𝕮𝖆𝖕 1
Cap 1: Hawkins
O carro dos pais de Samantha deslizou suavemente pela estrada, atravessando a enorme placa que anunciava a entrada na cidade: "Bem-vindo a Hawkins".
Ela encostou a cabeça contra o vidro frio da janela, observando a paisagem que passava diante de seus olhos. Cada rua, cada árvore e cada estrutura pareciam carregadas de uma sensação estranha, como se um peso invisível estivesse se instalando em seu peito. O simples fato de estar cruzando os limites dessa cidade novamente fez sua respiração vacilar por um momento. Uma mistura de ansiedade e algo mais—talvez medo—se espalhou por seu corpo, deixando seus dedos levemente trêmulos sobre o colo.
Samantha não havia contado aos pais o verdadeiro motivo de querer voltar. Assim como nunca revelou sobre seus poderes, também escondeu o chamado silencioso que a atraía para Hawkins. Em vez disso, inventou uma desculpa plausível: queria passar as férias em um lugar diferente, um lugar que remetesse à cidade onde fora encontrada anos atrás, ainda criança.
O silêncio dentro do carro foi quebrado pela voz preocupada de sua mãe, que lançou-lhe um olhar pelo retrovisor.
— Querida, está tudo bem? Você está muito quieta aí atrás.
Samantha piscou, afastando-se de seus pensamentos.
— Só estou com um pouco de dor de cabeça — respondeu, tentando manter a voz firme.
Seu pai, concentrado na estrada, não demorou a oferecer ajuda:
— Quer que eu pare em alguma farmácia para comprar um remédio?
Ela hesitou por um segundo, mas logo balançou a cabeça.
— Não precisa. Não dormi direito por conta da ansiedade de voltar aqui. Vou só descansar um pouco... Me acordem quando chegarmos.
Antes que pudessem insistir, fechou os olhos, buscando refúgio no escuro por trás de suas pálpebras.
Mas a verdade era que, mais do que ansiedade, ela sentia medo.
Medo do que poderia encontrar em Hawkins.
Medo do que aquele sonho significava.
Medo de finalmente descobrir o que aconteceu com sua memória, que parecia um livro cujas páginas foram arrancadas cruelmente.
E, acima de tudo, medo de si mesma.
Dos poderes que nunca compreendeu.
Do mundo sombrio que insistia em persegui-la.
E do fato de que, por mais que tentasse ignorar... ela sabia que estava sozinha nisso.
[...]
O carro desacelerou até parar suavemente diante da casa. Do lado de fora, o vento soprava levemente, balançando as árvores ao redor e fazendo as folhas secas deslizar pelo chão da entrada. O céu começava a ganhar tons alaranjados, indicando o fim da tarde.
Samantha abriu a porta do carro e desceu devagar, seus pés tocando o chão como se algo invisível a puxasse para trás. Ao erguer os olhos para a casa, sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Aquela não era uma casa qualquer.
Uma sensação estranha tomou conta dela, como se um fio invisível a conectasse àquela construção. Seu coração acelerou, e então veio a lembrança—vaga, fragmentada, como um eco de algo há muito esquecido.
Ela já tinha visto essa casa antes.
Nos seus sonhos. Nos seus pesadelos.
Seu corpo fraquejou. A visão pareceu embaçar por um instante, e ela sentiu as pernas cederem. Antes que pudesse cair, um par de mãos firmes a segurou.
— Sam, você está bem? — A voz preocupada de seu pai a trouxe de volta.
Ela piscou algumas vezes, tentando recuperar a firmeza. Sua mãe, que havia acabado de fechar a porta do carro, a olhou com uma expressão de apreensão.
— Oh, meu Deus! Você deve estar faminta.
Samantha respirou fundo, forçando um sorriso para tranquilizá-los.
— Eu estou bem... Só um pouco cansada. — Sua voz saiu mais baixa do que esperava. Esfregando as têmporas, ela se recompôs e desviou o olhar da casa, tentando afastar aquela sensação. — Será que podemos entrar?
Sua mãe assentiu, sorrindo.
— Claro. Pode ir escolhendo seu quarto. Eu e seu pai pegamos as caixas com roupas. O antigo dono dessa casa deixou alguns móveis aí. Quando terminarmos de nos instalar, prometo comprar móveis novos para seu quarto.
Samantha pegou a chave que sua mãe estendeu e caminhou até a porta. O metal frio entre seus dedos aumentou a sensação de inquietação dentro dela. Por que sentia como se estivesse cruzando um limite invisível?
Posicionou a chave na fechadura e girou devagar. O mecanismo rangeu levemente antes de destravar. Quando a porta finalmente se abriu, um cheiro leve de madeira antiga e poeira invadiu suas narinas.
Os móveis estavam cobertos por panos brancos, escondendo suas formas e criando sombras distorcidas pela pouca luz do entardecer. As cortinas estavam fechadas, e apenas feixes tímidos de luz escapavam pelas frestas, iluminando partículas de poeira que dançavam no ar.
