⸻ 𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐅𝐎𝐔𝐑
CAPÍTULO QUATRO
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"Broken Barriers"
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𝓠uando era mais nova, Hayley, mãe de Zuri, a apelidou de lobinha. Na época, a menina não compreendia o real significado do apelido, achava apenas uma forma carinhosa de sua mãe chamá-la. Hoje, já mais velha, Zuri se perguntava o que sua mãe pensaria da mulher que sua filha estava se tornando. As memórias de seus pais eram vagas, quase como borrões em sua mente, tão distantes que pareciam mais fruto de sonhos do que de algo que realmente vivera. Ela não conseguia distinguir o que, de fato, havia acontecido e o que sua mente criava para preencher os vazios deixados pela ausência.
Crescer sem eles foi um fardo pesado. Zuri frequentemente se pegava pensando em como seria ter tido seus pais presentes em momentos importantes da sua vida. Como seria tê-los no primeiro dia de aula? Ou na formatura do fundamental? Será que eles teriam rido ou ficado furiosos quando ela levou sua primeira advertência na escola por quebrar o nariz de um garoto que puxou seu rabo de cavalo no intervalo? E na primeira vez que menstruou, quando ficou perdida, sem ninguém para lhe explicar como usar um absorvente. Ou ainda, no dia mais assustador e confuso de sua vida: a primeira transformação.
Nesses nove anos de solidão, ela se perguntava, com uma mistura de dor e saudade, o quão orgulhoso seu pai estaria da loba que sua filha havia se tornado. Zuri não era apenas habilidosa, ela era ágil, forte e, em muitos aspectos, um reflexo do que seus pais sempre imaginaram que ela poderia ser. Mas, ao mesmo tempo, sentia a falta de algo essencial: eles não estavam ali para vê-la.
Todas as noites, antes de dormir, Zuri permitia-se imaginar. Criava cenários onde seus pais estavam ao seu lado, compartilhando risadas, conselhos e até broncas. No fundo, sabia que não passava de imaginação, mas era o mais próximo que podia chegar deles. E, ainda assim, isso nunca parecia suficiente.
A garota estava sentada na escada da casa de madeira que, por ora, chamaria de lar. Estava presa em seus pensamentos, revivendo as cicatrizes de um passado doloroso. O sábado trazia o som animado dos garotos no gramado à frente, envolvidos em uma brincadeira de luta que, na visão de Zuri, estava longe de ser séria. Apesar dos corpos grandes e musculosos, nenhum deles demonstrava habilidade. Os golpes eram previsíveis, e as bases, instáveis. Pareciam tudo, menos lutadores, com exceção de Paul, que exalava a arrogância de quem já se metera em encrencas. Ela não precisava conhecê-lo bem para saber que ele provavelmente causara muitos problemas na escola.
Embry e Quil se encaravam, rodeando um ao outro em busca de uma brecha. Quil avançou primeiro com um direto desajeitado, facilmente bloqueado por Embry, que aproveitou a abertura para contra-atacar com um soco certeiro no maxilar do amigo. O gemido de dor foi audível, arrancando risadas de Jared, que observava a cena ao lado de Zuri.
— Quem você acha que vai ganhar? — Jared perguntou com um sorriso divertido.
— Aposto 20 pratas que Embry acaba com Quil — Paul interrompeu, mordendo uma maçã com irrelevância.
— Nenhum dos dois. Eles são péssimos lutadores — Zuri respondeu com desdém, sem nem desviar o olhar do gramado.
Paul arqueou uma sobrancelha, sua irritação evidente.
— E o que você sabe de luta? — ele retrucou, o tom carregado de escárnio.
— Certamente mais do que você. — Zuri disparou, sua voz afiada como uma lâmina, ainda sem se dignar a olhar para ele.
As palavras de Zuri foram como um desafio, e Paul as recebeu exatamente assim. Seu sorriso desapareceu, dando lugar a um olhar determinado.
— Isso foi um desafio? — ele perguntou, a voz carregada de provocação.
