- 𝐎 𝐏𝐑𝐈𝐌𝐄𝐈𝐑𝐎 𝐄𝐍𝐂𝐎𝐍𝐓𝐑𝐎 .





- 𝘼 𝘾𝙄𝘿𝘼𝘿𝙀 𝘿𝙀 𝙏Ó𝙌𝙐𝙄𝙊 nunca dormia. Mesmo em suas horas mais silenciosas, um leve murmúrio de vida preenchia as ruas e vielas. No entanto, para Chika, o som constante era um ruído distante. Ela subia os últimos degraus da escada de emergência com passos pesados, cada um ecoando no concreto frio. Em uma mão, segurava firmemente o corrimão enferrujado, enquanto a outra segurava o laço frouxo da fita de sua trança.

O ar da noite era gélido no alto daquele prédio. Quando Chika alcançou o topo, a vastidão da cidade parecia se estender infinitamente, um mar de luzes tremeluzentes. Mas seus olhos estavam presos ao chão de concreto diante de si, onde a última etapa de sua jornada terminaria.

Ela não esperava companhia.

Mas lá estava ela.

Uma garota com cabelos trançados, sentada na beirada do telhado, balançando os pés distraidamente no vazio. Ela parecia frágil sob a luz pálida da lua, como uma sombra prestes a ser levada pelo vento. Chika congelou. Não era um cenário que esperava, mas antes que pudesse decidir o que fazer, as palavras escaparam.

- Ei, não faça isso, por favor!

A garota se virou, surpresa, seus olhos brilhando com lágrimas não derramadas. Havia algo em sua expressão - uma mistura de cansaço e resignação - que fez Chika se sentir ainda mais pesada.

- Quem é você para me dizer isso? - respondeu a garota, sua voz amarga.

Chika hesitou, as palavras engasgadas em sua garganta. Ela não tinha uma resposta. Talvez, se fosse outro dia, ela apenas teria virado as costas. Mas naquela noite, por algum motivo, ela permaneceu.

- Eu... não sei. Mas talvez você não devesse fazer isso.

A garota riu, um som curto e sem humor.

- Você acha que pode me convencer? - Ela se virou para encará-la completamente, seus olhos estreitos e avaliadores. - Está bem. Escute então.

E então, ela começou.

Seu nome era Aiko, e seu sorriso amargo nunca desaparecia enquanto falava. Contou como seu namorado, alguém que ela acreditava amar profundamente, a havia abandonado. "Disse que estava cansado de mim, que eu era um fardo", murmurou, as palavras parecendo mais para si mesma do que para Chika. "Eu achei que ele fosse diferente, sabe? Mas, no final, ele foi como todo o resto."

Chika ouvia em silêncio, sentindo cada palavra pesar como uma pedra em seu peito. E então Aiko ergueu a cabeça, seus olhos brilhando com algo entre raiva e tristeza.

- Você sabe como é? Amar alguém tão profundamente e ser jogada fora como lixo?

Chika apertou os punhos.

- Não.

Aiko riu de novo, balançando a cabeça.

- Claro que não. Você provavelmente tem uma vida perfeita. Pessoas que te amam. - Sua voz estava carregada de ironia.

Algo dentro de Chika estalou.

- Você acha que sabe tudo sobre mim só porque eu te pedi para parar? - Sua voz era mais alta do que pretendia, mas não se importava. - Talvez você esteja certa. Eu não entendo como é amar alguém assim. Mas isso não significa que sua dor é maior que a de todos.

Aiko encarou Chika em silêncio por um longo momento antes de finalmente soltar um suspiro exausto.

- Você é estranha.

E com isso, ela se levantou, limpando as mãos na saia.

- De qualquer forma, obrigada por ouvir. - Ela começou a andar em direção à escada. Antes de desaparecer, olhou por cima do ombro. - Boa sorte, seja lá no que for que você está fazendo aqui.

E então, ela se foi.

Chika permaneceu ali por vários minutos, tentando entender o que acabara de acontecer. Mas antes que pudesse tomar coragem para se mover, ouviu passos novamente. Dessa vez, eram leves, hesitantes, como se a pessoa não soubesse ao certo se deveria estar ali.

Era uma menina pequena, quase uma criança. Ela tinha cabelos curtos e usava um casaco muito grande para o seu tamanho. Seus olhos estavam inchados, como se tivesse chorado por horas.

Chika a encarou, sem saber o que dizer. Mas a menina falou primeiro.

- Você também veio aqui por causa deles?

- Deles?

- As pessoas que não ligam. As pessoas que só te machucam.

