𝕮𝖆𝖕 28

Cap 28:

O AMBIENTE ESTAVA CARREGADO, quase sufocante. A tenda onde estavam parecia pequena demais para conter o peso daquela conversa. O vento cortante assobiava lá fora, levantando a lona da entrada de tempos em tempos, como se o próprio mundo estivesse ansioso para ouvir o que seria dito ali dentro.

Kreese segurava a adaga com firmeza, mas seu olhar entregava algo que não combinava com sua postura rígida—culpa. Aquela lâmina ancestral, outrora símbolo de poder e respeito, agora estava manchada por algo que jamais poderia ser apagado.

— Já está na hora? — sua voz soou grave, mas não tão firme quanto de costume.

Kim Dae-un, com os olhos sombrios e a expressão carregada, sustentou o olhar dele antes de responder:

— Quase. Meu avô quer falar com todos nós. Não podemos mais adiar isso.

O nome de Kim Sun-Yung pairava sobre eles como um fantasma. O patriarca esperava uma resposta, e eles sabiam que não podiam fugir.

— Ela... já apareceu? — Kreese perguntou, desviando o olhar para o chão, como se a resposta já fosse um peso que ele não queria carregar.

Kim Dae-un respirou fundo antes de negar com um leve movimento de cabeça.

— Nenhum sinal. Meu avô não quer envolver a polícia nisso. Ele acha que, no momento certo, ela irá aparecer.

O silêncio que se seguiu foi pesado, esmagador. Kreese olhou para a lâmina em suas mãos, como se pudesse enxergar todos os eventos que levaram até ali refletidos no fio cortante.

— Já falou com a família do... — ele começou, mas foi interrompido.

— Ele não tem família. — Kim respondeu de imediato, sua voz carregada de uma dor que ele não deixava transparecer. — Nós... a Hana, éramos a família dele, desde que era criança.

Um vazio tomou conta da tenda. O vento soprou mais forte, e por um instante, pareceu que o próprio destino zombava deles.

Kreese fechou os olhos por um momento antes de sussurrar:

— A culpa é toda minha. Eu causei isso.

Kim Dae-un não hesitou ao responder.

— Todos causamos. Quanto ao meu avô, temos que enfrentar suas consequências.

A realidade os esmagava. Não havia saída. Não havia volta.

[...]

O vento cortante do dia fazia seus cabelos dançarem ao seu redor, enquanto avançava com passos firmes pelas ruas mal iluminadas. As mãos enterradas nos bolsos do casaco escondiam o frio que mordia sua pele, mas nada poderia esconder a dureza em seu olhar. Não havia hesitação, não havia culpa. Apenas a necessidade.

Em um movimento ágil e calculado, atingiu o vendedor com precisão, derrubando-o antes que ele sequer pudesse registrar o rosto de quem o atacara. O corpo desabou pesadamente contra o chão de pedra, deixando o silêncio engolir o impacto.

Sem perder tempo, encheu os bolsos com frutas frescas, os dedos rápidos e acostumados a esse tipo de ação. Era um ciclo sem fim, um instinto de sobrevivência que se recusava a morrer. Sem olhar para trás, desapareceu na escuridão, deixando o vendedor caído, inconsciente.

A verdade era cruel. A dor, inescapável. O mundo havia lhe tirado tudo, e agora, já não restavam razões para viver. Apenas a necessidade de continuar respirando, de seguir adiante, mesmo que isso significasse recorrer a velhos hábitos.

Puxou o zíper do casaco até cobrir metade do rosto, deixando apenas os olhos à mostra—olhos que carregavam um peso impossível de medir. Dentro dos bolsos, os dedos se fecharam com força ao redor das frutas recém-roubadas, como se fossem a única coisa que a mantinha de pé.

O destino, impiedoso como sempre, havia lhe lançado de volta ao passado. Como nos velhos tempos, quando o furto era a única forma de sobreviver. Só que agora, eram as ruas frias e indiferentes de Barcelona que testemunhavam sua luta silenciosa.

[...]

A atmosfera dentro da tenda era sufocante, carregada por uma tensão quase palpável. O vento frio balançava a lona, mas o peso das palavras trocadas ali dentro era ainda mais cortante do que o ar gelado da noite.

— O Sr. Brown disse que o torneio pode voltar, se todo mundo concordar. — A voz de Sensei Kim soou firme, mas havia um tom cauteloso ao se dirigir a Kreese.

Kreese permaneceu em silêncio por um instante, o olhar perdido em pensamentos que ninguém além dele poderia decifrar.