— Se você entendeu assim... — Zuri finalmente olhou para ele, um sorriso sarcástico curvando seus lábios.
Sem responder, Paul levantou-se e entregou a maçã a Jared, marchando em direção ao gramado. Embry e Quil interromperam a "luta", confusos.
— Vamos ver o que você sabe fazer, lobinha — Paul disse, suas sobrancelhas erguidas em provocação.
O apelido fez um arrepio percorrer a espinha de Zuri, mas ela não demonstrou. Levantou-se, limpando imaginárias partículas de poeira da calça e caminhou calmamente até o gramado.
— Paul, para com isso... — Embry tentou intervir, colocando-se entre os dois.
— Você não precisa fazer isso, Zuri. — Jared falou, a preocupação estampada em seu rosto.
— Eu não estou obrigando ninguém. — Paul rebateu, cruzando os braços com desdém.
Zuri colocou a mão no ombro de Embry, que a encarou com olhos suplicantes, mas ela apenas assentiu, tranquilizando-o.
— É só uma brincadeira boba — disse com naturalidade, seu olhar fixo em Paul. — Não se preocupem, não vou machucar o Lahote... pelo menos não muito.
A risada sarcástica de Paul ecoou enquanto ele dava um passo à frente.
— Vamos ver então. — Ele cuspiu as palavras, afastando os outros rapazes.
Ambos assumiram suas posições, o ar ao redor carregado de tensão. Jared, com as mãos erguidas, deu o sinal. Zuri firmou sua base, os olhos faiscando enquanto observava Paul, cada músculo de seu corpo pronto para reagir. Ele era mais forte, isso era inegável, mas a força bruta não era tudo. Ela confiava em sua agilidade e técnica, armas que Paul claramente subestimava.
O rapaz foi o primeiro a agir, avançando com um cruzado potente. Zuri bloqueou com facilidade, mas não teve tempo de comemorar; Paul seguiu com um direto que atingiu sua costela em cheio, fazendo o ar escapar de seus pulmões em um gemido contido.
— Pode desistir, lobinha — ele arfou, a voz repleta de escárnio, um sorriso arrogante curvando seus lábios. — Ninguém vai te julgar.
Apesar da dor que pulsava em sua lateral, Zuri ergueu a cabeça, um sorriso desafiador brincando em seus lábios.
— Boa tentativa, Lahote — ela respondeu, antes de desferir um chute diagonal na coxa de Paul, o impacto ecoando como um estalo.
Ele vacilou, sua base instável. Furioso, tentou uma sequência de socos, mas Zuri desviou com agilidade quase sobrenatural, os movimentos calculados como o de uma dançarina. Vendo uma brecha, ela contra-atacou com um cruzado no queixo dele, com força suficiente para fazê-lo cambalear para trás.
— Sabe, Lahote... pode desistir — disse ela, o tom carregado de ironia. — "Ninguém vai te julgar."
Os olhos de Paul arderam com raiva. Antes que pudesse responder, Zuri avançou como uma flecha, acertando um chute lateral certeiro na costela dele. O impacto foi tão forte que o som pareceu reverberar, e Zuri sabia que aquilo deixaria marcas.
Mas Paul não recuou. Movido pela raiva, agarrou a perna dela antes que pudesse recolhê-la, erguendo-a com força. Zuri foi lançada no ar, girando antes de cair com brutalidade na grama. Por um momento, a dor irradiou por seu corpo, mas ela não deixou transparecer fraqueza.
Paul, de pé, olhou para ela com um sorriso vitorioso, o peito arfando em triunfo. Ele deu um passo para trás, pronto para encerrar aquilo.
— Nunca subestime o adversário, Lahote — murmurou Zuri, quase inaudível.
Antes que ele pudesse reagir, Zuri girou no chão, desferindo uma rasteira precisa que derrubou Paul com força no gramado. O baque foi alto, arrancando um suspiro coletivo dos que observavam.
Paul olhou para cima, confuso e irritado, apenas para encontrar Zuri sobre ele, o sorriso presunçoso estampado em seu rosto.