Mas não era isso que a incomodava.
Ela sentia algo ali. Uma presença invisível, uma energia presa nas paredes.
Seus olhos percorreram o interior da casa, mas não havia nada além do que se via normalmente. Pelo menos, não com os olhos.
Engolindo em seco, forçou-se a continuar. A casa era grande, e a arquitetura indicava que era antiga. Os corredores eram largos, e as paredes estavam enfeitadas com quadros igualmente velhos, cujas molduras de madeira estavam levemente desgastadas.
Subindo os primeiros degraus da escada, sentiu o ranger suave da madeira sob seus pés. Notou pequenas rachaduras em alguns degraus, discretas, mas ainda assim evidentes. A cada passo, o silêncio parecia mais pesado.
Ela seguiu para o segundo andar, determinada a escolher seu quarto.
Mas, por mais que tentasse se convencer de que era apenas uma casa velha... Algo dentro dela gritava que havia algo errado ali.
[...]
A luz amarelada do lustre acima da mesa de jantar criava um brilho suave sobre os pratos e talheres, lançando sombras discretas nas paredes da cozinha. O cheiro de comida recém-preparada pairava no ar, misturado ao aroma fraco de madeira antiga que impregnava a casa.
Samantha estava sentada em uma das cadeiras, a postura levemente curvada, apoiando um dos cotovelos sobre a mesa enquanto girava o garfo entre os dedos. Seus olhos fixos no prato à sua frente denunciavam que sua mente estava distante dali.
Seu pai, sentado do outro lado da mesa, estava concentrado no notebook, os dedos deslizando pelo teclado enquanto finalizava seu trabalho. Já sua mãe, movimentava-se pela cozinha, retirando a última tigela do fogão e a colocando sobre a mesa.
Ao se virar para servir a comida, sua mãe reparou na expressão de Samantha—seus ombros estavam tensos, e o olhar, perdido.
— Sam, está tudo bem? — A voz dela soou com uma mistura de preocupação e suavidade.
Samantha piscou algumas vezes, trazendo sua atenção de volta para a realidade.
— Sim... Só preciso comer. — Sua voz saiu um pouco baixa, como se estivesse tentando afastar os pensamentos que a inquietavam.
Seu pai desviou o olhar do notebook, fechando a tela levemente antes de falar.
— Você está quieta e estranha desde que saímos da nossa antiga cidade. O que foi? Quer voltar? Não está gostando de voltar aqui?
Ele falava com cautela, sem pressa, observando cada reação da filha enquanto deslizava o notebook um pouco para o lado, demonstrando que estava completamente atento a ela.
Samantha suspirou, abaixando o olhar por um instante. Pegou um pouco de arroz da tigela e colocou em seu prato antes de responder.
— Eu só... achei que estava preparada para voltar aqui, mas... — Ela hesitou, mexendo levemente no arroz com o garfo. — Parece que sinto algo diferente. Eu não sei bem explicar. Um pressentimento estranho.
Sua mãe, que havia acabado de se sentar, ergueu as sobrancelhas.
— Pressentimento?
Samantha franziu os lábios, buscando as palavras certas.
— Eu não sei, pode ser coisa da minha cabeça.
— Não, talvez não seja. — Seu pai cruzou os braços sobre a mesa. — Se quiser, podemos procurar algum psicólogo por aqui. Ouvi dizer que relembrar sobre o passado pode afetar alguma coisa na mente.
— Eu estou bem, pai. — Samantha forçou um sorriso, tentando parecer tranquila. — Pode ser a ansiedade também, afinal, trocar de escola não é tão fácil.
Sua mãe aproveitou a deixa para dar uma notícia.
— Aliás, resolvi logo que consegui um tempinho. — Ela pegou uma colher e serviu uma porção de purê de frango para Chris, o pai de Samantha. — Você já está matriculada em Hawkins High School. Suas aulas já começam amanhã.
Samantha parou por um momento, absorvendo a informação.
— Lá é muito longe?
— Não muito. — Sua mãe respondeu, ajustando o guardanapo no colo. — Seu pai te leva logo pela manhã. Agora termina de comer e trate de não dormir muito tarde para não afetar seus estudos amanhã.
Samantha assentiu, pegando o garfo novamente e começando a comer, embora o aperto estranho em seu peito ainda não tivesse desaparecido completamente.
[...]
A noite estava silenciosa, e a única luz no quarto de Samantha vinha do abajur ao lado da cama, lançando um brilho amarelado sobre os móveis. Ela vestia seu pijama confortável, e o tecido macio roçava contra sua pele enquanto ela terminava de escovar os dentes no banheiro.
