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o que você observa daí de cima?
alerta gatilho

Era noite. Uma noite fria e escura, as estrelas eram tampadas por nuvens passageiras, que iam e vinham, o vento sendo estável e violento quando tomava um direção. As árvores balançavam-se de um lado para o outro, a aldeia mantinha-se quieta e os arrozais levavam consigo a atmosfera melancólica que caía na região. Sukuna batia em uma madeira seca, o machado gasto e afiado estava em suas mãos e cortava incansávelmente a lenha que levaria para a casa de Ren. Ele vestia um kimono feito pela garota, a cor branca que tanto amava cobria o tecido, tendo detalhes roxos nas pontas. Se esforçava para não sujar sua peça de roupa.

Ryomen estava concentrado, exorcizava maldições que iam em sua direção enquanto cortava as madeiras que serviriam de lenha. Tentava ser rápido, batendo agressivamente o machado nas toras para poder encontrar a morena de orbes bicolores logo. Hoje cedo, ela pediu carinhosamente que o mais velho fosse pegar suprimentos para si, alegando estar faltando alimentos e carvão na casa. Sukuna fez tudo de bom grado, passando o dia fora apenas para agilizar as coisas para a mulher. Ele ficava satisfeito em ser usado por Ren.

Faziam meses que se conheciam, o Rei das Maldições se via tão perdido pela japonesa, que simplesmente não conseguia compreender o quão grato era por tê-la em sua vida. Se perguntava continuamente o que havia feito para merecer algo tão angelical e bondoso. De qualquer forma, nunca reclamou da presença da moça, ficando contente se ela sorrisse e ficando aborrecido se ela chorasse. Sukuna era totalmente apaixonado por ela.

Seus braços bateram mais uma vez na madeira escura, as orbes escarlates encarando o pedaço da tora caindo na terra seca. Sentiu um cheiro forte de queimado e logo uma gritaria invadiu seus ouvidos. Ryomen procurou a origem das duas coisas, vendo logo abaixo, no pé da montanha, um incêndio tomando grande parte da aldeia. Seu coração deu um salto ao perceber que as chamas altas vinham justamente da casa de Ren, deixando o machado e as madeiras para trás, correndo rapidamente em direção à sua amada.

Os músculos estavam tensos, os pulmões não enchiam-se mais de ar e os dedos tremiam constantemente. Os piores cenários se passaram pela mente de Sukuna, porém ele continuava afirmando que nada daria errado, correndo em alta velocidade montanha abaixo. Batia em galhos e caía distraidamente na terra seca, sujando o tecido branco com folhas e barro. O rosado apenas queria chegar logo ao seu objetivo, a menina de olhos bicolores instalada em seus pensamentos pessimistas.

Os pés pararam, as orbes escarlates encarando o grande incêndio e o pânico preenchendo as extremidades da aldeia. Sukuna viu mulheres com seus filhos ao colo, correndo desesperadas para outro canto da vila, os maridos carregando os bens materiais nas costas enquanto iam atrás das esposas, um olhar assustado contaminando todos no caos eminente. Ele foi para a direção que se encontrava o fogo, sentindo vestígios de energia amaldiçoada por toda a rua que passava. Tampava o nariz, impedindo que a fumaça intoxicasse seu corpo, mesmo sendo extremamente resistente.

Sukuna não pensava em nada, a mente vazia, os sentidos totalmente concentrados apenas em encontrar Ren no meio daquela multidão de escombros. Os ombros estavam tensos, os olhos quase não pregavam para não perder um detalhe que fosse. Seu foco era o kimono azul que ela tanto usava, sendo sua peça de roupa favorita. A japonesa simplesmente não o tirava do corpo, apenas quando ficava sujo. O desespero intensificou ao imaginar que havia sido pega pelo fogo. As lágrimas raras começavam a se formar nos olhos vermelhos de Ryomen, o coração totalmente acelerado enquanto a cabeça girava de um lado para o outro.

Escutou um grito vindo da direção em que seria a casa de Ren, iniciando então uma caminhada desesperada para a origem do som. Não ligava para as chamas que queimavam sua pele, atravessava de qualquer jeito o fogo alto e não pararia até que encontrasse os fios negros que tanto amava. Seus olhos voaram para os destroços, buscando em todos os cantos a pele diáfana e macia da japonesa, tendo apenas a coloração alaranjada tomando para si as estruturas que sobraram da moradia de Ren. Sukuna adentrou nos escombros, a fumaça ardente consumindo seus pulmões e lhe dando uma falta de ar incessante. Ficou tonto, parando para respirar fundo e então voltar a sua buca.

Olhou para a esquerda, uma parte da casa onde era o habitual quarto de sua amada. Lá estava ela, as costas encostadas na única parede que sobrara no cômodo, os olhos arregalados e um dos braços em volta da enorme barriga. Estava assustada, o oxigênio não era mais filtrado e as cordas vocais não funcionavam mais, impedindo a mulher de gritar. Seus únicos movimentos eram os das mãos, que tentavam a todo custo proteger a gestação evidente. Ryomen ficou estático vendo a cena traumatizante de sua amada ser encurralada por uma maldição de nível especial. Ela virou as orbes bicolores para o homem, sussurando seu nome baixinho enquanto tampava sua gravidez com os braços.