— Não seja tão prepotente, Paul — ela disse, cada palavra pingando ironia. — E nunca, nunca vire as costas para o adversário antes de ter certeza da vitória.
O silêncio que seguiu foi tão pesado quanto a queda de Paul, enquanto Zuri se levantava com elegância, limpando a poeira da roupa como se nada tivesse acontecido.
Zuri estendeu a mão para o rapaz ainda caído, que agarrou sendo ajudado a levantar. Ele sorriu para a menina
— Nada mal, lobinha. — disse ele, estendendo a mão para Zuri em um gesto de cumprimento, reconhecendo sua vitória.
Ela estranhou por um segundo a súbita simpatia do garoto e a facilidade com que ele aceitava a derrota. Não parecia o Paul que conhecia. Mesmo assim, apertou sua mão, retribuindo com um sorriso cauteloso.
— Ela luta melhor do que vocês. — Paul comentou, olhando para os outros meninos enquanto passava, de forma brincalhona, o braço ao redor de Zuri. — Quem sabe ela não pode te dar umas aulas? — acrescentou, dirigindo-se diretamente a Quil.
— Você acabou de perder para ela, Lahote. Não acho que esteja em posição de julgar ninguém aqui. — Jared retrucou, devolvendo a maçã ao garoto.
— Isso foi demais, Zuri! — Embry exclamou, os olhos brilhando de empolgação enquanto encarava a garota. — Onde você aprendeu a lutar assim?
Os outros meninos a encararam com expectativa, curiosos por sua resposta. A aparência de Zuri era enganadora; quem a visse jamais imaginaria sua força e agilidade em combate.
— Quando não tem ninguém para te proteger, você aprende a fazer isso sozinha. — respondeu ela com um sorriso tímido, tentando disfarçar a dor contida em suas palavras.
A resposta pesou no ar, e os garotos a olharam com evidente tristeza. Eles entendiam o que ela queria dizer. Cada um ali tinha enfrentado a ausência de pais ou uma infância marcada por dificuldades. E agora, com a transformação precoce, foram obrigados a abandonar suas antigas vidas. Mesmo assim, todos pareciam solidários à dor de Zuri — até mesmo Paul demonstrava empatia.
— Agora você nos tem. — disse Paul, com o tom mais suave do que o habitual.
— Nós vamos proteger você, Zuri. — Embry afirmou, o peito estufado com determinação.
Ela ficou sem reação diante da atitude deles. Não havia hesitação ou brincadeira em suas palavras; eles estavam sendo genuinamente sinceros. Aquilo aqueceu o coração de Zuri de uma forma que ela não esperava. Sem perceber, as raízes que tanto temia estavam sendo fincadas. Aqueles meninos já haviam conquistado seu coração.
— Obrigada. — murmurou ela, a voz saindo quase como um sussurro, acompanhada de um sorriso genuíno.
— Agora você precisa me ensinar aquela rasteira. Foi incrível! — Quil comentou animado, quebrando o clima tenso que havia se formado.
Todos riram com a resposta do mais novo, e assim a manhã passou em um piscar de olhos. Os jovens permaneceram ali, brincando, mesmo que a brincadeira carregasse suas peculiaridades. Não pareciam mais eles mesmos, mas sim as crianças interiores que, por tanto tempo reprimidas, finalmente se permitiam viver aquilo que desejavam ter vivido antes. Para quem observasse de longe, seria fácil jurar que eram irmãos, tamanha era a união que emanava do grupo. E, aos poucos, Zuri descobria que aquele era o seu lugar.
Todos os rapazes haviam saído para patrulha. Pelo que Zuri escutara de soslaio, havia "intrusos" em Forks. Ela não fazia ideia do que isso significava, mas percebia que o bando estava mais tenso com as patrulhas do que o habitual, e isso a deixava inquieta. Sua mente era um turbilhão, repleta de pensamentos confusos, e ainda havia a preocupação com a reunião marcada com o conselho mais tarde. Ela sabia que seria bombardeada com perguntas. A questão era: estaria disposta a respondê-las?
