Pare

    Há uma coisa engraçada em ficar doente. Você sente frio mesmo estando com seu corpo quente e não sente fome apesar de seu corpo estar fraco.

Eu me sinto exatamente assim quando acordo. Estremeço a cada passo fora da cama, sentindo minha pele pegajosa e minha temperatura alta.

Me apoio na parede do banheiro enquanto deixo a água gelada cair em meu corpo. Começo a tremer, mas me obrigo a ficar por mais alguns minutos. Eu quase nunca fico doente e a última vez foi quando eu era criança. Eu provavelmente peguei algum resfriado.

Desligo o chuveiro e saio do banheiro, me enrolando em uma toalha. Engolir em seco dói, mas me obrigo a fazer isso algumas vezes enquanto me arrumo para o trabalho.

Eu geralmente faço isso de jeito meticuloso, porque odeio roupa amassada ou gravata torta, mas hoje eu não estou ligando para isso enquanto me arrasto para dentro das roupas e em mais minutos do que deveria ter levado, eu estou pronto.

Zaac já deve estar me esperando, então não como nada antes de sair — não que eu conseguisse engolir qualquer coisa que não seja saliva.

Pontual como sempre, Zaac já está abrindo a porta do carro enquanto me aproximo. Eu resolvi mantê-lo mesmo depois da Abby ter ido embora.

A dor em meu peito não tem nada a ver com meu mal estar.

— Bom dia, senhor. — Zaac me cumprimenta, sorrindo amplamente.

— Bom dia, Zaac.

— O senhor está bem? Parece um pouco abatido.

— Estou ótimo, apenas... — pigarreio, limpando o suor da testa. Não percebi que estava suando tanto. Um tremor passo por mim e olho para o céu. Está cinza, sem supresa alguma, mas com certeza explica o frio que sinto. — Acho que vou voltar para pegar um casaco.

— Eu vou com o senhor.

Arqueio a sobrancelha e Zaac cora.

— Apenas para ter certeza que o senhor não vai desmaiar no meio do caminho.

Tensiono a mandíbula.

— Eu estou bem.

Mas Zaac me ignora e me segue para dentro do prédio. Eu não sei se é uma coisa boa ele ser tão... prestativo. Eu nunca demiti alguém por isso.

Os poucos momentos dentro do elevador seriam desconfortáveis se eu não estivesse suando cada vez mais. Não que isso seja confortável de alguma forma. Eu com certeza estou transpirando até nos pés. Além do mais, quando me encaro no espelho do elevador, vejo que Zaac não estava exagerando. Eu já havia me acostumado com as olheiras que surgiram nas últimas semanas, mas a minha pele amarelada e... meio verde? Sim, isso definitivamente é novo e ficar olhando para mim só me faz ficar enjoado.

— Você não precisa me seguir até o quarto. — digo a Zaac enquanto saio do elevador.

— Eu nem pensei nisso.

Lhe lanço o olhar de quem não acredita e subo para o quarto.

Tiro imediatamente o meu paletó, pois vou ter que trocar de roupa e talvez até um banho...

Sento-me na cama quando minha visão começa a ficar turva. Certo... Talvez eu não esteja mesmo bem. Talvez eu devesse deitar um pouco. Apenas por cinco minutos...

Me arrasto para cima da cama, murmurando para Zaac que me dê dez minutos. É claro que ele não ouve, porque está na sala, mas já estou fechando os olhos.

— Há quanto tempo ele está assim? — alguém pergunta. Eu não sei quem é, mas a voz é familiar. Está perto e algo toca meu rosto. Acho que é uma mão.

— Há meia hora. Eu subi para ver se estava tudo bem apenas dez minutos depois. Percebi que ele estava dizendo alguma coisa e foi o nome da senhorita.

A mulher confirma que é meu motorista quando diz:

— Certo, obrigada, Zaac. Você pode ir agora. Eu vou cuidar dele.

