a tensão aumentar a cada metro. Cada movimento seu parecia ser observado, cada suspiro amplificado no silêncio esmagador daquele edifício. Ela queria reagir, questionar, mas sabia que não valeria a pena. O medo de ser vista como fraca, a farsa de estar ali ainda de cabeça erguida, a impedia de quebrar o protocolo.
Quando chegaram à porta de uma sala da ordem superior, o guarda parou, sua mão ainda firmemente em seu braço, e apontou para o homem armado que aguardava do lado de fora. Ele estava completamente imóvel, como uma estátua que respira, sua expressão oculta por uma máscara de indiferença, mas o brilho da arma em sua mão era tudo o que Hope precisava para entender a gravidade da situação.
O homem parecia um espectro, de postura impecável e olhos treinados para detectar qualquer sinal de desvio. Ele observava Hope com a mesma frieza com que analisaria uma ameaça iminente, e ela podia sentir o peso de seu olhar, mais pesado que qualquer julgamento. Não era apenas uma presença física, ele representava o controle, a vigilância constante que nunca cessava.
━━━ O comandante está te esperando. ━━━ disse o guarda, sua voz tão impessoal quanto a do homem à sua frente.
Hope não disse uma palavra. Em vez disso, ela ajustou a postura, sua mente já se preparando para o que estava por vir. Mais uma vez, ela seria forçada a jogar o jogo, a seguir a linha que a mantinha presa. Não havia escapatória. Não ainda.
Ela apenas adentrou a sala, a porta se fechando atrás de si com um som seco que reverberou no silêncio, como um aviso de perigo, marcando o início de um momento que ela sabia que seria nada menos do que um julgamento.
O ar estava espesso, pesado com a presença de homens que ocupavam cada canto da sala. Ali, ao menos, havia doze deles, alinhados de forma tensa e impessoal, seus corpos preenchendo cada centímetro de um espaço que agora parecia pequeno demais para tantas figuras autoritárias. Todos estavam uniformizados com os trajes da FEDRA, sinais inconfundíveis de que eram varredores, caçadores de qualquer vestígio de desobediência ou rebeldia.
Hope se manteve firme no centro da sala, a tensão crescendo ao redor dela, mas seus olhos se mantinham calmos, sua postura inabalável. Ela já estava acostumada a aquele tipo de pressão, mesmo que sua mente estivesse fervilhando com mil perguntas e mil estratégias de fuga.
━━━ Sente-se, Jones. ━━━ o homem na mesa central ergueu a voz, cortando o silêncio com um comando simples, mas carregado de autoridade.
Era uma ordem, não uma sugestão. E Hope, embora relutante, obedeceu. A cadeira que ela ocupou rangia sob seu peso, como se a própria estrutura da sala estivesse protestando contra sua presença, contra a ideia de que alguém, ali, pudesse desafiar o que já estava estabelecido.
Ela os observava enquanto se acomodava, os olhares implacáveis dos varredores fixos nela, como se a esperassem fazer algo, qualquer coisa, que fosse a desculpa para um movimento mais agressivo. A sala estava impregnada de uma tensão silenciosa, e ela sabia que, por mais que estivesse ali fisicamente, seu corpo, sua mente, estavam sendo alvo de um cerco invisível.
━━━ Jones, suas funções foram suspensas hoje.━━━ a voz do homem era firme, mas tentava, de alguma forma, soar mais gentil, como se estivesse fazendo um favor. Hope não comprou a falsa suavidade. Ela sabia exatamente o que aquilo significava. ━━━ Precisam de pessoas para uma varredura no limite da cidade, e convocamos você.
O ar na sala parecia se condensar, a tensão se tornando palpável. Hope permaneceu imóvel por um momento, processando as palavras que ecoaram dentro de sua cabeça. Varredura no limite da cidade. Não era uma tarefa comum. Não era algo simples ou rotineiro. Ela sabia disso com a mesma certeza que sabia que a FEDRA nunca fazia algo sem um propósito oculto.