— Te trouxe chá. — a voz de Emily interrompeu seus pensamentos, e Zuri a viu próxima à porta do cômodo. — Você parece nervosa.
— Porque estou. — respondeu Zuri, arrastando-se para o lado no sofá, indicando para Emily sentar ao seu lado.
— Zuri, não é como se eles estivessem te analisando. — disse Emily ao entregar a caneca para a garota. — Eles só querem te conhecer melhor, você é nova...
— Novidades são péssimas. — Zuri respondeu, a ansiedade evidente em sua voz, antes de dar um gole no chá, que desceu amargo por sua garganta.
— Coisas novas não são ruins. — corrigiu Emily com suavidade, enquanto ajeitava uma mecha de cabelo atrás da orelha da mais nova. — Ninguém está aqui para te julgar.
Zuri fitou Emily, buscando respostas em seus olhos. Não encontrou nada que desmentisse suas palavras. A mulher era genuína demais, e Zuri não pôde deixar de admirar isso nela.
— Esse chá é de quê? — perguntou Zuri, encarando o líquido na caneca.
— Mate com canela. — respondeu Emily, confusa com a pergunta. — Você não gostou?
— Não. — a mais nova respondeu com uma careta, arrancando uma risada de Emily. — Isso é horrível. — percebeu o que tinha acabado de dizer e encarou a mulher com receio. — Me desculpe. — murmurou com um sorriso tímido.
— Está tudo bem. — Emily a tranquilizou. — Acho que você deveria ir se arrumar. Não acho que Billy goste de atrasos.
A menção de Billy provocou um arrepio que percorreu todo o corpo de Zuri. Ela não se sentia pronta para aquela noite. Era como se estivesse sendo lançada na jaula de um predador, e isso a desconcertava. Normalmente, ela era a predadora. Odiava a sensação de ser a presa.
Zuri então se levantou do sofá, acompanhada por Emily, que saiu do cômodo e voltou trazendo algumas peças de roupa para que a menina pudesse tomar banho. O banho foi rápido, e ela se trocou ainda mais depressa, ansiosa para acabar logo com aquilo. Ao sair do banheiro, procurou Emily pela casa e a encontrou na cozinha, mexendo algo no fogão. Provavelmente estava preparando comida para quando o bando chegasse esfomeado da patrulha.
— Emily. — Zuri chamou, e a mulher se virou rapidamente para encará-la.
— Você pode fazer uma trança no meu cabelo?
— Claro que posso. — Emily respondeu com um sorriso, desligando o fogo. — Quer causar uma boa impressão? — brincou, arrancando um sorriso de Zuri.
— Só não quero parecer uma cachorra pulguenta. — Zuri retrucou em tom de brincadeira.
— Você não é pulguenta. — Emily respondeu, ignorando a parte de "cachorra". — Pelo menos nunca encontrei pulgas em você.
— Ainda não. — Zuri devolveu com um olhar travesso enquanto se sentava de costas para que Emily começasse a mexer em seu cabelo.
Enquanto trançava os longos fios negros da garota, Emily cantarolava baixinho uma melodia que Zuri não conhecia. Aquele momento, porém, trouxe uma tranquilidade inesperada. De repente, toda a ansiedade que a dominava sobre a reunião desapareceu.
— Pronto. — Emily exclamou, segurando o rosto de Zuri e analisando-a com carinho. — Você está linda.
— Obrigada. — Zuri respondeu, tímida
.
— Rachel já deve estar chegando para te buscar. — Emily explicou, voltando ao fogão.
Zuri não respondeu, preferindo permanecer sentada em silêncio, aproveitando a companhia tranquila de Emily. Não demorou muito para ouvir uma buzina do lado de fora. Emily sorriu e murmurou: "Ela chegou", antes de sair da casa. Zuri a seguiu e viu Rachel sendo recebida com um abraço caloroso.
Rachel vestia uma calça jeans rasgada nos joelhos, de cintura baixa, combinada com uma regata branca que deixava o umbigo à mostra. Por cima, usava uma jaqueta militar claramente grande demais, provavelmente retirada do armário de Paul.