Ren tinha medo, queria sentir-se segura novamente em volta dos braços do pai de seu filho. Seu coração batia fortemente e por um momento se perguntou como estaria a criança em seu útero. Ela estaria assustada como a mãe? Estaria pedindo ajuda à seu progenitor que observava tudo de fora? Estaria ela encarando o rosado com a mesma suplica que a morena encarava?Queria ele, tinha medo de morrer ali. Queria conhecer seu filho. Queria aprender mais sobre o mundo e ter uma companhia pelo resto da vida. Ela passou tanto tempo sozinha.

Seu olhar aterrorizado passou para o monstro macabro em sua frente, as garras afiadas quase tocando o rosto da jovem moça. As orbes esbugalhadas que o ser tinha lhe assustavam, faziam com que Ren ficasse eternamente paralisada, a coragem para se mexer não preenchendo nenhuma parte de seu minúsculo corpo. Via de soslaio Sukuna gritar, mandando a maldição se aquietar, pois senão faria de sua vida um inferno. Estava desesperado, tinha medo de lançar algum feitiço e por ventura acabasse por atingir a japonesa. Ryomen nunca se viu tão amedrontado.

A criatura simplesmente o ignorava, tocando salientemente a bochecha rosada da mulher. Rasgou a pele pálida dela, deixando o sangue escorrer pelos contornos de sua bela face. A garota respirou fundo, encarando novamente as orbes vermelhas de Sukuna, encontrando ali toda a calmaria que precisava. Reviveu todos os momentos que tiveram juntos, desde o primeiro encontro até o último segundo que vivenciaram. Contemplou das memórias frescas de Ryomen tocando sua barriga e sussurrando palavras carinhosas para o futuro filho que teriam. Ela o amava tanto, que até mesmo em uma situação complicada se via admirada pelo homem com quem conviveu.

Ele encarava a mulher, o desespero fazendo parte de todo seu organismo. Ren sorria, encantada com toda a beleza que o rosado exalava, simplesmente se deixava levar por toda elegância que o maior transmitia. Sukuna sentiu raiva. Raiva da ingenuidade que a mulher tinha, sabendo muito bem que ela esperava a morte, encontrando no rosto do homem a sua salvação para ir em paz. Ryomen correu em direção à maldição, parando automaticamente assim que viu a criatura perfurar com a outra mão o peito de sua amada. Ren sorriu uma última vez, a luz de seus olhos heteroscromaticos se perdendo nas chamas que cobriam a casa.

Ouviu o barulho do corpo dela caindo ao chão quebradiço e logo ruídos incompreensíveis do monstro preencheu seus ouvidos. Sukuna não tirava as orbes da mulher caída a sua frente, as pálpebras dela abertas para ele e alguns fios negros grudando na bochecha que sangrava. Viu o pé deformado da maldição se apoiar na barriga saliente de Ren, esmagando a gestação que ela carregava enquanto seu corpo era pisado sem dó. O Rei das Maldições arregalou os olhos, o ódio dominando suas entranhas e o descontrolando de todos os sentidos que tinha.

Sukuna levou a maldição para sua expansão de domínio, brincando com a criatura inferior de todas as formas que lhe agradava. Vingou a morte de sua amada, humilhando o ser antes de o matar da mesma forma que havia assasinado a japonesa bondosa por quem havia se apaixonado. Ryomen estava sem chão, não tendo em quem se apoiar para superar a perda das duas pessoas que mais amou em toda sua existência. Não teve coragem de vê-la, apenas tremeu por horas seguidas em seu próprio domínio, decidindo o que fazer. Quando finalmente saiu, encarou o cenário caótico por qual havia causado.

Cambaleou em direção à ela, agachando no chão de qualquer forma e colocando a cabeça pequena dela em sua perna. As orbes bicolores estavam sem vida, o foco sendo o céu estrelado que a esperava. Sukuna observava seus traços que não havia percebido antes, sentindo-se estupido por não ter reparado quando ela estava viva. Os dedos - que passearam pela testa suada dela - tremiam, tirando os fios negros da bela face que Ren tinha.

- Desculpa - falou, sabendo que dessa vez ela não escutaria - Me desculpa, me desculpa, me desculpa, me desculpa!

Ryomen se agarrou ao corpo dela, abraçando todas as extremidades da mulher morta. Lágrimas tampavam sua visão, um choro sôfrego ocupando todo o ambiente enquanto se misturava com os restos de chamas que queimavam. Era uma dor incompreensível, apenas ele entendia qual era a sensação de perder a mulher e futuro filho. Sukuna se via perdido pela primeira vez em 400 anos, queria achar um local tão calmo quanto Ren fora para si.

- Eu não pude fazer nada - choramingou, um pedido silencioso de que ela o perdoasse - Eu não salvei nosso filho.

Segurou na mão da mulher, descendo a mesma até que chegasse na gravidez evidente, iniciando uma carícia pela gestação também morta. Chorou, lamentando por seu fracasso em salvar as únicas razões de sua existência.

- Eu te amo tanto - sussurrou, dando um beijo molhado na testa - Vou te amar para sempre, não me abandone, continue me observando aí de cima.

Grudou suas cabeças, abraçando fortemente ela. Ficou em silêncio por um bom tempo, derramando as lágrimas salgadas nas bochechas pálidas da morena. Sentia-se vazio.

- Eu preciso de você, Ren. Não me deixe.



[17/06/21]
sem revisão

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