Ela não respondeu imediatamente, seus olhos passando pelos homens à sua volta, cada um deles observando-a com uma vigilância silenciosa, esperando por sua reação. Eles queriam que ela se sentisse impotente, queria que ela se dobrasse diante da autoridade, mas ela não era mais a garota que se calava diante de ordens vazias. A raiva, a frustração, e um gelo frio de desconfiança começaram a se acumular dentro dela, mas ela manteve o controle.
━━━ E qual é a razão para me escolherem? ━━━ ela perguntou finalmente, a voz cortando o silêncio com uma calma calculada, mas com uma leve tensão subjacente.
━━━ Necessitamos de alguém com habilidades... específicas. Você tem o que é necessário para essa missão. ━━━ o homem na mesa não vacilou.
Era uma resposta vaga, propositalmente nublada. Ela podia sentir a verdade escondida por trás das palavras, mas sabia que não obteria mais detalhes tão facilmente. Eles sempre usavam as palavras para manipular, para lançar a isca e esperar que alguém mordesse. E Hope não era tola o suficiente para dar a eles o que queriam tão facilmente. Ela manteve a postura rígida, sem mostrar fraqueza.
━━━ Quando saímos? ━━━ ela perguntou, desafiadora, sabendo que precisava seguir o jogo por enquanto.
Era nítido o ar putrefato e o gás denso que corroía o aço ali embaixo. Naquele lugar, o ar era difícil de ser respirado, espesso e carregado de uma mistura nauseante de produtos químicos e a umidade das paredes enferrujadas.
Cada respiração parecia pesar mais do que a anterior, a garganta apertando-se a cada tentativa de puxar o ar viciado para dentro dos pulmões. A sujeira que se acumulava no ambiente, o cheiro de metal e de algo mais velho, mais deteriorado, se infiltrava nas narinas e marcava a pele, como se tudo ao redor estivesse à beira de um colapso iminente.
Os passos ecoavam nas passagens subterrâneas, reverberando de uma maneira estranha, como se o lugar estivesse vivo, respirando, quase esperando por algo. A luz fraca que vinha das lâmpadas penduradas no teto lançava sombras distorcidas nas paredes, fazendo o ambiente parecer ainda mais claustrofóbico. Cada movimento era carregado de uma sensação de urgência, como se qualquer distração pudesse causar algo mais perigoso, mais irreversível.
Hope avançava com cautela, o som metálico das botas ecoando atrás dela. O peso de sua própria presença parecia mais significativo naquele local sujo e opressor. As paredes pareciam fechar-se à medida que ela avançava, cada centímetro do espaço drenando suas energias, tornando cada passo mais difícil de ser dado.
Ela sabia que ali, no subsolo, nada era o que parecia, que o verdadeiro perigo não estava apenas no ambiente, mas no que espreitava nas sombras. A sensação de estar sendo observada, de ser vigiada por olhos invisíveis, nunca a abandonava.
Uma voz longínqua, quase inaudível, reverberou pelo ambiente, como um sussurro fantasmagórico que parecia se arrastar pelas paredes úmidas e enferrujadas. O eco atravessou os corpos de todos ali, fazendo com que a atmosfera densa se tornasse ainda mais opressiva. Hope parou por um momento, seus sentidos alertas, tentando identificar a origem daquele som inquietante, mas parecia que a voz vinha de todos os cantos, contornando as sombras e se espalhando pelo ar viciado como uma corrente elétrica, fria e aterradora.
Um calafrio percorreu sua espinha, gelando cada fibra de seu ser. Ela sentiu suas entranhas revirarem de uma forma tão visceral que, por um segundo, acreditou que fosse desmaiar. Algo naquela voz era errante, como um resíduo de algo que não deveria mais estar ali, uma presença que se recusava a desaparecer.
Aquilo a sufocava, e ela tentou ignorar o impulso de virar e correr, sentindo o estômago se contorcer com a sensação de que algo estava prestes a se romper no vazio ao seu redor.
A sensação de ser observada aumentou, como se todos os olhos, invisíveis e escondidos nas sombras, estivessem fixos nela agora. Ela apertou os punhos, tentando controlar a onda de pânico que começava a se formar dentro de seu peito. Mas era como se a própria sala estivesse se fechando ao seu redor, prendendo-a em um jogo perigoso que não poderia controlar.
