⸻ 𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐎𝐍𝐄







CAPÍTULO UM


"The Meet"









              𝓐s grandes patas da loba afundavam na terra úmida da floresta, resquício da chuva constante que cobria toda a cidade. O animal já sentia os pulmões queimarem; havia horas que corria. Qual era o destino? Nem ela mesma sabia. Não fazia ideia de onde estava. Sabia apenas que, nos últimos meses, havia passado por florestas ao sul do Canadá, México, América Central, e tinha quase certeza de que pisara em solo brasileiro. Mas seu corpo sempre retornava ao lugar onde seus piores pesadelos se materializavam.

 Pela última vez, a garota tentou fugir; pela última vez, forçou-se a correr o mais longe possível. Fazia quase dois dias que estava nesse trajeto, em direção ao que supunha ser o noroeste do país. O cheiro ao redor era único: o aroma de terra molhada inundava o olfato da loba — e como ela adorava esse cheiro! Trazia-lhe boas memórias, algo raro em sua vida.

 Ela se permitiu desacelerar; precisava descansar, pois todo o seu corpo queimava. Zuri caminhou lentamente em busca do riacho que ouvira. Pôde observar melhor as árvores ao redor. Tudo era estranhamente peculiar: os abetos espalhados pela floresta eram grandes e antigos, bloqueando a entrada da luz do dia, mesmo em um céu sem sol. Ao encontrar o riacho, a loba finalmente matou sua sede. Tudo estava calmo, até mesmo sua mente. Percebeu que, depois de algum tempo em sua forma animal, seus pensamentos tornavam-se mais primitivos do que racionais — e isso a confortava.

 Quando estava se preparando para retomar sua corrida, Zuri ouviu ao longe o som de passos um tanto quanto diferentes; eram mais pesados que os dos outros animais. Ela ergueu o focinho na tentativa de captar o cheiro daquilo que se aproximava, mas falhou miseravelmente. Caminhou lentamente na direção de onde acreditava ter ouvido o barulho. Zuri se camuflava entre as árvores com facilidade. Não era uma recém-transformada; nesse tempo em que vagava em sua forma animal, já havia se deparado com muitos humanos — até mesmo caçadores.

 A loba parou bruscamente quando seu olfato a alertou para um cheiro estranhamente familiar. Era semelhante ao seu, mas diferente. Ao olhar adiante, numa pequena clareira, avistou três grandes lobos parados em estado de alerta. O da esquerda era o segundo maior, com uma pelagem cinza que parecia brilhar. O da direita era o menor entre os três, com pelos longos e de um tom amarronzado. No centro estava o maior de todos; sua pelagem preta se destacava, e sua postura deixava claro que ele era o líder.

 Zuri só percebeu que estava prendendo a respiração quando ouviu seu próprio coração acelerar pela falta de oxigênio. Nunca havia visto outros como ela desde o grande desastre. Achava ser a última de sua espécie, mas, pelo visto, estava enganada.

 Ela permaneceu ali por alguns instantes, intrigada. Mal podia acreditar no que via. Se o cheiro não fosse tão forte, poderia jurar que estava sonhando. Quando o lobo marrom se virou para a direção onde ela estava escondida, abaixou-se rapidamente entre os arbustos que a cercavam. Foi então que percebeu que precisava sair dali o mais rápido possível. Era forte, sabia disso, mas nunca havia lutado contra outro lobo, muito menos contra três.

 A loba se virou, tentando não emitir nenhum som, e estava tendo êxito até pisar, sem querer, em um galho seco. O estalo foi alto o suficiente para que todos os três lobos no centro da clareira a notassem.

 Ouviu um longo rosnado que a deixou em estado de alerta. Em poucos segundos, os grandes lobos se atiraram na direção da loba branca, que, instantaneamente, começou a correr. Seu corpo ainda não havia se recuperado do esforço dos últimos dias, mas ela não se permitiu parar, nem mesmo quando sentiu suas pernas começarem a falhar pela exaustão. Mesmo com todo o cansaço, Zuri conseguia ser mais rápida que os três lobos que a perseguiam, mas não sabia por quanto tempo resistiria, nem até quando eles continuariam a persegui-la. O que fariam se a alcançassem?

 Estava tão absorta em seus pensamentos que não notou uma descida íngreme à sua frente. Ao pisar em falso, a loba caiu ladeira abaixo. Todo o seu corpo ardia pelo atrito de sua pele com o solo arenoso. Zuri não conseguiu ver onde parou ou como; apenas sentiu algo duro atingindo sua cabeça, e tudo que viu depois disso foi uma vasta escuridão.





 Ao abrir os olhos, Zuri se forçou a focar a visão. Tudo ainda estava um pouco embaçado. Percebia que o ambiente era majoritariamente de madeira, mas não conseguia distinguir muito mais do que isso. Então, decidiu se concentrar nos outros sentidos. Ao puxar o ar profundamente, sentiu o cheiro de muffins, e sua barriga roncou em resposta. Ela havia perdido a conta de quanto tempo fazia desde a última vez que comera comida humana.