Samantha levantou a cabeça, observando o próprio reflexo no espelho. Seus olhos tinham um brilho inquieto, e seu rosto carregava um cansaço que não era apenas físico. Ela respirou fundo, tentando ignorar aquela sensação estranha que vinha crescendo dentro de si desde que havia chegado a Hawkins. Com um movimento brusco, encheu as mãos de água fria e jogou no rosto, sentindo o choque gelado contra a pele.
Ela fechou os olhos por um momento, esperando que aquilo ajudasse a dissipar a inquietação. Mas ao abrir novamente, a sensação ainda estava lá, firme, incômoda. Suspirando, enxugou o rosto com a toalha e saiu do banheiro, caminhando até a cama.
O colchão afundou levemente quando ela se deitou, puxando os cobertores até a altura do peito. Com um movimento lento, estendeu a mão até o abajur, tocando o interruptor e apagando a luz. O quarto mergulhou na escuridão, e ela fechou os olhos, tentando se entregar ao sono.
Porém, não demorou muito até que um som estranho cortasse o silêncio. Algo baixo, distante, quase como um sussurro vindo de algum lugar.
Samantha abriu os olhos imediatamente, mas ao fazê-lo, seu coração disparou.
Ela não estava mais em seu quarto. Ou, pelo menos, não do jeito que deveria estar.
O ambiente ao redor parecia ter sido abandonado há décadas. As paredes estavam descascadas, o chão coberto de poeira, e móveis antigos estavam quebrados e largados pelo espaço. Uma névoa densa e branca rastejava pelo chão, tornando a atmosfera ainda mais perturbadora.
Seu peito subia e descia rapidamente enquanto ela se sentava na cama, os olhos varrendo o cômodo com urgência. Aquele ainda era seu quarto, mas algo estava profundamente errado.
Engolindo em seco, Samantha jogou as cobertas para o lado e se levantou. Cada passo que dava fazia o assoalho ranger de maneira sinistra. Ela saiu do quarto, percorrendo o corredor que antes conhecia bem, mas que agora parecia pertencer a um pesadelo.
As teias de aranha se espalhavam pelos cantos das paredes, e a névoa se adensava conforme ela avançava pela casa. Tudo parecia antigo, destruído pelo tempo, como se ninguém vivesse ali há muito, muito tempo.
Seu coração batia forte contra o peito.
Ela caminhou até a porta de entrada, suas mãos tremendo levemente ao pegar a chave sobre um móvel envelhecido. O metal gelado entre seus dedos fez um calafrio percorrer sua espinha. Com hesitação, girou a chave na fechadura e empurrou a porta.
O ar do lado de fora estava ainda mais carregado. Sua casa parecia em ruínas, com partes quebradas e rachaduras profundas em sua estrutura. A mesma névoa branca cobria o chão como um véu fantasmagórico.
Foi então que ela percebeu.
Algo grande estava se aproximando.
No meio da névoa, uma sombra colossal se movia lentamente, e Samantha só conseguia distinguir sua silhueta grotesca. Seu corpo paralisou, o ar parecia pesado, difícil de respirar.
E então, a voz surgiu.
Um sussurro profundo e distorcido, como se viesse de todos os lugares ao mesmo tempo.
— Você tem um destino a seguir.
Samantha apertou os punhos, seus músculos rígidos.
— Você fez bem em me obedecer. Voltar para Hawkins era necessário.
Seus olhos se arregalaram. Como aquilo sabia?
A sombra se moveu mais rápido. Samantha sentiu um medo incontrolável subir por sua espinha quando percebeu que a coisa vinha direto em sua direção.
Seu corpo queria correr, mas suas pernas estavam presas ao chão como se algo invisível as segurasse. Ela tentou se afastar, mas a criatura se aproximava mais e mais.
E então, num movimento brusco, a sombra avançou sobre ela.
Samantha soltou um grito alto, desesperado, e fechou os olhos com força.
O silêncio caiu sobre ela.
De repente, sentiu algo quente e firme ao seu redor.
Seu coração ainda martelava contra o peito, mas a pressão em seu corpo havia desaparecido. Respirava com dificuldade, como se tivesse acabado de emergir debaixo d’água.
Quando abriu os olhos, percebeu que estava de volta ao mundo real.
Estava caída no chão, do lado de fora da casa. Seus pais a seguravam forte, os rostos tomados pela preocupação.
— Está tudo bem, Sam — sua mãe murmurou, a voz trêmula. — Estamos aqui.
Seu pai a envolvia num abraço protetor, e a respiração dela era irregular, os olhos marejados.
— Era um sonho... — Samantha sussurrou, mas ao olhar ao redor, percebeu onde estava.
Ela estava exatamente no mesmo lugar do seu pesadelo.
As lágrimas rolaram por seu rosto sem que ela conseguisse conter.
Ela abraçou os pais com força, sentindo o calor deles contra si. Mas, no fundo, sabia que aquilo não tinha sido apenas um sonho.
Aquele pesadelo significava algo.
E agora, mais do que nunca, Samantha tinha certeza de que algo em Hawkins estava esperando por ela.
Continua...
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