A voz, agora mais distante, desapareceu lentamente, mas a sensação de desconforto persistiu, gravada nas fibras de sua mente, como um eco que não se dissipava. Ela respirou fundo, tentando recobrar os sentidos, mas sabia que algo mais estava acontecendo ali. Algo que ela não podia ver, mas que estava cada vez mais próximo.
O silêncio que havia tomado o ambiente se quebrou com um estrondo repentino, uma explosão de movimento nas sombras. O ar gelado da sala pareceu se comprimir, e os soldados, até então rígidos e alertas, começaram a se agitar, os olhos arregalados buscando freneticamente algo nas sombras escuras que os cercavam.
A primeira vítima foi arrancada do seu posto com um grito abafado, seu corpo sendo puxado para as trevas como se algo invisível o tivesse capturado com garras afiadas. O som de ossos estalando e carne sendo rasgada cortou o silêncio de forma grotesca, fazendo com que os outros soldados olhassem horrorizados.
O corpo do homem foi arrastado pela escuridão, sua expressão congelada em uma máscara de terror indescritível, os braços se esticando em um último esforço inútil para escapar.
Antes que qualquer um pudesse reagir, outra sombra se moveu rapidamente, capturando a próxima vítima com uma velocidade sobrenatural. O grito foi curto, sufocado, e logo o som de algo sendo dilacerado preencheu a sala.
A carne estava sendo arrancada, pedaços do corpo sendo consumidos por algo que ninguém conseguia ver, mas todos podiam sentir. Os soldados, paralisados pela cena, mal podiam acreditar no que estava acontecendo diante de seus olhos. O pânico começou a se espalhar como fogo em capim seco.
━━━ Atirem! ━━━ um dos oficiais gritou, a voz tensa e cheia de desespero, mas suas mãos tremiam, incapazes de focalizar em qualquer alvo visível.
Não havia como acertar algo que não podiam ver. Não havia nem sombra, nem contornos, apenas a escuridão engolindo suas fileiras uma a uma.
O pânico se espalhou mais rápido do que os próprios soldados conseguiam entender. Vários tentaram correr, mas as sombras os seguiam implacáveis. Um a um, os corpos caíam, sendo arrastados para dentro da escuridão, devorados por uma força cruel e invisível.
Os sons de dentes cortando carne e os estalos dos ossos se quebrando se misturavam com os gritos de horror e a respiração ofegante dos poucos sobreviventes. A luta para entender o que estava acontecendo era fútil. Eles estavam sendo caçados, sem chances de defesa.
Hope sentiu a pressão no peito aumentar, o ar tornando-se mais denso e difícil de respirar. Ela já sabia que correr não era uma opção. As criaturas, ou aquilo que se escondia nas sombras, estavam um passo à frente, sempre antecipando cada movimento. Ela precisava pensar rápido, se esconder ou lutar com o que restava de sua força.
Mas a escuridão parecia ter vida própria, movendo-se, pulsando ao redor deles, consumindo tudo em seu caminho.
━━━ Atira, porra! ━━━ um dos guardas gritou, sua voz embargada pelo pânico, antes de ser arrastado para o escuro com um puxão brutal.
O som de sua garganta sendo apertada em um grito abafado se perdeu no vazio, enquanto seu corpo desaparecia, engolido pelas sombras que se arrastavam com uma fome insaciável.
Aqueles que ainda estavam vivos estavam agora desesperados, suas mãos trêmulas tentando apontar suas armas para o vazio, disparando tiros a esmo. O som dos disparos ecoava, mas não havia alvo. Nenhuma forma. Apenas a escuridão se movendo, vazia e faminta, engolindo tudo em seu caminho. Cada bala disparada parecia ser um desperdício no ar denso e sufocante que tomava conta dali.
Outro soldado tentou correr, mas sua fuga foi curta. Uma sombra parecia saltar de uma das paredes, envolvendo sua figura com uma rapidez impossível. Ele se debateu por um instante, sua respiração cortada em um grito de terror, até que o som de sua carne sendo rasgada foi ouvido. O silêncio que se seguiu foi ainda mais aterrador.