— Eu não sei... — murmurou, como se ainda ponderasse sobre os desdobramentos da decisão.

Sensei Kim inclinou-se levemente, mantendo a voz baixa, tentando trazê-lo de volta à conversa.

— Não precisamos decidir agora. Podemos conversar pessoalmente...

Mas antes que ela pudesse concluir a frase, um trovão de autoridade a silenciou.

— Silêncio. Sem discussão.

A voz cortante do Mestre Kim Sun-Yung ecoou pela tenda, fazendo cada olhar se voltar imediatamente para ele. Seu rosto estava tomado por uma expressão severa, sua presença dominando o ambiente sem esforço.

— Meu dojang foi muito humilhado. Nós vamos voltar ao torneio, e nós vamos vingar o nosso aluno.

Seus olhos estreitaram-se, carregados por uma promessa fria e irrefutável.

— Eles tiraram um dos nossos... vamos tirar um deles.

O silêncio que seguiu foi mais ensurdecedor do que qualquer grito.

— Vamos começar a treinar. E o Yoon será nosso lutador. E quanto à Hana... vamos encontrá-la o mais rápido possível.

A tensão na tenda se intensificou quando ele moveu-se lentamente, retirando algo de dentro de suas vestes.

— E nós precisaremos de uma lição… especial.

Seus dedos firmes seguravam um pergaminho negro, revelando-o diante dos olhos atentos de todos ali.

Kim Dae-un sentiu o corpo enrijecer no mesmo instante. Ele conhecia aquilo muito bem. Sabia exatamente o que significava.

O ar dentro da tenda parecia mais pesado. O que quer que estivesse prestes a acontecer, não havia volta.

A manhã estava fria, e o vento cortante passava pelo dojang ao ar livre, carregando consigo a tensão que pairava no ar. Todos estavam reunidos, em duas fileiras perfeitas ao redor de Yoon. O silêncio era tão denso que cada respiração parecia ecoar pelo espaço vazio.

Mestre Kim Sun-Yung mantinha sua postura imponente. Seus olhos afiados percorriam cada um ali presente, avaliando-os com um olhar que parecia perfurar suas almas. Quando finalmente moveu-se, o som de um pergaminho se desenrolando ressoou.

Ele ergueu o objeto sagrado diante de todos, sua presença se tornando ainda mais opressora.

— Preparem-se! Comecem! — Sua voz cortou o silêncio como uma lâmina afiada.

Yoon estava no centro, cercado por duas fileiras de alunos que o observavam com atenção. Ele mantinha uma postura firme, mas havia algo nos olhos dele – um resquício de hesitação que rapidamente aumentou quando Kim Dae-un se aproximou.

— Observe e repita — disse Kim Dae-un, e Yoon apenas assentiu, concentrado.

Os movimentos começaram. O boneco de madeira à sua frente recebia cada golpe com força, mas algo ainda não estava certo. O impacto não era perfeito. Os olhos afiados de Mestre Kim Sun-Yung não deixaram isso passar despercebido.

— Você não é digna de ensinar no meu dojang assim! — Sua voz trovejou, fazendo com que até os mais experientes sentissem um calafrio. — Mais forte!

Kim Dae-un cerrou os dentes e voltou a executar o movimento, ignorando a dor que começava a se espalhar por sua mão. Seu punho tremia, a pele já avermelhada pelo impacto repetitivo contra a madeira dura. Mas ela não parou. Não podia parar.

— Basta! — Mestre Kim Sun-Yung exclamou de repente, sua paciência se esgotando. — Yoon! Sua vez!

Yoon respirou fundo e se preparava para atacar o boneco de madeira quando, de repente, foi interrompido.

— Nada disso. — A voz de Mestre Kim Sun-Yung era baixa, mas carregada de um peso inegável.

Ele apontou para os outros. O silêncio se aprofundou.

Era simples. Seria uma punição.

Um castigo a cada um deles.

Yoon ficou diante de Hyuhn, que engoliu seco antes de se curvar em respeito. Os dois se encararam por um instante, e então, sem hesitação, Yoon desferiu o golpe. O impacto foi brutal. Hyuhn caiu de joelhos, um gemido de dor escapando de seus lábios. Seu corpo encolheu-se instintivamente, como se tentasse se proteger de algo que já era inevitável. A dor era lancinante, talvez a pior que já sentira em toda a sua vida.

Os olhos de Yoon estavam cheios de conflito, mas ele não podia parar. Ele não podia desobedecer.