— Está pronta? — Rachel perguntou, sorridente, após se afastar de Emily.
Zuri confirmou com um aceno de cabeça.
— Então vamos. — Rachel disse, caminhando até a Harley-Davidson estacionada.
Zuri a encarou, estática, sem se mover.
— Você não vem? — Rachel perguntou, confusa
.
— Eu não vou subir nisso. — Zuri respondeu como se fosse óbvio, cruzando os braços sobre o peito.
— Você se transforma em um lobo enorme e tem medo de uma motinha? — Rachel zombou, arrancando um olhar fulminante de Zuri.
— Olha pra essa lata velha. — Zuri cuspiu as palavras. — Eu sou forte, mas não imortal, Rachel.
— Essa "lata velha" é muito segura. — Rachel retrucou com um sorriso cínico. — Meu irmão a reformou e fez um ótimo trabalho. Agora, se não quiser ir a pé, sugiro que pare de graça e suba nessa moto. — concluiu, já sem paciência.
Sem responder, Zuri colocou sua melhor cara de poucos amigos e subiu na garupa.
— Onde está o capacete? — perguntou, apenas para ouvir a risada de Rachel.
— Estamos na Reserva, Zuri. Ninguém usa capacete. — respondeu, ligando a moto.
— Tchau, meninas! Vão com cuidado. — Emily gritou para se fazer ouvir sobre o som da moto.
Rachel acelerou, e logo a moto ganhou velocidade. Apesar da relutância inicial, Zuri não pôde deixar de soltar um sorriso. O vento contra o rosto e a sensação de liberdade a lembravam de quando corria em sua forma de lobo. Era uma de suas sensações favoritas no mundo.
As árvores ao redor começaram a dar lugar a uma planície, onde, ao longe, uma pequena casa de madeira com pintura vermelha despontava. Quando chegaram, Rachel parou a moto próxima à entrada e desceu, encarando Zuri, que ainda estava na garupa.
— Meu pai deve estar te esperando. — disse Rachel, notando a expressão tensa de Zuri. — Não precisa ficar nervosa. — pegou a mão da garota de forma inesperada. — Vou para a oficina enquanto você não termina. Depois aparece lá. — completou com um sorriso terno.
Zuri apenas assentiu, observando Rachel se afastar antes de descer da moto. Respirou fundo, tentando acalmar o coração acelerado. Ela odiava conhecer pessoas novas, mas se esforçaria dessa vez. Caminhou até a porta, subindo uma pequena rampa de madeira, e bateu antes de colocar as mãos nos bolsos, ansiosa.
Quando a porta se abriu, revelou um homem mais velho, mais baixo que Zuri, usando um boné que escondia parte de seu rosto e óculos redondos.
— Eu... sou a Zuri. — começou, gaguejando. — Eu... vim...
— Sim, eu sei quem você é. — ele interrompeu com um sorriso acolhedor. — Quil me falou muito sobre você. O pessoal aqui me chama de Velho Quil. — estendeu a mão para ela. — Vamos, entre. Estávamos te esperando.
Zuri entrou, observando o pequeno cômodo. Havia dois sofás de tecido xadrez; em um deles, outro senhor estava sentado, também usando um boné. Ao lado, um homem mais jovem, em uma cadeira de rodas, usava um chapéu preto. Pela descrição de Emily, aquele era Billy Black.
— Nossa convidada chegou, Harry. — disse Billy, cortando a conversa com o amigo.
— Boa noite. — Zuri cumprimentou, desconfortável com a atenção que recebia.
— Sente-se, menina. Fique à vontade. — Velho Quil disse, colocando a mão em suas costas para tranquilizá-la.
Ela se sentou no canto mais distante do sofá vazio, claramente desconfiada.
— Então, Zuri, qual é o seu sobrenome? — Harry perguntou.
— Labonair. — respondeu rapidamente.
— Diferente. — Billy comentou mais para si do que para os outros. — De onde você veio, Zuri?