Chika não sabia como responder. Em vez disso, deu um passo para trás, permitindo que a garota entrasse mais no telhado.

- Qual é o seu nome? - Chika perguntou, tentando parecer menos intimidante.

A menina hesitou antes de responder.

- Yui.

Yui contou uma história diferente. Não era sobre amor, mas sobre solidão. Como todos a ignoravam. Como ninguém se importava se ela estava ali ou não.

- Nem mesmo em casa? - Chika perguntou, sem pensar.

Yui balançou a cabeça.

- Não há nada lá para mim.

Enquanto ouvia, algo dentro de Chika começou a se partir. Ela viu um reflexo de si mesma em Yui. O mesmo vazio, a mesma desesperança.

Quando Yui terminou, ela parecia mais leve, como se ter contado sua história tivesse tirado um peso de seus ombros.

- Obrigada por ouvir - disse ela, antes de sair.

E assim, continuou. Noites diferentes, rostos diferentes. Cada um deles trazendo consigo suas dores e histórias. E cada vez, Chika ouvia, incapaz de afastá-los.

Até que uma noite, ela encontrou alguém que a fez parar.

Era uma garota com um casaco amarelo. Seus cabelos estavam trançados, e havia algo familiar em seus olhos. Quando começou a falar, Chika percebeu que ela estava ouvindo uma versão de sua própria história.

A dor de voltar para casa. A dor de carregar cicatrizes invisíveis.

- Eu vim aqui porque pensei que seria mais fácil assim - disse a garota, sua voz quebrando.

Chika sentiu algo dentro dela se quebrar também. Pela primeira vez, não sabia o que dizer.

- Não faça isso, por favor.

A garota sorriu tristemente.

- É engraçado. Você é a primeira pessoa a dizer isso.

E então, ela desapareceu.

Quando a noite terminou, Chika estava sozinha novamente. Mas dessa vez, algo havia mudado.

Ela tirou o casaco e desfez as tranças, sentindo o vento gélido contra seu rosto.

- Talvez seja hora de tentar algo diferente - sussurrou para si mesma.

Chika ficou ali, imóvel, por alguns segundos, sentindo o vento gelado chicotear seu rosto. Ela olhou para o vazio diante de si, para as luzes da cidade que se estendiam como um tapete brilhante, sem fim. Lá embaixo, a vida seguia, indiferente à sua dor. Carros cruzavam avenidas, pessoas caminhavam apressadas pelas ruas iluminadas, sem sequer imaginar o que acontecia naquele telhado.

Os dedos de Chika deslizaram pela borda de concreto, frios e trêmulos. Havia algo quase irônico em tudo aquilo. No final, mesmo depois de ouvir tantas histórias, de se conectar, ainda que por breves momentos, com aquelas pessoas... nada havia mudado para ela.

- Então é assim que termina, não é? - sussurrou para si mesma, o som de sua voz sendo levado pelo vento.

Ela deu um passo à frente, sentindo os pés descalços se apoiarem na beirada do telhado. Olhou para o céu, onde as estrelas estavam quase apagadas pela poluição luminosa da cidade.

- Talvez isso seja o melhor.

Fechou os olhos, tentando encontrar coragem para dar o próximo passo. A imagem da garota de casaco amarelo passou por sua mente. Ela se viu nos olhos daquela menina, as palavras ecoando como um grito preso em sua memória: "Eu só quero parar as cicatrizes que crescem cada vez que volto para casa."

Mas... quem faria isso por ela?

Chika respirou fundo. O frio cortava sua pele, e as lágrimas começaram a descer, silenciosas, molhando suas bochechas.

- Eu... eu só queria que alguém tivesse me ouvido também...

O vento soprou mais forte, balançando os fios de seu cabelo solto. O mundo parecia esperar por aquele momento final.

Chika abriu os olhos e inclinou o corpo para frente, deixando-se levar pela gravidade.

Por uma fração de segundo, tudo ficou silencioso. A sensação de queda era assustadoramente libertadora. O barulho da cidade desapareceu, e havia apenas o som de seu coração batendo em seus ouvidos.

Foi então que algo inesperado aconteceu.

Um grito.

Alguém gritou seu nome.

O som a atingiu como um raio, atravessando a barreira que ela havia erguido contra o mundo. Chika abriu os olhos, e por um breve momento, viu algo - ou alguém - se movendo rapidamente em direção ao telhado.

Sua mente tentou processar o que estava acontecendo, mas era tarde demais. O chão estava se aproximando rapidamente.

E então... tudo ficou escuro.





Notas da autora: PRIMEIRO CAPITULO! Talvez o próximo saia semana que vem... esperem...


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