— Se a senhorita precisar de qualquer coisa...

— Eu vou chamá-lo, não se preocupe.

Ouço passos se afastando e logo depois mãos suaves estão em meu corpo de novo, dessa vez, percebo, desabotoando minha camisa. Me esforço para abrir os olhos e consigo piscar lentamente por alguns segundos, capturando apenas cabelos escuros.

Faço minha boca me obedecer para que eu possa protestar quando as mãos da mulher começam a tirar meu cinto.

— Eu tenho... namorada. — essas três palavras são as mais difíceis que já disse em toda a minha vida, mas as mãos param.

— Você tem?

— Sim... O nome dela... é Abby. — eu sei tenho que parar de falar, não só porque exige muito de mim, mas também porque não posso sair contando a minha vida para uma estranha. Contando uma mentira ainda.

Acho que a mulher suspira, voltando a tirar minha calça.

Você está mais doente do que eu pensava.

Eu não sei o que isso quer dizer, mas rapidamente a mulher desconhecida mas familiar vai ficando cada vez mais distante e eu já não ligo se ela vai tirar a minha roupa. Eu só quero dormir.

— Lauren, você não está pensando direito...

— Eu tive bastante tempo para pensar nisso, Victor. Todo o tempo que você passou naquela maldita empresa ou em viagens, eu pensei. E estou cansada.

Liam, Karen e eu observamos mamãe colocar nossas roupas em uma mala, enquanto papai passa as mãos nos cabelos.

Estamos na cama de Liam, abraçados sem entender porque eles estão discutindo. Mamãe costuma dizer que eu tenho apenas dez anos e não preciso me preocupar com problemas de adultos. Eu digo a mesma aos meus irmãos, ambos com sete anos.

— Você não pode fazer isso. Não pode me deixar. As crianças, como vai ser para elas ficarem longe de mim? — papai continua tentando fazer mamãe voltar atrás, mas ela continua jogando roupas e mais roupas na mala. Estou começando a achar que essa mala é pequena demais.

— Seus filhos sempre ficaram longe de você, porque você é ocupado demais para dar atenção a eles. Qual diferença faria?

Mamãe está certa. Papai passa mais tempo trabalhando do que em casa. Mas eu também não gosto muito quando ele está aqui, pois ele nunca me deixa brincar e às vezes me trança no meu quarto para que eu estude. Eu sei que estudar é importante, mesmo para alguém que quer ser chefe de cozinha, mas às vezes papai exagera.

— Lauren... Lauren, olhe para mim — quando mamãe não faz isso, papai a segura pelos ombros e abriga a lhe encarar. — Fique. Por favor.

Mamãe começa a balançar a cabeça, chorando.

— Não tem pelo que ficar.

— Fique por mim e eu prometo que tudo será diferente. Me dê mais uma chance, Lauren.

Eu sei quando papai a convence quando ela deixa que ele o abrace. Mamãe lhe abraça também, mas está olhando para nós três e eu posso jurar que a palavra "desculpe" deixa seus lábios.

Eu não queria que ela ficasse. Mamãe tem dores de cabeça constantes por causa do papai e ela está sempre chorando quando acha que não estamos vendo. Não é justo. Mamãe sempre foi uma mulher boa e alegre, mas às vezes, quando papai está perto, ela se torna menos feliz.

Eu nunca vou entender porque ela ficou, se cada dia que passava, sua alegria diminuía.

— Dom, acorde, você precisa comer.

Abro os olhos, piscando lentamente para que a nuvem de confusão se esvaia. Levo um minuto para lembrar do motivo de meu corpo está tão pesado e minha cabeça doer a cada piscada de olhos que dou.

Sento-me na cama. Ou tento. Me sinto fraco e rapidamente alguém está me ajudando, como se fosse um inválido.

Encaro a pessoa, lembrando-me vagamente de uma mulher...