— Nasci em Nova Orleans. — respondeu, seca.
— Nunca ouvi falar de quileutes naquela região. — Velho Quil comentou, surpreso.
— Não acho que ela seja quileute. — Harry afirmou.
Os homens a analisavam, curiosos. O dom da transformação parecia algo único de sua tribo, mas estavam enganados.
— Sam disse que você não conhece sua tribo, Zuri. — Billy começou, cauteloso. — Posso perguntar por quê?
A pergunta a pegou desprevenida. Por um momento, ela ficou sem palavras, tentando formular uma resposta. Sabia que tocar nesse assunto abriria uma ferida ainda não cicatrizada, mas, pela primeira vez, estava disposta a lidar com a dor.
E assim, Zuri começou a contar sua história.
— Eu não tenho muitas lembranças. Tinha apenas sete anos quando tudo aconteceu. — começou ela, a voz carregada de uma emoção que tentou reprimir. O peso das imagens vividas invadiu sua mente como um maremoto. — Nova Orleans é um verdadeiro redemoinho sobrenatural: vampiros, bruxas, lobisomens, metamorfos... a cidade era pequena demais para tantas raças coexistirem. — suspirou, sentindo os olhos começarem a arder.
Zuri fez uma pausa, tentando reunir forças para continuar, mas as palavras saíram quase por impulso.
— Me lembro vagamente de uma possível guerra... mas antes que pudesse acontecer, meus pais ordenaram que uma velha xamã da tribo me tirasse da cidade. — sua voz fraquejou, e ela cravou as unhas nas palmas das mãos, buscando uma dor física que abafasse a que agora se instalava no peito. — Quando voltei... já não existia mais nada. Todos estavam mortos.
Ela fechou os olhos por um instante, tentando conter o tremor em sua voz.
— Nunca tive a chance de conhecer minha tribo, sua história... então, sinto muito, mas não acho que poderei responder suas perguntas. — concluiu, a última frase saiu em um quase sussurro.
Antes que qualquer lágrima caísse, Zuri rapidamente limpou os olhos, determinada. Ela não choraria, não na frente de ninguém. Nunca havia chorado, nem mesmo quando era apenas uma criança e viu o corpo sem vida de seus pais diante de si.
Todos que estavam na sala pareciam surpresos com a história, alguns até mesmo tristes. Billy tentou se ajeitar na cadeira, desconfortável com a situação. Sentia-se mal por ter feito a pergunta. Zuri, por sua vez, evitava olhar nos olhos de qualquer um ali. Quase pior do que a dor que sentia era saber que todos estavam com pena dela. E ela odiava isso. Não queria que ninguém sentisse pena. Não era uma vítima. No passado, talvez, mas agora, Zuri Labonair era qualquer coisa, menos digna de pena.
— Sinto muito, garota. — Velho Quil foi o primeiro a quebrar o silêncio constrangedor.
— Quantos anos você tem? — Clearwater perguntou, tentando mudar de assunto.
— Parece que tenho 16. Perdi as contas nos últimos anos. — Ela respondeu com desdém. Tijolo por tijolo, Zuri reconstruía a barreira que havia abaixado nos últimos dias. Um erro, ela pensou.
— Sam comentou que você não consegue se transformar. — Billy começou, hesitante. — Mas seus outros sentidos ainda funcionam?
— Sim. — Respondeu de forma ríspida.
— Pelo menos sabemos que seu lobo não está completamente adormecido. — Ele concluiu, aliviado. — Vamos tentar ajudá-la, Zuri. Você é bem-vinda na Reserva pelo tempo que desejar. Você é uma de nós.
Ela ouviu isso tantas vezes nos últimos dias que, dessa vez, não sentiu impacto algum. Suas emoções estavam novamente trancafiadas atrás de sua muralha.
— Obrigada, mas não planejo ficar. Assim que conseguir me transformar, partirei. — Respondeu por pura educação.
— Entendo. De qualquer forma, o convite continua de pé. — Billy disse. — Acho que já tratamos o que queríamos com você, Zuri. Obrigado por aceitar nosso convite.