O próximo era Taeyang.

Ele já tremia antes mesmo de se posicionar. Seus olhos refletiam o horror do que estava prestes a acontecer, mas mesmo assim, ele avançou.

Diante de Yoon, ele respirou fundo, tentando se preparar.

O golpe veio rápido.

Seu corpo foi lançado ao chão antes que ele sequer percebesse o impacto. Um grito sufocado escapou de sua garganta, e as lágrimas brotaram involuntariamente de seus olhos. O chão frio parecia girar ao seu redor, mas ele se forçou a não fraquejar.

E assim continuou.

Um por um.

Cada aluno sendo derrubado, sentindo na pele o peso da punição.

A dor não era apenas física – era um lembrete, uma marca que carregariam como consequência por falharem com um colega de equipe.

Por falharem com seus senseis.

E, acima de tudo, por falharem com Mestre Kim Sun-Yung.

[...]

O chão de concreto rachado rangia sob seus pés descalços enquanto ela se movia, golpe após golpe, sem hesitação. O ar pesado do lugar abandonado misturava-se com o cheiro de poeira e ferrugem, mas Hana não se importava. Ela estava ali para lutar—não contra alguém, mas contra algo que queimava dentro dela e não a deixava respirar.

Seus músculos estavam rígidos, o cropped preso ao seu corpo suado, o short permitindo que seus movimentos fossem ainda mais rápidos e precisos. Mas não importava o quanto tentasse se concentrar na técnica, sua mente estava longe dali.

O grito de Kwon.

O som horrível que ecoou pelo torneio, o momento em que o mundo inteiro parou.

Seu punho acertou um pilar de concreto, a pele se rompendo de imediato, mas ela sequer piscou.

A adaga de Kreese.

A lâmina suja de sangue. O olhar de Kwon antes de cair. O desespero sufocante que a tomou.

Seu cotovelo girou no ar e acertou o saco de areia improvisado que pendia de uma viga enferrujada, fazendo-o balançar com força. O impacto reverberou em seu braço, mas ela não se permitiu parar.

E Mestre Kim Sun-Yung? Se voltasse para aquele dojo, sabia o que a esperava. Sabia o que ele faria. O que ele exigiria.

Seus pés deslizaram pelo chão em uma sequência rápida de golpes, seus chutes eram violentos, impulsionados por algo que ia muito além da técnica.

Era medo.

Era raiva.

Era a dor.

Seus pulmões queimavam, suas pernas já não respondiam como antes. Cada soco fazia suas mãos arderem mais, cada chute roubava o pouco de força que ainda restava em seu corpo. Mas Hana não parava. Não podia parar.

Os nós dos dedos estavam em carne viva, os joelhos fracos, os pés quase falhando. Ela respirava de forma irregular, o suor escorria por sua testa, mas sua expressão continuava a mesma—fria, vazia.

Até que, no último chute, seu corpo inteiro travou.

Ela ficou ali, em pé, os olhos arregalados, o peito subindo e descendo freneticamente.

Então, soltou um grito.

Um grito que preencheu cada canto daquele lugar esquecido pelo tempo.

Não era dor física. Não era cansaço.

Era tudo o que estava dentro dela.

Toda a culpa. Toda a revolta. Toda a tristeza que tentou enterrar desde aquele dia.

E agora, finalmente, deixava escapar.

O chão de cimento frio e áspero não a incomodava enquanto se jogava contra ele, deixando-se afundar no próprio desespero. Suas mãos, trêmulas e sujas de sangue, cobriam parte do rosto enquanto as lágrimas deslizavam sem controle, caindo e se misturando à sujeira do chão. O lugar era imundo, um depósito abandonado, repleto de poeira, ferrugem e cheiro de umidade. Mas nada daquilo importava.

Seu corpo doía. Não apenas pelos golpes incessantes que desferiu contra o saco de areia improvisado, ou por todo aquele lugar, mas porque já estava fraco há dias. As feridas abertas nas mãos e nos pés latejavam, e o sangue escorria em finos filetes, manchando sua pele e suas roupas. Mesmo assim, ela permaneceu ali, respirando pesadamente, permitindo-se chorar, ainda que não houvesse ninguém para ouvir.

Quando finalmente ergueu a cabeça, seus olhos fixaram-se no pequeno monte de cascas de frutas ao seu lado. As últimas que havia roubado. Agora, não havia mais nada. Precisava sair. Precisava de mais.