Acho que realmente perco todas as forças quando o rosto de Abby se torna uma visão mais clara. Ela está aqui esse tempo todo? Como eu não reconheci sua voz?

Continuo lhe encarando enquanto ela põe o travesseiro atrás de minhas costas.

— Está confortável assim? — pergunta, sem encarar meus olhos. Ela está me evitando mesmo enquanto cuida de mim? E por que ela está cuidando de mim? Está claro que eu fui um idiota ao deixá-la ir duas vezes, mas aqui está ela mais uma vez.

Anuo, não confiando que possa dizer alguma coisa agora.

Abby se vira para pegar uma bandeja que eu não havia reparado que estava em cima da  cama. Ela põe em meu colo.

Encaro a sopa.

— Pode comer, não fui eu que fiz. Eu pedi para Sabine. Ela costuma fazer quando Sarah fica doente.

Um meio sorriso me escapa. Eu não estou relutante em comer por achar que foi ela que fez, mas porque não gosto de sopa.

— Eu não estou doente. — digo isso, porém. As primeiras palavras que digo a ela – consciente – em duas semanas. Eu sou mesmo um idiota.

— Não foi o que seu médico disse. — ergo os olhos para ela, mas ela desvia rapidamente para as próprias mãos.

— Médico? — eu não lembro de médico algum.

— Uhum. Sua febre tinha aumentado. Mas o médico disse que não é nada demais. Além do estresse, parece que você não em comido ou dormido direito.

— É verdade.

Abby me encara e por um momento parece até supresa. Ela acha que eu ficaria bem com sua partida? Realmente?

Diga a ela que você tem pensado nela todos os dias, a cada maldito segundo. Diga que você a quer de volta. Diga qualquer coisa, seu idiota.

Reúno a coragem para lhe abrir meu coração, mas assim que abro a boca, ela me dá as costas. Não, de novo não.

— Abby... — começo, fazendo-a parar, mas ela não vira.

— Você precisa tomar a sopa logo ou ela pode esfriar...

— Foda-se a maldita sopa.

Ela ainda não me olha.  Penso em jogar a bandeja no chão para poder ficar de pé, quando ela volta a falar.

— Tem um remédio do lado da sua...

Abby.olhe para mim.

— ... cama e você precisa...

— Eu preciso de você.

Ela me ignora, falando sobre alguma porra de remédio que eu preciso tomar. Será que ela não consegue ver meu desespero? Ela está de costas para você.

— Abby, pelo amor de Deus, olhe...

— Pare! — quando ela vira, agradeço por estar sentado ou cairia de joelhos pela forma como seus olhos brilham de dor. — Pare de dizer o meu nome como se eu significasse alguma coisa para você!

Você significa tudo para mim.

A observo respirar fundo e limpar as lágrimas, odiando vê-la assim, ainda mais por minha causa.

— Eu liguei para o Liam. Ele deve chegar logo. Até lá, você precisa comer.

— Você está indo embora?

Abby ri, o som carregado de dor.

— Sim, Dominic, eu estou indo embora. De novo e você não vai fazer nada para me impedir, não é? — o sorriso em seus lábios vacila por um momento antes de ela se recompor. — Isso não é novidade.

Eu a observo ir pela terceira vez, então.

Eu soube depois que o motivo de minha mãe ter ficado foi meus irmãos e eu. É claro que ninguém me contou isso, eu apenas... percebi com o passar do tempo. Apesar da promessa de meu pai, ele não mudou. Na verdade, tudo apenas ficou pior.

Quando vi Abby arrumando suas malas, eu senti que estava tendo um déjà vu. E eu não queria ser como meu pai. Não podia pedir que ela ficasse sem poder lhe dar a certeza de um futuro.

Mas agora eu me pergunto se o meu amor seria o suficiente para ela e só há uma maneira de saber.

O que acharam do capítulo?

Já gostaram e sentiram falta de alguém a ponto de ficar doente?

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2bjs, môres♥

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