Zuri levantou-se do sofá e apenas acenou com a cabeça. Sem se despedir, saiu da casa. Precisava de ar. Seus sentimentos borbulhavam em seu peito, uma mistura de raiva e tristeza que não conseguia distinguir. Desceu a rampa da casa apressadamente, tentando controlar a respiração, que parecia falhar. Olhou para a moto estacionada não muito longe e lembrou-se de que Rachel mencionara estar na oficina. Embora não soubesse exatamente onde era, seguiu para os fundos da casa, onde vira Rachel desaparecer.
Ao se aproximar, um cheiro diferente capturou sua atenção. Parecia um perfume masculino, mas era muito melhor. Um aroma amadeirado que invadia suas narinas, irresistível, convidando-a a descobrir a origem. Notou uma grande porta de madeira aberta, com luzes acesas lá dentro. Risadas abafadas ecoavam do interior; uma era de Rachel, e a outra, uma melodia desconhecida e cativante.
Dentro do galpão, Rachel estava sentada em uma bancada de madeira, conversando com um rapaz no chão. Ele estava de costas para a entrada, mexendo em uma moto. Zuri não conseguiu ver muito, exceto os longos cabelos negros, parecidos com os de Rachel. Ele deveria ser o irmão que ela mencionara. Depois de alguns segundos, Rachel notou Zuri e abriu um largo sorriso.
— Zuri! A reunião acabou cedo. — Rachel desceu da bancada com um salto e caminhou até a amiga, passando o braço sobre os ombros dela. — Esse é meu irmão, aquele que mencionei antes.
O rapaz ainda estava de costas quando Rachel exclamou:
— Jacob, pelo amor de Deus, larga essa moto! Temos visita!
Quando ele se virou, um sorriso largo no rosto, o mundo de Zuri simplesmente parou.
Quando os olhos de Zuri se encontraram com os de Jacob, foi como se todo o caos do mundo se dissolvesse em um instante de perfeita harmonia. Um imenso quebra-cabeça, que ela nem sabia estar incompleto, finalmente tinha suas peças encaixadas. Tudo antes dele parecia um borrão, vazio, sem propósito. Como pôde viver todos esses anos sem conhecê-lo? Ela não sabia, mas sentia com certeza absoluta que não haveria um único segundo no restante de sua vida em que seu coração não pertencesse, irrevogavelmente, a Jacob Black.
E, de repente, toda a barreira que Zuri construíra desmoronou. Ele a havia destruído.
— Oi. — Jacob disse timidamente, enquanto um leve rubor tingia suas bochechas, sob o olhar fixo de Zuri.
Mas Zuri mal ouviu. Seu coração batia tão forte que abafava qualquer som ao redor. Sentiu como se o ar tivesse sido arrancado de seus pulmões, deixando-a completamente à mercê daquele momento avassalador. Seus olhos estavam presos nos dele, profundos e calorosos, como se a própria essência da existência a convidasse a se perder. O mundo ao seu redor parecia ter desaparecido, e o espaço entre eles se tornou uma linha tênue, carregada por uma energia que Zuri nunca experimentara antes.
Ela tentou falar, abrir a boca, formar qualquer palavra, mas era como se tudo dentro dela tivesse sido silenciado. Pela primeira vez, Zuri sentiu que estava completa, que algo maior e incontrolável havia se encaixado em sua alma. Um turbilhão de emoções a envolvia: espanto, vulnerabilidade e um amor tão intenso que a assustava, mas ao mesmo tempo a fazia se sentir inteira pela primeira vez em muito tempo na sua vida.
Jacob mal podia imaginar que, naquele instante, havia se tornado o eixo em torno do qual todo o universo de Zuri Labonair começava a girar.
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"O primeiro olhar"
⤷ Capítulo não revisado
⤷ Não esqueçam de votar e
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⤷ O tão esperado primeiro encontro aconteceu.
Jacob e Zuri terão o coração de vocês
Vejo vocês sexta que vem ツ
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