Com um esforço doloroso, Hana se levantou, os joelhos fraquejando no processo. Pegou um casaco e uma calça, vestiu-os com pressa e puxou o capuz sobre a cabeça. Cada movimento enviava ondas de dor por seu corpo exausto, mas ela ignorou. O frio da noite não era nada comparado ao que sentia por dentro.

Ao dar os primeiros passos, sentiu umidade escorrendo por sua pele e percebeu que não era apenas suor—suas roupas estavam ficando pesadas com o próprio sangue. As feridas abertas, os cortes profundos, tudo contribuía para que pequenas gotas rubras caíssem pelo chão conforme caminhava pelas ruas escuras de Barcelona.

Mas nada disso importava.

A dor física não era maior que a dor de sua alma.

Os passos eram rápidos, firmes, até que encontrou o que precisava: uma pequena venda de esquina, mal iluminada e aparentemente sem muita movimentação. Seu olhar afiado analisou o local enquanto se esgueirava para trás de uma parede. Estava acostumada a agir como um predador, esperando o momento certo para atacar. Seu coração batia acelerado, mas suas mãos, apesar de feridas, estavam firmes.

Então, veio o pensamento.

Isso não era certo.

Mas o que era "certo" para alguém como ela?

Já fazia tempo que havia cruzado a linha entre o certo e o errado.

Engolindo qualquer hesitação, saiu de trás da parede, os músculos tensos, preparada para agir. Mas antes que pudesse avançar, uma voz ecoou pelo beco silencioso.

Uma voz familiar.

Seu corpo congelou instantaneamente. Ela conhecia aquela voz. Seu peito apertou. Lentamente, virou-se para trás, o coração martelando nas costelas.

E lá estava Kim Dae-un.

A mulher a encarava com algo que Hana nunca vira antes em seu olhar: dor. Compaixão.

Hana ficou imóvel. Seu olhar desceu para as próprias roupas sujas de sangue, e quando voltou a encará-la, viu que Kim também notara.

Antes que pudesse reagir, sentiu o impacto do abraço. Forte. Rápido. Desesperado.

Seus braços permaneceram caídos ao lado do corpo enquanto sentia o calor da outra.

— Se... sensei... — Foi tudo o que conseguiu sussurrar, a voz fraca, embargada.

Kim afastou-se apenas o suficiente para olhá-la nos olhos.

— Como... me achou?

— Não foi difícil ouvir os boatos sobre a ladra de comida que lutava karatê por aqui.

Hana engoliu em seco. Então, era isso. Ela realmente havia fugido. Realmente estava sozinha, vivendo nas ruas como um fantasma. Mas agora, depois de tantos dias, alguém estava ali. Alguém que não era um estranho.

Seus olhos marejaram, mas seu corpo ainda se recusava a se mover.

— Sensei... — murmurou, sentindo a garganta apertar.

Kim não hesitou.

— Você precisa vir comigo.

Hana desviou o olhar, recuando um passo.

— Não... Eu não posso. O Mestre Kim Sun-Yung...

— Ele nunca mais vai fazer mal a ninguém.

O coração de Hana disparou. Suas pupilas dilataram levemente ao encarar a mulher à sua frente.

— Sensei... O que você fez?...

A resposta não veio em palavras, mas sim no olhar.

E pela primeira vez em tanto tempo, Hana sentiu algo que não era medo.

Alívio.

Seu corpo, antes rígido, cedeu. Suas pernas fraquejaram, mas antes que caísse, seus braços finalmente se moveram. Seguraram Kim Dae-un e a puxaram para um abraço. Forte. Necessário.

A sensei, sempre tão rígida, tão inabalável, não conteve as lágrimas. Elas escorreram silenciosas enquanto retribuía o abraço.

Por um momento, só existiam as duas.

A dor de Hana desapareceu. Nem que por alguns segundos.

Mas então, uma voz interrompeu.

— Ei, ela está bem?

As duas se separaram e viraram-se para o vendedor, o homem que Hana pretendia atacar segundos antes.

Ele arregalou os olhos ao ver as manchas de sangue em sua roupa.

— Meu Deus! Ela precisa de um médico!

Kim Dae-un voltou-se para Hana, o olhar carregado de firmeza e preocupação.

— Ele tem razão — disse. — Você não pode ficar mais aqui desse jeito.

Continua...

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Definitivamente, que capítulo doloroso de se escrever e ler. Que dor de ver a Hana acabada assim...

Estava com saudades de fazer essa fanfic!!

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