 Aos poucos, sua visão foi se ajustando, permitindo-lhe observar o ambiente ao redor. Estava em uma sala com dois sofás de tecido já gastos. Uma televisão antiga repousava sobre um rack de madeira do outro lado do cômodo. À sua direita, havia uma lareira com o fogo baixo, e acima dela, muitos porta-retratos estavam expostos.

 Ao olhar para si mesma, Zuri notou que estava em sua forma humana — obviamente. Vestia uma calça jeans que parecia um pouco larga em seu corpo e uma blusa branca de manga longa. Ela encarou as próprias mãos, sentindo-se um pouco anestesiada. Há quanto tempo não sabia o que era andar sobre duas pernas? Será que ainda lembrava como caminhar? Seus pensamentos foram interrompidos pelo som de panelas sendo mexidas não muito distante.

 Ela se sentou no sofá, decidida a encontrar quem quer que fosse que a havia levado até ali. Por que haviam deixado-a viva? Estariam planejando torturá-la?

 Zuri se forçou a ficar de pé, apoiando-se no sofá. No início, foi difícil encontrar equilíbrio, mas, aos poucos, seu sentido humano foi voltando. Mesmo assim, ela preferiu não arriscar. Foi se ancorando nas paredes enquanto seguia na direção de onde os barulhos vinham.

 Ao entrar na aparente cozinha,  notou uma mesa redonda cercada de cadeiras. Quem quer que vivesse ali parecia estar acostumado a receber visitas. De costas para ela, uma mulher de longos cabelos escuros mexia algo no fogão, entretida. Ela cantarolava uma música baixa, parecendo alheia ao fato de que estava sendo observada. Com certeza, não era uma deles.

    — Quem é você e onde estou? — Zuri se pronunciou, estranhando sua própria voz.

 A mulher se virou, revelando seu rosto. Tinha a pele levemente bronzeada, e os cabelos moldavam perfeitamente suas feições, enquanto a franja dava um ar romântico à sua aparência. No entanto, o que mais chamou a atenção de Zuri foi uma grande cicatriz que cobria todo o lado direito do rosto da mulher.

    — Vejo que você acordou — disse a mulher com um sorriso receptivo. — Está com fome?

    — Quem é você e onde estou? — repetiu Zuri, desta vez mais como um rosnado do que uma fala.

    — Me chamo Emily, e você está em minha casa — respondeu a mulher, dando um passo à frente, o que fez Zuri recuar, assustada.

    — Como eu vim parar aqui? — Zuri questionou.

    — Sam e os rapazes te trouxeram há alguns dias — respondeu Emily calmamente.

 Dias? Havia dias que Zuri estava desacordada? Quem era Sam e por que ele a havia trazido para a casa de Emily? Quanto mais suas perguntas eram respondidas, mais dúvidas surgiam.

    — Você está com fome? — perguntou a mais velha com naturalidade, sem obter resposta. — Podemos conversar enquanto você come. Responderei suas perguntas.

 Sem se preocupar em responder, Zuri caminhou lentamente até uma das cadeiras, escolhendo a mais distante de onde Emily estava. Não a conhecia, muito menos confiava nela. Emily, ainda de pé, compreendeu o recado. Foi até o fogão e serviu uma porção de macarronada em um prato. Ao entregar a comida para a mais nova, Zuri não disfarçou: aproximou o prato do nariz e começou a cheirar, tentando identificar qualquer aroma estranho ou perigoso. Emily não conseguiu conter um pequeno sorriso diante de tanta desconfiança.

    — Está muito longe de casa? — Emily perguntou, quebrando o silêncio.

    — Eu não tenho uma casa — respondeu Zuri de boca cheia. Não podia negar: a comida era sensacional. Uma das poucas coisas que realmente sentia falta enquanto estava em sua forma de lobo era a comida humana. Caçar outros animais era necessário, mas algo nela achava desumano encarar o olhar de desespero de suas presas. Ainda assim, era o ciclo da vida. Sempre havia alguém que morria no dia, e, segundo o ditado pessoal de Zuri, que fosse qualquer um, menos ela.

    — Está gostando da comida? — perguntou a mais velha, apoiando o rosto nas mãos.

    — Eu é que deveria fazer as perguntas aqui — respondeu a visitante de forma ríspida, lançando um olhar fulminante para Emily. — Onde estamos?

    — Como respondi antes, estamos em minha casa. Mas, para ser mais específica, em Forks, no condado de Clallam, em Washington — respondeu Emily com cautela, observando a expressão confusa no rosto da garota.

    — Por que me trouxeram para cá? — Zuri a encarou, ansiosa pela resposta. — Não seria mais fácil ter me matado na floresta ou enquanto eu estava desacordada?

Emily a olhou, perplexa.

    — Não é porque meu noivo é o que é que isso o torna um monstro... — parou por um momento, percebendo que ainda não sabia o nome da garota. — Por que não me diz o seu nome? Assim podemos nos apresentar direito.

    — Não acho que quero me apresentar a você — respondeu Zuri com a voz mais ácida que conseguiu. Ela percebeu o semblante da mulher à sua frente mudar para uma expressão de decepção e, após um breve silêncio, cedeu:

    — Zuri... meu nome é Zuri.







Capítulo não revisado

Primeiro capítulo lançado, me contem aqui o que acharam.
Estou animada para o decorrer da história.

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