Hope recuou para o canto da sala, suas mãos apertando a arma até seus dedos doerem, mas nada fazia sentido. Ela não conseguia ver. Não conseguia lutar contra o invisível. O medo a tomava, cada vez mais forte, mas ela sabia que não poderia ceder. Não agora.
Estamos sendo caçados. A constatação foi um sussurro em sua mente, mas a verdade era inegável. Não havia mais soldados. Não havia mais ordem. Apenas a escuridão e aquilo que os consumia de dentro para fora.
Ela sentiu o cheiro de sangue quente no ar, uma mistura densa de metal e morte, e a sensação de que as sombras se aproximavam, como se estivessem se fechando ao seu redor. Ela ouviu outro grito abafado, mais distante, e sentiu seu coração acelerar.
Os gritos ecoavam de maneira distorcida, como se o espaço estivesse se torcendo, os sons sendo retorcidos em algo incompreensível. Os gritos se apagavam lentamente, substituídos por sons guturais e o inconfundível som de dentes afiados rasgando carne, um pesadelo se desdobrando diante dos olhos de Hope.
Ela mal conseguiu reagir a tempo quando um dos soldados mais próximos foi puxado para a escuridão, sua mão tentando desesperadamente segurar a parede enquanto sua carne era dilacerada. Mas tudo o que restou foi o som do sangue espirrando e os ecos de uma luta desesperada se dissipando, deixando apenas o vazio em seu lugar.
Hope queria correr, mas suas pernas estavam paralisadas. O medo a invadia como um veneno, mas ela sabia que não poderia ser uma espectadora.
Um último grito ecoou, distorcido e sufocado, e então tudo ficou em silêncio novamente. O silêncio do tipo que pressiona contra os tímpanos, onde o peso da morte paira no ar. Hope olhou ao redor, o coração batendo rápido demais, mas nada se movia. Nada além da sombra que agora parecia estar se aproximando dela.
Ela estava sozinha no meio do abismo. E a escuridão, que a rodeava como um abraço mortal, aguardava seu próximo movimento.
A arma estava disposta à sua frente, o dedo rente ao gatilho. O infravermelho fraco que saía da mira percorrendo qualquer resquício de vida ali. Nada.
A tela pequena e escura da mira mostrava apenas o vazio, um espaço vazio e opressor. Não havia movimento, nenhum alvo visível. Mas o instinto de Hope dizia o contrário. Ela podia sentir a presença, a pressão da escuridão que se espalhava pelo ambiente. O ar denso, a sensação de ser observada, como se algo estivesse esperando por ela para cometer o próximo movimento.
O silêncio se estendia, apertando seu peito a cada segundo que passava. Ela forçou os olhos a percorrerem o escuro, mas a visão infravermelha não trazia nada. Nada além de sombras escuras que pareciam engolir qualquer forma de vida.
Cada estalo, cada estremeção nas paredes parecia amplificado, mas ainda assim, a tensão no ambiente aumentava. O que quer que estivesse lá fora não era visível. Não era algo tangível. Era como se a própria sala estivesse viva, mudando, apertando seus limites, engolindo os sobreviventes um por um, sem deixar nenhum sinal para ser rastreado.
Hope respirou fundo, tentando controlar o pânico crescente. A escuridão estava em todos os lugares, em cada canto da sala. E ela sabia que, se tivesse um momento para agir, seria agora.
O dedo dela permaneceu no gatilho, mas algo a impedia de atirar. Algo que a fazia hesitar. Ela não sabia o que estava caçando ali, mas sentia o risco de errar. O risco de atacar sem ver. O risco de ser mais uma vítima.
O som de um sussurro, quase inaudível, cortou o ar, uma risada baixa, arrastada, como se algo estivesse se divertindo com a situação. Hope se encolheu, os músculos tensos, o coração batendo com força. Ela se virou bruscamente, buscando em vão a origem do som, mas nada se movia.
A sensação de que algo estava prestes a alcançá-la foi esmagadora. Ela não podia mais esperar. Sem mais hesitação, Hope disparou. O som do tiro ecoou pela sala, mas o alvo... continuava invisível. Ela não sabia se havia atingido algo, mas o que restou foi o estalo agudo da arma, e a sensação de que estava completamente sozinha.
Ou talvez não.
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